Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
6326
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Comunicação Breve

Impacto de fatores externos sobre a mecânica respiratória avaliada por um modelo fotogramétrico específico: biofotogrametria

Assessing the impact that external factors have on respiratory mechanics assessed using a specific photogrammetric model

Denise da Vinha Ricieri, Nelson Augusto Rosário Filho

ABSTRACT

This is a report on a methodological adaptation of the photogrammetric technique, which is used in other medical specialties, for use in analyzing respiratory movements. Photogrammetry and a model of photogrammetry designated biofotogrametria para análise da mecânica respiratória (BAMER, photogrammetric analysis of respiratory mechanics) were tested under previously described pathophysiological conditions: post-exercise dynamic hyperinflation using positive end-expiratory pressure. The BAMER model identified an increase in the thoraco-abdominal area following exercise using positive end-expiratory pressure. These results are comparable to those obtained with more robust systems of respiratory kinematics. The use of photogrammetry has value in many areas, since it produces quantitative data, being particularly relevant in pediatrics, in which monitoring resources are scarce.

Keywords: Biomechanics; Photogrammetry; Respiratory mechanics; Thoracic wall.

RESUMO

Este é um relato sobre a adaptação metodológica da técnica fotogramétrica, utilizada em outras especialidades, para análise do movimento respiratório. A biofotogrametria e o modelo denominado biofotogrametria para análise da mecânica respiratória (BAMER), foram testados em uma condição fisiopatológica previamente descrita: a presença de hiperinsuflação dinâmica após exercício com uso de pressão expiratória final positiva. O modelo BAMER identificou um aumento da área tóraco-abdominal após exercício com uso de pressão expiratória final positiva, resultado este comparável aos obtidos por sistemas mais robustos em cinemática respiratória. A pesquisa em biofotogrametria possui valor relevante para muitas áreas, posto que agrega dados quantitativos, sendo particularmente relevante na pediatria, onde o monitoramento é escasso.

Palavras-chave: Biomecânica; Fotogrametria; Mecânica respiratória; Parede torácica.

Na pneumologia, a disfunção mecânica respiratória não se restringe aos doentes respiratórios,(1) mas neles pode atingir resultados de proporções importantes. A cinesiopatologia respiratória envolve os conhecimentos de mecânica e cinemática respiratória para identificar e quantificar desequilíbrios dos músculos respiratórios, buscando tecnologia,(2) como já é visto para outras especialidades médicas. Equipamentos para monitoração objetiva(1,3) são escassos e aqueles desenvolvidos nos laboratórios, por vezes, são incompatíveis com o cenário do sistema público de saúde.

Neste panorama, os sistemas de análise de movimento por imagem, cuja adaptação(4) como monitoração não-invasiva tem ganhado espaço na pesquisa de vanguarda, vêm sendo utilizados com sucesso na análise do movimento de segmentos corporais em atividades funcionais e/ou diagnósticas em outras especialidades da medicina,(2,5) principalmente na ortopedia e neurologia. Na pneumologia, oferecem evidências biomecânicas,(6) morfométricas(7) e cinemáticas(8-11) envolvidas ou não em doenças respiratórias, e podem ser aplicados em diferentes cenários mantendo qualidade e reprodutibilidade.(11) A biofotogrametria(5,12,13) é uma vertente promissora, cuja diferenciação operacional da fotogrametria está no aperfeiçoamento metodológico para análise do movimento respiratório.

Esta comunicação apresenta o desempenho da biofotogrametria na identificação de alterações quantitativas da área lateral do tronco, induzidas pelo uso de positive end-expiratory pressure (PEEP, pressão expiratória final positiva), por meio de um modelo geométrico, após exercício em condições controladas. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, e trabalhou com três voluntários do sexo masculino, com idades entre 40 e 45 anos, sem histórico de tabagismo e com prova espirométrica normal.

Num modelo constituído por quadriláteros irregulares sobre referências anatômicas do tronco, traçado sobre imagens filmadas de manobras respiratórias máximas, a biofotogrametria calculou as diferença de suas áreas constituintes antes e após o exercício controlado em bicicleta estacionária. O exercício serviu de balizador para a pergunta problema: as áreas do modelo, ao final da prova com PEEP, seriam maiores e passíveis de detecção pela biofotogrametria quando comparadas às áreas pré-exercício? Para responder esta pergunta, duas provas de exercício de 30 min cada foram realizadas, tendo uma semana de intervalo entre si. O traçado da área toracoabdominal da primeira prova tornou-se controle para comparação à segunda prova, com uso de PEEP.

As provas foram realizadas em 60% da freqüência cardíaca de reserva; sendo a primeira considerada controle das reações cardiorrespiratórias para carga. Na segunda prova, realizada no mesmo horário uma semana após a primeira, as mesmas condições de tempo e carga foram aplicadas, além do uso de uma máscara oronasal acoplada a uma válvula unidirecional de retardo expiratório regulada em 5 cmH2O de carga de PEEP. A PEEP foi introduzida 5 min antes do início do exercício para adaptação do sujeito ao equipamento. É interessante destacar que, mesmo na introdução da máscara, sem válvula/carga, foram observadas modificações no comportamento toracoabdominal.

Uma filmadora Sony TRV-140, em velocidade de shutter 1:60, eixo óptico perpendicular ao plano sagital do avaliado, e elevada a 1.50 m do solo sobre tripé, foi utilizada para filmar cinco manobras respiratórias em cada momento, das quais apenas as três intermediárias foram analisadas para cada voluntário. As manobras foram realizadas a partir do volume residual até a capacidade pulmonar total e tiveram treinamento prévio. A câmera permaneceu na mesma posição durante todo experimento, sendo acionada por controle remoto, para registros comparativos entre as provas nas imagens referentes aos momentos: tempo 1 (pré-exercício da primeira prova); tempo 2 (pós-exercício da primeira prova); tempo 3 (pré-exercício da segunda prova, com máscara e sem a válvula de carga); tempo 4 (após 3 min de ventilação tranqüila, para adaptação ao equipamento com PEEP regulada para 5 cmH2O de carga expiratória no pré-exercício da segunda prova); e tempo 5 (pós-exercício com PEEP).

Para identificação no filme, a delimitação da parede torácica foi destacada pela distribuição de marcadores brancos planos e esféricos, de 13 mm diâmetro, pelo mesmo examinador, que permaneceram durante todo o experimento nos seguintes pontos: a) articulação acromioclavicular; b) apêndice xifóide; c) arco costal da 10ª costela; e d) nível da cicatriz umbilical.

Estudos que estabeleceram referências para estudos em cinemática respiratória(7,14-18) fundamentaram o modelo dos quadriláteros irregulares. Planos transversos às referências foram traçados e a parede torácica teve sua extensão delimitada do nível da articulação acromioclavicular, na porção superior ao nível da cicatriz umbilical na porção inferior (Figura 1, Etapa 1). Esta extensão foi dividida no nível do apêndice xifóide(15) (Figura 1, Etapa 3) em compartimentos torácico e abdominal. Outros estudos(16,18) permitiram avançar, com divisões adicionais a estas, de tal modo que cada compartimento desse origem a dois novos subcompartimentos (Figura 1, Etapa 2). Assim, um plano no nível da prega axilar anterior dividiu o compartimento torácico em subcompartimentos torácicos superior e inferior; o mesmo aconteceu para o compartimento abdominal, onde um plano no nível do ângulo inferior da cartilagem da décima costela delimitou os subcompartimentos abdominais superior e inferior. Os limites foram traçados por retas sobre o contorno das superfícies corporais anterior e posteriormente. O conjunto final foi denominado biofotogrametria para análise da mecânica respiratória (BAMER).

As imagens em cada momento proposto foram extraídas dos filmes no programa Corel-R.A.V.E.® 3 (Corel Corporation, Ottawa, Canadá). Sobre elas, traçou-se o modelo BAMER no Corel-Draw® versão 12 (Corel Corporation, Ottawa, Canadá) e, em seguida, suas áreas foram medidas no AutoCAD® 2005 (Autodesk Inc., San Rafael, CA, EUA) tendo como calibrador de conversão a área de um dos marcadores de superfície, cuja área corresponde a 1,69 cm2. Esta seqüência de procedimentos equiparou enquadramentos das imagens filmadas em dias diferentes, ou seja, estabeleceu uma linha de identidade entre os resultados, que foram submetidos a tratamento estatístico no programa Package for the Social Sciences, versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e a relevância estatística foi considerada quando o valor de p foi igual ou inferior a 0,05.




A Tabela 1 reúne os valores de mediana obtidos entre as nove manobras inspiratórias e expiratórias dos três sujeitos estudados, em cada momento de análise, para cada divisão do modelo. Entretanto, é importante observar que mesmo em um pequeno ensaio, o desempenho do modelo confirmou a suspeição do argumento central: houve evidências da presença de hiperinsuflação ativa após exercício realizado com uso de PEEP, detectáveis pelo modelo BAMER.




Estudos com PEEP, aplicados no repouso e durante o exercício, mostraram aumento no recrutamento da atividade muscular respiratória de formas distintas: a PEEP modificava o nível da capacidade residual funcional e a dinâmica inspiratória subseqüente.(14) O presente estudo explorou a hipótese que o efeito poderia ser detectável pelo uso do modelo BAMER.

As áreas inspiratórias pré-exercício diferiram para o compartimento torácico e a parede torácica. No pré-exercício, a área torácica na prova livre foi maior que quando a PEEP foi usada, com ou sem carga (p < 0,01); para a parede torácica esta diferença foi significativa com máscara sem carga (p < 0,05). Considerando-se a subdivisão diferenciada de BAMER, a diferença foi detectada nos subcompartimentos torácicos superior e inferior e no subcompartimento abdominal inferior, cujas áreas foram maiores (p < 0,05) nos momentos de pré-exercício sem máscara do que aquelas obtidas com máscara e com carga.

Um estudo de 1996 apontou um aumento na capacidade residual funcional por efeito cumulativo do retardo expiratório em repouso, utilizando carga de 5 cmH2O. No presente estudo, o tempo de uso da PEEP no repouso foi menor e, apesar de utilizar a mesma carga, não foram verificadas modificações na área toraco-abdominal, em qualquer nível da divisão em BAMER.(14) Por outro lado, em tempo 3 e tempo 4 o impacto da máscara sem carga para o paciente foi identificado pelo reflexo provocado sobre a mecânica respiratória em alterações significativas (p < 0,05) para as áreas inspiratórias torácicas e a parede torácica, para as quais BAMER apresentou variação de medidas nos subcompartimentos torácicos superior e inferior e no subcompartimento abdominal inferior; e para a amplitude das manobras expiratórias, quando o compartimento torácico diferenciou-se tanto pela modificação do subcompartimento torácico superior, quanto por alterações no subcompartimento abdominal inferior.

Estudos com magnetometria e pletismografia respiratória por indutância(18) mostraram aumento do recrutamento muscular abdominal no exercício livre, levando à redução no volume expiratório final abdominal, acompanhado ou não de redução do volume expiratório final torácico. As áreas medidas por BAMER corroboraram estas afirmações: as áreas inspiratórias torácicas no pós-exercício com PEEP foram maiores (p < 0,05) que sem carga expiratória, concomitante à redução da área expiratória para o compartimento abdominal (p < 0,05), justificada pela redução no subcompartimento abdominal inferior. Sujeitos sadios que se exercitaram em bicicleta estacionária com PEEP(19) aumentaram o volume inspiratório final pulmonar, quase totalmente devido à expansão torácica, associado à redução do volume inspiratório final abdominal. Da mesma maneira, quando comparadas áreas inspiratórias antes e após as mesmas provas, houve diferença (p < 0,05) para o compartimento torácico na prova com PEEP, ou seja, entre os registros de tempo 3 e tempo 5, e de tempo 4 e tempo 5.

Embora ainda necessitemos de ampla exploração científica, a pesquisa na área de biofotogrametria(20) tem contribuído para a pneumologia, pois é capaz de agregar dados quantitativos, dar objetividade às análises de padrões de respiração e efetividade na identificação de variações cinesiopatológicas associadas às doenças respiratórias. Este conjunto de contribuições é particularmente relevante na pediatria, onde os recursos para monitoramento respiratório são escassos.

Por isso, com o devido cuidado e rigor ainda por serem explorados, até que a validação definitiva da biofotogrametria respiratória seja uma realidade, acredita-se ser promissor o caminho iniciado pela utilização do modelo BAMER. Trata-se de um recurso relativamente simples e de baixo custo, capaz de identificar um fenômeno fisiopatológico conhecido, como o aumento na área toraco-abdominal após o exercício com uso de PEEP, como já o fizeram sistemas mais robustos em cinemática respiratória.

Referências

1. Kotani T, Minami S, Takahashi K, Isobe K, Nakata Y, Takaso M, et al. An analysis of chest wall and diaphragm motions in patients with idiopathic scoliosis using dynamic breathing MRI. Spine. 2004;29(3):298-302.

2. Cliquet Jr A, Magalhães da Franca JE, Sônego D, Grana T, Leite FI, Paolillo AR et al. Avanços tecnológicos na prática ortopédica: análises de membros superiores e inferiores. Acta Ortop Bras. 2004;12(1):57-61.

3. Richards JG. The measurement of human motion: A comparison of commercially available systems. Human Movement Science. 1999;18(5):589-602.

4. Efstathopoulos EP, Costaridou L, Kocsis O, Panayiotakis G. A protocol-based evaluation of medical image digitizers. Br J Radiol. 2001;74(885):841-6.

5. Baraúna MA Duarte F, Sanchez HM, Canto RS, Malusá S, Campelo-Silva CD, et al. Avaliação do equilíbrio estático em indivíduos amputados de membros inferiores através da Biofotogrametria Computadorizada. Rev Bras Fisioter 2006;10(1):83-90.

6. American Thoracic Society/European Respiratory Society. ATS/ERS Statement on respiratory muscle testing. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(4):518-624.

7. Hochman B, Castilho HT, Ferreira LM. Padronização fotográfica e morfométrica na fotogrametria computadorizada do nariz. Acta Cir Bras. 2002;17(4):258-66.

8. Keshner EA. Head-trunk coordination during linear anterior-posterior translations. J Neurophysiol. 2003;89(4):1891-901.

9. Kondo T, Uhlig T, Pemberton P, Sly PD. Laser monitoring of chest wall displacement. Eur Respir J. 1997;10(8):1865-9.

10. Cervera E, del Pobil AP, Martinet P. Improving Image-Based Visual Servoing with Three-Dimensional Features. Int J Robotics Res. 2003;22(10-11):821-39.

11. Ribeiro AP T-SF, Iunes DH, e Monte-Raso VV. Confiabilidade inter e intra-examinador da fotopodometria e intra-examinador da fotopodoscopia. Rev Bras Fisioter. 2006;10(4):435-9.

12. Ricieri DV, Wansaucheki WM, Coterli A. Análise cinemática angular do movimento respiratório tóraco-abdominal durante exercício com e sem uso de pressão expiratória positiva. In: Rev Bras Fisioter. 2006;1(1supl):72-3. Anais do XIII Simpósio Internacional de Fisioterapia Respiratória 2006 Set 5-9; Curitiba.

13. Ricieri DV, Lodovico A, Trentini D, Baraúna MA. Angular photogrammetric analysis of respiratory movements of the chest wall and its correlation with respiratory and anthropometric variables. In: Digital Annals of 14th World Congress for Physical Therapists; 2003 Jun 6-10; Barcelona, Spain.

14. Spahija JA, Grassino A. Effects of pursed-lips breathing and expiratory resistive loading in healthy subjects. J Appl Physiol. 1996;80(5):1772-84.

15. Ferrigno G, Carnevali P, Aliverti A, Molteni F, Beulcke G, Pedotti A. Three-dimensional optical analysis of chest wall motion. J Appl Physiol. 1994;77(3):1224-31.

16. Kenyon CM, Cala SJ, Yan S, Aliverti A, Scano G, Duranti R, et al. Rib cage mechanics during quiet breathing and exercise in humans. J Appl Physiol. 1997;83(4):1242-55.

17. Kondo T, Uhlig T, Pemberton P, Sly PD. Laser monitoring of chest wall displacement. Eur Respir J. 1997;10(8):1865-9.

18. Sanna A, Bertoli F, Misuri G, Gigliotti F, Iandelli I, Mancini M, et al. Chest wall kinematics and respiratory muscle action in walking healthy humans. J Appl Physiol. 1999;87(3):938-46.

19. Aliverti A, Cala SJ, Duranti R, Ferrigno G, Kenyon CM, Pedotti A, et al. Human respiratory muscle actions and control during exercise. J Appl Physiol. 1997;83(4):1256-69.

20. Ricieri DV. Biofotogrametria: a ciência e seus segredos. 2a. ed. Curitiba: Inspirar; 2005. 90p.






Trabalho realizado na Disciplina de Alergia, Imunologia e Pneumologia Pediátrica do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente do Departamento de Pediatria. Universidade Federal do Paraná - UFPR - Curitiba (PR) Brasil.
1. Professora Assistente do Curso de Fisioterapia. Universidade Federal do Paraná - UFPR - Matinhos (PR) Brasil.
2. Doutor. Professor Titular do Departamento de Pediatria. Universidade Federal do Paraná - UFPR - Curitiba (PR) Brasil.
Endereço para correspondência: Denise da Vinha Ricieri. Hospital de Clínicas da UFPR, Pronto Atendimento Pediátrico Serviço de Alergia, Imunologia e
Pneumopediatria, Rua General Carneiro, 181, CEP 80060-900, Curitiba, PR, Brasil.
Tel 55 41 3452-2919. E-mail: denise.ricieri@ufpr.br
Suporte financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 31/8/2007. Aprovado, após revisão, em 7/1/2008.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia