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Artigo Original

Análise de 39 casos de pneumonia intersticial crônica idiopática

Analysis of 39 cases of idiopathic chronic interstitial pneumonia

Rogério Rufino, Leonardo Rizzo, Cláudia Henrique da Costa, Roberto José de Lima, Kalil Madi

ABSTRACT

Objective: To make a retrospective analysis of lung biopsy samples obtained from patients diagnosed with chronic idiopathic interstitial pneumonia, as defined in the American Thoracic Society/European Respiratory Society classification system made public in 2000. Methods: Samples from 252 open-lung biopsies of patients with interstitial lung disease, all performed between 1977 and 1999, were reviewed, and 39 cases of idiopathic interstitial lung disease were selected and re-evaluated by two pathologists in accordance with the American Thoracic Society/European Respiratory Society classification system. Results: Among those 39 cases, the diagnoses were maintained in 28 (71.8%). A new pathologic entity, nonspecific interstitial pneumonia, was included in the reclassification, and overlapping patterns were observed in 6 cases. Of the 28 cases in which the diagnosis of chronic idiopathic interstitial pneumonia remained unchanged, idiopathic pulmonary fibrosis was accompanied by cryptogenic organizing pneumonia in 4, cryptogenic organizing pneumonia was accompanied by nonspecific interstitial pneumonia in 1, and desquamative interstitial pneumonia was accompanied by nonspecific interstitial pneumonia in 1. All cases of idiopathic pulmonary fibrosis were confirmed, although 3 of those were found to be accompanied by cryptogenic organizing pneumonia. Virtually all prior diagnoses were maintained in the review of the biopsy samples (p > 0,05). Conclusion: The American Thoracic Society/European Respiratory Society system of classifying interstitial lung disease is a useful tool for pathologists who deal with lung biopsies.

Keywords: Pulmonary fibrosis; Lung diseases, interstitial

RESUMO

Objetivo: Analisar de forma retrospectiva fragmentos de biópsias pulmonares que receberam o diagnóstico de pneumonia intersticial crônica idiopática, à luz da classificação da American Thoracic Society e European Respiratory Society, de 2000. Métodos: A partir da revisão de 252 fragmentos de biópsias pulmonares a céu aberto de pacientes com doença intersticial pulmonar, no período de 1977 a 1999, 39 casos de doença pulmonar intersticial idiopática foram selecionados e reavaliados por dois patologistas, segundo a classificação da American Thoracic Society e European Respiratory Society, de 2000. Resultados: Vinte e oito dos 39 diagnósticos foram mantidos (71,8%). Uma nova entidade patológica, a pneumonia intersticial não específica, foi incluída na reclassificação e houve superposição de padrões em seis casos. Mantiveram o mesmo diagnóstico 28 casos, 4 casos apresentaram associação entre fibrose pulmonar idiopática e organização pneumônica criptogênica, 1 entre organização pneumônica criptogênica e pneumonia intersticial não específica, e 1 entre pneumonia intersticial descamativa e pneumonia intersticial não específica. Todos os casos de fibrose pulmonar idiopática foram confirmados, embora 3 deles estivessem associados a organização pneumônica criptogênica. Os diagnósticos anteriores foram quase todos mantidos na revisão dos espécimes (p > 0,05). Conclusão: A classificação das doenças pulmonares intersticiais da American Thoracic Society e European Respiratory Society é uma ferramenta útil aos patologistas que lidam com biópsias pulmonares.

Palavras-chave: Fibrose pulmonar; Doenças pulmonares intersticiais

INTRODUÇÃO

As doenças intersticiais difusas e idiopáticas do pulmão são em grande parte processos inflamatórios crônicos que podem resultar em fibrose e deformação parenquimatosa, constituindo um grupo heterogêneo de entidades classificadas por critérios clínicos, funcionais, radiológicos e histopatológicos.(1-2) O diagnóstico histopatológico contribui, em muitos casos, de forma decisiva para a definição da doença, principalmente quando há correlação positiva com os aspectos radiológicos e com a evolução clínica. Em um número menor de casos, surgem dificuldades devidas à superposição de padrões morfológicos e à pouca representatividade do espécime em relação ao pulmão como um todo.
Outro problema encontrado nas últimas décadas do século passado está no terreno conceitual, tendo sido criados numerosos rótulos diagnósticos que dificultavam a compreensão das diversas entidades mórbidas vinculadas a essa afecção especial do pulmão.(3-4) A classificação da American Thoracic Society e European Respiratory Society (ATS/ERS), publicada no ano de 2000,(1) representou um consenso multidisciplinar e definiu sete tipos de pneumonias intersticiais idiopáticas. Esse consenso descreve padrões morfológicos, que não são específicos de uma única doença, como, por exemplo, o da pneumonia intersticial "usual" que é visto na fibrose pulmonar idiopática (FPI), na asbestose, na pneumopatia induzida por medicamentos e nas doenças do colágeno.

A partir desta nova classificação, aceita internacionalmente, revisamos todos os casos de doença intersticial idiopática pulmonar dos últimos 30 anos, arquivados em duas instituições, com o objetivo de enquadrar os casos antigos nos critérios da ATS/ERS.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo microscópico retrospectivo dos fragmentos de biópsias pulmonares a céu aberto obtidos no período de 1977 a 1999, de 252 pacientes com doença intersticial provenientes dos Serviços de Patologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro. Os diagnósticos prévios tinham sido firmados com a utilização conjunta de critérios clínicos e radiográficos (radiograma ou tomografia computadorizada de alta resolução), testes de função respiratória e histopatologia. Dois grupos foram identificados e separados: os de causa conhecida (213 casos) e os de causa desconhecida (39 casos). As 39 amostras com o diagnóstico de etiologia desconhecida foram vistas por dois patologistas, especialistas em enfermidade pulmonar.

Uma nova análise, utilizando os critérios da ATS/ERS,(2) foi realizada, sem conhecimento prévio do diagnóstico anterior. Os laudos foram constituídos de forma consensual e conjunta entre os patologistas, utilizando técnicas convencionais como a hematoxilina-eosina, o tricrômico de Masson e a reticulina.

O teste t paramétrico e o coeficiente de correlação de Pearson duplo caudal foram utilizados para análise dos resultados, considerando-se presença de significância quando o valor de p fosse menor que 0,05.

RESULTADOS

Os casos foram separados conforme o diagnóstico prévio para a análise de dados demográficos. Os dados demográficos dos pacientes analisados estão apresentados na Tabela 1. Foi verificado que a faixa etária foi semelhante entre os grupos (p > 0,05). No entanto, observou-se maior acometimento do sexo masculino (p < 0,05) no grupo de fibrose pulmonar idiopática. Após a nova avaliação histopatológica, os 15 casos com diagnóstico prévio de fibrose pulmonar idiopática foram confirmados, porém, três deles foram descritos em associação com o padrão de organização pneumônica criptogênica (COP) (Tabela 2). O diagnóstico de 12 casos de COP também foi mantido, mas um estava associado ao padrão de pneumonia intersticial não específica (NSIP) e outro, ao padrão fibrose pulmonar idiopática (Figura 1). Nos dois casos de doença intersticial pulmonar com bronquiolite respiratória e nos três de pneumonia intersticial aguda, os diagnósticos anteriores foram preservados. Dentre os dois casos de pneumonia intersticial linfocítica, um foi confirmado e o outro modificado para pneumonia por hipersensibilidade. O único caso de pneumonia intersticial descamativa foi considerado como uma associação desta condição e NSIP. Os quatro casos de pneumonias intersticiais anteriormente não classificadas receberam novos diagnósticos: COP (dois casos), NSIP (um caso) e pneumonia por hipersensibilidade (um caso). Todos os 39 casos foram classificados e não houve diferença (p = 0,24) entre os diagnósticos histopatológicos anteriores e posteriores ao consenso ATS/ERS. Houve, portanto, concordância significativa nos diagnósticos nas duas épocas (p = 0,0014 e r2 = 0,9824).













DISCUSSÃO

O trabalho realizado resgata casos coletados a partir de 1977, quando ainda evoluía a pioneira classificação de Liebow.(5) Não obstante esse fato, a revisão dos nossos 39 casos confirmou os diagnósticos inicialmente dados em 28 pacientes (71,8%). Dos 11 casos restantes, somente um teve o diagnóstico modificado, de pneumonia intersticial linfocítica para pneumonia por hipersensibilidade, em função da presença de granulomas "frouxos" e do infiltrado linfocítico não ser proeminente.(6) Dos quatro casos que não tinham recebido diagnóstico à época e que foram considerados de pneumonias intersticiais sem classificação, um foi reclassificado como NSIP, dois como COP e um como pneumonia por hipersensibilidade. Neste estudo, não ocorreu nenhum caso da forma fibrosa de NSIP.(7-8) A superposição de padrões patológicos aconteceu em seis casos (15,38%), sendo a COP o padrão associado com maior freqüência.(9-11)

A normatização proposta pela ATS/ERS não modificou estatisticamente o diagnóstico anterior e posterior a 2000 em nossos casos. Isto pode ser justificado pelo fato de quase todos os padrões morfológicos terem sido descritos há mais de uma década.(12)

Um estudo de 2004,(13) que analisou a concordância patológica do diagnóstico das doenças intersticiais pulmonares de etiologia conhecida e desconhecida entre os patologistas, no período de 1996 a 1997, utilizando os atuais critérios da ATS/ERS, demonstrou que havia maior concordância entre os diagnósticos de pneumonia intersticial "usual" (k = 0,42), COP (k = 0,57) e sarcoidose (k = 0,76), e menor concordância entre os casos de NSIP (k = 0,23).

A identificação de padrões morfológicos distintos, vistos num mesmo espécime, pode dificultar a tarefa do patologista, impedindo uma conclusão definitiva, o que provavelmente tem tradução na evolução clínica, na abordagem terapêutica e no prognóstico.(14-15) A associação de padrões em uma mesma amostra conduz ao pensamento de que um padrão patológico pode se transformar em outro, ou que, pelo menos em alguns casos, de que possa existir um espectro lesional mais complexo do que o que há na simplicidade das classificações existentes.(16-22)
Isto é sugerido por um trabalho de 2002, que verificou, em doenças intersticiais familiares, a semelhança molecular entre pneumonia intersticial "usual" e NSIP.(23) Outros autores também apontam semelhança evolutiva e morfológica entre a NSIP fibrótica e a pneumonia intersticial "usual", corroborando assim a hipótese de haver um continuum lesional.(7-8, 24-26)

Em um estudo(27) verificou-se que a lesão do DNA das células epiteliais ocorria de forma semelhante tanto na NSIP quanto na pneumonia intersticial "usual", porém com maior intensidade nesta última, o que pode sugerir um processo inicial de lesão epitelial pulmonar.

A classificação da ATS/ERS é uma tentativa de ordenação das pneumonias intersticiais crônicas idiopáticas por meio de utilização de padrões histopatológicos aplicáveis aos quadros clínicos e radiológicos.
Esta classificação reintroduziu a COP como entidade intersticial e consolidou a NSIP, mas manteve os padrões anteriormente utilizados, uniformizando a linguagem e as descrições dos padrões para os patologistas.

Os padrões morfológicos, associados às informações clínicas e radiológicas, podem conferir relativa especificidade ao diagnóstico de doenças intersticiais pulmonares idiopáticas. Seguindo a classificação da ATS/ERS, de 39 casos analisados, 28 diagnósticos prévios foram confirmados (71,8%), sendo encontradas superposições de padrões em seis deles. Estas associações apontam para a inespecificidade da resposta pulmonar à agressão e sugerem a hipótese de patogenia baseada num espectro lesional contínuo. A classificação da ATS/ERS é um instrumento muito útil aos patologistas que lidam com biópsias pulmonares, porém, em nosso estudo, não modificou de forma substancial o diagnóstico patológico firmado anteriormente.

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* Trabalho realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
1. Pós-doutorado pelo National Heart and Lung Institute - Imperial College/Londres. Professor Adjunto de Pneumologia e Tisiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
2. Residente de Patologia do Instituto Nacional do Câncer - INCA - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
3. Doutoranda em Pneumologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil e Professora Assistente de Pneumologia e Tisiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
4. Professor Assistente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
5. Professor Titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Rogério Rufino. Rua Mário Pederneiras, 10/121, Humaitá - CEP: 22041-020, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Tel: 55 21 2527-6871. Email: rrufino@uerj.br
Recebido para publicação em 3/3/06. Aprovado, após revisão, em 5/4/06.

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