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Artigo Original

Perfil de fumantes atendidos em serviço público para tratamento do tabagismo

Characteristics of smokers enrolled in a public smoking cessation program

Laura Miranda de Oliveira Caram, Renata Ferrari, Suzana Erico Tanni, Liana Sousa Coelho, Ilda de Godoy, Rosana dos Santos e Silva Martin, Irma de Godoy

ABSTRACT

Objective: To evaluate the characteristics of smokers seeking treatment in a public smoking cessation program. Methods: This was a retrospective evaluation of data collected during the interview for enrollment in the smoking cessation program of the Smoking Outpatient Clinic of the Paulista State University School of Medicine in the city of Botucatu, Brazil, between April of 2003 and April of 2007. Demographic variables; previous use of the behavioral approach, medications or alternative treatments for smoking cessation; degree of nicotine dependence; and history of comorbidities were evaluated in 387 smokers. Results: In our sample, 63% of the smokers were female. The mean age of the subjects was 50 ± 25 years. More than half of the subjects (61%) had up to eight years of schooling, and 66% had a monthly income of less than twice the national minimum wage. The degree of nicotine dependence was high/very high in 59%, medium in 17% and low/very low in 24% of the subjects. Although 95% of the patients presented comorbidities, only 35% had been referred to the program by a physician. More than half of the subjects (68%) had made at least one smoking-cessation attempt, 83% of whom did so without the help of a structured program. Conclusions: Smokers seeking assistance for smoking cessation were socially disadvantaged, presented a high degree of nicotine dependence and had previously made smoking-cessation attempts without the benefit of a structured program. Therefore, in order to be effective, smoking control interventions should take into consideration the general characteristics of the smokers treated via the public health care system.

Keywords: Smoking; Tobacco use disorder; Smoking cessation.

RESUMO

Objetivo: Avaliar o perfil dos fumantes que procuraram serviço público de cessação do tabagismo. Métodos: Foram avaliados retrospectivamente os dados coletados durante a avaliação para a admissão no programa de cessação do tabagismo do Ambulatório de Tabagismo da Faculdade de Medicina de Botucatu/Universidade Estadual Paulista, na cidade de Botucatu (SP) entre abril de 2003 e abril de 2007. Variáveis demográficas, uso prévio de abordagem comportamental e/ou farmacológica e/ou tratamentos alternativos para o tabagismo, grau de dependência à nicotina e comorbidades foram avaliados em 387 fumantes. Resultados: Em nossa casuística, 63% dos tabagistas eram do sexo feminino. A idade média dos sujeitos foi de 50 ± 25 anos. Mais da metade dos fumantes (61%) não tinha cursado o ensino médio, e 66% tinham renda mensal menor que dois salários mínimos. O grau de dependência foi elevado/muito elevado em 59%, médio em 17% e baixo/muito baixo em 24%. Embora 95% dos pacientes apresentavam comorbidades, apenas 35% foram encaminhados ao programa por um médico. Mais da metade (68%) tinha feito pelo menos uma tentativa de cessação, 83% sem um programa de tratamento estruturado. Conclusões: Os tabagistas que procuraram assistência para cessar o tabagismo apresentaram desvantagem social, dependência à nicotina alta e tentativas anteriores de cessação sem tratamento estruturado. Portanto, a intervenção para o controle do tabagismo deve contemplar as características gerais dos fumantes nos serviços públicos para que seja eficaz.

Palavras-chave: Tabagismo; Transtorno por uso de tabaco; Abandono do hábito de fumar.

Introdução

O tabagismo é considerado uma epidemia mundial e, segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de cinco milhões de pessoas morrem a cada ano em consequência das doenças relacionadas ao tabaco. A previsão é que ocorram 10 milhões de mortes/ano em 2030. No Brasil, são estimadas cerca de 200 mil mortes por ano em consequência do tabagismo.(1,2) Por essa razão, várias ações têm sido implementadas pelo Programa Nacional de Controle do Tabagismo com o objetivo de reduzir a prevalência de fumantes, assim como a morbidade e a mortalidade por doenças tabaco-relacionadas.(3) Essas medidas resultaram em uma diminuição da aceitação social do tabagismo, em um aumento do número de fumantes brasileiros que desejam parar de fumar e na redução de aproximadamente 42% do consumo anual de cigarros per capita entre 1989 e 2003 (de 34,8% para 22,4%).(3,4) Entretanto, o número de fumantes ainda é alto, e várias barreiras para a diminuição da prevalência e o aumento da cessação têm sido identificadas em todo o mundo.(5)

A escolaridade, as condições socioeconômicas e a intensidade de dependência à nicotina são algumas das condições associadas com maior prevalência do tabagismo e com a dificuldade de cessação da dependência.(6,7) O tabagismo aparece consistentemente maior entre os grupos com baixo nível socioeconômico no Brasil e em outros países.(6) Além disso, as tentativas individuais para interromper a dependência registram baixas taxas de sucesso em países desenvolvidos, e a cessação é rara nos países de renda média e baixa; por exemplo, a China apresenta uma taxa de cessação do tabagismo em torno de 10%.(7) Outro fator responsável pela manutenção do tabagismo é a dependência à nicotina, e a tendência é que os fumantes persistentes sejam aqueles com maior dependência.

No Brasil, existem poucos serviços públicos especializados no tratamento intensivo do fumante, e dados sobre as características dos pacientes que procuram esses serviços são escassos. O conhecimento do público-alvo é fundamental para a estruturação dos programas de forma a atender as necessidades específicas dessa população. Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar os pacientes atendidos no serviço de tratamento do tabagismo da Faculdade de Medicina de Botucatu, no período entre 2003 e 2007, de acordo com a escolaridade, condição socioeconômica e características da dependência à nicotina.

Métodos

Foram avaliados retrospectivamente os dados coletados durante a avaliação para a admissão no Ambulatório de Tabagismo da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, no período entre abril de 2003 e abril de 2007. Todos os 387 indivíduos que procuraram o serviço gratuito no período foram incluídos no estudo. As fichas dos fumantes foram analisadas, e os seguintes dados foram anotados: dados demográficos (gênero, escolaridade e renda mensal), tipo de encaminhamento, comorbidades presentes, tempo de tabagismo, grau de dependência à nicotina por meio do questionário de Fagerström (muito baixo: 0-2; baixo: 3-4, médio: 5; elevado: 6-7 e muito elevado: 8-10),(8) grau de motivação para abandonar o comportamento atual de acordo com o Modelo Transteórico Comportamental,(9) tentativas anteriores de cessação do tabagismo e recursos utilizados previamente.

Os dados foram coletados em um questionário padronizado, e o estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição. Os pacientes foram esclarecidos e assinaram o termo de consentimento informado.

Resultados

Foram avaliados 387 tabagistas, com idade média de 50 ± 25 anos (faixa etária: 19-74 anos), 63% do sexo feminino, 30% provenientes de Botucatu, 48% provenientes de outras cidades da região e 22% de outras regiões do estado. As características demográficas da população estudada estão apresentadas na Tabela 1. A maioria era do gênero feminino (63%), casado (50%) e não tinha cursado o segundo grau (61%). Analisando a renda mensal dos fumantes, verificamos que a maioria recebia até dois salários mínimos. O grau de dependência foi elevado ou muito elevado (Fagerström > 6) em mais da metade dos tabagistas.





As características gerais da população estudada estão apresentadas na Tabela 2.




A maioria dos pacientes procurou o serviço voluntariamente, encaminhados por médicos ou por outros profissionais de saúde. O tempo médio de tabagismo foi de 31 ± 12 anos, e mais da metade dos pacientes estava na fase contemplativa quando foi avaliado o grau de motivação para parar de fumar. A maioria (78%) referiu tragar sempre a fumaça do cigarro, 14% tragavam às vezes ou nunca, e 8% não responderam. A maioria dos tabagistas avaliados em nosso estudo (68%) tinha feito pelo menos uma tentativa de cessação do tabagismo previamente, com um valor médio de tentativas de cessação de 1,2 ± 1,2 vezes. O número de pacientes que tinham recebido tratamento farmacológico durante as tentativas anteriores foi de apenas 17%.

Discussão

Os resultados do presente estudo mostram que maioria dos tabagistas que procurou atendimento para o tratamento da dependência da nicotina era do gênero feminino e apresentava baixo grau de escolaridade, baixa renda mensal, grau elevado ou muito elevado de dependência e tempo prolongado de tabagismo. Embora uma grande proporção dos fumantes tivesse realizado tentativas anteriores de cessação, na maioria das vezes, eles não participaram de sessões estruturadas de aconselhamento e não utilizaram medicações para o tratamento da dependência, o que está em desacordo com as recomendações das diretrizes para o tratamento do tabagismo. Além disso, o estudo mostrou que a maioria dos tabagistas apresentava comorbidades, o que aumenta a importância da cessação.

As características sociais encontradas entre os fumantes avaliados no presente estudo são diferentes, em alguns aspectos, daquelas encontradas em um estudo recente realizado em um serviço especializado na cidade de São Paulo.(10) Os autores avaliaram, por meio de um ­questionário autoaplicável, 203 tabagistas incluídos em um programa público de cessação e, em contraste com nossos dados, verificaram que mais de 50% dos pacientes tinham bom nível econômico e de escolaridade.(10) Por outro lado, 95% pacientes avaliados em nosso estudo apresentaram outras comorbidades, enquanto, no estudo realizado em São Paulo, apenas a prevalência de depressão foi mencionada.(10) Além disso, a faixa etária avaliada no presente estudo foi mais elevada (50,0 ± 25,0 anos vs. 45,3 ± 12,0 anos). Outras características foram semelhantes, como a predominância do gênero feminino e a realização de tentativas prévias de cessação do tabagismo.(10)

Dados nacionais e internacionais mostram uma associação entre piores condições econômicas e educacionais e a prevalência do tabagismo, a iniciação tabágica e a manutenção da dependência à nicotina.(7,11-18).

Em um estudo realizado na China, verificou-se que indivíduos com nenhuma escolaridade têm uma probabilidade cerca de sete vezes maior de serem fumantes do que indivíduos com nível superior e, no Brasil, essa probabilidade é cinco vezes maior.(7) Fatores sociais e as estratégias para expansão de mercado da indústria do tabaco, que estimulam o consumo e facilitam o acesso ao cigarro, contribuem para um maior consumo de tabaco pelas populações de baixa renda e escolaridade.(12). Portanto, além do objetivo de evitar o impacto do tabagismo na saúde dos fumantes, os programas de controle da dependência têm a preocupação de diminuir os danos econômicos aos dependentes e a suas famílias no curto prazo.(7) Felizmente, a relação entre tabaco e condição socioeconômica não é imutável, e políticas de controle do tabaco, tais como o aumento de preços e campanhas direcionadas à população de baixo nível educacional, podem reduzir a prevalência do tabagismo.(19,20) De fato, um estudo pelo qual se avaliou a importância de políticas econômicas na redução do consumo do tabaco mostrou que metade dos fumantes relatou mudanças no comportamento em relação ao tabagismo em consequência do aumento do preço do cigarro, o que enfatiza a importância de políticas econômicas na redução do uso de tabaco.(21)

Em nosso estudo, observamos que a maioria dos fumantes apresentava alto grau de dependência da nicotina. A dependência química à nicotina, que ocorre em mais 80% dos tabagistas, associada com o preço do cigarro ­economicamente acessível, limita a aquisição de alimentos, cuidados com a saúde e atividades de lazer.(12,22) Estudos no Brasil mostraram que o alto grau de dependência à nicotina está associado ao maior risco de fracasso no tratamento do tabagismo.(23,24) As abordagens farmacológicas e não-farmacológicas são efetivas para aumentar a taxa de cessação do tabagismo, e a associação das duas formas de tratamento fornece os melhores resultados.(5,25-27) Em nosso estudo, um pequeno número de tabagistas utilizou tratamento estruturado anteriormente, embora a maioria tivesse realizado ao menos uma tentativa para a cessação. Portanto, a expansão de serviços especializados deve ser implementada, assim como a disponibilidade de medicação ampliada, para aumentar a taxa de abstinência e quebrar esse círculo vicioso.

Em resumo, é nosso entendimento que os principais fatores associados com o tabagismo e a baixa taxa de tratamento especializado observados em nosso estudo estão relacionados com as condições socioeconômicas e educacionais, assim como com a intensidade da dependência entre os indivíduos avaliados.

A maioria dos fumantes avaliados no presente estudo eram mulheres, com idade média de 50 ± 25 anos. A predominância de fumantes do gênero feminino entre os ingressantes em programas de cessação do tabagismo foi também verificada em outros estudos nacionais; essa predominância foi de 65,6% em um estudo que avaliou o perfil dos tabagistas no Ceará, de 62% em outro estudo no Rio Grande do Sul e de 58% em um estudo em São Paulo.(10,23,28) A maioria dos tabagistas apresentava comorbidades, sendo as mais frequentes as doenças cardiovasculares, o que está de acordo com o papel do tabagismo como fator de risco para as principais causas de óbito no mundo.(19) Apesar disso, a maioria dos fumantes procurou o serviço de forma voluntária, revelando a necessidade de maiores intervenções dos profissionais da saúde no combate ao tabagismo. Estudos revelaram que os médicos têm frequentes oportunidades para abordar e aconselhar o paciente a cessar o tabagismo, através de orientações e esclarecimentos; contudo, o combate ao tabagismo ainda não faz parte da rotina de atendimento de médicos e do treinamento dos estudantes de medicina na maioria das escolas médicas do Brasil e de outros países.(29,30)

O presente estudo é observacional e não permite extrapolar o perfil de tabagistas para outras populações. Não foi avaliado o perfil dos tabagistas que procuram atendimento em serviços suplementares de saúde; no entanto, os dados são úteis para outros serviços públicos.

Em conclusão, os resultados do presente estudo mostram que a maioria dos tabagistas que procurou atendimento para o tratamento da dependência à nicotina era do gênero feminino, apresentava baixo grau de escolaridade, baixa renda mensal, grau elevado ou muito elevado de dependência e tempo prolongado de tabagismo. Portanto, os programas públicos de cessação de tabagismo devem ter características que permitam realizar uma abordagem eficiente dos fumantes com baixa escolaridade e renda e alto grau de dependência, o que ressalta a importância da disponibilidade de recursos farmacológicos gratuitos.

Além disso, devem ser oferecidas formas alternativas de atendimento para ampliar a participação de fumantes do gênero masculino. Atividades que permitam conscientizar os profissionais de saúde sobre a importância de sua participação efetiva no controle da pandemia do tabagismo são necessárias, durante a formação médica, e na forma de cursos de atualização e de aperfeiçoamento.


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Estudo realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Laura Miranda de Oliveira Caram. Rua Rio de Janeiro, 594, Centro, CEP 18570-000, Conchas, SP, Brasil.
Tel 55 14 3811-6033. E-mail: laucaram@hotmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 17/3/2009. Aprovado, após revisão, em 26/5/2009.



Sobre os autores

Laura Miranda de Oliveira Caram
Pós-Graduanda em Fisiopatologia em Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Renata Ferrari
Pós-Graduanda em Fisiopatologia em Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Suzana Erico Tanni
Médica. Disciplina de Pneumologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Liana Sousa Coelho
Médica. Disciplina de Pneumologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Ilda de Godoy
Professora Doutora. Departamento de Enfermagem, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Rosana dos Santos e Silva Martin
Enfermeira da Disciplina de Enfermagem Preventiva e Comunitária. Departamento de Enfermagem, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Irma de Godoy
Professora Livre-Docente. Disciplina de Pneumologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

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