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Artigo Original

Infecção por Mycobacterium tuberculosis entre agentes comunitários de saúde que atuam no controle da TB

Mycobacterium tuberculosis infection among community health workers involved in TB control

Patrícia Marques Rodrigues, Tiago Ricardo Moreira, Andressa Karla Luz de Moraes, Rafael da Cruz Araújo Vieira, Reynaldo Dietze, Rita de Cassia Duarte Lima, Ethel Leonor Noia Maciel

ABSTRACT

Objective: To evaluate the incidence of Mycobacterium tuberculosis infection, using tuberculin skin test, among community health agents (CHAs) monitoring TB patients in the city of Cachoeiro de Itapemirim, Brazil. Methods: We included 30 CHAs acting in the Family Health Program and 30 of their family members residing in the same household. The tuberculin skin test results of each CHA were compared with those of the corresponding family member. Results: Of the 30 CHAs, 27 (90.0%) were female, compared with 23 (76.7%) of the 30 family members (p = 0.299). The mean age of the CHA group and of the family member group was, respectively, 36.8 and 39.7 years. No statistically significant difference was found between the groups regarding the level of education. Regarding M. tuberculosis exposure, the same number of participants in the two groups reported having known or had contact with a TB patient (17 individuals; 56.7%). There was a statistically significant difference regarding positive tuberculin skin test results (26.7% in the CHA group and 3.3% in the family member group; p = 0.011). Conclusions: M. tuberculosis infection was significantly higher among CHAs than among their family members, fueling the debate on the occupational risk involved in the activities of these professionals.

Keywords: Community health aides; Tuberculosis; Tuberculin test.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a incidência de infecção por Mycobacterium tuberculosis através da prova tuberculínica em agentes comunitários de saúde (ACS) que acompanham pacientes em tratamento de TB no município de Cachoeiro de Itapemirim (ES). Métodos: Incluímos 30 ACS que atuam no Programa de Saúde da Família e 30 de seus familiares residentes no mesmo domicílio. Comparamos o resultado do teste tuberculínico de cada ACS e do membro familiar correspondente. Resultados: Entre os 30 ACS, 27 (90,0%) eram do sexo feminino, ao passo que entre os 30 familiares, 23 (76,7%) eram do sexo feminino (p = 0,299). A idade média do grupo ACS e do grupo dos familiares foi, respectivamente, 36,8 e 39,7 anos. Não houve diferença estatística no nível de escolaridade entre os grupos estudados. Na investigação da exposição ao M. tuberculosis, o mesmo número de indivíduos nos dois grupos afirmou conhecer ou já ter tido algum contato com paciente com TB (17 indivíduos; 56,7%). Houve diferença estatisticamente significativa quanto ao resultado positivo da prova tuberculínica nos dois grupos (26,7% no grupo ACS e 3,3% no grupo de familiares; p = 0,011). Conclusões: A infecção por M. tuberculosis entre os ACS foi significativamente maior que entre seus familiares, e isso contribui para o debate em torno do risco ocupacional envolvido nas atividades destes profissionais.

Palavras-chave: Auxiliares de saúde comunitária; Tuberculose; Teste tuberculínico.

Introdução

A TB é uma das mais importantes causas de morbidade e mortalidade no mundo atualmente. Do ponto de vista epidemiológico, verifica-se que cerca de um terço da população mundial seja portadora do Mycobacterium tuberculosis, agente etiológico da TB, capaz de propiciar o desenvolvimento da doença no indivíduo infectado.(1,2) Durante o curso da doença ativa, os pacientes contaminam, em média, dez outros indivíduos, perpetuando a cadeia de transmissão da TB na comunidade.(2)

No Espírito Santo, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, são notificados cerca de 1.400 casos de TB por ano. Em 2004, a incidência de novos casos de TB foi de 39,4 por 100 mil habitantes, sendo 25,3 de casos bacilíferos. A estratégia de tratamento supervisionado, directly observed treatement short-course (DOTS), encontra-se implantada em 123 das 1.097 unidades de saúde do estado, representando 11,2% do total.(3)

Cachoeiro de Itapemirim, com uma população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 198.150 habitantes, foi incluído pelo Plano Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) entre aqueles prioritários para o controle da doença,(4) dado seu elevado número de novos casos e sua alta incidência. Em 2006, foram notificados 80 casos novos no município, com incidência de cerca de 40 casos/100 mil habitantes.(3)

Como forma de melhor enfrentar este quadro, o PNCT vem contando com as estratégias do Programa de Saúde da Família (PSF) e de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), na esperança de que tal parceria possa contribuir para a expansão das ações de controle da TB, uma vez que essas estratégias têm a família e o domicílio como instrumentos de trabalho. Nessa perspectiva, é dada ênfase à atuação das equipes, que contam com a possibilidade de ampliar a detecção de casos, melhorar a adesão terapêutica e reduzir o abandono ao tratamento.(5)

Neste contexto, o ACS passa a assumir uma posição de destaque. Esse profissional, além de residir na comunidade em que atua, mostra-se familiarizado com seus valores, costumes e linguagem, podendo assim produzir uma mescla entre o uso da tecnologia/­conhecimento biomédico e as crenças locais. Agindo, portanto, como tradutor, constrói pontes entre os serviços de saúde e a comunidade, identificando ­prontamente seus problemas, facilitando o trabalho de prevenção de doenças e de promoção da saúde.(6)

Apesar de definitivamente incorporado ao controle da TB em diversas partes do mundo, em especial onde o DOTS apresenta alta cobertura,(1) pouco se conhece das condições ocupacionais do ACS no PNCT de nosso país, bem como no estado do Espírito Santo.

Há muito se sabe que o cuidado dos pacientes com TB, atividade listada entre as realizadas pelos ACS, configura-se em um risco aumentado de contaminação para os profissionais de saúde envolvidos. Esse problema, por muito tempo negligenciado, volta à discussão na atualidade, com diversos trabalhos ressaltando a elevação do risco de profissionais de saúde ou de estudantes desta área de serem contaminados por M. tuberculosis quando comparado com o risco da população geral.(7,8) Contudo, não há registros na literatura que descrevem o risco de infecção por M. tuberculosis em ACS.

Diante dessa situação, verificou-se a importância e a necessidade de conhecer a realidade no âmbito ocupacional dos ACS atuantes no PSF no município de Cachoeiro de Itapemirim (ES), já que esses profissionais exercem um papel fundamental no controle da TB e estão mais próximos da população susceptível.

O presente estudo possui como objetivos avaliar a infecção por M. tuberculosis, através da prova tuberculínica, nos ACS que acompanham pacientes em tratamento de TB e que atuam no PSF do município de Cachoeiro de Itapemirim (ES). Como o ACS mora na mesma comunidade do paciente com TB, e a exposição comunitária, fora do ambiente de trabalho, poderia também ter acontecido, comparou-se o resultado da prova tuberculínica do ACS e de um membro familiar residente no mesmo domicílio que esse profissional.

Métodos

Trata-se de um estudo observacional híbrido de casos prevalentes com avaliação retrospectiva da exposição. Os grupos de expostos e não-­expostos ao risco ocupacional foram determinados no início da investigação, e um tempo mínimo de exposição igual a 3 meses foi considerado. Tanto as informações sobre a exposição no passado quanto os desfechos foram medidos após o início do estudo.

A população do estudo foi constituída por todos os ACS que atuam no PSF no município de Cachoeiro de Itapemirim (ES) e que possuíam em sua área de atuação pacientes em tratamento de TB. No momento da coleta de dados, o município contava com 40 ACS atuantes. Como a adesão ao estudo foi voluntária, 9 ACS se recusaram a participar do estudo e 1 pediu demissão neste período; assim, a amostra foi composta por 30 ACS. Para a comparação entre a exposição profissional e a prevalência de prova tuberculínica, para cada ACS, foi selecionado um membro familiar não-profissional de saúde que residia no mesmo domicílio. Portanto, participaram do estudo 30 ACS e 30 membros familiares dos ACS que não eram profissionais de saúde e que, após a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido, responderam ao questionário fornecido.

Aplicou-se um questionário de autopreenchimento e realizou-se a prova tuberculínica de todos os ACS e de seus familiares participantes do estudo no período de fevereiro a maio de 2007. Foi utilizada a tuberculina PPD RT23, aplicada por via intradérmica no terço médio da face anterior do antebraço esquerdo. A leitura do teste foi verificada 72 h após a aplicação, medindo-se com régua milimetrada o maior diâmetro transverso da área de enduração palpável, conforme o Manual de Normas para o Controle da Tuberculose.(2) Foi considerada como resposta positiva ao teste tuberculínico uma enduração igual ou superior a 10 mm, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde (MS).(9)

O instrumento foi composto de um questionário de identificação dos ACS (nome, data de nascimento, sexo, escolaridade) e questões relacionadas à história clínica e ocupacional. Quanto ao grupo de familiares, o questionário foi composto apenas por dados de identificação (nome, data de nascimento, sexo, escolaridade) e questões relacionadas à história clínica e de contato com algum caso de TB. Excetuando-se os dados de contato ocupacional dos ACS, todos os outros dados foram coletados de forma semelhante entre os dois grupos de comparação.

Os dados obtidos por meio dos questionários foram transferidos para uma planilha eletrônica Microsoft® Excel T. As análises estatísticas foram conduzidas através do pacote estatístico Stata, versão 9.0 (Stata Corp., College Station, TX, EUA). Realizou-se o cálculo da média e desvio-padrão da idade e escolaridade dos ACS e seus controles, e da mediana para o tempo de atuação profissional dos ACS. Foram calculados os valores absolutos e relativos para cada variável. Na avaliação comparativa das variáveis dicotômicas estudadas entre os grupos, empregou-se o teste exato de Fisher; para variáveis quantitativas, o teste t de Student. O nível de significância estabelecido para ambos foi de 5% (p < 0,05).

O projeto foi previamente autorizado pela Secretaria de Municipal de Saúde de Cachoeiro de Itapemirim e recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo, sob o número 127/06. Todos os participantes que aceitaram contribuir com o estudo assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, e foi garantido o sigilo das informações. Os participantes do estudo que se apresentaram como fortes reatores à prova tuberculínica (≥ 10 mm) foram encaminhados ao serviço de referência em controle da TB do município para investigação.

Resultados

Os resultados estão apresentados de acordo com as categorias do instrumento utilizado: dados demográficos, história clínica e história ocupacional.

Com relação ao sexo dos entrevistados, observou-se que, entre os ACS, 27 (90,0%) eram do sexo feminino, ao passo que entre seus membros familiares 23 (76,7%) também o eram (p = 0,299). A idade média e o dp do grupo ACS foram de 36,8 ± 8,7 anos, variando entre 20 e 58 anos, enquanto esta, no grupo de membros familiares, foi de 39,7 ± 11,7 anos, variando entre 16 e 73 anos. O nível de escolaridade médio entre os ACS foi de 10,8 ± 1,8 anos de estudo e mostrou-se superior ao do apresentado pelos seus familiares, de 9,4 ± 3,3 anos (Tabela 1).





Em relação à história clinica, a presença de cicatriz provocada pela aplicação da vacina BCG foi detectada em grande parte dos participantes do estudo, sendo presente em 28 (93,3%) dos ACS e em 24 (80,0%) dos seus familiares, não havendo diferença significativa entre os grupos.

Quando questionados sobre a aplicação de reforço profilático da vacina BCG, 2 (6,66%) dos ACS e 4 (13,33%) dos familiares responderam afirmativamente. Quanto à realização da prova tuberculínica anteriormente, 15 (50,0%) dos ACS e 4 (13,33%) dos familiares já haviam se submetido ao teste, sendo as proporções estatisticamente significativas entre os grupos (p = 0,002). Destes, nenhum havia apresentado resultado positivo na prova tuberculínica anterior. Já na investigação da exposição ao M. tuberculosis, perguntou-se aos participantes quanto ao fato de conhecerem ou já terem tido algum contato com paciente com TB, e o resultado foi idêntico em ambos os grupos (17 em cada grupo; 56,66%; Tabela 2).



Quanto ao resultado da prova tuberculínica feita por este estudo, 8 (26,66%) dos ACS apresentaram resultado positivo (diâmetro da enduração ≥ 10 mm), ao passo que entre os membros familiares este foi positivo em 1 (3,33%), sendo a presença da infecção entre os ACS superior e estatisticamente significativa (p = 0,011; Tabela 2).

É importante ressaltar que dentre os 8 ACS com resultado positivo encaminhados para a investigação, 1 foi diagnosticado com TB ativa e iniciou o tratamento durante o estudo.

Na Tabela 3, são apresentadas as variáveis referentes à história ocupacional do ACS, não sendo, portanto, comparadas a variáveis do grupo de membros familiares.

Quanto ao tempo em que trabalha como ACS, a mediana observada foi de 23 meses, próxima a 2 anos de atuação profissional, variando entre 4 e 108 meses. A proporção de ACS que realizaram alguma capacitação em TB/DOTS foi de 26/28 (92,9%). Quando questionados sobre qual seria a via de transmissão do bacilo da TB, todos (100,0%)
responderam "gotículas de saliva" (transmissão aérea); no entanto, 2 (6,66%) responderam que a transmissão também ocorreria através do contato com objetos pessoais do doente. Nessa pergunta, o participante poderia optar por mais de uma resposta. No momento da pesquisa, 22/26 (84,6%) dos ACS estão acompanhando pacientes com TB, variando de 1 a 3 pacientes para cada ACS. Destes, 19/26 (73,1%) realizam DOTS. Com relação à utilização de equipamentos de proteção individual durante a realização de suas atividades e acompanhamento dos pacientes com TB, o estudo revelou que nenhum dos ACS utilizava máscara durante as visitas. Além disso, 12/29 (41,4%) relataram que os locais onde se realizam as visitas ou DOTS são fechados e/ou abafados (Tabela 3).



Discussão

O ACS é um profissional que atua em dois importantes programas do MS: o Programa ACS e o PSF. Conforme descrito na Lei nº 10.507, de 10 de julho de 2002, o ACS é capacitado para realizar atividades de prevenção de doenças e de promoção da saúde, mediante ações domiciliares e comunitárias, individuais e coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do Sistema Único de Saúde e sob supervisão do gestor local deste. Atua orientando e ­monitorando famílias sobre cuidados com sua própria saúde e também com a saúde da comunidade.(6) Sem dúvida, este profissional apresenta particularidades, uma vez que trabalha na mesma comunidade onde vive, tornando-se uma referência para a população adstrita à sua área de atuação.

Nesse estudo houve predominância de pessoas do sexo feminino, tanto no grupo ACS quanto no grupo de membros familiares. Pesquisas em diferentes municípios brasileiros envolvendo ACS encontraram resultados semelhantes.(10,11) Esse fato pode estar intimamente ligado ao papel cuidador que a mulher desempenha na sociedade, sendo estas as principais responsáveis pela educação e pela alimentação das crianças, assim como pelos cuidados prestados aos membros idosos da família.(12) Dos 170 mil ACS no Brasil, 140 mil são mulheres, o que reafirma o resultado encontrado neste estudo.(13) Um dos pré-requisitos do MS é que os agentes tenham idade acima de 18 anos, não sendo estabelecido um limite máximo.(13)

O MS não exigia um determinado grau de escolaridade para a função de agente, somente que o candidato soubesse ler e escrever.(13) No entanto, a Lei Federal nº 10.507, que regulamentou a profissão do ACS, passou a exigir o ensino fundamental completo. Quanto maior o grau de escolaridade, mais condições tem o ACS de incorporar novos conhecimentos e de orientar as famílias sob sua responsabilidade. No presente estudo, a média de escolaridade dos ACS foi superior à de seus membros familiares, embora não tenha apresentado diferença estatisticamente significativa. Em outras cidades, o grau de escolaridade dos ACS é elevado. Em São Paulo, 36,7% completaram o ensino médio, e 27,3% o estão completando.(14) Em Porto Alegre, um estudo observou um faixa de 9-11 anos de estudo entre esses ­profissionais.(10)

No Brasil, a primovacinação com BCG é recomendada o mais próximo possível ao nascimento em crianças com peso superior a 2.000 g, sendo obrigatória no primeiro ano de vida,(15) justificando o fato da grande maioria dos participantes do estudo apresentar a cicatriz vacinal. O fato de não apresentar cicatriz não indica a falta de vacinação. A presença de cicatriz vacinal representa um passado de vacinação com BCG, não havendo evidências na literatura da associação entre a presença de cicatriz e a proteção ou a imunidade contra TB. Apesar disso, o MS, através do Programa Nacional de Imunizações, orienta a vacinação de crianças que não apresentem cicatriz vacinal, mesmo que possuam história positiva de vacinação com BCG, pela possibilidade teórica de que unidades não viáveis da vacina tenham sido aplicadas, motivando a ausência da resposta cutânea.(16)

A Organização Mundial de Saúde recomenda o uso de uma dose de BCG na proteção contra TB, considerando a ausência de evidências que sustentem a utilização de doses adicionais de BCG.(17) Alguns países, como Rússia, Portugal, Chile e Hungria, adotam o uso de doses repetidas de BCG para o controle da TB pulmonar, baseados no pressuposto de que a proteção conferida pela vacina BCG declina ao longo do tempo. No Chile, em um estudo caso-controle, não se evidenciou proteção após doses adicionais de BCG.(18) Na Finlândia, a partir de 1990, após a descontinuidade do uso da segunda dose da vacina BCG em crianças não-reatoras ao PPD, não foi ­observada uma elevação no número de casos, quando comparados à coorte de revacinados com BCG.(19) No Brasil, resultados de um estudo controlado randomizado da revacinação de escolares em duas capitais do país, Salvador e Manaus, mostraram ausência de proteção da segunda dose de BCG para TB pulmonar e, como consequência, recomendaram a suspensão dessa prática.(20,21) Isso justifica o baixo percentual de pessoas que foram revacinadas para BCG neste estudo.

A proporção de ACS com prova tuberculínica anterior foi superior em relação àquela de seus familiares, uma vez que grande parte dos ACS submetidos ao teste já atuavam na função, o que provavelmente refletiu-se neste achado. Ainda que não seja obrigatória a realização da prova tuberculínica, no Brasil, a sua utilização como parâmetro de avaliação da qualidade da biossegurança nos ambientes de trabalho é prática corrente nos serviços de saúde.(9)

Apesar da mesma proporção dos ACS e de seus membros familiares conhecerem ou já terem tido contato com pacientes com TB, não restam dúvidas de que a taxa de infecção associada às atividades do ACS diferencia-se da observada entre os membros familiares. A diferença reside na frequência e na intensidade com que se dá o contato, uma vez que, de maneira geral, os familiares conhecem um caso de TB, mas não mantêm contato com este. Este achado parece demonstrar que, em comunidades menores, a condição diagnóstica do paciente com TB não é desconhecida dos membros da comunidade em que ele reside.

A mediana do tempo de atuação do ACS de 23 meses é indicativa de certa estabilidade no vínculo empregatício. Em Porto Alegre, encontrou-se uma baixa rotatividade desses trabalhadores, sendo que alguns dos que estavam há menos tempo iniciaram suas atividades em serviços recém implantados.(10) O tempo de permanência no programa é importante para o entendimento do papel do agente, que é construído nas suas práticas cotidianas.(22)

Verificou-se um dado muito significativo no que tange à prova tuberculínica realizada pelo estudo. O resultado entre os ACS foi expressivamente superior que entre seus familiares, e estes diferiam dos ACS basicamente quanto à profissão. Em virtude dos controles serem membros familiares residindo no mesmo local e com idade a mais próxima possível dos ACS, há evidências de que a diferença encontrada entre a infecção nos dois grupos deva-se ao nível de exposição ao agente infeccioso promovido pela atividade profissional do ACS. Ainda que o risco ocupacional relacionado à infecção por M. tuberculosis em outros profissionais da saúde seja tema de profunda discussão,(7,8,23) não foi possível encontrar na literatura levantada trabalhos que fizessem menção ao risco relacionado às atividades desenvolvidas pelos ACS.

Esses achados, apesar de sugerirem uma forte relação entre a atividade dos ACS e um aumento na infecção por M. tuberculosis, necessitam de confirmação através de estudos prospectivos, envolvendo um número maior de participantes, para avaliar a conversão tuberculínica após o início do serviço e utilizando métodos diagnósticos mais sofisticados, como os baseados na liberação de IFN-γ.(24)

A proporção de ACS que realizaram treinamentos de capacitação foi alta, o que é compatível com a situação epidemiológica do município e sua classificação como um dos oito prioritários no estado do Espírito Santo para o PNCT. Da mesma forma, o fato de grande parte dos ACS estar acompanhando pacientes com TB está de acordo com o grande número de casos existentes no município. Contudo, nem o fato do município ser prioritário, nem o fato dos agentes realizarem acompanhamento e de terem se submetido à capacitação, propiciou que estes exercessem suas atividades segundo as normas de biossegurança preconizadas; pois, neste estudo, observou-se que nenhum dos profissionais fazia uso de máscara durante as visitas e o acompanhamento.(9)

A despeito do reconhecimento alcançado pela supervisão do tratamento através de DOTS, como estratégia de grande efetividade no controle da TB na comunidade, pode-se observar que o MS não vem dedicando a atenção e os recursos necessários para que as atividades dos ACS, principais responsáveis pelo acompanhamento dos pacientes, sejam realizadas da forma adequada em relação ao nível de risco envolvido.

O fato de não terem sido encontrados na literatura levantada trabalhos que fizessem referência ao risco ocupacional entre os ACS pode ser entendido pelo curto período de tempo em que houve a incorporação efetiva destes ao controle da TB. Nesse sentido, o achado central deste estudo, que mostrou que a prevalência de infecção tuberculosa entre os ACS foi significativamente maior que entre seus familiares, vem contribuir para o debate em torno do risco ocupacional envolvido nas atividades deste profissional. A alta proporção de ACS acompanhando pacientes com TB ou realizando DOTS sem o uso de equipamento de proteção individual reforça nossa avaliação e evidenciam a necessidade de que o sistema de saúde formule políticas para esse grupo profissional.

Referências

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Sobre os autores

Patrícia Marques Rodrigues
Bolsista de Iniciação Cientifica. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.

Tiago Ricardo Moreira
Mestrando em Saúde Coletiva. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.

Andressa Karla Luz de Moraes
Bolsista de Iniciação Cientifica. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.

Rafael da Cruz Araújo Vieira
Pesquisador. Laboratório de Epidemiologia, Núcleo de Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.

Reynaldo Dietze
Coordenador. Núcleo de Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.

Rita de Cassia Duarte Lima
Professora Doutora. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.

Ethel Leonor Noia Maciel
Professora Adjunta de Epidemiologia. Laboratório de Epidemiologia, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.


* Trabalho realizado no Núcleo de Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.
Endereço para correspondência. Ethel Leonor Noia Maciel. Laboratório de Epidemiologia, Núcleo de Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo, Av. Marechal Campos, 1468, Maruípe, CEP 29040-090, Vitória, ES, Brasil.
Tel 55 27 3335-7210. E-mail: emaciel@ndi.ufes.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro através do Edital MCT/CNPq/MS-DAB/SAS nº 49/2005 e do International Clinical Operational and Health Services Research and Training Award, Edital ICOHRTA 5 U2R TW006883-02.
Recebido para publicação em 5/9/2008. Aprovado, após revisão, em 8/10/2008.

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