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Relato de Caso

Caso raro de coinfecção tuberculose pulmonar e actinomicose oronasal

A rare case of co-infection with pulmonary tuberculosis and oronasal actinomycosis

Vitor Alexandre Oliveira Fonseca, Gustavo Reis, Carlos Alves, Maria José Simões, Elvira Camacho, António Pinto Saraiva

ABSTRACT

Oronasal actinomycosis is an infection seldom described in the literature, especially in the form of a co-infection with pulmonary tuberculosis. We report the case of a 48-year-old male admitted to the isolation ward due to active pulmonary tuberculosis, with a history of diabetes and alcohol abuse. While hospitalized, the patient complained of dysphagia and nasal regurgitation of food. The examination of the oral cavity revealed an oronasal fistula. The infecting agent was identified, and the treatment was successful. We also present a brief review of the literature, as well as a full description and discussion of the process of investigating this rare clinical case.

Keywords: Actinomycosis, cervicofacial; Tuberculosis, pulmonary; Oral fistula.

RESUMO

A actinomicose oronasal é uma infecção raramente descrita na literatura, especialmente na forma de coinfecção com tuberculose pulmonar. Descrevemos o caso de um paciente de 48 anos de idade, admitido em enfermaria de isolamento por tuberculose pulmonar bacilífera, com história de diabetes e alcoolismo. Durante a internação, o paciente referiu queixas de disfagia e regurgitação alimentar por via nasal. O exame da cavidade oral revelou uma fístula oronasal. O agente infeccioso foi identificado, e o tratamento foi realizado com sucesso. Apresentamos também uma breve revisão da literatura e uma descrição e discussão completa do processo de investigação deste raro caso clínico.

Palavras-chave: Actinomicose cervicofacial; Tuberculose pulmonar; Fístula bucal.

Introdução

A actinomicose é uma infecção bacteriana supurativa crônica, caracterizada por múltiplos abscessos, trajetos fistulosos e fibrose envolvendo a face, o pescoço, o tórax e o abdome. É causada por Actinomyces spp., um grupo de bactérias saprófitas, anaeróbicas e gram-positivas.(1) Apresentamos um caso raro de coinfecção com tuberculose pulmonar, confirmado por cultura de escarro. Durante a internação, o paciente referiu queixas de disfagia e regurgitação alimentar por via nasal depois de se alimentar. O exame da cavidade oral revelou uma grande fistula no palato devido à infecção por Actinomyces spp.

Relato de caso

Um trabalhador da construção civil de 48 anos de idade, branco, foi atendido no PS com queixas de febre e tosse produtiva, com sudorese noturna, há dois dias. Apresentava história de diabetes, alcoolismo e era tabagista com uma história de tabagismo de 80 anos-maço. Além disso, sua saúde e higiene dentárias eram precárias.

Estava acianótico e apresentava respiração normal. A radiografia de tórax (Figura 1) revelou uma consolidação infiltrativa nos lobos médios e superiores do pulmão direito, sugestivo de cavitação. A baciloscopia mostrou um grande número de BAAR, sugestivo de tuberculose, que foi confirmada pela cultura para Mycobacterium tuberculosis. Foi internado na enfermaria de isolamento e começou um regime antituberculose quádruplo com isoniazida, rifampicina, etambutol e pirazinamida. A sorologia para HIV-1 e HIV-2 foi negativa. A cultura de urina e múltiplas hemoculturas foram negativas durante a internação.



No 34º dia de internação, o paciente começou a queixar-se de disfagia e de regurgitação alimentar por via nasal após se alimentar. O exame da cavidade oral revelou uma lesão ulcerada do palato, sugerindo fistulização das cavidades oral e nasal (Figura 2).



A ressonância magnética e TC da cabeça revelaram uma grande lesão osteolítica no palato duro e na arcada alveolar superior, formando uma fístula oronasal, com perfuração dos segmentos mais baixos do septo nasal. Também havia hipertrofia dos tecidos linfoides e moles na parede retrofaríngea, sugerindo uma lesão infiltrativa (Figura 3).



As culturas aeróbica, anaeróbica e de BAAR da lesão foram negativas. A histologia da lesão revelou tecido necrótico e osso com colônias de uma população bacteriana com esporos e hifas, sugestivo de Actinomyces spp.
Para se chegar a um diagnóstico definitivo, uma PCR da biópsia foi realizada, revelando Actinomyces naeslundii.

O tratamento foi iniciado com penicilina G (24 milhões UI/dia), que reduziu a ulceração do palato. O paciente foi então encaminhado ao Departamento de Cirurgia Bucomaxilofacial para tratamento complementar. Durante o tratamento para a actinomicose oronasal, a baciloscopia rapidamente tornou-se negativa para M. tuberculosis, e o paciente recebeu alta no 70º dia de internação.

Discussão

Actinomyces spp. são bactérias anaeróbicas ou aerotolerantes (facultativamente anaeróbicas), não-esporulantes, gram-positivas, que tendem a formar bastonetes ramificados e filamentos, e apresentam metabolismo de carboidratos do tipo fermentativo.(2,3)

Actinomyces spp. são comensais da cavidade bucal e das vias aéreas superiores. Sua presença nos espécimes orais e respiratórios não significa necessariamente doença clínica e frequentemente pode não ser relatada. Em nosso caso e em outros casos descritos na literatura, um processo significativo da doença foi identificado.(3) Postulamos que a doença periodontal ­preexistente foi a fonte de infecção, que foi exacerbada pelo consumo de álcool e pelo diabetes. A infecção pulmonar por M. ­tuberculosis foi adquirida por fatores epidemiológicos. A maior parte das infecções por Actinomyces spp. são polimicrobianas.(4) Os copatógenos são mais frequentemente colonizadores dos respectivos sistemas de órgãos envolvidos. Eles atuam sinergicamente, inibindo os mecanismos de defesa do hospedeiro ou reduzindo a tensão de oxigênio no tecido afetado, o que promove o crescimento de Actinomyces spp.(4,5)
Para o tratamento da actinomicose, o antibiótico de escolha é a penicilina, como mostrado na maior parte das diretrizes internacionais. Neste caso especifico, o antibiótico deveria ter sido administrado oralmente. Entretanto, uma vez que uma apresentação oral do antibiótico não estava disponível em Portugal, a via intravenosa foi a escolha inicial. Em casos graves ou de progresso rápido, a administração da penicilina deve ser iniciada por via endovenosa. Outros antibióticos (ampicilina, tetraciclina e clindamicina) podem ser usados oralmente com bons resultados do tratamento. Devido à grande tendência à recidiva desse agente infeccioso, o tratamento deve ser prolongado por 6-12 meses.(1)

Na literatura, não encontramos relatos de pacientes com tuberculose coinfectados por A. naeslundii.

A resistência às drogas antimicobacterianas é uma causa comum de fracasso terapêutico da tuberculose. No cenário de completa suscetibilidade, outras entidades como uma coinfecção pode ser suspeita e as culturas adequadas obtidas. A coinfecção por M. tuberculosis e Actinomyces spp. é rara e, portanto, apresenta um desafio diagnóstico na prática clínica. A identificação precoce previne intervenções diagnósticas e terapêuticas prolongadas que aumentam os custos de saúde.(2)


Referências

1. Ferreira D de F, Amado J, Neves S, Taveira N, Carvalho A, Nogueira R. Treatment of pulmonary actinomycosis with levofloxacin. J Bras Pneumol. 2008;34(4):245-8.

2. Tietz A, Aldridge KE, Figueroa JE. Disseminated coinfection with Actinomyces graevenitzii and Mycobacterium tuberculosis: case report and review of the literature. J Clin Microbiol. 2005;43(6):3017-22

3. Mabeza GF, Macfarlane J. Pulmonary actinomycosis. Eur Respir J. 2003;21(3):545-51.

4. Russo TA. Agents of actinomycosis. In: Mandell GL, Douglas RG, Bennett JE, Dolin R, editors. Principles and practices of infectious diseases. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2000. p. 2645-54.

5. Fishman, J. Approach to the Patient with Pulmonary Infection, In: Fishman AP, Elias JA, Fishman JA, Grippi MA, Senior RM, Pack AI, editors. Fishman's Manual of Pulmonary Diseases and Disorders. New York: McGraw-Hill; 2008. p. 1981-2015.



Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia, Hospital Nossa Senhora do Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.
Endereço para correspondência: Vitor A. O. Fonseca. Avenida Movimento das Forças Armadas, s/n, 2830-094, Barreiro, Portugal.
Tel 351 21 214 73 00. E-mail: vitor_fonseca@sapo.pt
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 3/3/2009. Aprovado, após revisão, em 5/5/2009.



Sobre os autores

Vitor Alexandre Oliveira Fonseca
Interno. Internato Complementar de Pneumologia, Hospital Nossa Senhora do Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.

Gustavo Reis
Interno. Internato Complementar de Pneumologia, Hospital Nossa Senhora do Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.

Carlos Alves
Assistente Hospitalar de Pneumologia. Hospital Nossa Senhora do Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.

Maria José Simões
Assistente Hospitalar de Pneumologia. Hospital Nossa Senhora do Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.

Elvira Camacho
Chefe de Serviço de Pneumologia. Hospital Nossa Senhora do Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.

António Pinto Saraiva
Chefe de Serviço de Pneumologia. Hospital Nossa Senhora do Rosário - HNSR - Barreiro, Portugal.

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