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Artigo Original

Preditores da dessaturação do oxigênio no teste da caminhada de seis minutos em pacientes com fibrose cística

Predictors of oxygen desaturation during the six-minute walk test in patients with cystic fibrosis

Bruna Ziegler, Paula Maria Eidt Rovedder, Claudine Lacerda Oliveira, Sandra Jungblut Schuh, Fernando Abreu e Silva, Paulo de Tarso Roth Dalcin

ABSTRACT

Objective: To identify the predictive factors of oxygen desaturation during the six-minute walk test (6MWT) in patients with cystic fibrosis (CF). Methods: Prospective cross-sectional study involving clinically stable patients with CF aged ≥ 10 years. The patients were submitted to nutritional evaluations, oral glucose tolerance tests, pulmonary function tests, chest X-rays and 6MWTs. Results: The study included 88 patients (43 females and 45 males; mean age, 19.9 ± 7.2 years; mean FEV1, 65.4 ± 28.4%). We observed oxygen desaturation in 13 patients (OD+ group) and no oxygen desaturation in 75 (OD− group). In comparison with OD− group patients, OD+ group patients presented higher mean age (p = 0.004), worse clinical score (p < 0.001), worse radiological score (p < 0.001), higher incidence of glucose intolerance (p = 0.004), lower incidence of methicillin-sensitive Staphylococcus aureus infection (p < 0.001), higher incidence of methicillin-resistant S. aureus infection (p = 0.016), higher incidence of Pseudomonas aeruginosa infection (p = 0.008), lower mean resting SpO2 (p < 0.001) and lower mean FEV1 (p < 0.001). In the logistic regression analysis, oxygen desaturation during the 6MWT correlated with resting SpO2 (OR = 0.305, p < 0.001) and FEV1 (OR = 0.882, p = 0.025). The parameters maximizing the predictive value for oxygen desaturation were resting SpO2 < 96% and FEV1 < 40%. In this sample, 15% of the patients with CF aged ≥ 10 years presented oxygen desaturation during the 6MWT. Conclusions: Resting SpO2 < 96% and FEV1 < 40% can predict oxygen desaturation during the 6MWT.

Keywords: Cystic fibrosis; Respiratory function tests; Exercise tolerance.

RESUMO

Objetivo: Identificar os fatores preditores de dessaturação de oxigênio durante o teste de caminhada de seis minutos (TC6) em pacientes com fibrose cística (FC). Métodos: Estudo transversal e prospectivo em pacientes com FC clinicamente estáveis com idade superior a 10 anos. Os pacientes foram submetidos à avaliação nutricional, teste oral de tolerância à glicose, testes de função pulmonar, exame radiológico do tórax e TC6. Resultados: Foram incluídos 88 pacientes (43 femininos e 45 masculinos) com média de idade de 19,9 ± 7,2 anos e média de VEF1 de 65,4 ± 28,4%. Observamos que 75 pacientes apresentaram-se sem dessaturação de oxigênio (SD) e 13 com dessaturação (CD). Os pacientes do grupo CD apresentaram maior média de idade (p = 0,004), pior escore clínico (p < 0,001), pior escore radiológico (p < 0,001), maior frequência de intolerância à glicose (p = 0,004), menor frequência de infecção bacteriana por Staphylococcus aureus sensível à meticilina (p < 0,001), maior frequência de infecção por S. aureus resistente à meticilina (p = 0,016) e por Pseudomonas aeruginosa (p = 0,008) e menor valor médio de SpO2 em repouso (p < 0,001) e de VEF1 (p < 0,001) do que os pacientes do grupo SD. Na análise de regressão logística, SpO2 em repouso (OR = 0,305, p < 0,001) e VEF1 (OR = 0,882, p = 0,025) se associaram com a dessaturação de oxigênio no TC6. Os parâmetros que maximizaram o valor preditivo para dessaturação de oxigênio foram SpO2 em repouso < 96% e VEF1 < 40%. Nessa amostra, 15% dos pacientes com FC com mais de 10 anos apresentaram dessaturação de oxigênio no TC6. Conclusões: Os parâmetros SpO2 em repouso < 96% e VEF1 < 40% contribuem como preditores de dessaturação no TC6.

Palavras-chave: Fibrose cística; Testes de função respiratória; Tolerância ao exercício.

Introdução

O envolvimento pulmonar na fibrose cística (FC) é a principal causa de morbidade e mortalidade por essa doença e é acompanhado frequentemente pela inabilidade progressiva dos pacientes de realizar exercícios físicos, progredindo até causar incapacidade para a realização de atividades de vida diária.(1)

A capacidade de realizar tarefas diárias na FC é citada como o principal
fator determinante da qualidade de vida.(2) A atividade física é recomendada como medida terapêutica em pacientes com FC e promove importantes benefícios.(3)

A limitação ao exercício isolada também vem sendo considerada como um fator determinante da mortalidade em pacientes com FC, independentemente da idade ou da função pulmonar. O desempenho durante o exercício pode ser influenciado por muitos fatores, como progressão da doença pulmonar, hiperinsuflação dinâmica, depleção do estado nutricional e aumento das demandas energéticas.(4)

O teste de caminhada de seis minutos (TC6) é um teste submáximo de exercício que pode ser realizado por pacientes que não toleram os testes máximos de exercício. O teste é simples, requer equipamentos de pouco custo e é reprodutível. Além disso, é considerado seguro porque os pacientes se autolimitam durante o exercício. A habilidade de caminhar por uma distância reflete a qualidade de vida e a capacidade de desenvolver as atividades do dia-a-dia.(5)

Alguns autores(6) avaliaram 34 pacientes com hipertensão pulmonar primária, com o objetivo de verificar a relação entre a distância percorrida, a dessaturação de oxigênio durante o TC6 e a mortalidade. Como conclusão, demonstrou-se que esses parâmetros são úteis para rastrear os pacientes adequados para a lista de transplante. Outro estudo com 197 pacientes com fibrose pulmonar idiopática demonstrou que a dessaturação de oxigênio durante o TC6 está associada com o aumento da mortalidade.(7)

Um estudo prévio(8) avaliou a capacidade submáxima de exercício através do TC6 em 41 pacientes com FC, com média de idade de 23,7 anos. Foi observado que a distância percorrida não se associou significativamente com a gravidade funcional pulmonar (p = 0,07); porém, a dessaturação de oxigênio durante o teste foi significativamente maior nos pacientes com maior gravidade funcional (p = 0,039). O teste seria útil para identificar os pacientes com dessaturação de oxigênio e limitação ao exercício submáximo. Contudo, os fatores que podem levar a dessaturação de oxigênio do paciente com FC durante o TC6 ainda não estão descritos na literatura.

O objetivo deste estudo foi determinar os fatores preditores de dessaturação de oxigênio durante o TC6 em pacientes com FC.

Métodos

O estudo foi transversal e prospectivo, realizado em um único centro, e incluiu sequencialmente pacientes atendidos pelo Programa Pediátrico e pelo Programa para Adultos com FC do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) que se apresentaram como voluntários. Todos os pacientes foram submetidos à avaliação nutricional, ao teste oral de tolerância à glicose (TOTG), a testes de função pulmonar, ao exame radiológico do tórax e ao TC6. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética do HCPA e o termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido
para cada paciente.

O estudo incluiu pacientes com FC com 10 anos ou mais. O diagnóstico foi confirmado de acordo com os critérios do consenso.(9) Todos os pacientes deveriam estar em condições clínicas estáveis definidas, sem nenhuma modificação recente na medicação nos últimos 30 dias e com um intervalo de pelo menos 30 dias desde o término do último curso de antibióticos i.v. ou v.o. para tratamento de exacerbação pulmonar. Foram excluídos os pacientes que se recusaram a participar do estudo, gestantes, indivíduos com doença cardíaca, ortopédica ou traumatológica, assim como pacientes que apresentassem alguma outra condição clínica que impedisse a realização dos testes propostos pela pesquisa.
Todas as avaliações e testes propostos pelo estudo foram realizados dentro de um prazo temporal máximo de uma semana.

O escore clínico foi realizado pelo médico da equipe de FC, utilizando o sistema de escore de Shwachman-Kulczycki.(10)

O estado nutricional foi avaliado através do índice de massa corpórea (IMC) e do percentil do IMC. Os pacientes foram classificados de acordo com o estado nutricional em três grupos: nutrição normal, IMC > 20 kg/m2 (pacientes com 18 anos ou mais) ou percentil do IMC > 25 (pacientes com menos de 18 anos); risco nutricional, IMC entre 18,5 e 20,0 kg/m2 (pacientes com 18 anos ou mais) ou percentil do IMC entre 10 e 25 (pacientes com menos de 18 anos); e depleção nutricional, IMC < 18,5 kg/m2 (pacientes com 18 anos ou mais) ou percentil do IMC < 10 (pacientes com menos de 18 anos).(11,12)

Todos os pacientes realizaram o TOTG de 2 h, exceto aqueles com diagnóstico prévio de diabete melito através de glicemia de jejum. Após uma noite em jejum, os indivíduos ingeriram em menos de 5 min uma solução de glicose (1,75 g/kg de peso corporal, máximo de 75 g) de acordo com as diretrizes da American Diabetes Association.(13)

Amostras de sangue foram coletadas em 0 e em 120 min para a medição da concentração de glicose plasmática. Os pacientes foram classificados de acordo com a tolerância à glicose em: tolerância à glicose normal, glicose plasmática após 2 h < 140 mg/dL; intolerância à glicose, glicose plasmática após 2 h entre 140 e 200 mg/dL; e diabete melito relacionada à FC, glicose plasmática após 2 h > 200 mg/dL ou duas medidas em jejum de glicose plasmática > 126 mg/dL.

O exame radiológico convencional do tórax foi realizado em todos os pacientes. O escore radiológico foi pontuado por um médico radiologista cegado para as condições clínicas e para a identificação dos pacientes. O sistema de escore utilizado foi o de Brasfield.(14)

Foram revisados os exames bacteriológicos de escarro realizados pelo Serviço de Microbiologia do HCPA. Foi registrada a identificação dos seguintes patógenos: Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e Burkholderia cepacia. Cada patógeno considerado deveria ter sido identificado pelo menos duas vezes em amostras de escarro coletadas na rotina clínica nos últimos 12 meses que precederam o estudo.
A espirometria foi realizada através de um espirômetro (Jaeger-v4.31a; Jaeger, Würzburg, Alemanha). Foram registrados CVF, VEF1 e a razão VEF1/CVF. O teste foi realizado de acordo com os critérios de reprodutibilidade e aceitabilidade da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(15) Todos os parâmetros foram expressos em percentual do previsto para a idade, altura e sexo.(16)

As pressões respiratórias estáticas máximas foram medidas utilizando um manovacuômetro digital modelo MVD −300/+300, versão 1.0 (Microhard, Porto Alegre, Brasil). A PImáx foi mensurada ao nível do VR, e a PEmáx foi mensurada ao nível da CPT. A PImáx e a PEmáx foram expressas em % do previsto. Os valores previstos foram obtidos do trabalho de Wilson et al.,(17) para crianças e adolescentes, e do trabalho de Neder et al.,(18) para adultos.

O TC6 foi realizado de acordo com as diretrizes da American Thoracic Society.(5) A distância que o paciente era capaz de percorrer em um período de 6 min foi determinada utilizando-se um corredor de 30 m. Foi registrada a distância total caminhada em 6 min em metros e em % do previsto. O cálculo da distância prevista foi realizado através de equações de normalidade para adultos(19) e crianças.(20) Foram medidas a SpO2 inicial e a SpO2 final através de um oxímetro de pulso (NPB-40; Nellcor Puritan Bennett; Pleasanton, CA, EUA). Foram registradas a FC inicial e final, a FR inicial e final, a percepção de dispneia inicial e final através da escala de Borg, e a percepção de fadiga de membros inferiores inicial e final através da escala de Borg.(21)

A partir do resultado do TC6, os pacientes foram classificados em dois grupos: com dessaturação de oxigênio (CD) ou sem dessaturação (SD). Foi considerado SD o indivíduo cuja diferença entre SpO2 final e SpO2 inicial foi menor ou igual a 4%; foi considerado CD o indivíduo cuja mesma diferença foi maior que 4%.(22)

Os dados foram expressos em número de casos (proporção), média ± dp ou mediana (intervalo interquartílico). As comparações entre as variáveis categóricas foram realizadas pelo teste do qui-quadrado com resíduos padronizados ajustados, aplicando a correção de Yates ou o teste exato de Fisher quando indicado. O teste t para amostras independentes foi utilizado para as comparações das variáveis contínuas com distribuição normal entre os dois grupos. O teste U de Mann-Whitney foi utilizado para a comparação das variáveis ordinais ou das variáveis contínuas sem distribuição normal. As variáveis não-colineares que atingiram significância (p < 0,01) na análise univariada foram incluídas em um modelo de regressão logística binária pelo método forward conditional, controlada por sexo e idade. A variável mais significativa dessa análise multivariada foi correlacionada com o desfecho e submetida à curva ROC para determinar o ponto de corte que maximizava o valor preditivo. Foram calculados a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo e o valor preditivo negativo do índice preditivo.

Os dados foram analisados utilizando o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 15.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). O nível de significância estatística foi estabelecido em p < 0,05. Todos os testes estatísticos utilizados foram bicaudais.

Resultados

Entre março de 2007 e agosto de 2008, foram avaliados 107 pacientes com FC. Desses, 10 recusaram-se a participar do estudo, e 9 foram excluídos porque não completaram todas as avaliações exigidas pelo protocolo. Dessa forma, 88 pacientes completaram o estudo.

A Tabela 1 apresenta as características gerais dos pacientes com FC. A média de idade foi 19,9 ± 7,2 anos (variação: 10-49 anos). Quanto ao gênero, 45 pacientes eram do sexo masculino, e 43 eram do sexo feminino. A maioria dos pacientes (84) era caucasiana (4 não-caucasianos). A média do IMC foi 19,7 ± 2,4 kg/m² (variação: 13,3-26,1 kg/m²). Nessa casuística, 67% dos pacientes foram classificados como eutróficos, 17% como sob risco nutricional e 16% como desnutridos. A média do VEF1 foi de 65,4 ± 28,4%.





Nessa amostra de pacientes, 75 (85%) foram classificados como SD e 13 (15%) como CD. A Tabela 2 mostra as características dos pacientes com FC de acordo com a presença de dessaturação durante o TC6. Os pacientes do grupo CD apresentaram média de idade maior (p = 0,004), pior escore clínico (p < 0,001), pior escore radiológico (p < 0,001), maior frequência de intolerância à glicose (p = 0,004), menor frequência de infecção bacteriana por methicillin-sensitive S. aureus (MSSA, S. aureus sensível à meticilina; p < 0,001) e maior frequência de infecção por methicillin-resistant S. aureus (MRSA, S. aureus resistente à meticilina; p = 0,016) e por P. ­aeruginosa (p = 0,008) do que os pacientes do grupo SD. Não houve associações significativas entre os grupos quanto à idade do diagnóstico (p = 0,511), sexo (p = 0,832), classificação nutricional (p = 0,746), frequência de insuficiência pancreática (p = 0,448) e frequência de infecção por B. cepacia (p = 0,055).





A Tabela 3 sumariza os resultados de TC6 e da função pulmonar de acordo com a dessaturação de oxigênio. O grupo CD apresentou valores significativamente mais baixos de distância percorrida no TC6 (p = 0,005), de SpO2 em repouso (p < 0,001), de SpO2 no final do TC6 (p < 0,001), de VEF1 (p < 0,001), de CVF % (p < 0,001) e de VEF1/CVF % (p < 0,001) do que o grupo SD. Além disso, o grupo CD teve valores significativamente mais altos de FR ao final do TC6 (p = 0,005) e do escore de Borg para dispneia ao final do TC6 (p < 0,001).



Dentre as variáveis incluídas na regressão logística binária, as seguintes foram excluídas da equação final: idade (p = 0,996), escore clínico (p = 0,076), infecção por B. cepacia (p = 0,533), infecção por P. aeruginosa (p = 0,229), infecção por MSSA (p = 0,084), infecção por MRSA (p = 0,582) e presença de intolerância à glicose (p = 0,404). Foram gerados dois modelos de equação. No primeiro, a variável que se associou significativamente de forma independente com a dessaturação de oxigênio no TC6 foi a SpO2 em repouso (β = −1,187; p < 0,001; OR = 0,305; IC95%: 0,172-0,542). No segundo modelo, a variável que se associou significativamente com a dessaturação de oxigênio no TC6 foi o VEF1 (β = −0,126; p = 0,025; OR = 0,882; IC95%: 0,790-0,984).

Submetendo a variável SpO2 em repouso à curva ROC, a área sob a curva foi de 0,91 (p < 0,01), e o ponto de corte que maximiza o valor preditivo para o desfecho dessaturação de oxigênio após o TC6 foi 96% (sensibilidade = 96%, especificidade = 77%, valor preditivo positivo = 96% e valor preditivo negativo = 77%).

Submetendo o VEF1 à curva ROC, a área sob a curva foi de 0,97 (p < 0,001), e o ponto de corte que maximiza o valor preditivo para o desfecho dessaturação de oxigênio após o TC6 foi 40% (sensibilidade = 100%, especificidade = 89%, valor preditivo positivo = 62% e valor preditivo negativo = 100%).

Considerando a combinação de SpO2 em repouso < 96% e de VEF1 < 40% para predizer o desfecho dessaturação de oxigênio após o TC6, foram obtidos sensibilidade de 96%, especificidade de 83%, valor preditivo positivo de 97% e valor preditivo negativo de 77%.

Discussão

O principal achado deste estudo transversal prospectivo foi o fato de que 15% dos pacientes com FC com mais de 10 anos apresentaram dessaturação de oxigênio significativa durante o TC6. As variáveis que se associaram de forma independente com a dessaturação de oxigênio foram a SpO2 em repouso e o VEF1, sendo que os parâmetros SpO2 em repouso < 96% e VEF1 < 40% contribuíram para maximizar a identificação dos possíveis pacientes com dessaturação de oxigênio no TC6.
No presente estudo, observamos que a distância percorrida foi significativamente menor no grupo CD. Alguns autores(23) estudaram 25 pacientes adultos com FC, com média de idade de 25 ± 5 anos, VEF1 = 69 ± 23% do previsto e IMC = 21 ± 2 kg/m2. Eles observaram que 9 dos 25 pacientes apresentaram dessaturação de oxigênio (SpO2 < 90%) após o TC6. A dessaturação se associou significativamente com valores mais baixos de VEF1, valores mais altos de VR e valores mais baixos de SpO2 ao início do TC6; porém, a distância percorrida no TC6 não diferiu significativamente entre os grupos CD e SD. Uma possível justificativa para a distância percorrida no TC6 não ter diferido entre os dois grupos é que o estudo incluiu apenas pacientes com doença leve e moderada, com um número pequeno de pacientes. Outros autores(24) realizaram um estudo com 42 pacientes com DPOC e 28 pacientes com asma crônica grave. Os pacientes com DPOC e os pacientes asmáticos apresentaram média de idade de 62,3 ± 9,1 e 57,4 ± 12,9 anos, respectivamente, e VEF1 de 40,3 ± 21,6 e 56,7 ± 20,6 (% do previsto).

Apesar de incluir pacientes de maior faixa etária e de maior gravidade funcional, foi observado que a dessaturação de oxigênio não se associou à distância percorrida no TC6

A identificação da dessaturação de oxigênio durante o TC6 parece ter importante valor clínico e prognóstico no curso evolutivo da doença. Alguns autores(6) realizaram um trabalho com 34 pacientes com hipertensão pulmonar primária, com média de idade de 44,3 ± 11,9 anos. Esse trabalho demonstrou que a distância percorrida e a dessaturação de oxigênio ao final do TC6 poderiam ser úteis para rastrear os pacientes a serem incluídos na lista de transplante pulmonar. Outro importante estudo(22) com 536 pacientes em pré-operatório de ressecção pulmonar demonstrou que a dessaturação de oxigênio durante um teste submáximo de subida de degraus é um importante preditor da ocorrência de complicações no pós-operatório.

O valor prognóstico do TC6 foi demonstrado em um estudo com 197 pacientes com fibrose pulmonar idiopática.(7) Esse estudo demonstrou que, ao estratificar os pacientes conforme a dessaturação, o grupo CD apresentou maior idade, menor função pulmonar, pior DLCO e menor distância percorrida no TC6. Após 6 meses da avaliação inicial, foi verificado que a dessaturação de oxigênio podia predizer quais pacientes apresentariam maior risco de mortalidade, o que não foi determinado pela distância percorrida.

Alguns autores(25) realizaram um trabalho com 20 pacientes com DPOC que apresentavam dessaturação de oxigênio e média de VEF1 de 61,1 ± 3,2% do predito. O objetivo do estudo foi verificar o efeito da reabilitação na dessaturação de oxigênio após o TC6. Como conclusão, esse estudo demonstrou que o programa de exercícios pode atuar na dessaturação de oxigênio. Apesar de 13 pacientes permanecerem apresentando dessaturação de oxigênio após o programa de exercícios, nesses houve redução da dispneia e aumento da distância percorrida.

O mecanismo fisiopatológico da dessaturação de oxigênio, assim como os fatores preditores da mesma, ainda precisa ser mais bem compreendido em muitas doenças pulmonares e cardíacas. Alguns autores(26) realizaram um estudo com o objetivo de determinar os preditores da dessaturação de oxigênio durante um teste de esforço submáximo em 8.000 pacientes com idades ≥ 35 anos e com diversos tipos de doença pulmonar. Observaram que o risco de dessaturação foi maior naqueles pacientes com uma baixa DLCO. Entretanto, não avaliamos esse fator em nosso estudo.

A infecção bacteriana nas vias aéreas é um importante fator que se relaciona com a mortalidade e a morbidade em pacientes com FC. Pacientes com FC infectados por P. ­aeruginosa ou B. cepacia podem sofrer um rápido declínio de sua função pulmonar ou um agravamento de seu estado clínico.(27,28) Por outro lado, a tolerância à glicose pode ter um importante papel no declínio do estado clínico.(29,30) Em nosso trabalho, a infecção bacteriana por MRSA, a infecção bacteriana por P. aeruginosa e o prejuízo na tolerância à glicose se associaram com a dessaturação de oxigênio durante o TC6, expressando provavelmente a maior gravidade clínica relacionada a esses fatores. A infecção por B. cepacia teve uma significância limítrofe na associação com a dessaturação, sugerindo uma maior gravidade nos pacientes infectados por essa bactéria, mas o pequeno número de pacientes infectados por essa bactéria em nossa amostra interfere nessa análise. Por outro lado, a infecção por MSSA é mais frequente no grupo SD, sugerindo que a presença dessa bactéria é um marcador de menor gravidade pulmonar. Entretanto, esses fatores não atingiram significância na análise de regressão logística.

Este estudo tem algumas limitações. O delineamento foi o de um estudo transversal, o que não proporciona evidências suficientes para definir a sequência temporal da associação entre dessaturação de oxigênio durante o TC6 e VEF1, nem permite definir a importância prognóstica desse achado. Além disso, apesar de termos incluído no estudo a maior parte dos pacientes com mais de 10 anos de idade de nosso centro, o número de eventos no grupo CD foi baixo (13 pacientes).

A importância clínica deste estudo envolve a identificação de pacientes com FC que apresentam dessaturação de oxigênio ao exercício e que poderiam necessitar de oxigenoterapia durante a atividade física.

Mostramos que os parâmetros SpO2 em repouso < 96% e VEF1 < 40% do previsto foram úteis nesse rastreamento. Outro aspecto a ser explorado futuramente em estudos de coorte é se a dessaturação de oxigênio é um fator preditivo de mortalidade mais sensível do que a distância percorrida no TC6.

Como conclusão, foi demonstrado que 15% dos pacientes com FC com mais de 10 anos de idade apresentam dessaturação de oxigênio significativa no TC6, sendo que as variáveis que se associaram de forma independente com essa dessaturação foram SpO2 em repouso e VEF1. Os pontos de corte de 96% para SpO2 em repouso e de 40% para VEF1 em % do previsto maximizam o valor preditivo para o desfecho dessaturação de oxigênio após o TC6.

Essa população de pacientes deverá ser acompanhada prospectivamente de forma a se obter estimativas mais completas sobre o valor prognóstico da dessaturação de oxigênio durante o TC6, bem como determinar as implicações do tratamento dessa alteração sobre o estado clínico, a capacidade de exercício, a hipertensão pulmonar e a mortalidade nesses pacientes.

Agradecimentos

Agradecemos às estatísticas Vânia Naomi Hirakata e Daniela Benzano a orientação na análise estatística.


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* Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Bruna Ziegler. Rua Ramiro Barcelos, 1690/202, Rio Branco, CEP 90035-002, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 3335-1286. E-mail: brunaziegler@yahoo.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS..
Recebido para publicação em 2/3/2009. Aprovado, após revisão, em 28/5/2009.



Sobre os autores

Bruna Ziegler
Fisioterapeuta. Programa de Adultos com Fibrose Cística, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Paula Maria Eidt Rovedder
Professora Adjunta. Faculdade de Fisioterapia, Centro Universitário Metodista do Instituto Porto Alegre - IPA - Porto Alegre (RS) Brasil.

Claudine Lacerda Oliveira
Nutricionista. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Sandra Jungblut Schuh
Médica Radiologista. Serviço de Radiologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Fernando Abreu e Silva
Professor Adjunto. Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Paulo de Tarso Roth Dalcin
Professor Adjunto. Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

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