ABSTRACT
Objective: To compare the frequency of unfavorable outcome (death or default and treatment failure) between tuberculosis (TB)/HIV
co-infected patients treated for TB after laboratory confirmation of the diagnosis and TB/HIV co-infected patients who were so treated
without diagnostic confirmation. Methods: A retrospective cohort of TB/HIV co-infected patients who started TB treatment between July
of 2002 and June of 2004 at an HIV/AIDS referral center in Recife, Brazil. The main exposure variable, laboratory confirmation of TB, was
adjusted for three different sets of variables: sociodemographic variables; HIV/AIDS-related variables; and TB-related variables. In order to
evaluate the statistical significance of the results, we calculated odds ratios, with 95% confidence intervals, and p values (from chi-square tests
and likelihood ratio tests). Results: A total of 262 patients were studied. No association was found between laboratory confirmation of the
diagnosis of TB at treatment outset and unfavorable outcome, even after adjustment for confounders. In the final multiple logistic regression
model, the following variables remained: the presence of other opportunistic diseases; CD4 lymphocyte count below 50 cells/mm3; viral load
between 10,000 and 100,000 copies/mL; dyspnea; the disseminated form of TB; and change in the TB treatment regimen due to adverse
reactions or intolerance. Conclusions: Our results suggest that TB treatment in TB/HIV co-infected patients without etiologic confirmation
of TB, at the discretion of experienced physicians in referral centers, did not increase the risk of unfavorable outcomes. In addition, it allowed
the identification of groups that should be closely monitored due to a greater risk of unfavorable outcomes.
Keywords:
Tuberculosis; Diagnosis; Therapeutics; Treatment outcome; HIV infections.
RESUMO
Objetivo: Comparar a freqüência de desfecho desfavorável (óbito, abandono e falência de tratamento) entre pacientes com co-infecção
tuberculose (TB)/HIV submetidos a tratamento para TB com confirmação etiológica do diagnóstico e pacientes co-infectados com TB/HIV e
tratados sem confirmação diagnóstica. Métodos: Coorte retrospectivo de pacientes co-infectados com TB/HIV que iniciaram tratamento para
TB entre julho de 2002 e junho de 2004, em um serviço de referência para HIV/AIDS no Recife (PE) Brasil. A exposição principal, confirmação
laboratorial da TB, foi ajustada pelas variáveis de três blocos: variáveis sócio-demográficas; variáveis relacionadas ao HIV/AIDS; e variáveis
relacionadas à TB. Para avaliar a significância estatística dos resultados, utilizaram-se o intervalo de confiança de 95% das odds ratios e o
valor de p (teste de qui-quadrado e razão de verossimilhança). Resultados: Foram estudados 262 pacientes. Não se observou associação
entre confirmação laboratorial do diagnóstico de TB e desfecho desfavorável, mesmo após o ajuste pelos fatores de confusão. Permaneceram
no modelo final da regressão logística múltipla: coexistência de outras doenças oportunistas; contagem de linfócitos CD4 abaixo de
50 células/mm3; carga viral entre 10.000 e 100.000 cópias/mL; dispnéia; forma disseminada de TB; e mudança do tratamento da TB por
reação adversa ou intolerância. Conclusões: Os resultados sugerem que o tratamento para TB sem confirmação etiológica, em pacientes
co-infectados, baseado na decisão de profissionais experientes em serviços de referência, não aumentou o risco de desfecho desfavorável
do tratamento para TB. Além disso, identificaram-se grupos com maior risco de desfecho desfavorável, os quais devem ser cuidadosamente
monitorados.
Palavras-chave:
Tuberculose; Diagnóstico; Terapêutica; Resultado de tratamento; Infecções por HIV.
IntroduçãoA interação existente entre o Mycobacterium tuberculosis e o HIV resulta em progressão mais rápida tanto da tuberculose (TB) como da imunodepressão causada pelo HIV, o que pode tornar o diagnóstico de TB mais difícil nestes pacientes, em virtude da possibilidade de modificação do quadro clínico e radiológico pela imunodeficiência, além da menor sensibilidade da baciloscopia.(1,2) Essas alterações podem gerar atraso no diagnóstico de TB, o que, por sua vez, está associado ao aumento do risco de óbito e de contaminação de contatos próximos.(2-4)
Em situações onde há forte suspeita de TB pulmonar ou extrapulmonar, o estado do paciente é grave, o isolamento do M. tuberculosis é difícil e a pesquisa diagnóstica possa retardar em demasia o tratamento, recomenda-se o início do tratamento mesmo antes de os resultados bacteriológicos serem conhecidos; uma vez iniciado, ele não deve ser interrompido, salvo após rigorosa revisão clínica e laboratorial que determine mudança de diagnóstico.(5)
Ainda são escassos na literatura estudos sobre o desfecho do tratamento para TB que comparam pacientes que iniciaram tratamento com ou sem confirmação do diagnóstico, principalmente aqueles co-infectados pelo HIV, e os resultados obtidos são divergentes.(6)
Um estudo,(7) incluindo pacientes co-infectados com TB extrapulmonar e HIV, mostrou que, nos pacientes sem confirmação do diagnóstico de TB, a taxa de mortalidade foi quatro vezes maior do que naqueles com diagnóstico confirmado. Em outro estudo,(8) observou-se associação entre baciloscopia negativa e maior risco de óbito em pacientes com a co-infecção TB/HIV. Em oposição, alguns autores(9) encontraram, em pacientes com a co-infecção TB/HIV, a baciloscopia positiva como fator associado a um maior risco de óbito, assim como a resistência a drogas, perda de peso, TB recorrente e radiografia de tórax atípica.
Outros autores,(10) a partir de informações sobre o tratamento da TB em 22 capitais brasileiras, mostraram que o desfecho do tratamento para TB em pacientes com HIV/AIDS foi favorável em apenas 33,3% daqueles com TB pulmonar e baciloscopia positiva, e em 40% quando foram analisadas todas as formas de TB. Apesar de o alto percentual de abandono (em torno de 32%) ter sido semelhante nos dois grupos, o percentual de óbito e de falência de tratamento foi maior nos pacientes com TB pulmonar e baciloscopia positiva.
O objetivo deste trabalho foi comparar a freqüência de desfecho desfavorável (óbito, abandono e falência de tratamento) em pacientes com HIV/AIDS tratados para TB sem confirmação etiológica do diagnóstico e pacientes tratados com confirmação etiológica do diagnóstico, objetivando contribuir para a definição de condutas específicas de monitoramento e tratamento desses pacientes.
MétodosFoi realizado um estudo do tipo coorte retrospectivo, no Hospital Correa Picanço, Serviço de Referência Estadual para HIV/AIDS situado no Recife, Brasil, o qual é responsável pelo atendimento a 50% da demanda de pacientes com HIV/AIDS no Estado.
Foram incluídos no estudo indivíduos com HIV/AIDS que iniciaram tratamento para TB no período de julho de 2002 a junho de 2004.
Os dados foram coletados utilizando-se uma ficha elaborada especificamente para este estudo, em consonância com os objetivos estabelecidos, a qual foi preenchida a partir de informações de prontuários médicos, pela pesquisadora principal e duas estudantes de medicina, bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Considerou-se como exposição principal o início do tratamento para TB sem confirmação etiológica do diagnóstico de TB e sem confirmação etiológica subseqüente. O não exposto foi considerado aquele paciente cujo diagnóstico de TB foi confirmado, antes ou após o início do tratamento, seja por pesquisa direta ou cultura para M. tuberculosis em espécimes clínicos. Foi considerada, ainda, a evidência de TB em exames citológicos ou histopatológicos.
Foram considerados desfechos desfavoráveis: óbito, abandono e falência de tratamento, e desfecho favorável a alta por cura, com ou sem confirmação etiológica do diagnóstico de TB.
Para efeito de análise, as variáveis foram agrupadas em três blocos:
variáveis sócio-demográficas (sexo, faixa etária, escolaridade e município de residência)
variáveis relacionadas ao HIV/AIDS (tempo de conhecimento da soropositividade para HIV, uso de terapia anti-retroviral, tempo de terapia anti-retroviral, coexistência de outras doenças oportunistas, contagem de linfócitos T CD4 e quantificação de carga viral plasmática para HIV)
variáveis relacionadas à TB, as quais, por sua vez, foram divididas em três grupos: sinais e sintomas relacionados à TB; forma de apresentação e critério de diagnóstico de TB; e variáveis relacionadas ao tratamento da TB.
A medida de incidência utilizada foi a "odds" de desfecho desfavorável em relação ao desfecho favorável, sendo a "odds" entre os expostos calculada por a/b, a "odds" entre os não expostos por c/d, e a razão entre os mesmos (odds ratio) foi estimada ad/bc. Inicialmente, foi verificada a associação de cada variável com o desfecho do tratamento para TB em análise univariada, a magnitude dessa associação sendo expressa através da odds ratio. Para avaliar a significância estatística, foi utilizado o intervalo de confiança das odds ratios e o valor de p obtido (teste do qui quadrado), sendo considerado significante o valor de p < 0,05.
A partir da identificação das variáveis que, na análise univariada, apresentaram uma associação com o desfecho (p < 0,20), foi realizada uma análise multivariada utilizando-se a regressão logística múltipla em cada bloco de variáveis. O modelo foi inicialmente saturado e a retirada, passo a passo, de cada variável do modelo foi testada, observando-se o valor de p obtido no teste de máxima verossimilhança. Nas análises com duas ou mais variáveis independentes, aquelas variáveis com mais de três categorias tiveram as mesmas agrupadas para garantir maior estabilidade estatística dos resultados. Na regressão logística múltipla, o antilogaritmo do coeficiente para cada variável corresponde à odds ratio que estima a magnitude da associação entre o fator e o desfecho, controlando o efeito de todas as outras variáveis no modelo.
As variáveis que foram selecionadas em cada bloco foram introduzidas no modelo final, procedendo-se a seleção das variáveis conforme o procedimento acima descrito. A variável confirmação etiológica do diagnóstico da TB foi introduzida no modelo multivariado em cada bloco e no modelo multivariado final.
Para a entrada, armazenamento e análise dos dados utilizaram-se o Epi Info, versão 6.04, e o Statistical Package for Social Sciences, versão 8.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Correia Picanço.
ResultadosNo período de julho de 2002 a junho de 2004, foram identificados 288 pacientes que iniciaram tratamento para a TB. Destes, 23 pacientes foram excluídos da análise por não terem definição do desfecho do tratamento para TB, e 3 por terem sido transferidos para outras unidades.
Dos 262 pacientes estudados, com média de idade de 36 anos, 180 (68,7%) eram do sexo masculino. O desfecho do tratamento para TB foi desfavorável em 108 pacientes (41,2%) e favorável em 154 (58,8%). Em relação ao desfecho, 7 pacientes (2,7%) tiveram cura com confirmação etiológica, 147 (56,1%) curaram-se sem confirmação laboratorial, 30 (11,5%) abandonaram o tratamento, 2 (0,8%) apresentaram falência de tratamento por desenvolvimento de resistência e 76 (29%) foram a óbito. Apenas 93 (35,5%) tiveram confirmação etiológica do diagnóstico. Não foi observada associação entre confirmação etiológica do diagnóstico da TB e desfecho desfavorável (p = 0,3816). Como esse resultado poderia ter sido distorcido por outras variáveis, introduziu-se a variável confirmação etiológica do diagnóstico no modelo final de cada grupo de variáveis (variáveis sócio-demográficas; variáveis relacionadas ao HIV/AIDS; e variáveis relacionadas à TB), eliminando-se, assim, a influência das variáveis de cada grupo na estimativa dessa associação. Nos modelos multivariados, não foi observada associação entre confirmação etiológica do diagnóstico da TB e desfecho desfavorável.
Verificou-se a associação entre confirmação etiológica do diagnóstico da TB e variáveis relacionadas ao HIV/AIDS e à TB. A comparação entre os grupos de pacientes com e sem confirmação etiológica mostrou um valor de p (0,066) próximo ao ponto de corte para a variável forma de apresentação da TB. Para as demais variáveis (CD4, carga viral plasmática e desfecho da TB) a diferença não foi estatisticamente significante (dados não apresentados).
Observou-se associação estatisticamente significante entre desfecho desfavorável e as seguintes variáveis relacionadas ao HIV/AIDS: tempo de uso de anti-retrovirais; coexistência de outras doenças oportunistas; contagem de linfócitos CD4; e carga viral plasmática (Tabela 1).
Observou-se associação estatisticamente significante entre desfecho desfavorável e as seguintes variáveis relacionadas aos sinais e sintomas de TB: febre; dispnéia; astenia; tempo de tosse e de febre (Tabela 2).
Entretanto, apenas a dispnéia apresentou associação independente do desfecho, no modelo final da análise multivariada (p < 0,0001).
Foi observada associação estatisticamente significante entre desfecho desfavorável e forma de apresentação da TB (Tabela 3), assim como entre desfecho desfavorável e regime de acompanhamento do paciente, quando o tratamento para TB foi iniciado (p < 0,0001) e quando houve mudança do tratamento por reações adversas ou intolerância (p < 0,0001), e essa associação permaneceu após o ajuste mútuo dessas duas variáveis (Tabela 4).
Modelo final da análise multivariadaForam introduzidas no modelo multivariado final todas as variáveis que tinham associação independente do desfecho, em cada um dos grupos. Permaneceram no modelo: associação a outras doenças oportunistas; contagem de linfócitos CD4; carga viral plasmática; dispnéia; forma disseminada de TB; e mudança do tratamento da TB por reação adversa ou intolerância, constituindo-se, portanto, no grupo e variáveis que tiveram uma associação mais estreita com o desfecho (Tabela 5).
DiscussãoNeste estudo, apenas 35,5% dos pacientes iniciaram tratamento para TB com confirmação etiológica do diagnóstico e não foi verificada associação entre o desfecho do tratamento para TB e a confirmação etiológica do diagnóstico desta doença, mesmo após o ajuste pelos potenciais fatores de confusão.
O desenho do estudo, coorte retrospectivo, pode estar ligado a algumas limitações metodológicas. Ocorreu perda no acompanhamento de 26 pacientes (não havia registro do desfecho do tratamento em prontuário em 23 e 3 foram transferidos). Como a magnitude da perda foi relativamente pequena (9%), não se acredita que tenha modificado substancialmente os resultados. Como os registros não foram elaborados especificamente para este estudo, não foi possível dispor de informações sobre todos os indivíduos para todas as variáveis, gerando um efeito semelhante ao da não resposta. Por outro lado, uma das características que diferenciam este estudo da maioria dos que o antecederam diz respeito ao fato de termos realizado a análise das variáveis, tanto as relacionadas ao HIV como as relacionadas à TB, controlando o efeito de cada uma pelas demais.
O alto percentual de indivíduos sem confirmação etiológica do diagnóstico está provavelmente relacionado à elevada freqüência de pacientes com a forma extrapulmonar e disseminada da doença. Outros estudos também evidenciaram rendimento muito baixo dos métodos tradicionais de diagnóstico. Enquanto alguns,(11) nos EUA, encontraram apenas 29% de positividade à baciloscopia em pacientes com HIV/AIDS quando comparados a 61% de positividade em pacientes HIV negativos, outros(12) encontraram baciloscopia positiva em 51% dos sintomáticos respiratórios com a co-infecção TB/HIV acompanhados em um hospital na Malásia. A ausência de associação entre o desfecho do tratamento para TB e a confirmação etiológica do diagnóstico em pacientes co-infectados pelo HIV tem sido referida na literatura.(7,8,13) Alguns autores sugerem que a postura expectante dos resultados de cultura ou exames histopatológicos muitas vezes é prejudicial ao paciente e que o tratamento precoce da TB pode resultar em menor morbimortalidade, podendo ser um procedimento útil para estabelecer o diagnóstico de TB.(14-16)
Em relação a todos os desfechos observados, o percentual de cura neste estudo correspondeu a 58,7%, semelhante a um estudo(13) segundo o qual houve 57,6% de cura em pacientes com a co-infecção TB/HIV acompanhados na cidade de Campinas, Brasil. Um percentual menor (43,4%) foi encontrado por outro estudo(17) realizado em pacientes com a co-infecção TB/HIV na Espanha.
O percentual de abandono observado (11,5%) encontra-se dentro da média brasileira, entre 4,5 e 20,3%.(18) A freqüência de abandono do tratamento em pacientes com HIV/ AIDS tem apresentado variações importantes. Enquanto alguns(7) encontraram uma taxa em torno de 6% para todas as formas de TB, no Malawi, outros, em um estudo realizado na Tailândia, verificaram que 33% dos pacientes com a co-infecção TB/HIV abandonaram o tratamento.(19)
Apenas dois pacientes (0,8%) apresentaram falência de tratamento. Baixo percentual de falência de tratamento (0,4%) também foi verificado por um estudo no Malawi(7) e por outro na cidade de Campinas.(13)
Um elevado percentual de pacientes (29%) evoluiu para óbito, o que corresponde a um valor intermediário entre os resultados de 38,9% na Malásia(12) e 21,5% na Espanha.(17) Por se tratar de um serviço de referência, são encaminhados ao Hospital Correia Picanço pacientes graves, cujo diagnóstico de co-infecção TB/HIV é feito, ou a suspeita do mesmo ocorre, geralmente, quando o paciente está em fase avançada da infecção. Esta assertiva é corroborada por um estudo realizado na Região Nordeste,(20) no qual metade dos pacientes com HIV/AIDS já chegaram aos serviços especializados com algum sinal ou sintoma de imunocomprometimento, sugerindo que tanto o diagnóstico como o tratamento da infecção pelo HIV estão sendo feitos tardiamente.
No modelo multivariado final, o desfecho desfavorável do tratamento para TB esteve associado à contagem de linfócitos CD4 e de carga viral plasmática, à coexistência de outras doenças oportunistas, à presença de dispnéia, à forma disseminada de TB e à mudança de tratamento por reação adversa ou intolerância.
Todas as associações descritas acima refletem, na prática, a íntima relação dos mecanismos de resposta imunológica que ocorrem entre o M. tuberculosis e o HIV. Estão fortemente relacionados à possibilidade de desfecho desfavorável: baixa contagem de linfócitos CD4 (imunocomprometimento grave); alta carga viral plasmática (elevado risco de progressão para AIDS); coexistência de outras doenças oportunistas (sobreposição de sintomas e tratamentos adicionais); presença de dispnéia (comprometimento pulmonar extenso); forma disseminada de TB (quadro mais grave de doença); necessidade de mudança de tratamento por reação adversa ou intolerância (opção por esquemas menos potentes ou interrupção prolongada do tratamento); início de tratamento para TB em nível hospitalar (gravidade da doença e possíveis co-morbidades); e a não utilização de terapia anti-retroviral.
Estudos sugerem que o grau de imunossupressão é o principal determinante da sobrevida em pacientes com a co-infecção TB/HIV.(21,22) Baixos níveis de CD4 estão associados a um maior risco de infecções oportunistas e apresentações atípicas de TB, com predomínio da forma extrapulmonar e disseminada da doença, o que pode dificultar o diagnóstico e retardar o tratamento.(23) Neste estudo, pacientes com contagem muito baixa de linfócitos CD4 células, sobretudo aqueles com contagem <50 células/mm3, apresentaram maior chance de desfecho desfavorável em relação àqueles com CD4 > 200 células/mm3. A maior chance de desfecho desfavorável naqueles sem informação sobre a contagem de CD4, provavelmente, reflete diagnóstico tardio da infecção pelo HIV, sem ter havido tempo hábil para a obtenção do resultado antes do início do tratamento da TB.
Os pacientes com carga viral entre 10.001 e 100.000 cópias/mL de plasma foram os que tiveram maior chance de desfecho desfavorável e risco de óbito quando comparados àqueles com carga viral igual ou menor do que 10.000 ou acima de 100.000 cópias/mL de plasma. O achado inesperado de pacientes com carga viral plasmática acima de 100.000 cópias/mL apresentarem menor chance de desfecho desfavorável pode ter decorrido do fato de que aqueles pacientes com carga viral plasmática maior do que 100.000 cópias/mL correspondem aos que utilizaram, com maior freqüência, terapia anti-retroviral.
A chance de desfecho desfavorável do tratamento para TB foi quase quatro vezes maior naqueles pacientes com a forma disseminada de TB.
Esta é considerada uma das mais graves, pressupondo imunossupressão avançada.(24)
Observou-se a associação entre a necessidade de mudança de tratamento por reação adversa ou intolerância e desfecho desfavorável do tratamento para TB. Alguns autores,(25) na cidade do Porto, Portugal, evidenciaram que 25,7% dos pacientes com a co-infecção TB/HIV apresentaram complicações do tratamento da TB em decorrência de reações adversas, sendo mais freqüente em pacientes com desfecho desfavorável. Existe uma discussão em relação ao uso concomitante de terapia anti-retroviral e o tratamento para TB, principalmente no que se refere ao complexo potencial de interação entre drogas, sobreposição de reações adversas, não adesão ao tratamento e ao aumento na freqüência e intensidade de reação paradoxal.(26,27)
No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda que, se possível, o tratamento anti-retroviral seja iniciado apenas após a conclusão do tratamento para TB.(28) Caso a terapia anti-retroviral se imponha, deve-se optar por esquemas anti-retrovirais compatíveis com a rifampicina. No presente estudo, a não utilização de terapia anti-retroviral esteve associada a um risco aumentado de óbito. Em Londres,(29) comparando-se pacientes com a co-infecção TB/HIV infectados na era pré-highly active antiretroviral therapy (HAART) com aqueles co-infectados na era pós-HAART, verificou-se que o uso da HAART reduziu substancialmente o risco de morte (43 vs. 22%) e o aparecimento de novos eventos relacionados à AIDS (69 vs. 43%). Por sua vez, em um estudo no Rio de Janeiro,(30) verificou-se que a taxa de mortalidade em pacientes com a co-infecção TB/HIV que faziam uso de HAART foi de 8%, enquanto que naqueles sem HAART foi de 55%.
Este estudo evidenciou que, na população estudada, o tratamento para TB sem confirmação etiológica do diagnóstico não implicou em aumento de desfecho desfavorável, sugerindo que, naqueles casos onde não é possível confirmar laboratorialmente o diagnóstico de TB com os métodos disponíveis no serviço, o tratamento empírico para TB poderia ser um procedimento útil.
O estudo permitiu, também, a identificação de grupos de maior risco para desfecho desfavorável do tratamento para TB caracterizados por: coexistência de outras doenças/infecções oportunistas; presença de dispnéia; forma disseminada de TB; mudança do tratamento da TB por reação adversa ou intolerância; contagem de linfócitos CD4 < 50 células/mm3; e carga viral plasmática entre 10.001 e 100.000 cópias/mL de plasma. Esses grupos devem ser monitorados de forma especial, recebendo suporte adequado para diminuir a freqüência dos desfechos desfavoráveis.
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Trabalho realizado no Hospital Correia Picanço da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, Recife (PE) Brasil.
1. Médica. Hospital Correia Picanço da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, Recife (PE) Brasil.
2. Professor Adjunto do Departamento de Medicina Tropical da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Recife (PE) Brasil.
3. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) de Medicina Tropical da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Recife (PE) Brasil.
Endereço para correspondência: Magda Maruza. Estrada Real do Poço, 373, Poço da Panela, CEP 52061-200, Recife, PE, Brasil.
Tel 55 81 3267-6109/9182-8989. E-mail: magdamaruza@yahoo.com.br
Recebido para publicação em 7/3/2007. Aprovado, após revisão, em 5/9/2007.