ABSTRACT
Objective: To determine the prevalence of nosocomial pneumonia in autopsies at a public university hospital; to identify the risk factors for nosocomial pneumonia and the potential prognostic factors associated with fatal nosocomial pneumonia and with fatal aspiration pneumonia; and to determine whether anatomopathological findings correlate with nosocomial pneumonia or aspiration pneumonia. Methods: A retrospective study involving 199 autopsied patients, older than 1 year of age, who had been admitted to the São Paulo State University Botucatu School of Medicine Hospital das Clínicas and died of nosocomial pneumonia (underlying or contributing cause), between 1999 and 2006. Demographic, clinical and anatomopathological variables were tested regarding their association with the outcomes (fatal nosocomial pneumonia and fatal aspiration pneumonia). The significant variables were analyzed using multivariate analysis. Results: The mean age was 59 ± 19 years. The prevalence of nosocomial pneumonia in autopsies was 29%, and the disease was the cause of death in 22.6% of the autopsied patients. Fatal nosocomial pneumonia correlated with the following anatomopathological findings: tobacco‑associated structural lesions (OR = 3.23; 95% CI: 1.26-2.95; p = 0.02) and bilateral pneumonia (OR = 3.23; 95% CI: 1.26-8.30; p = 0.01). None of the variables were found to be significantly associated with fatal aspiration pneumonia. Conclusions: In our sample, there was a high prevalence of nosocomial pneumonia, which was responsible for almost 25% of all of the deaths. Smoking-related structural lesions and bilateral pneumonia all favored mortality. These findings corroborate the results of various clinical studies on nosocomial pneumonia.
Keywords:
Autopsy; Risk factors; Prognosis; Pneumonia, aspiration; Pneumonia/mortality.
RESUMO
Objetivo: Determinar a prevalência de pneumonia nosocomial nas autópsias em um hospital público universitário; identificar os fatores de risco relacionados à pneumonia nosocomial e os potenciais fatores prognósticos relacionados à ocorrência de pneumonia nosocomial fatal; e correlacionar os achados anatomopatológicos com a ocorrência de pneumonia nosocomial e/ou pneumonia aspirativa. Métodos: Estudo retrospectivo de 199 pacientes autopsiados, maiores de 1 ano de idade, internados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista entre 1999 e 2006, cuja causa de morte (causa básica ou associada) foi pneumonia nosocomial. Testou-se a associação dos dados demográficos, clínicos e anatomopatológicos com os desfechos pneumonia nosocomial fatal e pneumonia aspirativa fatal. As variáveis significativas entraram na análise multivariada. Resultados: A idade média foi de 59 ± 19 anos. A prevalência de pneumonia nosocomial em autópsias foi 29%, e essa foi a causa mortis de 22,6% dos pacientes autopsiados. A pneumonia nosocomial fatal correlacionou-se com os achados anatomopatológicos de alterações estruturais tabágicas (OR = 3,23; IC95%: 1,26-2,95; p = 0,02) e acometimento pulmonar bilateral (OR = 3,23; IC95%: 1,26-8,30; p = 0,01). Não houve associações significativas entre as variáveis e pneumonia aspirativa fatal. Conclusões: Em nossa amostra, a pneumonia nosocomial teve prevalência elevada e foi responsável por quase 25% das mortes. A mortalidade é favorecida por alterações estruturais tabágicas e pneumonia bilateral. Esses achados corroboram os resultados de diversos estudos clínicos sobre pneumonia nosocomial.
Palavras-chave:
Autopsia; Fatores de risco; Prognóstico; Pneumonia aspirativa; Pneumonia/mortalidade.
IntroduçãoA pneumonia nosocomial (PN) é definida como o desenvolvimento de pneumonia, que não estava incubada no momento da admissão, pelo menos 48 h após a hospitalização. Atualmente é a infecção nosocomial mais comum, responsável por 13-18% das infecções hospitalares no Brasil, e a primeira em morbidade e mortalidade, com taxas de mortalidade de 60%.(1,2) Em UTIs, a taxa de mortalidade de pacientes com PN é de aproximadamente 50%, enquanto, nos pacientes sem infecção pulmonar, essa taxa cai drasticamente para 3,5%.(3)
De acordo com o National Hospitalar Infection Surveillance System dos Estados Unidos da América, os principais fatores de risco para o desenvolvimento de PN são: intubação endotraqueal e/ou ventilação mecânica; depressão do nível de consciência; DPOC; idade superior a 70 anos; e aspiração de microorganismos da orofaringe, principal via de invasão de bactérias para o trato respiratório inferior.(4,5)
Por sua vez, as causas contributivas para a aspiração, cuja consequência mais relevante é a pneumonia aspirativa (PA), são a posição supina no leito, as anormalidades nos mecanismos de deglutição que causam disfagia, a depressão do nível de consciência, a nutrição enteral e a instrumentação dos tratos respiratório e gastrointestinal.(4-8) Por isso, acredita-se que a aspiração seja o evento causal mais importante de PN adquirida em UTIs.(5,6)
Embora a pneumonia seja a principal doença infecciosa encontrada em autópsias,(9) não há na literatura um estudo de autópsias que correlacione os achados anatomopatológicos com a presença de PN. Merece atenção especial a aspiração, que é documentada no exame histológico pela presença de célula vegetal ou de fibra muscular dentro do alvéolo pulmonar com um infiltrado inflamatório neutrofílico de cenário, por seu importante papel como causa de PN. Assim, os objetivos do presente trabalho foram os seguintes: 1) determinar a prevalência de PN em autópsias de um hospital público universitário; 2) identificar os fatores de risco relacionados à PN e os potenciais fatores prognósticos relacionados à ocorrência de PN fatal; 3) correlacionar os achados anatomopatológicos com a ocorrência de PN e/ou PA.
MétodosTrata-se de um estudo retrospectivo tipo coorte de pacientes com mais de 1 ano de idade, internados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (UNESP) entre janeiro de 1999 e dezembro de 2006, cuja causa de morte (básica ou associada) foi PN e que foram autopsiados.
As autópsias foram realizadas conjuntamente por docentes e médicos residentes do Departamento de Patologia, seguindo uma rotina tradicional bem estabelecida em um procedimento sequencial e sistemático, no qual, inicialmente, são analisadas as topografias e alterações in loco dos órgãos e, posteriormente, é feita a dissecção e a análise dos mesmos em detalhes.
O estudo partiu dos laudos de autopsia nos quais a pneumonia foi documentada macro ou microscopicamente. Os prontuários desses pacientes foram revistos e foram selecionados aqueles com PN e, desses, juntamente com os respectivos laudos de autópsia, foram extraídos os seguintes dados:
Demográficos: sexo, idade e etnia
Clínicos: enfermaria de origem e doenças associadas
Anatomopatológicos: localização da pneumonia e diagnóstico das demais alterações encontradas. A PN foi subdividida em fatal ou não fatal, quando foi a causa principal do óbito, isto é, se nenhuma outra causa de óbito foi encontrada, ou quando a causa imediata de óbito foi devido a outra doença. Os casos com evidências de aspiração (presença de célula vegetal ou de fibra muscular dentro do alvéolo pulmonar com um infiltrado inflamatório neutrofílico) foram denominados PN aspirativa (PNA), e também subdivididos em fatal e não fatal, conforme os critérios citados acima.
Devido ao grande número de dados clínicos coletados, foram selecionados os mais frequentes, e alguns foram agrupados por sistemas acometidos, constituindo-se as seguintes variáveis clínicas:
Diabete melito
Doenças do aparelho circulatório (hipertensão arterial sistêmica, insuficiência cardíaca congestiva, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico)
Doenças do aparelho respiratório (DPOC e doença pulmonar intersticial)
Etilismo
Insuficiência renal
Neoplasia
Tabagismo
Traqueostomia
Uso de sonda nasogástrica
Uso de antiácidos e/ou de bloqueador de bomba de prótons
H2
Ventilação mecânica
De modo semelhante, foram eleitas as alterações anatomopatológicas que tiveram frequência maior ou igual a cinco em cada sistema estudado e agrupadas da seguinte maneira:
Lesões por intubação orotraqueal: traqueíte erosiva aguda; laringite erosiva; edema de traqueia; exulcerações de traqueia e de laringe; úlceras de pressão laríngeas; e úlceras de traqueia e laringe, todas consideradas no grupo quando o paciente apresentava relato de intubação orotraqueal
Sinais sugestivos de tromboembolismo pulmonar: êmbolos em pulmão e/ou em artérias pulmonares; microembolização pulmonar; e infarto pulmonar
Sinais sugestivos de dano alveolar difuso: dano alveolar difuso; SARA; e dano intersticial
Alterações estruturais tabágicas: enfisema; bronquite crônica; bronquiectasias; e antracose (quando o paciente apresentava história de tabagismo)
Broncopatias: presença de rolha de muco; aumento da secreção local; distorção da arquitetura; e bronquiectasias quando o paciente não apresentava história de tabagismo
Sinais de tuberculose prévia: cicatrizes, cavernas e fibroses pulmonares em pacientes com história prévia de tuberculose
Sinais de inflamação do tubo digestivo: esofagite; gastrite; duodenite; úlcera péptica; ileíte; e colite
Alterações do sistema nervoso central: atrofia cortical; acidente vascular encefálico (isquêmico ou hemorrágico); amolecimento cerebral difuso; depressão cortical; e tumores
Ao final da coleta dos dados, a casuística somava 230 casos. Foram excluídos do estudo 8 casos de tuberculose ativa/pneumonia tuberculosa e 23 crianças menores de 1 ano de idade. Assim, a casuística foi constituída por 199 casos, que, para fins de análise estatística, foram divididos em dois grupos: aqueles que apresentaram PN não Aspirativa (PNnA; n = 169), e aqueles com PNA (n = 30). Cada um desses grupos foi posteriormente subdividido em fatal e não fatal.
O estudo foi aprovado pelo Conselho de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
Os dados obtidos foram inicialmente descritos em termos de variáveis quantitativas discretas ou contínuas e transcritos em um instrumento desenvolvido para seu armazenamento.
A média das idades entre os grupos foi comparada pelo teste t de Student. Para a realização de uma análise exploratória preliminar, as variáveis foram transformadas em variáveis binárias. Posteriormente, a associação das variáveis com os eventos PNnA fatal e PNA fatal foi testada através do teste do qui-quadrado e do cálculo de OR, aplicados a cada variável separadamente. Preservaram-se apenas as variáveis cujo efeito foi significativo (p < 0,05) para a ocorrência dos desfechos. A análise multivariada com regressão logística foi realizada introduzindo-se no modelo, em ordem decrescente, uma a uma, cada variável. No modelo final, preservaram-se apenas as variáveis estatisticamente associadas aos desfechos. O conjunto das etapas descrito acima permitiu a observação das variáveis de confusão e interação.
Para o cálculo da relação comorbidades/paciente, foram somadas todas as comorbidades entre os pacientes e divididas pelo número de pacientes de cada grupo.
ResultadosNo período estudado, houve 6.016 óbitos, e desses, 765 (12,7%) foram submetidos à autópsia. A prevalência de PN em autópsias foi de 29%.
As frequências das variáveis demográficas e clínicas estudadas estão expressas na Tabela 1. Na casuística de 199 casos, a idade média dos pacientes foi de 59 ± 19 anos, o número médio de dias de internação foi de 15 ± 22 dias, o tempo médio de uso de sonda nasoenteral foi de 7 ± 13 dias, e o tempo médio em ventilação mecânica foi de 6 ± 12 dias.
A Tabela 2 expressa as frequências dos principais achados das autópsias. A PNnA foi fatal em 26 casos (13,1%), e a PNA foi fatal em 19 (9,5%).
Os números médios de comorbidades por paciente, de acordo com a enfermaria de origem, foram: 3,3 comorbidades/paciente na enfermaria clínica; 3,5 comorbidades/paciente na enfermaria cirúrgica; e 3,3 comorbidades/paciente em UTI. Houve poucas diferenças entre a quantidade média de comorbidades/paciente quando a enfermaria de origem foi relacionada com os grupos PNnA e PA. Os seguintes valores foram observados, respectivamente: enfermaria clínica, 3,3 e 3,1 comorbidades/paciente; enfermaria cirúrgica, 3,5 e 3,5 comorbidades/paciente; e UTI, 3,2 e 3,5 comorbidades/paciente.
Pacientes com PNnA com mais e menos de 60 anos, respectivamente, apresentaram, em média, 11,3 e 3,5 comorbidades/paciente, enquanto pacientes com PNA com mais e menos de 60 anos, respectivamente, apresentaram, em média, 3,9 e 2,5 comorbidades/paciente.
A Tabela 3 mostra os principais fatores de risco e os achados patológicos em autópsias relacionados aos desfechos PNnA fatal e PNA fatal. Após a análise estatística por regressão univariada, as variáveis "alterações estruturais tabágicas" e "pneumonia bilateral" apresentaram correlação com PNnA fatal, enquanto a variável "internação em enfermaria clínica" correlacionou-se com PNA fatal. A variável "etnia" não apresentou associação significativa com nenhum dos desfechos (p = 0,96 e p = 0,24 para PNnA e PNA, respectivamente).
A Tabela 4 apresenta os resultados das variáveis após a análise multivariada para testar o grau de associação com o desfecho PNnA fatal.
DiscussãoEste estudo foi realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, considerado como a maior instituição pública vinculada ao Sistema Único de Saúde da região centro-oeste do estado de São Paulo. É um hospital universitário de nível terciário e de referência que presta atendimento a um grande número de pacientes com doenças graves, portadores de moléstias crônicas e de diversas especialidades.
O objetivo do presente trabalho foi contribuir, através do estudo de uma
série de 199 autópsias de pacientes cuja causa de morte (básica ou associada) foi PN, para uma melhor identificação e compreensão dos fatores de risco e de prognóstico dessa doença de elevada incidência, morbidade e mortalidade.
Nossos resultados mostram que a prevalência de PN em autópsias foi de 29%, sendo que a PNnA e a PNA, respectivamente, foram as causas principais de óbito em 13,1% e 9,5% dos 765 pacientes autopsiados durante o período do estudo. Portanto, essa é uma mortalidade elevada, conforme já relatado na literatura, o que justifica a necessidade de um melhor conhecimento dos fatores de risco e de seus mecanismos, assim como uma marcante atuação nas medidas de prevenção da PN. Dados sobre a prevalência de pneumonia em autópsias em dois estudos foram semelhantes aos nossos, variando entre 21,8% e 29,5%.(9,10) Em idosos, a pneumonite infecciosa foi encontrada em 40,6% dos casos autopsiados(11) e, em um estudo sobre pneumonia relacionada à ventilação mecânica,(12) relatou-se que a PN, determinada em autópsias, foi responsável por 60% dos óbitos entre as infecções hospitalares.
O presente trabalho vem preencher uma lacuna na literatura, uma vez que há poucos estudos de autópsias sobre pneumonia, e nenhum deles especificamente sobre PN. Observamos que as alterações estruturais tabágicas e o acometimento bilateral favorecem a PNnA fatal, ao passo que não houve uma associação relevante com o desfecho PNA fatal. Tal fato atribuímos ao pequeno número de casos de PNA (apenas 30) em nossa série.
A associação entre idade e mortalidade, isto é, a idade avançada como um preditor de elevada mortalidade, está bem estabelecida em relação a pneumonias em geral.(12-15). Os idosos têm alterações dos mecanismos de defesa do aparelho respiratório, com declínio do clearance mucociliar e de outras barreiras mecânicas, além da senescência do sistema imune e a presença de outras comorbidades, que facilitam a infecção pelos diversos microorganismos causadores da doença.(16) Há evidências que a idade acima de 65 anos é um fator de risco para um pior prognóstico na PN, tanto dependente da associação com as comorbidades características dessa faixa etária,(16) como independentemente delas.(17) Em nossa casuística, o número médio de comorbidades/paciente nos casos com mais de 60 anos foi de 11,3, muito maior do que o número médio de 3,5 comorbidades/paciente observado nos pacientes com menos de 60 anos, sugerindo que o número de comorbidades pode influir na mortalidade.
As alterações estruturais decorrentes do tabagismo prejudicam as defesas locais pulmonares e aumentam a chance de colonização por germes como Pseudomonas aeruginosa e outros bacilos gram-negativos,(18,19) o que acentua o risco de pneumonia com mau prognóstico para os indivíduos com sequelas decorrentes do tabaco.(16,17) Em nosso estudo, não houve associação de dados clínicos de tabagismo e de doenças do aparelho respiratório com os desfechos fatais estudados. Entretanto, deve-se ressaltar que nem todo tabagista desenvolve alterações estruturais no aparelho respiratório, já que esse processo também depende de influências genéticas próprias do indivíduo,(18) e que as alterações estruturais tabágicas não contemplam somente a DPOC ou a doença pulmonar intersticial. Outro viés importante que pode ter influenciado nossos achados é a possibilidade de que casos de bronquite crônica/enfisema e de outras doenças crônicas do aparelho respiratório não tenham sido diagnosticados clinicamente, mas somente na autópsia. Dessa forma, apenas aqueles que apresentavam alterações estruturais tabágicas nas autópsias tiveram um risco aumentado de desenvolver PN fatal, corroborando com os resultados de outros autores,(20) que relacionaram as doenças estruturais pulmonares ao aumento da morbidade e da mortalidade em infecções broncopulmonares nosocomiais.
A extensão do acometimento do sistema respiratório influencia a sobrevida de pacientes com pneumonia, pois o acometimento bilateral e/ou multilobar aumenta o risco de mortalidade nesses pacientes,(10,13,14) fato reforçado por nossos achados, nos quais a bilateralidade da PN foi associada à fatalidade. Um grupo de autores,(17) ao estudar os riscos e o prognóstico relacionados à PN, estabeleceu como fator de risco independente de mau prognóstico a ocorrência de pneumonia bilateral ao exame radiológico do tórax. Em pneumonias adquiridas na comunidade, o infiltrado multilobar parece estar relacionado com a falha precoce no tratamento da pneumonia, caracterizando casos mais graves da doença.(21)
Contrariamente ao esperado, em nossa série, não foi possível mostrar a associação entre PNA e a localização da pneumonia, provavelmente devido ao número reduzido de casos de PNA. Por outro lado, a internação em enfermaria clínica, que pela análise univariada associou‑se com PNA fatal, foi considerada como viés do estudo devido ao predomínio de pacientes oriundos desse tipo de unidade.
Nossos resultados não mostraram associações entre os desfechos PNnA fatal ou PNA fatal com outros fatores de risco classicamente conhecidos para a ocorrência da PN, tais como doenças cardiovasculares e respiratórias; uso prévio de antibioticoterapia; uso de antiácidos e de bloqueadores de bomba de prótons; uso de sonda nasogástrica, cânula traqueal ou realização de traqueostomia; ventilação mecânica; doenças neurológicas; gravidade da doença de base; e cirurgias prévias, principalmente torácicas ou abdominais altas.(22)
Entretanto, a frequência dessas condições em nossa casuística foi significativa, em especial a ventilação mecânica, as doenças do aparelho circulatório e o uso de sonda nasoenteral, reforçando a importância desses fatores para o desenvolvimento da PN.
Apesar da reconhecida eficácia da autópsia como ferramenta de ensino médico e como método de avaliação da acurácia diagnóstica em geral,(23) a redução da taxa de autópsia tem sido um fenômeno mundial,(9-11,23-25) possivelmente devido à interação de diversos fatores, tais como o desenvolvimento de métodos sensíveis de diagnóstico, que diminuem a necessidade de autopsia para investigação da causa mortis; o envelhecimento da população, que faz com que a morte seja interpretada como naturalmente decorrente desse processo; o desinteresse da própria equipe profissional, que questiona a validade do procedimento; o medo do médico responsável em falhar; e a ideia de que o resultado da autópsia pode abrir um precedente para processos por má prática médica.(9,11,25) Consequentemente, os estudos de autópsias vêm se tornando escassos na literatura, e todo potencial das autópsias para o diagnóstico, a educação médica e a aferição da qualidade diagnóstica tem se perdido.(9)
Embora nosso hospital tenha tido uma taxa relativamente baixa de autopsias (12,7%) na última década, não houve influência sazonal e pudemos resgatar os dados demográficos, clínicos e anatomopatológicos de uma série de 199 pacientes cuja causa de morte (básica ou associada) foi PN. Entretanto, nosso estudo tem algumas potenciais limitações. A primeira é a possibilidade de que os casos submetidos à autopsia tenham sido selecionados pela incerteza do diagnóstico clínico, pela severidade do caso ou mesmo pelo interesse da equipe médica, mas consideramos que esses fatores foram diluídos na amostra de 199 casos, e que essa representa uma distribuição normal. A segunda potencial limitação é a não sistematização das inúmeras informações contidas nos prontuários médicos, limitação que procuramos reduzir com a coleta de dados realizada pelos mesmos pesquisadores.
Em resumo, os resultados deste trabalho mostram não apenas que a prevalência de PN em autópsias é elevada (29%), mas também que a PN é responsável por uma percentagem considerável das mortes dos pacientes submetidos à autopsia (PNnA = 13,1% e PNA = 9,5%). As alterações estruturais tabágicas e a pneumonia bilateral favoreceram a ocorrência de PNnA fatal. Nossos achados corroboram os resultados dos diversos estudos clínicos sobre PN.
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Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista - UNESP - Botucatu (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Hugo Hyung Bok Yoo. Disciplina de Pneumologia do Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, CEP 18618-970, Botucatu, SP, Brasil.
Tel 55 14 3882-2969. E-mail: hugo@fmb.unesp.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro através de Bolsa de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP; Processo 07/51267-6).
Recebido para publicação em 15/6/2009. Aprovado, após revisão, em 3/9/2009.
Sobre os autoresLuiz Mário Baptista Martinelli
Acadêmico de Medicina. Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista - UNESP - Botucatu (SP) Brasil.
Paulo José Fortes Villas Boas
Professor Assistente. Disciplina de Geriatria, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista - UNESP - Botucatu (SP) Brasil.
Thais Thomaz Queluz
Professora Titular. Disciplina de Pneumologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista - UNESP - Botucatu (SP) Brasil.
Hugo Hyung Bok Yoo
Professor Assistente. Disciplina de Pneumologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista - UNESP - Botucatu (SP) Brasil.