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Artigo Original

Prevalência e gravidade da sibilância no primeiro ano de vida

Prevalence and severity of wheezing in the first year of life

Ana Caroline Cavalcanti Dela Bianca, Gustavo Falbo Wandalsen, Javier Mallol, Dirceu Solé

ABSTRACT

Objective: To determine the prevalence and severity of wheezing in infants, using the standardized protocol devised for the "Estudio Internacional de Sibilancias en Lactantes" (EISL, International Study of Wheezing in Infants), as well as to determine the relationship between such wheezing and physician-diagnosed asthma, in the first year of life. Methods: Between March of 2005 and August of 2006, the EISL questionnaire was administered to the parents or legal guardians of infants undergoing routine procedures or immunization at public primary health care clinics in the southern part of the city of São Paulo, Brazil. Results: Our sample comprised 1,014 infants (mean age = 5.0 ± 3.0 months), 467 (46.0%) of whom had at least one wheezing episode, 270 (26.6%) having three or more such episodes, in their first year of life. The use of inhaled β2 agonists, inhaled corticosteroids, or antileukotrienes, as well as the occurrence of nocturnal symptoms, difficulty breathing, pneumonia, emergency room visits, and hospitalization due to severe wheezing, was significantly more common among those with recurrent wheezing (p < 0.05). Physician-diagnosed asthma was reported for 35 (7.5%) of the 467 wheezing infants and was found to be associated with the use of inhaled corticosteroids, difficulty breathing during the attacks, and six or more wheezing episodes in the first year of life. However, less than 40% of those infants were treated with inhaled corticosteroids or antileukotrienes. Conclusions: In this study, the prevalence of wheezing episodes among infants in their first year of life was high and had an early onset. The proportion of infants diagnosed with and treated for asthma was low.

Keywords: Asthma/diagnosis; Asthma/epidemiology; Respiratory sounds.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a prevalência e a gravidade da sibilância, bem como sua relação com o diagnóstico médico de asma, em lactentes no primeiro ano de vida, utilizando o protocolo padronizado do "Estudio Internacional de Sibilancias en Lactantes" (EISL, Estudo Internacional de Sibilâncias em Lactentes). Métodos: Entre março de 2005 e agosto de 2006, os pais ou responsáveis de lactentes que procuraram unidades básicas de saúde na região centro-sul de São Paulo (SP) para procedimentos de rotina e imunização responderam ao questionário escrito do EISL. Resultados: A amostra foi constituída por 1.014 lactentes (média de idade = 5,0 ± 3,0 meses), 467 (46,0%) dos quais apresentaram sibilância no primeiro ano de vida, sendo que 270 (26,6%) tiveram três ou mais episódios. Entre esses últimos, o uso de β2-agonista inalatório, corticosteroide inalatório e antileucotrieno, assim como a presença de sintomas noturnos, dificuldade para respirar, pneumonia, idas ao pronto socorro e internação por sibilância grave, foram significantemente mais frequentes (p < 0,05). Os pais de 35 (7,5%) dos 467 lactentes relataram o diagnóstico médico de asma, o qual foi associado ao uso de corticosteroide inalatório, percepção de falta de ar durante as crises e seis ou mais episódios de sibilância no primeiro ano de vida. Entretanto, menos de 40% desses lactentes recebiam corticosteroide inalatório ou antileucotrieno como tratamento. Conclusões: A prevalência da sibilância no primeiro ano de vida de lactentes no estudo foi alta e teve início precoce. A proporção de lactentes diagnosticados e tratados como asmáticos foi baixa.

Palavras-chave: Asma/diagnóstico; Asma/epidemiologia; Sons respiratórios.

Introdução

A sibilância é um dos sintomas respiratórios mais comuns na infância e pode ser resultante ou não de várias doenças pulmonares. Independentemente da causa, a sibilância é motivo de procura por atendimento médico em serviços de urgência, sobretudo se há recorrência dos episódios. A sibilância de repetição é uma condição muito frequente na infância e, na maioria das vezes, os seus primeiros episódios ocorrem no primeiro ano de vida.(1)

Várias podem ser as causas de sibilância recorrente ou não recorrente nessa faixa etária, tais como bronquiolite viral aguda, síndromes aspirativas ou asma de início precoce. Geralmente, os lactentes com sibilância recorrente são os que necessitam de atenção especial, com acompanhamento médico desde o início dos sintomas e instituição de tratamento adequado tentando-se evitar uma evolução desfavorável e maior morbidade.

Assim como observado na asma em crianças maiores,(2) é provável que as taxas de prevalência e de gravidade da sibilância recorrente em lactentes de países em desenvolvimento sejam maiores do que as de países desenvolvidos. As razões para tais diferenças ainda não são conhecidas, mas podem ser determinadas principalmente pelas exposições a fatores de risco ambientais, especialmente aqueles relacionados à condição socioeconômica baixa.(3,4)

Para realizar-se um estudo comparativo mundial sobre a prevalência de sibilância em lactentes, é necessário utilizar-se um método padronizado e validado para os países (culturas) nele envolvidos. Desse modo, crê-se que o desenvolvimento de protocolos bem padronizados e aplicáveis aos pais dos lactentes poderia identificar pacientes com sibilância recorrente e, possivelmente, também os com asma.

O Estudio Internacional de Sibilancias en Lactantes (EISL, Estudo Internacional de Sibilâncias em Lactentes) foi desenvolvido para estudar o impacto da sibilância recorrente em lactentes no primeiro ano de vida e determinar sua prevalência e fatores de risco associados.(5) Trata-se de um estudo multicêntrico internacional do qual participaram países da América Latina, a Holanda e a Espanha. No Brasil, oito centros participaram desse estudo, sendo um deles o da região centro-sul da cidade de São Paulo.

O objetivo deste estudo, em sua primeira fase, foi avaliar e descrever a prevalência e a gravidade da sibilância e observar a sua relação com o diagnóstico médico de asma, durante o primeiro ano de vida, em lactentes que residem na região centro-sul da cidade de São Paulo, utilizando o protocolo padronizado do EISL.

Métodos

Participaram deste estudo pais ou responsáveis de lactentes com idades entre 12 e 15 meses, residentes na região centro-sul do município de São Paulo e que responderam ao questionário escrito padrão do EISL (QE-EISL) fase 1. Essa região foi escolhida por ser a mesma da aplicação do estudo de prevalência de asma e doenças alérgicas em crianças e adolescentes - International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) fase 1 e fase 3.(6,7)

Foram excluídos do estudo os lactentes cujos pais informaram terem doenças crônicas, capazes de repercutirem sobre o sistema respiratório (neuropatias, miopatias, cardiopatias, doenças genéticas e malformações graves), e os questionários cujo preenchimento fosse inferior a 90% das perguntas.

Nove unidades básicas de saúde (UBS), localizadas em diferentes bairros, foram sorteadas aleatoriamente para o estudo entre as 60 UBS existentes na região. Os pais e/ou responsáveis que concordaram em participar da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e, em seguida, foram entrevistados por pediatras ou alunos do 5º ano do Curso de Medicina, previamente treinados, da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). As visitas às UBS ocorreram durante os anos de 2005 e 2006, durante as visitas de rotina para consultas ou imunizações, e nas quatro campanhas
de imunização contra a poliomielite infantil realizadas no período.

O QE-EISL fase 1 é um instrumento formado por 45 perguntas sobre características demográficas, sibilância e seus prováveis fatores de risco.(5) Originalmente idealizado em espanhol, foi traduzido para o português (cultura brasileira) e validado.(8-10) A esse questionário foi adicionada uma questão desenvolvida para a população brasileira: "O seu filho usou corticosteroide oral?"

Os dados obtidos com o QE-EISL fase 1 foram codificados de forma padrão, transferidos para um banco de dados elaborado no Microsoft Excel® 2000 e analisados estatisticamente com a utilização do Statistical Package for the Social Sciences for Windows, versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

Os lactentes sibilantes foram separados em grupos levando-se em consideração a frequência da sibilância: menos de três episódios de sibilância, três ou mais episódios de sibilância (sibilantes recorrentes) e seis ou mais episódios de sibilância (sibilantes recorrentes graves). Os que nunca apresentaram sibilância foram denominados não sibilantes.

Os lactentes que apresentaram pelo menos um episódio de sibilância foram analisados quanto à interferência do gênero sobre a frequência da sibilância, os sintomas apresentados, o uso de medicações para sibilância e os diagnósticos de asma, pneumonia e infecções de vias aéreas superiores. Os sibilantes com diagnóstico de asma foram avaliados quanto a fatores de gravidade e tipo de tratamento instituído.

Na dependência das variáveis analisadas, foram empregados testes paramétricos (t de Student) e não paramétricos (qui-quadrado e exato de Fisher) e regressão logística. Esta foi utilizada para a análise conjunta dos possíveis fatores de gravidade relacionados à sibilância recorrente e ao diagnóstico prévio de asma, visando determinar os fatores independentemente relacionados ao desfecho. Considerou-se o nível de significância de 0,05 para a rejeição da hipótese de nulidade.

Este trabalho foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da UNIFESP/EPM e da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.

Resultados

Foram entrevistados 1.054 pais ou respon­sáveis de lactentes entre 12 e 15 meses de vida. Foram excluídos da amostra 30 questionários que foram preenchidos de forma incorreta e 10 relativos a crianças que apresentavam cardiopatia ou neuropatia. Portanto, a amostra final foi constituída por 1.014 questionários. A maioria dos respondedores foram mães (82,1%), seguidos dos pais (10,8%) e de outros familiares (7,1%).

Quinhentos e doze lactentes (50,5%) eram do sexo masculino. As características dos lactentes que apresentaram pelo menos um episódio de sibilância, estratificados quanto ao gênero, encontram-se descritas na Tabela 1. Entre os lactentes com sibilância, observamos que os meninos apresentaram valores discretamente maiores, e estatisticamente significantes, para peso e estatura (ao nascer e aos doze meses de vida), em relação aos dados antropométricos das meninas, como esperado. Não houve diferença estatisticamente significante na distribuição da etnia entre os gêneros (dados não apresentados).



Observamos um ou mais episódios de sibilância nos primeiros 12 meses de vida em 467 (46,0%) lactentes, com média de início aos 5,0 ± 3,0 meses. Apresentaram três ou mais episódios de sibilância (sibilância recorrente) 270 lactentes (26,6%), enquanto 100 lactentes manifestaram seis ou mais episódios de sibilância (sibilância recorrente grave). A Tabela 2 apresenta as características pessoais e clínicas de cada grupo de sibilantes.



Pela análise multivariada, observamos associações independentes de sibilância recorrente com o uso de corticosteroide inalatório (OR = 2,2; IC95%: 1,1-4,4; p = 0,03), sintomas noturnos frequentes (OR = 3,5; IC95%: 2,3-5,2; p < 0,001), necessidade do atendimento em pronto socorro (OR = 1,6; IC95%: 1,1-2,5; p = 0,02) e diagnóstico de pneumonia (OR = 3,5; IC95%: 1,8-6,6; p = 0,005). A sibilância recorrente grave foi associada de modo independente aos sintomas noturnos frequentes (OR = 2,9; IC95%: 1,6-5,2; p < 0,001), à percepção dos pais da falta de ar do lactente (OR = 1,8; IC95%: 1,1-2,9; p = 0,03), à hospitalização por sibilância (OR = 1,9; IC95%: 1,1-3,3; p = 0,03) e ao diagnóstico de pneumonia (OR = 1,8; IC95%: 1,1-3,1; p = 0,02).

Os pais de 35 lactentes (7,5%) referiam conhecimento do diagnóstico médico de asma. A comparação entre as características clínicas dos asmáticos e dos demais sibilantes encontra-se na Tabela 3. Pela análise multivariada, identificamos associações independentes do diagnóstico de asma com o uso de corticosteroide inalatório (OR = 2,97; IC95%: 1,32-6,69; p = 0,009), falta de ar durante a crise (OR = 4,42; IC95%: 1,30‑14,95; p = 0,02) e ter tido seis ou mais episódios de sibilância (OR = 2,15; IC95%: 1,02‑4,52; p = 0,04).



Entre os responsáveis pelos lactentes sibilantes, 429 (91,9%) responderam à pergunta sobre o uso de corticosteroide oral, e 209 pais (48,7%) confirmaram o seu uso para o tratamento da sibilância. A avaliação da relação entre o uso de corticosteroide oral como fator associado à maior frequência e gravidade dos episódios de sibilância mostrou não haver associação significante entre as variáveis.

Discussão

A cidade de São Paulo é um dos centros brasileiros com maiores índices de prevalência de sibilância e asma entre crianças e adoles­centes.(11,12) No entanto, existem poucos estudos isolados que avaliaram a prevalência da sibilância em lactentes no maior centro urbano da América do Sul. Tal situação não é diferente em outros grandes centros urbanos brasileiros, nem nos demais países em desenvolvimento.

Há mais de uma década, a prevalência de sibilância recente (um ou mais episódios nos últimos 12 meses) foi estimada em 14,3% entre crianças de 12 a 23 meses de vida moradoras da cidade de São Paulo.(13) Um estudo de coorte de nascimento realizado na periferia da zona sul da mesma capital, com indivíduos com risco elevado de desenvolver asma (pais com atopia), documentou que, aos 30 meses de vida, 52% das crianças participantes apresentavam sibilância recorrente.(3) No presente estudo, encontramos uma prevalência elevada de sibilância em uma amostra representativa da população da região centro-sul da cidade, com pouco menos da metade dos lactentes apresentando pelo menos um episódio de sibilância já no primeiro ano de vida. A variação observada entre os estudos anteriores e o atual pode estar relacionada à falta de padronização dos métodos empregados na identificação dos lactentes, ao tipo de estudo realizado, à definição de sibilância e ao limite da faixa etária estudada.

Entre os sibilantes, houve predomínio de lactentes do gênero masculino, que também apresentaram maior frequência de episódios de pneumonia e utilizaram corticosteroide inalatório mais frequentemente para o tratamento da sibilância do que as meninas (Tabela 1). Estudos já demonstraram que o sexo masculino é um fator de risco para sibilância na infância, e aponta-se o menor calibre das vias aéreas dos meninos ao nascimento como uma possível explicação para esse fato.(1)

Praticamente 1 em cada 4 lactentes avaliados apresentou sibilância recorrente, definida pelo relato de três ou mais episódios de sibilância no primeiro ano de vida. Esse grupo apresentou início mais precoce dos episódios (Tabela 2), usou corticosteroide inalatório mais frequentemente e apresentou sinais de maior gravidade, quando comparado ao grupo com sibilância não recorrente (análise multivariada). Estudos isolados sugerem que a sibilância recorrente tem maior prevalência e gravidade em países em desenvolvimento do que em países desenvolvidos.(4,14,15) É provável que tal fato esteja relacionado a fatores ambientais e às más condições socioeconômicas das populações dessas localidades. Taxas semelhantes de sibilância (45,4%) e de sibilância recorrente (22,6%) em lactentes da mesma faixa etária foram obtidas em Curitiba (PR),(16) e valores bem menores de prevalência de sibilância (28,5%) e sibilância recorrente (14,5%) foram encontrados na Holanda,(17) empregando-se o mesmo instrumento e método.

Observamos associações independentes do diagnóstico de pneumonia e de ter hospitalizações por pneumonia com a sibilância recorrente e a sibilância recorrente grave. É provável que tenha havido uma superestimação do diagnóstico de pneumonia nesta amostra, uma vez que as limitações, as dificuldades e as contradições no diagnóstico das doenças infecciosas pulmonares agudas nas crianças são constantes na prática clínica.(18) No entanto, não deixa de ser preocupante o elevado percentual de lactentes que apresentou um quadro clínico de infecção respiratória com acometimento pulmonar nesta amostra. Segundo o Ministério da Saúde, em 2006, 34,5% das internações hospitalares de indivíduos menores de um ano de vida, em todo o Brasil, foram causadas por doenças do aparelho respiratório. Em São Paulo, essa mesma taxa foi de 34,9%.(19) A associação de sibilância e pneumonia em lactentes já é bem conhecida(20) e claramente aponta a sibilância recorrente como um importante problema de saúde pública. Entretanto, no Brasil e em outros países em desenvolvimento, embora a morbidade e a mortalidade por infecções respiratórias sejam elevadas no primeiro ano de vida,(21) desconhecia-se até então a verdadeira prevalência da sibilância nessa faixa etária.

A presença de sintomas noturnos, as visitas à emergência, a percepção de falta de ar dos lactentes pelos pais e a hospitalização por sibilância foram muito frequentes entre todos os grupos de sibilantes, com aumento percentual e estatisticamente significante quanto maior a frequência dos episódios, como era esperado (Tabela 2). Os lactentes com sibilância recorrente grave apresentaram a primeira crise precocemente, em média, aos 3 meses de vida (Tabela 2), e, apesar de sua associação de modo independente aos sinais de gravidade, como a falta de ar durante a crise e a hospitalização por sibilância, somente 18,0% e 3,0% deles, respectivamente, receberam corticosteroide inalatório e antileucotrienos como tratamento específico (Tabela 2). Provavelmente, isso ocorreu devido ao baixo percentual de sibilantes identificados como asmáticos.

Sabemos que existem dificuldades para diagnosticar a asma no primeiro ano de vida, uma vez que várias doenças podem manifestar-se com episódios recorrentes de tosse e/ou sibilância nesse período.(22) No entanto, a asma é a doença crônica respiratória de maior prevalência na infância,(22) e a intensidade dos seus sintomas durante os dois primeiros anos de vida está fortemente relacionada ao seu prognóstico tardio.(23) Em um estudo prospectivo, se observou que a maioria das crianças que apresentaram sibilância na infância manifestaram os primeiros episódios já no primeiro ano de vida. Dessas, metade persistiu com sibilância até os 6 anos de vida, sendo consideradas asmáticas,(1) apontando para a necessidade do aprimoramento do diagnóstico e do tratamento precoce da asma e da sibilância.

No Brasil, e especialmente no estado de São Paulo, o termo "asma" é frequentemente substituído pelo termo "bronquite", quando diz respeito à asma em crianças, introduzindo um viés adicional nas avaliações epidemiológicas,(24) que pode ter colaborado para o subdiagnóstico de asma no presente estudo. No entanto, é interessante observar que o diagnóstico de asma também foi muito menos frequente do que a presença de sibilância nos últimos 12 meses entre crianças maiores (6 e 7 anos) e adolescentes (13 e 14 anos) brasileiros que participaram do ISAAC.(25) Recentemente, ao avaliar diferentes critérios para o diagnóstico de asma em crianças e adolescentes, um grupo de autores demonstrou que o uso do escore global de avaliação do ISAAC(12) e o questionamento sobre sibilos nos últimos 12 meses foram mais fidedignos quando comparados ao questionamento sobre o diagnóstico médico de asma ou de bronquite.(24)

No presente estudo, os lactentes que receberam o diagnóstico de asma apresentaram mais crises e sinais de gravidade, assim como mais frequentemente tiveram pneumonia e hospitalizações, do que os demais lactentes sibilantes (Tabela 3). Pela regressão logística, observamos associações estatisticamente significantes do diagnóstico de asma com um maior número de crises, percepção dos pais da falta de ar do lactente e uso de corticosteroide inalatório. Isso indica que, provavelmente, o diagnóstico médico está limitado às apresentações mais graves da doença. Apesar disso, mesmo havendo uma indicação formal para o uso de corticosteroide inalatório ou de antileucotrieno, menos de 40% dos asmáticos receberam o tratamento preconizado. O tratamento da asma na infância é marcado por sua maior complexidade, derivada das dificuldades da adaptação das técnicas inalatórias, dos diferentes fenótipos de pacientes e dos riscos potencialmente mais graves dos efeitos colaterais das medicações.(22) Possivelmente, esses aspectos influenciaram o baixo percentual de lactentes sibilantes com tratamento específico neste estudo.

Em contrapartida, praticamente metade dos lactentes sibilantes receberam corticosteroide oral como medicação de alívio das crises. Segundo as diretrizes que norteiam o tratamento da sibilância na infância,(22) o uso de corticosteroide oral está preconizado para as crises mais graves de sibilância; porém, essa associação não foi observada neste estudo. É possível que essa medicação tenha sido prescrita para o tratamento de quadros mais leves, ou mesmo para o tratamento de outras doenças, como a bronquiolite viral, constituindo-se em potencial viés de informação para a gravidade da sibilância nesta população. Além disso, a banalização da prescrição dos corticosteroides orais causa preocupações quanto aos seus possíveis efeitos colaterais, muitas vezes esquecidos. Tal conduta não encontra embasamento científico na literatura especializada no tratamento da sibilância em lactentes e crianças pequenas. Recentemente, em um estudo, comparou-se o uso de prednisolona oral e placebo em pré-escolares que apresentaram sibilância leve a moderada, associada à infecção viral, e não se observou diferença na evolução e na gravidade dos sintomas entre os grupos.(26)

Devido à importância da asma na infância, é fundamental que os lactentes com sibilância recorrente sejam investigados e diagnosticados corretamente desde o primeiro ano de vida. Um grupo de autores propôs um índice preditivo de asma para lactentes que apresentem três ou mais episódios de sibilância, facilitando a instituição de intervenção precoce.(27) Segundo esse índice, a história familiar de asma e a presença de eczema são consideradas critérios maiores, e a rinite alérgica, a eosinofilia e a sibilância na ausência de infecções virais são consideradas critérios menores. Seria considerado potencialmente asmático o lactente com sibilância recorrente que apresentasse um critério maior ou dois menores.(27) No entanto, há dificuldades na aplicação desse índice em nosso meio. Em Pelotas (RS), foi realizado um estudo de coorte de nascimento para avaliar os padrões de sibilância respiratória e suas associações com variáveis independentes. Seus autores observaram que a história familiar de asma esteve associada à sibilância persistente (aos 4 e 10-12 anos), mas também à sibilância transitória (presente aos 4 anos, mas ausente aos 10-12 anos), não sendo possível separar esses fenótipos por esse critério.(28) Além disso, o diagnóstico de dermatite atópica muitas vezes é subestimado no Brasil, sobretudo nas formas mais brandas da doença,(7) e eosinofilia superior a 4%, como critério laboratorial, é questionável por sua baixa especificidade em países em desenvolvimento, nos quais encontramos uma alta prevalência de parasitoses. Esses dados apontam para a necessidade de estudos locais com o intuito de se identificar os diferentes padrões de sibilância, os fatores de risco a eles associados e, principalmente, os lactentes com risco de evoluir para asma persistente.

Consideramos que o uso de um questionário com perguntas que dependem da memória dos pais seja uma limitação deste estudo. Sabe-se que os sibilos podem ser confundidos com outros sons respiratórios, levando à subestimação ou superestimação da verdadeira prevalência da sibilância.(29) No entanto, estudos utilizando questionários escritos mostram que os pais são capazes de lembrar-se de eventos comuns e de doenças como a asma, além do uso de medicação e percepção de sintomas, com bons níveis de acurácia.(30)

Concluímos que a prevalência da sibilância no primeiro ano de vida de lactentes da região centro-sul de São Paulo é alta, tem início precoce, apresenta alta morbidade, com aproximadamente 27% deles manifestando quadros recorrentes com maior morbidade e gravidade, e gera uma maior frequência de pneumonia, necessitando de atenção especializada. Os lactentes com diagnóstico médico de asma apresentaram crises mais frequentes e graves. No entanto, menos da metade deles recebeu tratamento específico para asma. Os elevados índices de prevalência de sibilância, associados aos baixos índices de diagnóstico de asma e à adoção de condução terapêutica diversa da preconizada para esses casos, indicam a importância dessa condição na infância, e reforçam a necessidade de medidas de saúde pública voltadas para essa população.

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* Trabalho realizado na Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Departamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Ana Caroline Cavalcanti Dela Bianca. Rua dos Otonis, 719/725, Vila Clementino, CEP 04025-002, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 5084-0285. Fax: 55 11 5576-4426. E-mail: dra_ana_caroline@yahoo.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 3/12/2009. Aprovado, após revisão, em 11/3/2010.


Sobre os autores

Ana Caroline Cavalcanti Dela Bianca
Doutoranda em Ciências. Curso de Pós-Graduação em Pediatria, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.

Gustavo Falbo Wandalsen
Chefe do Laboratório de Função Pulmonar em Lactentes. Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Departamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina -
UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.

Javier Mallol
Professor Titular. Departamento de Medicina Respiratória Infantil, Universidade de Santiago do Chile - USACH - Santiago, Chile.

Dirceu Solé
Professor Titular Livre-Docente. Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Departamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasi

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