Ao Editor:
A insuficiência respiratória na pancreatite aguda é um dos fatores de prognóstico para a mortalidade e pode levar a morte na primeira semana de tratamento; assim, muita atenção tem sido dada para as complicações pulmonares nessa situação. As complicações pleuropulmonares mais comuns na pancreatite aguda são síndrome da resposta inflamatória, atelectasias, consolidação alveolar e disfunção funcional do diafragma.(1,2)
A ventilação mecânica não invasiva (VNI) constitui um avanço nos cuidados terapêuticos intensivos em casos específicos de insuficiência respiratória aguda, como na exacerbação da DPOC e no edema pulmonar cardiogênico.(3) Nesses casos, a VNI é utilizada com o objetivo de diminuir o trabalho respiratório e melhorar a troca gasosa pulmonar, assim como evitar a intubação traqueal.(3)
Tivemos a oportunidade de atender na UTI-Adulto do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, localizada na cidade de Campinas (SP), uma paciente de 35 anos do sexo feminino internada com diagnóstico de pancreatite aguda biliar e quadro de insuficiência respiratória. Os seguintes escores foram encontrados: Simplified Acute Physiology Score II = 30; Ranson scoring system (48 h) = 5,8; e Balthazar CT score = B-C 3, D-E 12. Na internação, a paciente apresentava intensa dor abdominal, sudorese, dispneia (FR = 35 ciclos/min), contração da musculatura assessória respiratória, batimento de asa do nariz e respiração paradoxal.
A paciente foi submetida ao suporte ventilatório por VNI por três dias consecutivos, sem ocorrer a necessidade de intubação endotraqueal ou uso da ventilação mecânica invasiva. A VNI foi instituída por máscara facial às 7h30min no segundo dia de internação, utilizando-se um ventilador (BiPAP Vision; Respironics Inc., Murrysville, PA, EUA) na modalidade espontânea. No inicio, utilizou-se expiratory positive airway pressure (EPAP, pressão positiva expiratória nas vias aéreas) de 25 cmH2O e inspiratory positive airway pressure (IPAP, pressão positiva inspiratória nas vias aéreas) de 12 cmH2O e oferta de oxigênio de 7 L/min por cateter conectado ao circuito do aparelho. Após a adaptação ao aparelho pela paciente, os níveis de EPAP foram ajustados periodicamente para a obtenção de SaO2 maior que 94%, e os níveis de IPAP foram ajustados para a obtenção de volume corrente entre 5 e 8 mL/kg e FR menor que 30 ciclos/min. O desmame da VNI foi conseguido após três dias consecutivos, por reduções graduais dos valores pressóricos de EPAP e IPAP, de modo a não aumentar a FR e diminuir o volume corrente e a SaO2. No quinto dia de tratamento, a paciente recebeu oxigênio por máscara de nebulização com 7 L/min, sem sinais de desconforto respiratório, e não mais necessitou da VNI durante o restante da internação.
A paciente, antes do início do tratamento com VNI, apresentava-se dispneica devido à presença de infiltrados alveolares bilaterais nas bases pulmonares, microatelectasias e distensão abdominal. Essa última causava um padrão ventilatório restritivo, com diminuição da força e da mobilidade diafragmática, causada pelo seu deslocamento cefálico. Após a instalação da VNI houve um aumento da pO2 arterial e uma estabilização da FR. No primeiro dia de VNI, quando se retirava a máscara facial da paciente para a limpeza da sua cavidade oral, comunicação, ajuste da máscara ou administração de medicamentos, era evidente o aumento da FR (> 40 ciclos/min) e a queda da SaO2 (< 85%).
Como preconiza o III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica, o uso da VNI pode ser benéfico na insuficiência respiratória hipoxêmica; porém, seu uso deve ser cauteloso nessa circunstância, pois essa modalidade tem grau de recomendação B.(3) A VNI é uma modalidade de suporte ventilatório segura e eficiente desde que os pacientes sejam intensivamente monitorizados e prontamente intubados se suas condições clínicas deteriorarem, pois essa modalidade ventilatória, quando aplicada incorretamente, pode atrasar o uso da ventilação mecânica invasiva e elevar a mortalidade.(1,3)
Em conclusão, a VNI pode estar entre o arsenal terapêutico para pacientes com pancreatite aguda e insuficiência respiratória aguda desde que não haja contraindicações para seu uso e que os pacientes sejam intensivamente monitorados.
Armando Carlos Franco de Godoy
Fisioterapeuta,
UTI-Adulto, Hospital das Clínicas, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp -Campinas (SP) Brasil
Thiago Rodrigues Araújo Calderan
Médico,
Disciplina de Cirurgia do Trauma, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp -
Campinas (SP) Brasil
Gustavo Pereira Fraga
Professor Coordenador
da Disciplina de Cirurgia do Trauma,
Departamento de Cirurgia,
Faculdade de Ciências Médicas,
Universidade Estadual de Campinas - Unicamp -
Campinas (SP) Brasil
Referências
1. Jaber S, Chanques G, Sebbane M, Salhi F, Delay JM, Perrigault PF, et al. Noninvasive positive pressure ventilation in patients with respiratory failure due to severe acute pancreatitis. Respiration. 2006;73(2):166-72. PMid:16432295. http://dx.doi.org/10.1159/000088897
2. Pneumatikos I, Bouros D. Noninvasive ventilation in acute pancreatitis respiratory failure: deus ex machina? Respiration. 2006;73(2):147-8. PMid:16549943. http://dx.doi.org/10.1159/000091531
3. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica. J Bras Pneumol. 2007;33(Suppl 2):S1-S150.