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Comunicação Breve

Broncoscopia para remoção de corpo estranho: onde está o atraso?

Bronchoscopy for foreign body removal: where is the delay?

Alexandre Garcia de Lima, Nelson Alves dos Santos, Elen Renate Figueira Rocha, Ivan Felizardo Contrera Toro

ABSTRACT

This was a retrospective analysis of the medical charts of 145 patients treated at the Bronchoscopy and Thoracic Surgery Clinic of the Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp, State University of Campinas Hospital das Clínicas) over a period of 10 years. There was a significant difference related to the site of first medical visit (HC-Unicamp versus other institutions) in terms of the time elapsed between the suspicion of bronchial aspiration and the actual respiratory endoscopic examination. However, no significant difference was found in the rate of positive results. The low number of referral centers that provide emergency respiratory endoscopy can negatively influence the treatment of patients under suspicion of bronchial aspiration, jeopardizing the overall recovery in the mid- and long-term.

Keywords: Airway obstruction; Respiratory aspiration; Bronchoscopy.

RESUMO

Analisaram-se retrospectivamente os prontuários de 145 doentes admitidos no Serviço de Broncoscopia e Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp) num período de 10 anos. Houve diferença estatística relacionada com o local de consulta inicial (HC-Unicamp versus outros serviços) em termos do tempo gasto desde a suspeita de broncoaspiração até a realização do exame endoscópico respiratório. No entanto, não houve diferença significativa entre o índice de positividade do exame.O baixo número de centros de referência para endoscopia respiratória de urgência pode influenciar negativamente no atendimento a doentes com suspeita de broncoaspiração, piorando a evolução em médio e longo prazo.

Palavras-chave: Obstrução das vias respiratórias; Aspiração respiratória; Broncoscopia.

A retirada endoscópica de corpos estranhos aspirados pelas vias aéreas é um tratamento eficaz e rápido, mas há riscos.(1) Essa retirada depende de centros especializados em endoscopia respiratória e/ou perioral. No entanto, no Brasil, há parcos centros capazes da realização de broncoscopias de urgência. Paralelamente, já é de amplo conhecimento e debate na literatura a necessidade da realização de exames precoces quando há suspeita de broncoaspiração,(2-5) independente do quadro clínico no momento da consulta inicial de urgência.

Sabe-se que a familiaridade do médico que presta o atendimento inicial determinará a precocidade da indicação do exame,(6) a fim de diminuírem-se as complicações subagudas e crônicas, decorrentes do atraso da remoção do corpo estranho, como pneumonia, granulomas e bronquiectasias.(7-10)

A fim de investigar o efeito dos poucos centros de referência em endoscopia respiratória e da dificuldade de encaminhamento na nossa região sobre o atraso no atendimento definitivo, conduziu-se este estudo de série de casos.

Estudaram-se retrospectivamente todos os prontuários médicos de pacientes admitidos ao Serviço de Broncoscopia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp) com suspeita clínica e/ou radiológica de aspiração de corpo estranho pela via aérea baixa, no período compreendido entre 1 de janeiro de 1997 e 31 de dezembro de 2006. Foram selecionados aqueles prontuários onde a descrição do procedimento foi completa, principalmente no que tangia à descrição do tempo gasto entre o atendimento inicial e a realização da broncoscopia.

As análises estatísticas foram realizadas com o programa Epi Info, versão 6,04d. Utilizou-se o teste t de Student não-pareado, com significância estatística de 0,05.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Humanos da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Parecer nº 208/2006).

Entre janeiro de 1997 e dezembro de 2006, 145 pacientes com suspeita clínica e/ou radiológica de broncoaspiração foram atendidos pelo Serviço de Broncoscopia do HC-Unicamp e preencheram os critérios de inclusão já justificados.

A amostra de 145 doentes foi composta de 51 pacientes (35,2%) do gênero feminino e 94 do masculino; a idade variou entre 3 meses e 67 anos, com média de 5,19 ± 0,84 anos. Somente 11 doentes tinham mais do que 12 anos (7,6%), limite considerado como atendimento pediátrico no nosso serviço.
Dos pacientes submetidos à broncoscopia, foram atendidos 103 (71%) após encaminhamento e 42 diretamente no HC-Unicamp; eram provenientes de 54 cidades e de cinco estados diferentes, sendo 31 (21,4%) procedentes de Campinas.

Dos 103 encaminhamentos, 50 tinham como hipótese diagnóstica inicial a presença de corpo estranho em via aérea baixa. Desses, 39 tiveram confirmação diagnóstica. Esses pacientes tardaram de 4 a 5.760 h para chegar ao HC-Unicamp, com média de 318,12 ± 128,07 h. Aqueles pacientes cuja hipótese diagnóstica inicial não foi broncoaspiração, mas que foram submetidos à broncoscopia em algum momento para descartar-se a presença de corpo estranho em via aérea, foram diagnosticados com pneumonias com evolução clínico-radiológica insatisfatória, atelectasia persistente, pneumonia de repetição em mesmo lobo pulmonar, hiperinsuflação pulmonar e sangramento em via aérea.

Dos 42 pacientes atendidos inicialmente no HC-Unicamp, 33 tiveram a hipótese inicial de presença de corpo estranho. Nesse grupo, o exame foi realizado após um intervalo entre 2 e 48 h, com média de 11,0 ± 2,0 h. Os outros 9 pacientes que foram submetidos à broncoscopia preenchiam os mesmos critérios de indicação já descritos acima.

Confirmou-se o diagnóstico de broncoaspiração, levando-se em conta somente quando a hipótese diagnóstica inicial foi de corpo estranho, ou seja, em 50 pacientes do grupo de encaminhados e em 33 dos atendidos diretamente no HC-Unicamp, em 78% e 78,8% das vezes, respectivamente (p = 0,97).

A broncoaspiração de corpos estranhos pelas vias aéreas é ainda uma importante causa de morbidade respiratória e é apontada como importante causa de morte acidental abaixo dos 3 anos de idade, e não há evidências que sua incidência esteja diminuindo.(11) Normalmente acomete dois meninos para cada menina, e o quadro clínico dificilmente é típico, devendo a equipe de atendimento inicial sempre atentar para histórias de engasgamento, asfixia, cianose súbita, sibilância sem antecedente de broncoespasmo, atelectasias e quadros infecciosos ou consolidações pulmonares que não evoluem satisfatoriamente.

O quadro clínico, no entanto, pode ser frusto, e o paciente pode encontrar-se assintomático durante o atendimento inicial. A anamnese deve ser dirigida e, quando houver suspeita de broncoaspiração, o exame broncoscópico deve ser indicado mesmo sem indicação clínica e sem alteração radiológica.

A literatura já discute amplamente a importância do diagnóstico e do tratamento precoce a fim de evitarem-se complicações a médio e longo prazo, muitas vezes irreversíveis, e que levam a perda de tecido pulmonar,(2,7,12) opinião compartilhada por nós. Discutiu-se que a suspeição depende da familiaridade do médico que presta o primeiro atendimento com o quadro clínico-radiológico de broncoaspiração, e este fato por muito tempo foi tido como a principal causa de atraso no diagnóstico. No entanto, nosso estudo mostrou que o índice de suspeição para corpo estranho e da positividade do exame foram iguais quando a hipótese diagnóstica foi feita no nosso serviço ou em outros hospitais.

Portanto, a pouca quantidade de centros de referência capazes de realizar endoscopias respiratórias de urgência pode influenciar negativamente o desfecho satisfatório dos casos de broncoaspiração, visto que a suspeição clínica é semelhante nos serviços de saúde da nossa região. Neste estudo, os pacientes atendidos no nosso serviço com hipótese diagnóstica inicial de presença de corpo estranho em via aérea baixa foram submetidos à broncoscopia 11 h após o evento, em média, e pacientes encaminhados de outros serviços, já com hipótese de broncoaspiração, demoraram, em média, 318 h.

Muitos fatores podem influenciar esse resultado surpreendentemente diferente: a falta de informação passada às centrais reguladoras de vagas; a falta de leitos hospitalares; o descaso com pacientes assintomáticos; a necessidade de transferências inter-hospitalares, com viagens longas e dispendiosas-atendemos pacientes de cinco diferentes estados da federação de 54 cidades distintas.

A broncoaspiração, a nosso ver, não é um evento tão freqüente, em conformidade com a literatura, a ponto de todo hospital secundário ter centros de endoscopia respiratória. Entretanto, claramente vemos a necessidade de expansão deste campo da medicina avançada, visto que não são poucos os casos registrados nos EUA anualmente,(3,4,13) onde o controle epidemiológico é mais rígido.

Logo, a divulgação ampla e constante deste perigo iminente à primeira infância e a ampliação dos centros formadores e de assistência em endoscopia respiratória, a nosso ver, podem melhorar o atendimento a estes pacientes, diminuindo-se assim as complicações decorrentes da broncoaspiração de corpos estranhos pelas vias aéreas baixas.

Referências

1. Zerella JT, Dimler M, McGill LC, Pippus KJ. Foreign body aspiration in children: value of radiography and complications of bronchoscopy. J Ped Surg. 1998;33(11):1651-4.

2. Fraga AM, Reis MC, Zambon MP, Toro IC, Ribeiro JD, Baracat EC. Foreign body aspiration in children: clinical aspects, radiological aspects and bronchoscopic treatment. J Bras Pneumol. 2008;34(2):74-82.

3. Swanson KL, Prakash UB, Midthun DE, Edell ES, Utz JP, McDougall JC, et al. Flexible bronchoscopic management of airway foreign bodies in children. Chest. 2002;121(5):1695-700.

4. Pritt B, Harmon M, Schwartz M, Cooper K. A tale of three aspirations: foreign bodies in the airway. J Clin Pathol. 2003;56(10):791-4.

5. Cataneo AJ, Reibscheid SM, Ruiz Júnior RL, Ferrari GF. Foreign body in the tracheobronchial tree. Clin Pediatr (Phila). 1997;36(12):701-6.

6. Applegate KE, Dardinger JT, Lieber ML, Herts BR, Davros WJ, Obuchowski NA, et al. Spiral CT scanning technique in the detection of aspiration of LEGO foreign bodies. Pediatr Radiol. 2001;31(12):836-40.

7. Lima JA, Fischer GB, Felicetti JC, Flores JA, Penna CN, Ludwig E. Aspiração de corpo estranho na árvore traqueobrônquica em crianças: avaliação de seqüelas através de exame cintilográfico. J Pneumol. 2000;26(1):20-4.

8. Cassol V, Pereira AM, Zorzela LM, Becker MM, Barreto SS. Corpo estranho na via aérea de crianças. J Pneumol. 2003;29(3):139-44.

9. Fraga JC, Nogueira A, Palombini BC. Corpo estranho em via aérea de criança. J Pneumol. 1994;20(3):107-11.

10. Piva J, Giugno K, Maia T, Mascarenhas T, Nogueira A, Kalil L. Aspiração de corpo estranho: revisão de 19 casos. J Pediat. 1989;65(10):399-403.

11. Inglis AF Jr, Wagner DV. Lower complication rates associated with bronchial foreign bodies over the last 20 years. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1992;101(1):61-6.

12. Davies H, Gordon I, Matthew DJ, Helms P, Kenney IJ, Lutkin JE, et al. Long term follow up after inhalation of foreign bodies. Arch Dis Child. 1990;65(6):619-21.

13. Black RE, Choi KJ, Syme WC, Johnson DG, Matlak ME. Bronchoscopic removal of aspirated foreign bodies in children. Am J Surg. 1984;148(6):778-81.



Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - HC-Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
1. Médico Assistente da Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - HC-Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
2. Residente do quarto ano de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - HC-Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
3. Residente do terceiro ano de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - HC-Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
4. Chefe da Disciplina de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - HC-Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Alexandre Garcia de Lima. Rua João Simões da Fonseca, 70, Condomínio Residencial Barão do Café 4, CEP 13085-050, Campinas, SP, Brasil.
Tel 55 19 2117-3300. E-mail: dralexandregarcia@terra.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 23/10/2007. Aprovado, após revisão, em 25/3/2008.

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