ABSTRACT
Objective: To evaluate the effects of immunization with a DNA-hsp65 vaccine in an experimental model of pulmonary fibrosis. Methods: A total of 120 male C57BL/6 mice were distributed into four groups: SS, injected with saline (placebo) and then receiving intratracheal (IT) instillation of saline; SB, injected with saline (placebo) and then receiving IT instillation of bleomycin; PB, treated with plasmid only, without bacterial genome, and then receiving IT instillation of bleomycin; and BB, treated with the vaccine and then receiving IT instillation of bleomycin. Bleomycin was instilled 15 days after the last immunization, and the animals were killed six weeks thereafter. The left and right lungs were removed, the former for morphological analysis and the latter for hydroxyproline measurements. Results: The proportion of deaths within the first 48 h after the IT instillation (deaths attributed to the surgical procedure) was higher in the SB group than in the SS group (57.7% vs. 11.1%). The mean area of pulmonary interstitial septa was greater in the SB and PB groups (53.1 ± 8.6% and 53.6 ± 9.3%, respectively) than in the SS and BB groups (32.9 ± 2.7% and 34.3 ± 6.1%, respectively). The mean area of interstitial septa stained by picrosirius was greater in the SB, PB and BB groups than in the SS group (8.2 ± 4.9%, 7.2 ± 4.2% and 6.6 ± 4.1%, respectively, vs. 2.0 ± 1.4%). The total hydroxyproline content in the lung was significantly lower in the SS group (104.9 ± 20.9 pg/lung) than in the other groups (SB: 160.4 ± 47.8 pg/lung; PB: 170.0 ± 72.0 pg/lung; and BB: 162.5 ± 39.7 pg/lung). Conclusions: Immunization with the DNA-hsp65 vaccine reduced the deposition of noncollagen matrix in a model of bleomycin-induced lung lesion.
Keywords:
Pulmonary fibrosis; Bleomycin; Collagen.
RESUMO
Objetivo: Avaliar a influência do biofármaco DNA-hsp65 em um modelo de distúrbio fibrosante pulmonar experimental. Métodos: Foram estudados 120 camundongos machos C57BL/6, divididos em quatro grupos: grupo SS, animais tratados com salina (placebo) e injetados com salina intratraqueal (IT); grupo SB, tratados com salina (placebo) e injetados com bleomicina IT; grupo PB, tratados com plasmídeo, sem gene bacteriano, e injetados com bleomicina IT; e grupo BB, tratados com DNA-hsp65 e injetados com bleomicina IT. A bleomicina foi injetada 15 dias após a última imunização, e os animais sacrificados seis semanas após o uso da droga IT. O pulmão esquerdo retirado foi utilizado para análise morfológica, e o pulmão direito para dosagens de hidroxiprolina. Resultados: A proporção de camundongos que apresentaram morte não-programada depois de 48 h da injeção IT foi maior no grupo SB em comparação ao grupo SS (57,7% vs. 11,1%). A área percentual média de interstício septal foi maior nos grupos SB e PB (53,1 ± 8,6% e 53,6 ± 9,3%, respectivamente) em comparação aos grupos SS e BB (32,9 ± 2,7% e 34,3 ± 6,1%, respectivamente). Os grupos SB, PB e BB mostraram aumentos nos valores médios da área de interstício septal corada por picrosirius em comparação ao grupo SS (SS: 2,0 ± 1,4%; SB: 8,2 ± 4,9%; PB: 7,2 ± 4,2%; e BB: 6,6 ± 4,1%). O conteúdo pulmonar de hidroxiprolina no grupo SS foi inferior ao dos demais grupos (SS: 104,9 ± 20,9 pg/pulmão; SB: 160,4 ± 47,8 pg/pulmão; PB: 170,0 ± 72,0 pg/pulmão; e BB: 162,5 ± 39,7 pg/pulmão). Conclusões: A imunização com o biofármaco DNA-hsp65 interferiu na deposição de matriz não-colágena em um modelo de lesão pulmonar induzida por bleomicina.
Palavras-chave:
Fibrose pulmonar; Bleomicina; Colágeno.
IntroduçãoAs doenças intersticiais pulmonares constituem um grupo heterogêneo de moléstias nas quais podem ser observados graus variados de inflamação e fibrose.(1) A fibrose pulmonar idiopática (FPI) é um tipo distinto de pneumonia intersticial fibrosante crônica, progressiva, com desfecho habitualmente fatal.(1,2) Ela constitui o paradigma das doenças intersticiais pulmonares, tanto pela freqüência, quanto pela gravidade. Nos dias atuais, não existem opções terapêuticas realmente eficazes contra esse mal.(2,3)
Entre os diversos fatores que podem influenciar o processo de cicatrização e o grau de fibrose final está o tipo de resposta imuno-inflamatória envolvida. Dentre outros, alguns estudos apontam para um papel importante dos linfócitos T no processo fisiopatológico da FPI.(4,5) Admite-se ainda que respostas envolvendo T helper 2 (Th2, linfócitos T auxiliares de tipo 2) predominam no interstício de pacientes com essa doença.(6,7) Nas lesões pulmonares dessa moléstia existem mastócitos, eosinófilos, e quantidades aumentadas de interleucina (IL)-4 e IL-13. O achado de redução da expressão da citocina Th1, interferon-gama (IFN-γ), a qual pode ativar mecanismos celulares de remoção de antígenos celulares e restauração de tecido sadio, pode ter implicações no estabelecimento de lesões fibróticas pulmonares. Um estudo realizado em biópsias pulmonares de 10 pacientes com FPI caracterizou os tipos de infiltrados celulares presentes por meio de técnicas de imunohistoquímica.(8) A maioria das células mononucleares que infiltravam o tecido (> 50%) foram coradas para IL-4 e IL-5, enquanto a minoria (< 7%), para IFN-γ. Acumulam-se também evidências de que macrófagos de pacientes portadores de doenças fibrosantes pulmonares exibam expressão aumentada dos genes da IL-10 e IL-13, citocinas igualmente relacionadas com respostas inflamatórias do tipo Th2.(9,10) Esse conjunto de observações sugere que o predomínio de uma resposta imuno-inflamatória do tipo Th2 em prejuízo de respostas do tipo Th1 possa contribuir para o desenvolvimento de doenças pulmonares fibrosantes.
Recentemente um biofármaco baseado na tecnologia do DNA recombinante, que utiliza como antígeno a 65-kDa heat shock protein (hsp65; proteína de choque térmico de 65 kDa do Mycobacterium leprae), foi desenvolvido em nosso meio e vem mostrando resultados promissores tanto na prevenção como no tratamento da tuberculose em roedores.(11-15) Os estudos mostraram que animais infectados com o bacilo da tuberculose, quando expostos a este antígeno, foram capazes de alterar sua resposta imunológica inicial promovendo a expressão de citocinas do tipo Th1, com conseqüente aumento de IFN-γ e diminuição de unidades formadoras de colônias bacterianas. Em função desses achados, levantamos a hipótese de que a imunização de animais com o biofármaco DNA-hsp65 pudesse promover proteção contra alterações inflamatórias e fibrosantes induzidas pela injeção de bleomicina intratraqueal (IT) em camundongos.
MétodosForam estudados 120 camundongos C57BL/6, machos, com idade entre oito e dez semanas, livres de germes específicos. Durante todo o experimento os animais foram mantidos em estante ventilada, em instalações apropriadas para manutenção de roedores livres de germes no Biotério do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). O presente projeto foi aprovado pela Comissão de Ética em Experimentação Animal da FMRP-USP.
Os camundongos foram distribuídos de maneira aleatória em quatro grupos:
1) Grupo SS: animais tratados com salina (placebo) e injetados com salina IT
2) Grupo SB: animais tratados com salina (placebo) e injetados com bleomicina IT
3) Grupo PB: animais imunizados com o biofármaco DNA-hsp65 sem gene bacteriano (apenas o plasmídeo) e injetados com bleomicina IT
4) Grupo BB: animais imunizados com vacina DNA-hsp65 e injetados com bleomicina IT
O biofármaco DNA-hsp65 foi desenvolvido mediante a clonagem de um fragmento de DNA do gene que codifica a hsp65 de M. leprae em plasmídeo pcDNA3, conforme previamente descrito.(15) Os animais foram imunizados com injeções no músculo quadríceps, na dose de 100 µg e volume de 50 µl por dose. Volumes correspondentes de plasmídeo apenas ou solução salina foram administrados nos grupos controle. O esquema de imunização compreendeu quatro doses efetuadas com intervalos de duas semanas entre cada uma.
Para o desenvolvimento de lesão pulmonar foi administrado sulfato de bleomicina (Blenoxane®, Bristol Myers-Squibb, São Paulo, Brasil) por via IT na dose de 0,15 U para cada 30 g de peso, duas semanas após a última dose de biofármaco, plasmídeo ou salina. Nessa ocasião, os animais eram inicialmente anestesiados com tribromoetanol a 2,5% (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, EUA) por via intraperitoneal na dose de 1 mL para cada 100 g de peso. Em seguida eram imobilizados em prancha de madeira com fita adesiva, em decúbito dorsal e cabeça hiperestendida. Era feita então uma incisão cervical mediana, de 1 a 1,5 cm, com divulsão das estruturas e exposição da traquéia. Empregando-se uma seringa decimal e uma agulha hipodérmica fina, as doses correspondentes de bleomicina diluída em água destilada eram aspiradas e o volume final completado até 0,1 mL, visando promover melhor distribuição da solução nas vias aéreas. Volumes correspondentes de solução salina foram injetados de maneira semelhante nos grupos controle. Ao término da injeção, a incisão cervical era suturada com pontos de fio de algodão fino.
Os animais foram sacrificados após seis semanas das injeções IT. Para tanto, os camundongos eram inicialmente anestesiados com tribromoetanol a 2,5% via intraperitoneal e realizada uma incisão cervical. Após exposição, a traquéia era seccionada e nela introduzida um cateter de plástico de pequeno diâmetro. Com o animal ainda vivo e respirando espontaneamente era efetuada uma incisão abdominal e a aorta descendente seccionada. Após o sacrifício do camundongo por exsangüinação, o tórax era aberto, o bloco cardiopulmonar removido e dissecado. Empregando-se um fio de algodão fino, o brônquio principal direito era ligado e seccionado. O pulmão direito liberado era pesado e conservado a −70 °C em freezer até o momento da realização de estudos bioquímicos. Pelo cateter plástico fino era infundida formalina a 10% tamponada, sob uma pressão de 20 cmH2O. A extremidade da traquéia era então ligada com fio de algodão, o tubo plástico retirado, e o pulmão expandido com formalina mergulhado em recipiente contendo o mesmo agente fixador. Os pulmões esquerdos foram mantidos em formalina até o momento da realização dos estudos histológicos.
Os exames histológicos foram realizados em cortes sagitais de pulmões esquerdos após processamento habitual. Os pulmões fixados foram corados pela técnica da hematoxilina e eosina (H&E) e picrosírius.(16) As lâminas coradas por H&E foram analisadas morfometricamente por patologista pulmonar especializado quanto às alterações histológicas de interstício septal, as quais foram expressas em porcentagem de área total do campo. Em cada lâmina foram avaliados 10 campos, escolhidos aleatoriamente para cada região pulmonar, em grande aumento (400×). Um valor único da espessura do septo alveolar foi estabelecido para cada pulmão, pelo cálculo da média dos valores encontrados nos 10 campos. Esse número reflete o grau do colapso alveolar e do processo reparativo estabelecido, os maiores valores indicando dano pulmonar mais pronunciado.
Para análise morfométrica do colágeno, utilizou-se a técnica do picrosirius que cora especificamente o colágeno, empregando-se um sistema digital de análise de imagens (Leica Qwin; Leitz, Wetzlar, Alemanha) acoplado a um microscópio óptico (Leica DMR; Leitz) e a um computador pessoal. A área ocupada pelas fibras foi determinada por reconhecimento densitométrico digital e expressa em porcentagem de área total do campo.
O conteúdo de hidroxiprolina pulmonar foi medido empregando-se os pulmões direitos na sua totalidade, pelo método colorimétrico de Rodjkind & Gonzáles, modificado por Frankel et al.(17) Os resultados foram expressos como a quantidade total de hidroxiprolina por pulmão.
Os resultados obtidos estão expressos na forma de médias e desvios-padrão. Do ponto de vista visual, os resultados estão mostrados como gráficos do tipo box plot. A análise das taxas de óbitos não programados foi feita em dois tempos, a "mortalidade precoce", que aconteceu antes de completadas 48 h das injeções IT, e a "mortalidade tardia", que ocorreu além desse momento.
Essa distinção foi feita no intuito de separar óbitos relacionados com o procedimento cirúrgico propriamente dito daqueles relacionados com o estabelecimento da lesão pulmonar por agressão química. As comparações das taxas de mortalidade entre os grupos foram feitas empregando-se o teste exato de Fisher pareado, e os valores de p foram submetidos a correções de Bonferroni para comparações múltiplas. As comparações das variáveis referentes à morfometria e conteúdo de hidroxiprolina pulmonar foram realizadas pela análise de variância de uma via, completada pelo pós-teste de Student-Newman-Keuls, quando indicado. O programa GraphPad InStat (GraphPad Software Inc, San Diego, CA, EUA) foi empregado para esses cálculos. Em todas as comparações foi estabelecido um nível de significância de 5% para rejeição da hipótese de nulidade (p < 0,05).
ResultadosO número de animais designados para cada grupo e suas taxas de mortalidade precoce e tardia estão listados na Tabela 1. Ainda que o percentual de óbitos precoces não tenha diferido entre os grupos, a mortalidade tardia do Grupo SB foi significantemente superior à do grupo SS. Ainda que o percentual de óbitos tardios do Grupo BB tenha sido inferior ao dos Grupos SB e PB, a diferença não atingiu significância estatística.
O valor médio percentual de matriz intersticial septal corada por H&E do grupo BB foi significantemente menor do que o dos Grupos SB e PB e de valor comparável ao do Grupo SS (SS: 32,9 ± 2,7%; SB: 53,1 ± 8,6%; PB: 53,6 ± 9,3%; BB: 34,3 ± 6,1%; Figura 1). Os valores do percentual da matriz intersticial septal corada pelo picrosirius foram significantemente menores no Grupo SS em comparação aos demais grupos estudados (SS: 2,0 ± 1,4%; SB: 8,2 ± 4,9%; PB: 7,2 ± 4,2%; BB: 6,6 ± 4,1%; Figura 2).
O conteúdo total de hidroxiprolina pulmonar para os grupos estudados foi significantemente menor no Grupo SS em relação aos demais grupos estudados (SS: 104,9 ± 20,9 pg/pulmão; SB: 160,4 ± 47,8 pg/pulmão; PB: 170,0 ± 72,0 pg/pulmão; BB: 162,5 ± 39,7 pg/pulmão; Figura 3). A Figura 4 ilustra aspectos histológicos dos grupos estudados. Nessas imagens estão claras as lesões histológicas induzidas pela bleomicina e algum grau de atenuação dessas alterações no pulmão do grupo BB corado por H&E.
DiscussãoUm número expressivo de processos não-infecciosos e não-neoplásicos cursa com progressiva infiltração inflamatória e fibrótica dos pulmões e distorção do parênquima. Tais processos freqüentemente estão associados a quadros de gravidade clínica e mau prognóstico. Ainda que corticosteróides e imunossupressores sejam efetivos em muitas situações, o seu uso freqüentemente está associado a efeitos colaterais indesejáveis e mesmo a riscos de óbito. Além disso, a FPI constitui-se atualmente em desafio terapêutico particular. Para muitos autores, não há nenhum tratamento clínico comprovadamente efetivo contra esse mal.(18) Esses fatos justificam o grande volume de investigações experimentais e clínicas envolvendo potenciais agentes terapêuticos para essas doenças. Entretanto, as abordagens tradicionais do problema habitualmente envolvem o uso de agentes farmacológicos com ações localizadas em apenas um ou em alguns poucos pontos considerados potencialmente importantes dentro do processo mórbido. Um exemplo disso são as investigações feitas com agentes antioxidantes diversos.(19,20)
O biofármaco DNA-hsp65 foi inicialmente desenvolvido com a finalidade de promover proteção contra infecções pelo M. tuberculosis. Entretanto, acumulam-se evidências de que o produto, além de proteger os animais contra a infecção tuberculosa, pode atuar inclusive como agente terapêutico quando da doença já instalada. O produto foi obtido a partir da clonagem do gene que codifica a hsp65 em plasmídeos. Para tanto, foram empregados plasmídeos que expressam o promotor do gene precoce imediato do citomegalovírus ou outro originário da hidroximetilglutaril-coenzima-A redutase murina, com resultados semelhantes.(15)
Diversos estudos mostraram que o biofármaco DNA-hsp65 é um agente imunomodulador e potente estimulante da resposta imune de cunho celular com eficácia superior inclusive a do bacilo de Calmette-Guérin.(11-15,21,22) A sua administração intramuscular, seguida pela infecção com M. tuberculosis, leva à elevação do número das células T reativas contra a hsp65. Esse aumento ocorre à custa tanto de células CD4+/CD8− como também de células CD4−/CD8+. A imunização com o biofármaco leva ainda a aumento das células T esplênicas que expressam o fenótipo CD44-hi, um marcador associado a respostas do tipo Th1. As células reativas contra hsp65 provenientes de animais imunizados produzem níveis elevados de IFN-γ independentemente do seu fenótipo. Por outro lado, os linfócitos de animais não vacinados respondem in vitro aos estímulos com hsp65, produzindo predominantemente IL-4. A administração do biofármaco oito semanas após a inoculação de bacilos da tuberculose, além de cursar com redução do número de germes ao nível tecidual, leva também a alterações imunológicas semelhantes, ou seja, desvio de uma resposta imune Th2 para um padrão Th1. Vale salientar que animais não infectados pelo bacilo da tuberculose e tratados apenas com o produto também mostram elevação significante do número de linfócitos expressando IFN-γ em comparação a animais controle não-vacinados.(21).
Esses achados incentivaram a aplicação do novo agente em condições clínicas nas quais o aumento da resposta imunocelular poderia ser benéfico. Nesse contexto, em um estudo piloto, a aplicação intratumoral do biofármaco DNA-hsp65 em pacientes com carcinoma de cabeça e pescoço em fase avançada foi bem tolerada e associada à redução do volume tumoral em alguns casos.(23)
Como já comentado, estudos realizados principalmente com material de biópsias pulmonares e lavados broncoalveolares obtidos de pacientes com FPI sugerem que a secreção excessiva de diversas citocinas classificadas como Th2 pode contribuir para a gênese da doença. Por outro lado, dados experimentais demonstraram que a administração da citocina Th1 IFN-γ pode ter efeito protetor contra a instalação de processos fibróticos pulmonares, ainda que estudos envolvendo o uso dessa substância em humanos com FPI tenham sido desapontadores.(24,25)
Dentro desse contexto, desenvolvemos o presente estudo, fundamentados na hipótese de que a estimulação imune com o biofármaco DNA-hsp65 poderia levar a efeitos protetores no processo de instalação da fibrose pulmonar. O modelo experimental empregado foi o da lesão pulmonar induzida por bleomicina. Ainda que o referido modelo não reproduza exatamente o padrão histológico da FPI, ele tem sido largamente utilizado como instrumento de triagem para avaliação da eficácia de fármacos com potencial terapêutico para processos fibrosantes pulmonares. Além disso, as doses do biofármaco DNA-hsp65 aqui empregadas foram baseadas em estudos prévios nos quais o esquema de imunização mostrou-se efetivo em estimular a imunidade murina e conferir proteção contra a infecção tuberculosa.(22)
Desde o início do projeto, nos deparamos com elevada mortalidade dos camundongos nas primeiras horas após a manipulação para injeção IT de substâncias. Esse fenômeno foi observado numa mesma intensidade em todos os grupos e muito provavelmente reflete o desenvolvimento de insuficiência respiratória e outras complicações relacionadas com a manipulação cirúrgica de traquéias de pequeno calibre. Por esse motivo, optamos por analisar apenas a mortalidade não programada de animais que tenham sobrevivido as primeiras 48 h. Ainda que a proporção de óbitos não programados do Grupo BB não tenha diferido estatisticamente dos demais grupos, o seu valor foi sensivelmente inferior ao do Grupo SB (26,1% vs. 57,7%). A nosso ver, esse é um indicio sugestivo de que o biofármaco DNA-hsp65 possa trazer algum grau de proteção contra a agressão pulmonar induzida pela injeção IT de bleomicina. Apontam na mesma direção os achados referentes às medidas do interstício septal avaliadas por morfometria em material corado por H&E. Essas medidas fornecem uma medida do comprometimento global e do grau das respostas do interstício septal pulmonar frente à agressão química. Nesse aspecto, a área de interstício septal do grupo BB foi significantemente inferior a dos grupos SB e PB e comparável a do grupo SS.
A técnica de coloração pelo picrosirius cora especificamente fibras colágenas. Do mesmo modo, os valores teciduais do aminoácido hidroxiprolina refletem o grau de deposição de colágeno nos órgãos. No presente estudo, o reconhecimento densitométrico digital das fibras colágenas identificadas pelo primeiro método não mostrou diferenças significantes entre os valores médios dos grupos SB, PB e BB. O conteúdo pulmonar de hidroxiprolina mostrou comportamento semelhante às colorações pelo picrosirius sugerindo igualmente que o biofármaco DNA-hsp65, no presente modelo, não interferiu no grau de deposição do colágeno induzida pela bleomicina.
Como não foram detectadas diferenças significantes nas medidas que refletem o grau de deposição de colágeno, as alterações da espessura septal detectadas nas colorações por H&E devem ser explicadas por efeitos sobre outros elementos histológicos. O septo intersticial é composto de elementos celulares e por componentes extracelulares. Numa avaliação histológica subjetiva das lâminas efetuada por um especialista em patologia pulmonar, ficou evidente que o grupo SS não mostrava anormalidades e que havia desarranjo da histoarquitetura pulmonar nos grupos SB e PB. Esses dois últimos grupos mostravam infiltrado inflamatório celular misto, predominante linfoplasmocitário, e áreas de reparação tecidual localizadas preferencialmente em torno do eixo broncovascular, com extensão ao parênquima adjacente. Em relação ao grupo BB, foram observadas lesões menos intensas, com reparação tecidual jovem, restritas ao eixo central das vias aéreas. Portanto os efeitos do biofármaco DNA-hsp65 parecem ter sido mais evidentes na redução da intensidade dos infiltrados celulares inflamatórios do que no processo de deposição de colágeno propriamente dito. É igualmente relevante o fato de a matriz extracelular ser composta por outros elementos bioquímicos além do colágeno, tais como elastina, proteoglicanos, laminina, fibronectina, etc. Desse modo, os efeitos protetores do biofármaco podem ter ocorrido sobre alguns ou a totalidade desses últimos componentes.(26)
Recentes avanços na compreensão da patogênese da FPI questionam o papel das alterações inflamatórias como fatores primordiais para o estabelecimento de fibrose pulmonar e sugerem importante participação de elementos epiteliais associados a processos de cicatrização anormal como elementos primordiais da doença.(27) No modelo de fibrose pulmonar por bleomicina em animais, contudo, estudos prévios indicam a existência de correlação entre o grau das alterações inflamatórias agudas e posterior estabelecimento de fibrose.(28) No presente estudo, os animais foram todos estudados num mesmo tempo, ou seja, oito semanas após o término da imunização com o biofármaco e seis semanas após a injeção de bleomicina IT. Não podemos então excluir a possibilidade de que o sacrifício dos animais em uma data mais tardia, com maior evolução do processo fibrótico, pudesse vir a dar resultados diferentes, particularmente no tocante a uma maior influência da imunização sobre o estabelecimento das lesões fibróticas.
Devemos ressaltar que este é somente um estudo experimental preliminar e que outros esquemas com maiores doses do biofármaco DNA-hsp65 ou intervalos menores de administração podem, em tese, fornecer melhores resultados. Além disso, de fato, não existem modelos animais que reproduzam integralmente as lesões do tipo pneumonia intersticial usual, substratos anatomopatológicos da FPI. Assim, o verdadeiro papel do biofármaco DNA-hsp65 no tratamento das doenças pulmonares fibrosantes, particularmente a FPI, em tese, só seria verdadeiramente determinado com a realização de ensaios clínicos bem desenhados.
Em resumo, podemos concluir que os dados ora obtidos indicam que a imunização com o biofármaco DNA-hsp65 interferiu de maneira positiva no grau de deposição da matriz não-colágena em um modelo de lesão pulmonar induzida por bleomicina. Estudos adicionais são necessários para melhor elucidação das ações do referido biofármaco nos processos fibróticos pulmonares.
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Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
1. Médica Assistente da Divisão de Pneumologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
2. Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
3. Professora Doutora do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
4. Professora Titular do Departamento de Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
5. Professor Associado da Divisão de Pneumologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: José Antônio Baddini Martinez. Departamento de Clínica Médica, Av. Bandeirantes, 3900, Campus Universitário, CEP 14048-900, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Tel 55 16 602-2531. E-mail: jabmarti@fmrp.usp.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Recebido para publicação em 24/1/2008. Aprovado, após revisão, em 25/2/2008.