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Relato de Caso

Tumor carcinoide e sequestro pulmonar

Carcinoid tumor and pulmonary sequestration

Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Maria do Socorro Lucena Cardoso, Márcia dos Santos da Silva, Danielle Cristine Westphal

ABSTRACT

Pulmonary sequestration is defined as a mass of lung tissue separated from the tracheobronchial tree and irrigated by an anomalous systemic artery. It is rarely seen in conjunction with lung neoplasms. We report the case of a 39-year-old female patient diagnosed with a carcinoid tumor, located in the intermediate bronchus and accompanied by bronchiectasis in the right lower lobe. The patient underwent thoracotomy for the resection of the affected area. During surgery, she presented with significant hemorrhage resulting from the transection of the anomalous artery that irrigated an intralobar pulmonary sequestration, which was located in right lower lobe and had not been identified in pre-operative examinations.

Keywords: Bronchopulmonary sequestration; Hemorrhage; Carcinoid tumor.

RESUMO

O sequestro pulmonar é definido como uma massa de tecido pulmonar separada da árvore traqueobrônquica e irrigada por uma artéria sistêmica anômala. Sua associação com neoplasias pulmonares é rara. Relatamos o caso de uma paciente de 39 anos com o diagnóstico de tumor carcinoide localizado no brônquio intermediário, associado a alterações caracterizadas como bronquiectasias em lobo inferior direito. A paciente foi submetida à toracotomia para ressecção da área acometida e, durante a cirurgia, apresentou hemorragia importante decorrente da transecção da artéria anômala que nutria o sequestro pulmonar intralobar localizado em lobo inferior direito, não identificado nos exames pré-operatórios.

Palavras-chave: Sequestro broncopulmonar; Hemorragia; Tumor Carcinoide.

Introdução

O sequestro pulmonar (SP) é uma malformação congênita rara, caracterizada por uma massa de tecido pulmonar não funcionante, sem conexão com a árvore traqueobrônquica normal, e vascularizada por uma artéria anômala de origem sistêmica. É constituído de tecido embrionário cístico e contém alvéolos não aerados e desorganizados, além de brônquios, cartilagem e epitélio respiratório.(1)

Em 75% dos casos de SP, o suprimento sanguíneo é derivado da aorta torácica ou abdominal, e a drenagem venosa pode ocorrer para veias sistêmicas ou para a veia pulmonar. A transecção acidental da artéria sistêmica anômala pode ocasionar hemorragia maciça com consequências fatais, sendo de fundamental importância sua correta identificação pré-operatória.(2)

O objetivo do presente trabalho foi relatar um caso de SP como achado intraoperatório a partir da hemorragia consequente à transecção de um vaso pulmonar anômalo durante a ressecção de tumor carcinoide.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 39 anos, com história de pneumonia de repetição e episódios esporádicos de tosse produtiva e febre. Nos dois anos precedentes, a paciente apresentou quatro episódios de hemoptise de volume moderado. Na investigação pré-operatória, a TC de tórax evidenciou lesão no interior do bronco intermediário (Figura 1), bem como bronquiectasias císticas em lobo inferior direito (Figura 2). A fibrobroncoscopia confirmou o achado tomográfico de uma lesão endobrônquica vegetante, de coloração vinho, na emergência do brônquio intermediário, cuja biópsia da lesão revelou tumor carcinoide típico.





O raciocínio clínico diante desses achados foi de bronquiectasia consequente à obstrução brônquica crônica. A paciente foi submetida a toracotomia posterolateral direita com bilobectomia (lobo médio e inferior). Durante o período intraoperatório, após a secção do ligamento pulmonar, iniciou-se um processo hemorrágico originado de um vaso arterial anômalo que irrigava o parênquima do SP (Figura 3). A hemostasia foi alcançada após a ligadura do vaso. O exame histopatológico foi compatível com o achado de SP. No pós-operatório, houve evolução satisfatória, sem complicações, e a paciente obteve alta no quinto dia pós-operatório.



Discussão

As malformações pulmonares, embora definidas como entidades distintas, formam um espectro de anomalias com apresentação clínica muito semelhante, originadas a partir de falhas no desenvolvimento do intestino primitivo e da sua diferenciação em sistema respiratório durante o período embrionário.(2) Dentre as malformações mais comuns, podemos citar a malformação adenomatoide cística, o SP, o enfisema lobar congênito, os cistos broncogênicos e as malformações arteriovenosas pulmonares. De uma forma geral, a incidência dessas malformações varia de 30 a 42 casos por 100.000 habitantes/ano e, dentre esses, o SP corresponde a 0,15-6,45% de todos os casos.(3,4)

O SP é classicamente dividido em intra e extralobar, conforme seu revestimento pleural. Assim, o SP intralobar (SPIL) compartilha o mesmo revestimento pleural com o restante do pulmão, enquanto o SP extralobar (SPEL) é completamente revestido por sua própria pleura visceral.(5) Embora a forma extralobar seja bem definida como uma anomalia congênita, a forma intralobar possui patogênese controversa, com algumas evidências que apontam para uma doença adquirida, em muitos casos.(6,7)

O SPIL representa aproximadamente 75% dos casos de SP, sendo mais comum nos lobos inferiores e à esquerda, envolvendo o segmento basal posterior.(5,8) Seu suprimento arterial deriva, quase sempre, da aorta ou de um de seus ramos e, geralmente, apresenta grande calibre. A drenagem venosa é feita para o átrio esquerdo por meio de veias pulmonares, gerando um desvio da esquerda para a esquerda. Em apenas uma minoria dos casos a drenagem ocorre para a veia cava inferior ou para o sistema ázigos.(9) No caso apresentado, o SP estava localizado no lobo inferior direito e o suprimento sanguíneo era realizado por um ramo anômalo derivado da aorta torácica.

Os casos de SPIL geralmente se apresentam em adolescentes e adultos jovens, com história de infecções recorrentes do trato respiratório, hemoptise e dispneia. Alguns pacientes podem apresentar sintomas cardíacos, uma consequência tanto do desvio esquerda-esquerda, quanto do alto fluxo desviado para o vaso anômalo.(10) Os episódios repetidos de infecção causam fibrose e espessamento da pleura visceral. O parênquima pulmonar apresenta áreas de consolidação e fibrose contendo múltiplas formações císticas, que podem ser confundidas com bronquiectasias,(5) tal como aconteceu no caso relatado.

O SPEL geralmente se localiza no sulco costodiafragmático posterior, entre o lobo inferior e o hemidiafragma esquerdo. Mais raramente, pode se apresentar no mediastino ou na região abdominal. Tipicamente, o SPEL é nutrido por uma artéria originada diretamente da aorta, e a drenagem venosa é sistêmica em 80% dos casos, por meio do sistema ázigos-hemiázigos ou da veia cava superior, criando uma derivação da esquerda para a direita.(2,5) Ao contrário dos casos de SPIL, as manifestações clínicas do SPEL surgem nos primeiros seis meses de vida. São comuns a asfixia neonatal, dispneia, cianose e dificuldades na alimentação. Mais raramente, podem ocorrer episódios recorrentes de infecção do trato respiratório ou sintomas gastrointestinais.(2,11) O SPEL pode estar associado a malformações pulmonares, cardíacas, vertebrais, da parede torácica e do trato gastrointestinal, sendo associado mais comumente com a hérnia diafragmática.(12)

O SP pode ser inicialmente identificado como uma massa de opacidade homogênea na radiografia de tórax. A confirmação diagnóstica é realizada por TC de tórax, ressonância nuclear magnética ou arteriografia. A TC é mais útil para demonstrar anormalidades no parênquima pulmonar e, apenas em alguns casos, pode identificar a irrigação anômala do SP. A arteriografia é o melhor exame para confirmação diagnóstica do SP, pois demonstra com precisão a artéria anômala que nutre o SP. Mais recentemente, a reconstrução feita por tomógrafos multicanais e contraste venoso tem permitido o diagnóstico definitivo pela alta capacidade de visualizar a artéria anômala em comunicação com o SP.(10,13)

O tratamento do SP é a ressecção cirúrgica do lobo ou segmento sequestrado por toracotomia ou mesmo por videotoracoscopia. Em ambos os casos, o sucesso do procedimento depende do conhecimento pré-operatório adequado da anatomia vascular do SP e da ligadura precoce da artéria nutriz, pois sua transecção acidental pode levar a hemorragia maciça com consequências fatais.(4,14) No caso relatado, houve uma hemorragia de grande monta, mas essa foi contida por meio do pinçamento em massa e posterior ligadura com sutura contínua.

Existem poucos relatos de SP associado a câncer de pulmão e, em apenas um caso, o subtipo histológico era tumor carcinoide.(15) No relato feito em 1985, tanto o SP quanto o tumor carcinoide estavam localizados no lobo inferior esquerdo.(16) No caso aqui apresentado, o SP e o tumor carcinoide estavam localizados em lobos diferentes, mas ambos no pulmão direito.

O tumor carcinoide é um tipo raro de tumor neuroendócrino, derivado das células enterocromafins, que surge principalmente no trato gastrointestinal. Quando surge no sistema broncopulmonar, o tumor carcinoide pode se manifestar por episódios recorrentes de pneumonia, tosse, hemoptise e dor torácica.(16) No caso relatado, o principal sintoma apresentado pela paciente era hemoptise, além da história de pneumonias de repetição. Essas duas características são comuns tanto ao SP, quanto ao tumor carcinoide, fato que dificultou o diagnóstico pré-operatório de SP, pois os sintomas da paciente foram atribuídos à neoplasia e à obstrução crônica.

Apesar de raras, as malformações pulmonares podem se apresentar de forma semelhante a doenças infecciosas pulmonares mais comuns, tais como bronquiectasias. Dessa forma, ressaltamos a importância da investigação complementar em pacientes com história de infecções pulmonares recorrentes e alterações císticas em exames de imagem, pois essas nem sempre podem ser atribuídas a uma causa única e mais evidente. Por se tratar de uma malformação pulmonar rara e com manifestações clínicas sutis, o SP necessita de exames mais complexos e, se não for suspeitado, poderá se revelar apenas como achado intraoperatório por meio de complicações potencialmente fatais.

Referências

1. Salmons S. Pulmonary sequestration. Neonatal Netw. 1995;14(6):69-73.

2. Felker RE, Tonkin IL. Imaging of pulmonary sequestration. AJR Am J
Roentgenol. 1990;154(2):241-9.

3. Ferreira HP, Fischer GB, Felicetti JC, Camargo Jde J, Andrade CF. Surgical treatment of congenital lung malformations in pediatric patients. J Bras Pneumol. 2010;36(2):175-80.

4. Van Raemdonck D, De Boeck K, Devlieger H, Demedts M, Moerman P, Coosemans W, et al. Pulmonary sequestration: a comparison between pediatric and adult patients. Eur J Cardiothorac Surg. 2001;19(4):388-95.

5. Abbey P, Das CJ, Pangtey GS, Seith A, Dutta R, Kumar A. Imaging in bronchopulmonary sequestration. J Med Imaging Radiat Oncol. 2009;53(1):22-31.

6. Clements BS, Warner JO. Pulmonary sequestration and related congenital bronchopulmonary-vascular malformations: nomenclature and classification based on anatomical and embryological considerations. Thorax. 1987;42(6):401-8.

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9. Nacif MS, Lima Filho HS, Mello RA, Jauregui GF, Miranda BJ, Caramel JM, et al. Seqüestro broncopulmonar intralobar: relato de caso. Radiol Bras. 2005;38(1):65-7.

10. Pêgo-Fernandes PM, Freire CH, Jatene FB, Beyruti R, Suso FV, Oliveira SA. Seqüestro pulmonar: uma série de nove casos operados. J Pneumol. 2002;28(4):175-9.

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12. Sousa A, Costa J, Silva LJ. Sequestro pulmonar com diagnóstico pré-natal. Caso clínico. Acta Pediatr Port. 2007;38(3):117-9.

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Usefulness of chest CT in the diagnosis of pulmonary sequestration. J Bras Pneumol. 2010;36(2):260-4.

14. Wan IY, Lee TW, Sihoe AD, Ng CS, Yim AP. Video-assisted thoracic surgery lobectomy for pulmonary sequestration. Ann Thorac Surg. 2002;73(2):639-40.

15. Okamoto T, Masuya D, Nakashima T, Ishikawa S, Yamamoto Y, Huang CL, et al. Successful treatment for lung cancer associated with pulmonary sequestration. Ann Thorac Surg. 2005;80(6):2344-6.

16. Pinchot SN, Holen K, Sippel RS, Chen H. Carcinoid tumors. Oncologist. 2008;13(12):1255-69.



* Trabalho realizado no Departamento de Clínica Cirúrgica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.
Endereço para correspondência: Fernando Luiz Westphal. Hospital Universitário Getúlio Vargas, Coordenação de Ensino e Pesquisa. Avenida Aripuanã, 4, Praça 14 de Janeiro, CEP 69020-170, Manaus, AM, Brasil.
Tel. 55 92 234-6334. E-mail: f.l.westphal@uol.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 4/8/2010. Aprovado, após revisão, em 31/8/2010.




Sobre os autores

Fernando Luiz Westphal
Coordenador de Ensino e Pesquisa. Hospital Universitário Getúlio Vargas, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.

Luís Carlos de Lima
Médico Chefe. Serviço de Cirurgia Torácica, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.

José Corrêa Lima Netto
Médico Assistente. Serviço de Cirurgia Torácica, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.

Maria do Socorro Lucena Cardoso
Professora da Disciplina de Pneumologia. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.

Márcia dos Santos da Silva
Médica. Hospital Universitário Getúlio Vargas, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.

Danielle Cristine Westphal
Acadêmica de Medicina. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.

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