ABSTRACT
Objective: To correlate tomographic findings with pulmonary function findings, as well as to compare chest X-ray findings with high-resolution computed tomography (HRCT) findings, in patients with silicosis. Methods: A cross-sectional study was conducted in 44 non-smoking patients without a history of tuberculosis. Chest X-ray findings were classified according to the International Labour Organization recommendations. Using a semiquantitative system, the following HRCT findings were measured: the full extent of pulmonary involvement; parenchymal opacities; and emphysema. Spirometry and forced oscillation were performed. Pulmonary volumes were evaluated using the helium dilution method, and diffusing capacity of the lung for carbon monoxide was assessed. Results: Of the 44 patients studied, 41 were male. The mean age was 48.4 years. There were 4 patients who were classified as category 0 based on X-ray findings and as category 1 based on HRCT findings. Using HRCT scans, we identified progressive massive fibrosis in 33 patients, compared with only 23 patients when X-rays were used. Opacity score was found to correlate most closely with airflow, DLCO and compliance. Emphysema score correlated inversely with volume, DLCO and airflow. In this sample of patients presenting a predominance of large opacities (75% of the individuals), the deterioration of pulmonary function was associated with the extent of structural changes. Conclusions: In the early detection of silicosis and the identification of progressive massive fibrosis, HRCT scans are superior to X-rays.
Keywords:
Silicosis; Occupational diseases; Tomography, x-ray computed; Respiratory function tests.
RESUMO
Objetivo: Correlacionar os parâmetros tomográficos com os de função pulmonar em portadores de silicose, bem como comparar os resultados
da tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) com os da radiografia de tórax. Métodos: Foi realizado um estudo de corte
transversal, em que foram avaliados 44 pacientes não-tabagistas e sem história pregressa de tuberculose. As radiografias foram classificadas
de acordo com a proposta da Organização Internacional do Trabalho. Utilizando um sistema de escore semiquantitativo, os seguintes achados
na TCAR foram quantificados: extensão total do envolvimento pulmonar, opacidades parenquimatosas e enfisema. Foram realizados espirometria,
oscilações forçadas, avaliação dos volumes pulmonares pela técnica de diluição com hélio e medida da diffusing capacity of the lung
for carbon monoxide (DLCO, capacidade de difusão do monóxido de carbono). Resultados: Dos 44 pacientes estudados, 41 eram homens,
com média de idade de 48,4 anos. Na análise comparativa, 4 pacientes classificados na categoria 0 pela radiografia foram reclassificados na
categoria 1 pela TCAR e, enquanto a radiografia diagnosticou 23 casos de fibrose maciça progressiva, a TCAR estabeleceu esse diagnóstico
em 33 doentes. Para o escore de opacidades, as maiores correlações foram observadas com as medidas de fluxo, DLCO e complacência. Já o
enfisema correlacionou-se negativamente com as medidas de volume, DLCO e fluxo. Nesta amostra com predomínio de grandes opacidades
(75% dos indivíduos), a deterioração da função pulmonar associou-se com a extensão das alterações estruturais. Conclusões: Na silicose, a
TCAR é superior à radiografia tanto na detecção precoce da doença quanto na identificação de fibrose maciça progressiva.
Palavras-chave:
Silicose; Doenças ocupacionais; Tomografia computadorizada por raios X; Testes de função respiratória.
IntroduçãoNos dias atuais, a radiografia de tórax, aliada à história ocupacional de exposição à sílica livre, é o principal método de diagnóstico da silicose, seguindo-se as normas da International Labour Organization (ILO, Organização Internacional do Trabalho).(1) Porém, cada vez mais a tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) ocupa lugar de destaque na avaliação desta doença, oferecendo informações adicionais importantes, tanto na detecção precoce das pequenas opacidades e do enfisema quanto na identificação de complicações.(2-4) Quanto aos testes de função pulmonar em portadores de silicose, apesar de não serem usados como ferramentas para o diagnóstico, são amplamente empregados para acompanhar longitudinalmente estes indivíduos.(3,4)
Uma vez que os exames de imagem e os testes funcionais são os recursos diagnósticos mais utilizados no seguimento de indivíduos com silicose, torna-se fundamental estabelecer a correlação entre esses dois métodos. Devido à sua maior sensibilidade, a TCAR tem sido o método de imagem mais usado para tal finalidade. Entretanto, em estudos de correlação da imagem com a função pulmonar, a quantificação da gravidade da doença por meio dos testes funcionais é prejudicada pela presença de tabagismo e enfisema pulmonar associado, fato este ressaltado pela maioria dos investigadores.(5-10)
O objetivo do presente estudo é correlacionar os parâmetros tomográficos com os de função pulmonar em portadores não-fumantes de silicose, bem como comparar os achados da TCAR com os da radiografia de tórax.
MétodosFoi realizado um estudo descritivo em que foram avaliados 53 indivíduos não-tabagistas com história de exposição à sílica. A participação desses indivíduos ocorreu após a ciência quanto ao objetivo do estudo e com o consentimento prévio. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de nossa instituição.
Foram adotados como critérios de inclusão a história de exposição à sílica com duração de pelo menos 10 anos; e a radiografia (ou TCAR) com imagens compatíveis com silicose. Foram excluídos os pacientes tabagistas e ex-tabagistas e os que tinham achados radiológicos sugestivos de tuberculose pulmonar. Após a aplicação desses critérios, 9 pacientes foram excluídos, sendo 4 deles com achados tomográficos compatíveis com tuberculose pulmonar.
Os exames foram realizados com intervalo máximo de um mês, obedecendo à seguinte ordem: função pulmonar; radiografia de tórax; e TCAR.
A radiografia de tórax foi realizada na posição póstero-anterior com um aparelho Siemens (modelo LX30; Siemens AG, Erlangen, Alemanha) e com a seguinte técnica: distância de 180 cm entre foco e filme; regime de 80 kVp; tempo de exposição de 0,04 ms. As leituras foram feitas de forma independente por três leitores certificados pela Fundacentro/Ministério do Trabalho e Emprego. Por motivo de simplificação, a classificação de profusão das pequenas opacidades foi feita de forma resumida (0/−, 0/0 ou 0/1 = 0; 1/0, 1/1 ou 1/2 = 1/2/1, 2/2 ou 2/3 = 2; 3/2, 3/3 ou 3/+ = 3). As grandes opacidades foram classificadas em tipos A, B e C, de acordo com os padrões fornecidos pela ILO.(1) Os resultados foram sumarizados pela mediana das leituras.
Os testes de função pulmonar foram constituídos por técnica de oscilações forçadas (TOF), espirometria, avaliação dos volumes pulmonares pelo método de diluição com hélio, e medida da diffusing capacity of the lung for carbon monoxide (DLCO, capacidade de difusão do monóxido de carbono). A TOF foi realizada por meio de um analisador de impedância, sendo avaliados os seguintes parâmetros: resistência total do sistema respiratório, resistência relacionada a vias aéreas e dynamic respiratory compliance (Crs,dyn, complacência dinâmica do sistema respiratório). Os demais testes foram realizados no sistema Collins Plus Pulmonary Function Testing Systems (Warren E. Collins, Inc., Braintree, MA, EUA) e seguiram a padronização e interpretação da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(11) Foram adotadas as equações de Pereira (espirometria) e Neder (volumes pulmonares estáticos e difusão) na interpretação dos seguintes parâmetros:(12-14)
espirometria: capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), relação VEF1/CVF, fluxo expiratório forçado entre 25-75% da CVF (FEF25-75%) e relação FEF25-75%/CVF
método de diluição com hélio: volume residual (VR), capacidade pulmonar total (CPT) e relação VR/CPT
método da respiração única para a DLCO
Realizou-se a TCAR com um aparelho GE (modelo HiSpeed; General Electric Medical Systems, Milwaukee, WI, EUA) e com a seguinte técnica: cortes com espessura de 1,0 mm, intervalo de tempo de 1,5 s e incremento de 10 mm; reconstrução da imagem com matriz de 512 × 512 pontos, utilizando-se algoritmo de alta resolução; largura de janela de 1000 UH; nível médio de janela de −700 UH. A interpretação dos achados tomográficos foi feita de forma consensual entre quatro radiologistas que, durante um mês, foram previamente treinados para a utilização da classificação adotada. As pequenas opacidades foram classificadas em quatro categorias, de acordo com sua profusão, de modo similar ao que se faz com a radiografia de tórax:
0) ausência de micronódulos
1) pequeno número de micronódulos, porém sem borramento de vasos
2) grande número de micronódulos, com ou sem borramento de vasos, porém sem confluência
3) confluência de nódulos <10mm, usualmente associada com acentuado borramento de vasos
As grandes opacidades foram classificadas em tipo A (uma ou mais opacidades >10 mm cuja soma dos diâmetros era ≤50 mm) ou B (uma ou mais opacidades cuja soma dos diâmetros era <50 mm).(9,10,15-17) Posteriormente, a TCAR foi avaliada quanto à extensão do envolvimento pulmonar, considerando-se cinco níveis de corte: origem dos grandes vasos; croça da aorta; carina; confluência das veias pulmonares; e 1cm acima do diafragma direito.(18) Através de um sistema de avaliação semiquantitativa, cada um desses níveis (direito e esquerdo, separadamente, totalizando 10 níveis) foi analisado quanto aos seguintes aspectos:(9,10)
escore de extensão total do envolvimento pulmonar - Tot (incluindo nódulos, massas, enfisema e outras alterações parenquimatosas):
0)nenhuma alteração
1)envolvimento pulmonar ≤5% da área
2)envolvimento pulmonar entre >5%-≤25% da área
3)envolvimento pulmonar entre >25-49% da área
4)envolvimento pulmonar entre 50-75% da área
5)envolvimento pulmonar >75% da área
escore de extensão das opacidades parenquimatosas (Opac), incluindo nódulos e massas:
0)nenhuma opacidade parenquimatosa
1)opacidades parenquimatosas envolvendo ≤5% da área
2)opacidades parenquimatosas envolvendo >5%-≤25% da área
3)opacidades parenquimatosas envolvendo >25%-49% da área
4)opacidades parenquimatosas envolvendo 50%-75% da área
5)opacidades parenquimatosas envolvendo >75% da área
escore de extensão do enfisema (Enf):
0)nenhum enfisema
1)enfisema envolvendo ≤5% da área
2)enfisema envolvendo >5-≤25% da área
3)enfisema envolvendo >25-49% da área
4)enfisema envolvendo 50-75% da área
5)enfisema envolvendo >75% da área
Para análise dos escores, a estimativa do envolvimento pulmonar foi obtida mediante a aplicação de um fator de influência (peso) para corrigir as diferenças de volume em cada nível, conforme se segue: origem dos grandes vasos (0,129); croça da aorta (0,190); carina (0,222) confluência das veias pulmonares (0,228); 1 cm acima do diafragma direito (0,230).(19) Ao final, somando-se os escores de cada nível, obteve-se os valores de Tot, Opac e Enf (maior escore possível para cada paciente = 10). Um exemplo da obtenção desses escores é mostrado na Figura 1.
Na análise estatística, utilizaram-se os programas Epi Info 6.04 e Statistica 5.01 (StatSoft, Inc., Tulsa, OK, EUA). Para descrição dos dados, foram utilizados médias, desvios-padrão e freqüências. Na comparação das leituras radiológicas, aplicou-se o cálculo do coeficiente de concordância. Para comparação das médias dos parâmetros funcionais entre as diversas categorias da TCAR utilizou-se análise de variância (ANOVA). Todas as variáveis contínuas foram analisadas para verificação da distribuição de normalidade, conforme o teste de Kolmogorov-Smirnov. Optou-se pelo uso do método paramétrico de Pearson no estudo das correlações entre os índices funcionais e os escores tomográficos. Neste trabalho, os resultados considerados significantes foram aqueles com p ≤ 0,05.
ResultadosDos 44 pacientes avaliados, 41 eram homens, com média de idade de 48,4 anos. As médias de tempo de exposição à sílica e de tempo de afastamento da exposição foram de 16,1 e 16,9 anos, respectivamente. Dentre as atividades profissionais, as mais citadas foram as de jateamento de areia (45,5%) e a de lapidação (34,1%). Outras ocupações citadas foram: marmoraria (6,8%), pedreira (4,5%), fundição (4,5%), confecção de próteses dentárias (2,3%) e esmerilador (2,3%).
Na avaliação da radiografia de tórax, 19 exames apresentaram qualidade técnica de nível 1 e 25 de nível 2. A distribuição dos indivíduos nas categorias radiológicas da ILO para pequenas opacidades ocorreu da seguinte forma: categoria 0-4 (9,1%); categoria 1-22 (50%); categoria 2-14 (31,8%); e categoria 3-4 (9,1%). Quanto à forma e tamanho das pequenas opacidades, as radiografias foram classificadas como: qq = 14; rq = 7; pq = 5; qr = 4; pp = 3; qp = 3; rr = 3; ou qt = 1. Para a classificação das grandes opacidades, verificou-se que 4 pacientes apresentaram grande opacidade do tipo A (9,1%), 12 do tipo B (27,3%), 7 do tipo C (15,9%) e 21 (47,7%) não tinham esse tipo de lesão na radiografia de tórax. Os símbolos mais freqüentemente observados foram: ax (coalescência de pequenas opacidades, 22 casos); cn (calcificação em pequenas opacidades, 14 casos); co (anormalidades de forma e/ou tamanho do coração, 14 casos); e di (distorção de estrutura intratorácica, 12 casos). A análise da concordância interobservador para profusão de pequenas opacidades (categorias 0, 1, 2 e 3) e tipo de grandes opacidades (tipos 0, A, B e C) mostrou coeficientes kappa de 0,31 (p < 0,001) e 0,75 (p < 0,001), respectivamente.
Os achados observados na TCAR foram: micronódulos em 44 casos (100%), com identificação de confluências em seis exames; grandes opacidades compatíveis com o diagnóstico de fibrose maciça progressiva (FMP) em 33 casos (75%); enfisema em 27 casos (61,4%), sendo 21 deles do tipo paracicatricial e 6 do tipo panacinar (24 casos de enfisema apresentavam associação com FMP); espessamento pleural localizado em 14 casos (31,8%), sendo 10 deles associados com FMP; e linfonodomegalias intratorácicas em 28 casos (63,6%).
As comparações entre a classificação da radiografia e a da TCAR para as pequenas e grandes opacidades são mostradas nas Tabelas 1 e 2. Com relação às pequenas opacidades, houve concordância entre os dois métodos em 56,8% dos casos. Nesta amostra, 4 pacientes classificados na categoria 0 pela radiografia foram reclassificados na categoria 1 pela TCAR. Para as grandes opacidades, a concordância entre os dois métodos ocorreu em 70,5% dos exames. Enquanto a radiografia diagnosticou 23 casos de FMP, a TCAR estabeleceu esse diagnóstico em 33 doentes.
A média e desvio-padrão dos índices de função pulmonar, assim como a distribuição desses valores de acordo com a classificação da TCAR, são apresentados na Tabela 3. Para as grandes opacidades, observamos diferenças estatisticamente significantes nas medidas de fluxo, Crs,dyn e DLCO.
Com relação ao padrão funcional, 14 indivíduos apresentaram distúrbio obstrutivo (leve em 13 casos e moderado em 1 caso), 13 tinham distúrbio misto (leve em 8 casos, moderado em 3 casos e grave em 2 casos). Onze tinham distúrbio restritivo (leve em 8 casos, moderado em 2 casos e grave em 1 caso) e 6 tinham índices espirométricos e volumes estáticos normais. Neste trabalho, 29 indivíduos mostraram redução da DLCO, sendo esta graduada como leve em 15, moderada em 12 e grave em 2.
Em relação aos escores obtidos na TCAR, os valores das médias de Tot, Opac e Enf foram de 3,7, 3,3 e 1,5, respectivamente. Os valores dos coeficientes de correlação entre os parâmetros funcionais e os obtidos pelas análises tomográficas estão expressos na Tabela 4. Para o escore de opacidades, as maiores correlações foram observadas com as medidas de fluxo, difusão e Crs,dyn. Já o enfisema correlacionou-se negativamente com as medidas de volume, difusão e fluxo.
DiscussãoEm estudo de correlação morfofuncional, é fundamental que se elimine a influência de qualquer outro fator, além daquele analisado, na função pulmonar. Na silicose, quase todos os trabalhos reportados anteriormente incluíram indivíduos fumantes e ex-fumantes, assim como pacientes com história de tuberculose.(5,8-10) Entretanto, neste estudo, muito cuidado foi tomado no sentido de retirar os efeitos do tabaco e das seqüelas de tuberculose nos testes funcionais. Para este fim, até se chegar à amostra ideal, foi necessário o recrutamento de pacientes de diversos centros de referência em silicose do Estado do Rio de Janeiro.
Por convenção, as lesões silicóticas são avaliadas radiologicamente de acordo com a classificação internacional das pneumoconioses da ILO, que foi criada basicamente para fins epidemiológicos.(1) Entretanto, seu uso para diagnóstico clínico é discutível, particularmente em relação a dois aspectos: a alta variabilidade interobservador na leitura das radiografias, especialmente para as categorias de baixa profusão, e o fato de que a classificação da ILO pode subestimar a presença de doença pulmonar.(16) No presente estudo, observamos maior discordância entre os leitores para as categorias das pequenas opacidades. Para as grandes opacidades, a variabilidade interindividual nas leituras foi baixa. Esses dados estão de acordo com outros trabalhos, que também mostraram maiores valores kappa para as grandes opacidades.(4,9,16-17) Apesar dessas limitações, a radiografia de tórax continua sendo o instrumento de maior eficácia no seguimento dos trabalhadores expostos à sílica, pois apresenta baixo custo e baixa dose de radiação.(2)
Diversos estudos foram realizados para estabelecer o papel da TCAR na detecção precoce das pequenas opacidades. Um trabalho mostrou que 13 de 32 indivíduos com história de exposição à sílica e radiografia normal tinham evidências de silicose na TCAR.(16) Um estudo realizado em nosso país, incluindo 68 ex-mineiros, observou concordância dos resultados de radiografia e TCAR em 55 casos e divergência em 13, sendo que a TCAR acrescentou 5 novos diagnósticos de silicose e, por outro lado, afastou 8.(17) Na amostra do presente trabalho, 4 pacientes classificados na categoria 0 pela radiografia foram reclassificados na categoria 1 pela TCAR, o que reforça o valor deste último exame.
Quanto à capacidade de detectar as grandes opacidades, é bem estabelecida a superioridade da TC em relação à radiografia de tórax. Um estudo com TCAR de 76 pacientes observou 10 casos de FMP dentre os 26 que foram classificados como silicose simples pela radiografia.(10) No presente trabalho, a TCAR, em relação à radiografia, acrescentou 10 novos diagnósticos de FMP, confirmando a maior sensibilidade do método na detecção da silicose complicada. Outro dado interessante é a detecção do enfisema, que foi diagnosticado em 27 pacientes (61,4% dos casos). Considerando o fato da amostra ter sido constituída exclusivamente de indivíduos não-fumantes, o achado de enfisema, neste estudo, só pode ser atribuído à presença de FMP ou da própria poeira de sílica.
Ainda com relação à TCAR, observamos espessamento pleural em 31,8% dos casos (todos eles do tipo localizado), diferentemente de outro trabalho que, não excluindo os indivíduos com história de tuberculose (31% dos pacientes), observou esta anormalidade em 58,2% dos casos, sendo a maioria deles do tipo difuso.(20) Segundo os autores, embora haja a possibilidade do espessamento pleural difuso causar dano funcional restritivo, a importância clínica desse achado na silicose ainda é incerta.(20)
Com relação à função pulmonar, observamos que o distúrbio obstrutivo foi bastante freqüente, tendo sido diagnosticado em 61,4% dos casos (obstrutivo + misto). Na silicose, a limitação ao fluxo aéreo é causada por diversos fatores, como as broncoestenoses secundárias à fibrose peribronquiolar, a presença de linfonodomegalias e a existência de enfisema centroacinar.(10,21) No presente estudo, entretanto, é possível que as grandes opacidades e o enfisema paracicatricial associado à elas sejam os principais mecanismos responsáveis pelo fenômeno obstrutivo, já que 75% dos pacientes tinham FMP na TCAR. Essas massas de FMP, formadas por aglomerados de nódulos silicóticos, podem distorcer o parênquima pulmonar normal e determinar o aumento irregular dos espaços aéreos adjacentes, o que, em última análise, limita o fluxo pulmonar.(10,22,23,24)
Quanto à comparação das médias de função pulmonar entre as diferentes categorias da TCAR, notamos que, para as pequenas opacidades, não houve diferença significativa de nenhum parâmetro funcional isolado com a progressão das categorias avaliadas; concorde com outro estudo. Isto reforça a noção de que micronódulos detectados pela TCAR não influenciam, per se, a deterioração funcional.(15) Entretanto, para as grandes opacidades, observamos queda progressiva nos valores de DLCO, Crs,dyn e fluxo aéreo com o avanço da classificação. Estes achados estão de acordo com outros trabalhos, que também mostraram maior correlação do dano funcional com o grau das grandes opacidades.(5,9-10,23) Assim, a presença dessas lesões na TCAR pode ser usada como um importante indicador de gravidade da doença.(9,10,25)
Na amostra estudada, assim como em trabalhos anteriormente publicados, a Opac correlacionou-se negativamente com a redução da DLCO.(3,5,10,23) Alguns investigadores atribuíram essa associação à presença de FMP, uma vez que essas grandes massas de fibrose, com o avançar da doença, tendem a se contrair. Isto determina o aparecimento de enfisema paracicatricial e diminuição da área disponível para troca gasosa, o que reduz a medida da difusão pulmonar.(5,10,23)
A análise da associação obtida entre Opac e Crs,dyn é interessante, uma vez que, pelo nosso conhecimento, não há estudo na literatura correlacionando as medidas de complacência com os achados da TCAR. A Crs,dyn representa, na prática, a facilidade com que o sistema respiratório, incluindo os pulmões e a parede torácica, alcança a CPT.(26) Na silicose complicada, a intensificação do acometimento pleropulmonar justifica sua redução. Assim, uma vez que a medida é feita por meio não-invasivo, a Crs,dyn poderia tornar-se, no futuro, mais um parâmetro funcional no acompanhamento da silicose.(27) Ademais, nossos resultados indicam que a deterioração da função pulmonar em indivíduos silicóticos, não-fumantes, associa-se com a extensão das alterações estruturais numa amostra com predomínio de grandes opacidades (75% dos indivíduos).
Conforme trabalhos prévios, observamos correlações significativas entre o Enf e as medidas de fluxo, volume e difusão. Entretanto, os coeficientes de correlação foram ligeiramente inferiores aos alcançados por outros autores, que utilizaram a população de tabagistas em suas amostras.(5,8-10,23) Assim, mais uma vez, a explicação recai sobre o fumo, que sabidamente reduz os valores de fluxo e difusão.
É pertinente uma análise crítica dos resultados do presente estudo e de suas limitações. Na história ocupacional, não foi quantificada a dose ou carga de exposição, o que seria interessante para a melhor compreensão das correlações morfofuncionais. Outra limitação é que, na leitura da TCAR, não foi avaliado o coeficiente de concordância. Assim, a interpretação dos achados tomográficos, de forma consensual, pode implicar em uma possível aceitação pelos leitores menos experientes da leitura do mais experiente, constituindo-se num viés metodológico.
Em conclusão, nosso estudo mostra que o performance da TCAR no diagnóstico da silicose, é superior à da radiografia de tórax, tanto na detecção precoce de fases iniciais da doença quanto na identificação de FMP.
Referências1. Occupational Safety and Health. Guidelines for the use of the ILO International classification of radiographs of pneumoconiosis. 2nd ed. rev. Geneva: International Labour Organization; 2002.
2. Capitani EM. Silicosis (still) among us. J Bras Pneumol. 2006;32(6):xxxiii-xxxv
3. Ferreira AS, Moreira VB, Ricardo HM, Coutinho R, Gabetto JM, Marchiori E. Progressive massive fibrosis in silica-exposed workers. High-resolution computed tomography findings. J Bras Pneumol. 2006; 32(6): 523-8.
4. Antao VC, Pinheiro GA, Terra-Filho M, Kavakama J, Müller NL. High-resolution CT in silicosis: correlation with radiographic findings and functional impairment. J Comput Assist Tomogr. 2005;29(3):350-6.
5. Kinsella M, Müller N, Vedal S, Staples C, Abboud RT, Chan-Yeung M. Emphysema in silicosis. A comparison of smokers with nonsmokers using pulmonary function testing and computed tomography. Am Rev Respir Dis. 1990;141(6):1497-500.
6. Bégin R, Filion R, Ostiguy G. Emphysema in silica- and asbestos-exposed workers seeking compensation. A CT scan study. Chest. 1995;108(3):647-55.
7. Hnizdo E, Sluis-Cremer GK, Baskind E, Murray J. Emphysema and airway obstruction in non-smoking South African gold miners with long exposure to silica dust. Occup Environ Med. 1994;51(8):557-63.
8. Bergin CJ, Müller NL, Vedal S, Chan-Yeung M. CT in silicosis: correlation with plain films and pulmonary function tests. AJR Am J Roentgenol. 1986;146(3):477-83.
9. Talini D, Paggiaro PL, Falaschi F, Battolla L, Carrara M, Petrozzino M, et al. Chest radiography and high resolution computed tomography in the evaluation of workers exposed to silica dust: relation with functional findings. Occup Environ Med. 1995;52(4):262-7.
10. Ooi GC, Tsang KW, Cheung TF, Khong PL, Ho IW, Ip MS, et al. Silicosis in 76 men: qualitative and quantitative CT evaluation--clinical-radiologic correlation study. Radiology. 2003;228(3):816-25.
11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para Testes de Função Pulmonar. J Pneumol. 2002;28(Supl 3):S1-S238.
12. Pereira CA, Barreto SP, Simões JG, Pereira FW, Gerstler JG, Nakatani J. Valores de referência para espirometria em uma amostra da população brasileira adulta. J Pneumol. 1992;18(1):10-22.
13. Neder JA, Andreoni S, Castelo-Filho A, Nery LE. Reference values for lung function tests. I. Static volumes. Braz J Med Biol Res. 1999;32(6):703-17.
14. Neder JA, Andreoni S, Peres C, Nery LE. Reference values for lung function tests. III. Carbon monoxide diffusing capacity (transfer factor). Braz J Med Biol Res. 1999;32(6):729-37.
15. Gevenois PA, Sergent G, De Maertelaer V, Gouat F, Yernault JC, De Vuyst P. Micronodules and emphysema in coal mine dust or silica exposure: relation with lung function. Eur Respir J. 1998;12(5):1020-4.
16. Bégin R, Ostiguy G, Fillion R, Colman N. Computed tomography scan in the early detection of silicosis. Am Rev Respir Dis. 1991;144(3 Pt 1):697-705.
17. Carneiro AP, Siqueira AL, Algranti E, Ferreira CS, Kavakama JI, Bernardes ML, et al. Estudo comparativo entre tomografia computadorizada de alta resolução e radiografia de tórax no diagnóstico da silicose em casos incipientes. J Pneumol. 2001;27(4):199-205.
18. Copley SJ, Wells AU, Sivakumaran P, Rubens MB, Lee YC, Desai SR, et al. Asbestosis and idiopathic pulmonary fibrosis: comparison of thin-section CT features. Radiology. 2003;229(3):731-6.
19. Wells AU, Rubens MB, du Bois RM, Hansell DM. Serial CT in fibrosing alveolitis: prognostic significance of the initial pattern. AJR Am J Roentgenol. 1993;161(6):1159-65.
20. Arakawa H, Honma K, Saito Y, Shida H, Morikubo H, Suganuma N, et al. Pleural disease in silicosis: pleural thickening, effusion, and invagination. Radiology. 2005;236(2):685-93.
21. Terra-Filho M, Santos UP. Silicosis. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 2):S59-S65.
22. Bégin R, Ostiguy G, Cantin A, Bergeron D. Lung function in silica-exposed workers. A relationship to disease severity assessed by CT scan. Chest. 1988;94(3):539-45.
23. Arakawa H, Gevenois PA, Saito Y, Shida H, De Maertelaer V, Morikubo H, et al. Silicosis: expiratory thin-section CT assessment of airway obstruction. Radiology. 2005;236(3):1059-66.
24. Leung CC, Chang KC, Law WS, Yew WW, Tam CM, Chan CK, et al. Determinants of spirometric abnormalities among silicotic patients in Hong Kong. Occup Med (Lond). 2005;55(6):490-3.
25. Bégin R, Bergeron D, Samson L, Boctor M, Cantin A. CT assessment of silicosis in exposed workers. AJR Am J Roentgenol. 1987;148(3):509-14.
26. Melo PL, Werneck MM, Giannella-Neto A. Avaliação de mecânica ventilatória por oscilações forçadas: fundamentos e aplicações clínicas. J Pneumol. 2000;26(4):194-206.
27. Mesquita-Júnior JA, Lopes AJ, Jansen JM, Melo PL. Using the forced oscillation technique to evaluate respiratory resistance in individuals with silicosis. J Bras Pneumol. 2006;32(3):213-20.
___________________________________________________________________________________________________________________
Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
1. Chefe do Setor de Função Respiratória do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ)
Brasil.
2. Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
3. Médico em treinamento do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
4. Professor Adjunto do Instituto de Biologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
5. Professor Titular da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Agnaldo José Lopes. Rua José do Patrocínio, 290/405, Grajaú, CEP: 20560-160, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Tel 55 21 2576 2030. E-mail: phel.lop@uol.com.br
Recebido para publicação em 4/2/2007. Aprovado, após revisão, em 7/8/2007.