ABSTRACT
Objective: To determine the main causes of hemoptysis and to classify this symptom, in terms of the amount of blood expectorated, in patients hospitalized at a referral hospital for pulmonology. Methods: The study included 50 patients with hemoptysis admitted to the pulmonology ward of a general hospital in the city of Recife, Brazil, between July of 2005 and February of 2006. The data of interest were analyzed and compared with those in the literature. Results: The most common cause of hemoptysis was infection-in 39 patients (78%)-mostly related to tuberculosis sequelae or active tuberculosis. Regarding the severity of hemoptysis, moderate hemoptysis, diagnosed in 28 patients (56%), was the most common. Conclusions: Our results suggest that all patients who present with hemoptysis should be investigated for infection.
Keywords:
Hemoptysis/classification; Hemoptysis/etiology; Comorbidity.
RESUMO
Objetivo: Determinar as principais causas de hemoptise e classificar esse sintoma quanto ao volume de sangue expectorado em pacientes internados em um hospital de referência em pneumologia. Métodos: Foram incluídos 50 pacientes com hemoptise internados na enfermaria de pneumologia de um hospital geral na cidade do Recife (PE) no período entre julho de 2005 e fevereiro de 2006. Os dados de interesse foram analisados e comparados aos da literatura mundial. Resultados: As infecções foram principais causas de hemoptise - em 39 pacientes (78%) - a maioria delas relacionadas a sequelas de tuberculose pulmonar ou secundárias a tuberculose ativa. Em relação ao grau de hemoptise, as hemoptises moderadas, diagnosticadas em 28 pacientes (56%), foram as mais encontradas. Conclusões: Nossos resultados sugerem que todos os pacientes com hemoptise devam ser investigados quanto a infecções.
Palavras-chave:
Hemoptise/classificação; Hemoptise/etiologia; Comorbidade.
IntroduçãoA hemoptise é o sangramento proveniente das vias aéreas inferiores, cujas apresentações mais comuns são tosse com eliminação de sangue ou saída de secreção pulmonar com sangue. É um sinal comum e inespecífico, ocorrendo em uma grande variedade de doenças.(1) Essa manifestação sempre requer investigação, ainda que a quantidade de sangue eliminada seja pequena.(2)
Na hemoptise, o sangramento pode ter origem em duas fontes principais: da circulação arterial sistêmica, que é de alta pressão, proveniente das artérias brônquicas, ou da circulação arterial pulmonar, de baixa pressão, proveniente das artérias pulmonares.(1,2) A maioria das hemoptises (90% dos casos)(3) se origina da circulação arterial sistêmica (artérias brônquicas) e, em 5% dos casos, da circulação arterial pulmonar. As hemoptises maciças geralmente são provenientes das artérias brônquicas devido à alta pressão dessa circulação.(3,4)
Quanto à etiologia, as hemoptises podem ser divididas em vários grupos: causadas por infecções, doenças cardiovasculares, doenças pulmonares, neoplasias, vasculites, coagulopatias, trauma, uso de drogas, iatrogenia e corpo estranho, assim como hemoptise catamenial (secundária a endometriose traqueobrônquica) e hemoptise criptogênica, como são classificadas as hemoptises sem causa aparente.
Durante a investigação, é importante estabelecer se o sangramento é realmente de origem pulmonar, uma vez que outros sangramentos (originados de vias aéreas superiores ou de vias digestivas) podem ser confundidos com hemoptise, sendo denominadas pseudo-hemoptise.(1,3)
Em relação ao volume de sangue eliminado, as hemoptises podem ser classificadas como leves, moderadas ou maciças/graves. Considera-se hemoptise leve quando a eliminação de sangue é menor que 100 mL em 24 h; moderada, quando o volume de sangue eliminado estiver entre 100 e 600 mL em 24 h; e maciça ou grave, se o volume de sangue
eliminado for maior que 600 mL em 24 h ou acima de 30 mL/h.(1)
A identificação da etiologia das hemoptises e sua classificação quanto ao volume têm um papel fundamental na definição do tratamento a ser instituído e na necessidade ou não de internação do paciente. Além disso, a taxa de sangramento é o maior determinante de mortalidade, sendo a asfixia a principal causa de morte.(1,5)
Este estudo teve como objetivo determinar as principais causas de hemoptise e classificar esse sintoma quanto ao volume de sangue expectorado em pacientes internados na enfermaria de residência de pneumologia de Hospital Geral Otávio de Freitas (HGOF), localizado na cidade do Recife (PE).
MétodosO estudo realizado é descritivo. A partir de informações disponíveis em um banco de dados, foi determinado o número de pacientes internados na enfermaria de pneumologia do HGOF com queixa principal de hemoptise no período entre julho de 2005 e fevereiro de 2006.
Dessa população, foram determinados a etiologia e o volume de hemoptise. O critério para classificação do volume foi o descrito inicialmente.
Os dados foram analisados utilizando-se o programa Epi Info 2000, e os gráficos foram gerados em planilha do Microsoft Excel.
ResultadosNo período entre julho de 2005 e fevereiro de 2006, 376 pacientes estiveram internados na enfermaria de pneumologia do HGOF. Desses, 50 foram internados por hemoptise, correspondendo a 13,2% dos internamentos.
Dos 50 pacientes, 44 (88%) eram do sexo masculino e 6 (12%) do sexo feminino. A idade mínima foi de 19 anos, e a idade máxima foi de 83 anos.
Dentre as causas de hemoptise (Tabela 1), tiveram destaque as de origem infecciosa, responsáveis por 78% dos casos, e as neoplasias, responsáveis por 10% dos casos.
Dentre as etiologias infecciosas (Tabela 2), as bronquiectasias representaram 38% dos casos, seguidas de micetoma (16%), tuberculose pulmonar em atividade (8%) e pneumonia comunitária (6%). Vale salientar que bronquiectasia foi definida como um grupo único, independente de sua causa.
Quanto ao volume de sangue expectorado (Tabela 3), as hemoptises moderadas foram as mais prevalentes, representando 56% dos casos, as hemoptises leves foram responsáveis por 30% dos casos dessa amostra, e as hemoptises graves, por apenas 14% dos casos.
DiscussãoA incidência de hemoptise é influenciada por vários fatores, entre eles, a área geográfica do estudo, bem como a instituição onde é realizada a pesquisa, se em hospital geral ou de referência.(2). As causas infecciosas, em nosso meio, são as mais frequentes.
Dentre as causas infecciosas, a tuberculose é a de maior destaque.(6)
Como foi observado, dos 50 casos de hemoptise avaliados, 8% estavam diretamente relacionados à tuberculose pulmonar e 38% relacionados às bronquiectasias. Os dados coletados nesta série de casos corroboram os dados da literatura mundial. Um grupo de autores(7) avaliou 185 pacientes internados por hemoptise em um serviço de clínica médica e pneumologia e apontou a tuberculose pulmonar como à principal causa de internamento. Em um estudo realizado em pacientes com diagnóstico de tuberculose pulmonar, encontrou-se hemoptise como sintoma em 31% dos pacientes idosos e em 51% dos pacientes não idosos.(8)
Sabe-se que bronquiectasias são dilatações irreversíveis dos brônquios e que elas ocorrem graças à destruição dos componentes elásticos e musculares da parede brônquica.(9) Para que haja essa destruição, dois elementos são fundamentais: agressão infecciosa e deficiência na depuração de secreções brônquicas.(9,10) A infecção por Mycobacterium tuberculosis no Brasil ainda é bastante comum e pode gerar bronquiectasias, seja pelo processo infeccioso brônquico em atividade, seja por cicatrizes pulmonares de infecção prévia, seja ainda por compressão brônquica devido à adenopatia hilar.(9)
As infecções por outros agentes, como Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Mycoplasma pneumoniae, são também causas de lesões pulmonares capazes de gerar bronquiectasias.
A colonização por fungos, tanto na lesão cavitária da tuberculose pulmonar curada, quanto nas bronquiectasias, devem ser lembradas como causa de hemoptises de repetição.(1,11) Essas cavidades, quando colonizadas, podem formar uma bola fúngica (micetoma), sendo o Aspergillus spp. o gênero de fungo mais comumente envolvido nesse processo.(1,11,12)
Dos 50 pacientes internados por hemoptise, 8 (16%) apresentavam micetoma como diagnóstico de base, sendo essa uma causa importante dentro das etiologias infecciosas.
As pneumonias comunitárias também tiveram um lugar de destaque entre as causas infecciosas encontradas neste estudo, representando 6% do total de pacientes internados por hemoptise. Em 1997, em um estudo retrospectivo que utilizou uma amostra de 208 pacientes, as pneumonias foram apontadas como uma das quatro principais etiologias de hemoptise, o que representou 16% dos casos, ficando atrás das bronquiectasias (20%), do câncer de pulmão (19%) e da bronquite (18%).(13)
A principal causa não infecciosa encontrada em pacientes com hemoptise no nosso estudo foram as neoplasias, responsáveis por 5 casos (10%). Os sintomas clássicos do câncer de pulmão são hemoptise, tosse, dispneia, dor torácica e infecções torácicas recorrentes.(14) Essas manifestações clínicas podem ser decorrentes do crescimento local do próprio tumor, das metástases ou das síndromes paraneoplásicas.
A neoplasia de pulmão ocorre com maior frequência em pacientes idosos e está relacionada ao hábito tabágico. A presença de doença pulmonar obstrutiva com tosse persistente e crises frequentes de bronquite agudizadas com produção de escarro e hemoptise dificultam a determinação do câncer de pulmão.(14)
Em 2002,(15) publicou-se um estudo realizado com 500 pacientes que apresentaram hemoptise e foram submetidos à broncoscopia. Nesse estudo, as neoplasias de pulmão foram a principal causa de hemoptise, responsáveis por 58% dos casos, sendo a maioria dos pacientes (66%) do sexo masculino, fumantes (88%) e com uma média de idade de 60 anos.
É importante observar que os sinais e sintomas decorrentes do câncer de pulmão, entre eles a hemoptise, são manifestações tardias e normalmente traduzem doença avançada ou metastática.(15) Além disso, o aparecimento súbito de hemoptise sem nenhuma causa identificada, sobretudo em pacientes tabagistas, deve ser considerada sempre como uma possível manifestação de câncer de pulmão.(11,16)
Entre as causas não infecciosas de hemoptise encontradas neste estudo, as vasculites foram responsáveis por 2% dos casos, ou seja, apenas 1 paciente apresentou vasculite como causa de base para as hemoptises.
As vasculites são consideradas causas incomuns de hemoptise. Em um estudo,(13) a vasculite pulmonar foi causa de hemoptise em apenas 1% em uma amostra com 208 pacientes.
Para classificar as hemoptises em relação ao volume de sangue expectorado, utilizamos três classes (leve, moderada e grave), usando o volume relatado expectorado nas últimas 24 h antes do internamento. A classificação das hemoptises quanto ao volume de sangue eliminado ajuda a determinar a gravidade e a avaliar o tratamento a ser realizado.(1)
As hemoptises moderadas, cujo volume de sangue expectorado deve estar entre 100 e 600 mL em 24 h, foram as mais encontradas neste estudo, correspondendo a 28 pacientes (56%). As hemoptises leves e graves foram responsáveis por 30% e 14% dos casos avaliados, respectivamente.
Um grupo de autores(17) mostrou resultado semelhante ao nosso em relação ao volume de sangramento. Dos 500 pacientes estudados, 453 (90,6%) apresentaram hemoptise leve ou moderada e apenas 47 pacientes (9,4%) apresentaram hemoptise maciça.
Em um estudo,(13) foram avaliados 208 pacientes com hemoptise, utilizando-se a seguinte classificação em relação à quantidade de sangue expectorado: hemoptise leve ou trivial, casos que apresentavam escarro sanguinolento ou com raios de sangue; hemoptise moderada, com perda de sangue inferior a 500 mL em 24 h; e hemoptise maciça, com perda maior que 500 mL de sangue em 24 h. Os resultados desse estudo foram bastante semelhantes ao nossos, apesar da diferença na classificação, com 38% dos pacientes avaliados com hemoptise leve, 48% com hemoptise moderada e 14% com hemoptise grave, o que demonstra, mais uma vez, que nosso estudo apresenta resultados muito semelhantes aos dados encontrados na literatura mundial.
Em outro estudo,(7) classificou-se o grau de hemoptise em leve (menos de 50 mL em 24 h), moderada (entre 50 e 500 mL em 24 h), severa (entre 500 e 1.000 mL em 24 h) e exsanguinante (maior que 1.000 mL em 24 h).
Apesar da classificação diferente, os resultados são semelhantes aos já obtidos em outros estudos: 33,71% dos pacientes apresentaram hemoptise leve; 57,14%, moderada; 7,42% apresentaram hemoptise grave ou maciça; e 1,71% dos pacientes apresentaram hemoptise exsanguinante.
Estudos sobre a etiologia da hemoptise são escassos no Brasil, e não foram encontrados estudos nas bases de dados pesquisadas (LILACS e SciELO), impedindo a comparação com nossos dados.
Com os resultados do presente estudo, pode-se concluir que a hemoptise continua sendo uma importante causa de internamento em nosso meio e que as doenças infecciosas foram as principais causas desse sintoma.
Comparando os dados encontrados neste estudo aos da literatura mundial, as causas encontradas não são diferentes daquelas em estudos realizados principalmente na América Latina.
Observamos que as hemoptises moderadas foram as mais comuns, como já relatado na literatura.
O estudo foi realizado para a coleta de informações sobre as causas de hemoptise em pacientes internados, e não estendemos o estudo para determinar os tipos de tratamento e seus resultados.
Referências1. PneumoAtual [homepage on the Internet]. Juiz de Fora: Otimize Ltda; c2000-2009 [updated 2008 Apr 1; cited 2009 Aug 19]. Hemoptise. Available from: http://www.pneumoatual.com.br/per.asp?idassunto=45&source=t
2. Marsico GA, Montessi J. Hemoptise. In: Tarantino AB, editor. Doenças pulmonares. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p. 22-31.
3. Lordan JL, Gascoigne A, Corris PA. The pulmonary physician in critical care * Illustrative case 7: Assessment and management of massive haemoptysis. Thorax. 2003;58(9):814-9.
4. Fernandez A. Hemoptise. In: Lopes AC, Neto VA. Tratado de clínica médica. São Paulo: Roca; 2006. p. 4678-80.
5. Johnson JL. Manifestations of hemoptysis. How to manage minor, moderate, and massive bleeding. Postgrad Med. 2002;112(4):101-6, 108-9, 113.
6. Slovis BS, Brigham KL, Andreoli TE, Carpenter CCJ, Griggs RC, Loscalzo J. Abordagem do Paciente com Doenças Respiratórias. In: Goldman L, Ausiello D, editors. Cecil - Tratado de Medicina Interna Básica. 6th ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005. p. 185-8.
7. Camarena CC, Castillo OJ, Salas A. Causa de hemoptisis en pacientes admitidos al Hospital Nacional Dos de Mayo. Bol Soc Peru Med Interna. 2000;13(2):85-9.
8. Cantalice Filho JP, Sant Anna CC, Bóia MN. Clinical aspects of pulmonary tuberculosis in elderly patients from a university hospital in Rio de Janeiro, Brazil. J Bras Pneumol. 2007;33(6):699-706.
9. Angrill J, Agustí C, De Celis R, Filella X, Rañó A, Elena M, et al. Bronchial inflammation and colonization in patients with clinically stable bronchiectasis. Am J Respir Crit Care Med. 2001;164(9):1628-32.
10. Barker AF. Bronchiectasis. N Engl J Med. 2002;346(18):1383-93.
11. Turino GM. Abordagem do Paciente com Doença Respiratória. In: Goldman L, Bennett JC, editors. Cecil - Tratado de Medicina Interna. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. p. 419-22.
12. Segal BH. Aspergillosis. N Engl J Med. 2009;360(18):1870-84.
13. Hirshberg B, Biran I, Glazer M, Kramer MR. Hemoptysis: etiology, evaluation, and outcome in a tertiary referral hospital. Chest. 1997;112(2):440-4.
14. McManus K. Tumores Torácicos. In: Spence AJ, Johnston PG, editors. Oncologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. p. 209-29.
15. Rodrigues OR, Schmidt AFJ, Gross JL. Câncer de Pulmão. In: Lopes A, Lopes LF Iyeyasu H, editors. Oncologia para a Graduação. Ribeirão Preto: Tecmedd; 2005. p. 273-84.
16. Herth F, Ernst A, Becker HD. Long-term outcome and lung cancer incidence in patients with hemoptysis of unknown origin. Chest. 2001;120(5):1592-4.
17. Alfonso PP, Nuño CG, Lima LH, Pino YH, Cruz NM, Rodríguez MV. Estudio endoscópico de 500 pacientes con hemoptisis. Rev Cuba Med. 2002;41(4):199-206.
Trabalho realizado no Hospital Geral Otávio de Freitas - HGOF - Recife (PE) Brasil.
Endereço para correspondência: Fernando Luiz Cavalcanti Lundgren. Avenida Visconde de Jequitinhonha, 2544, apto. 2601, CEP 51130-020, Boa Viagem, Recife, PE, Brasil.
Tel 55 81 3326-7098. E-mail: lundgrenf@gmail.com ou fernando@lundgren.med.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 19/8/2009. Aprovado, após revisão, em 18/2/2010.
Sobre os autoresFernando Luiz Cavalcanti Lundgren
Coordenador. Residência Medica, Hospital Geral Otávio de Freitas - HGOF - Recife (PE) Brasil.
Ana Maria Costa
Médica Residente em Pneumologia. Hospital Geral Otávio de Freitas - HGOF - Recife (PE) Brasil.
Lícia Caldas Figueiredo
Acadêmica de Medicina. Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte, Juazeiro do Norte (CE) Brasil.
Paola Colares Borba
Professora. Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte, Juazeiro do Norte (CE) Brasil.