A obesidade constitui-se hoje em sério desafio para a saúde pública tendo em vista o aumento de sua prevalência na população brasileira e as conseqüências como fator causador de diversas manifestações mórbidas sistêmicas Várias publicações mostram repercussões funcionais respiratórias consideráveis em pacientes obesos, tão mais intensas quanto maior o grau da obesidade. Entre elas destacam-se: redução do volume de reserva expiratório (VRE); aumento da resistência em pequenas vias aéreas; elevação da relação entre o volume residual e a capacidade pulmonar total (VR/CPT); redução da complacência pulmonar e torácica; redução da pressão arterial de oxigênio (PaO2); aumento da diferença arterio-alveolar de oxigênio; hipoventilação alveolar e distúrbios do sono. Além disso, é evidente o aumento da prevalência do sintoma de dispnéia em pacientes obesos, sendo também sua intensidade diretamente proporcional ao índice de massa corpórea. A literatura mostra diversas alegações relacionadas aos distúrbios próprios da obesidade para explicar o sintoma de dispnéia. Podemos subdividi-los em:
Mecânicos, como elevação do diafragma pelo crescimento do volume abdominal, aumento do volume de fechamento e redução da complacência da caixa torácica.
Bioquímicos como aumento da produção da leptina, que é responsável pela elevação da resistência das pequenas vias aéreas.
Respiratórios como os distúrbios da relação ventilação perfusão e aumento do consumo de oxigênio.
Porém, ainda não temos evidências suficientes para determinarmos definitivamente os fatores etiopatogênicos da dispnéia no paciente obeso.
Na presente edição, o trabalho conduzido por Teixeira et al.(1), da disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo se propõe a colaborar no esclarecimento das questões relacionadas ao sintoma de dispnéia no paciente obeso baseado nas alterações funcionais respiratórias. Os autores estudaram 49 pacientes obesos com grau II e III, sendo 41 mulheres e 8 homens. O grupo foi subdividido entre aqueles portadores de dispnéia (75,5%) e os que negavam o sintoma (24,5%). O grupo portador de dispnéia apresentou menores valores do VRE, da Pressão Expiratória Máxima e de pH arterial. O índice de dispnéia basal de Mahler (IDB) foi, em média, menor no grupo portador de dispnéia, confirmando maior intensidade do sintoma nesses indivíduos. A média da relação VR/CPT do grupo total de pacientes foi maior que o limite superior da normalidade (considerado
no trabalho como 120% do valor previsto), tendo correlação negativa significante com o IDB.
Foi sugerido, portanto, que o aumento da resistência em pequenas vias aéreas e o conseqüente fenômeno de air trapping seria um dos fatores responsáveis pela dispnéia no paciente obeso. Observou-se correlação positiva entre o VRE e PaO2. Ou seja, a elevação não compensada do diafragma e as alterações de trocas gasosas também podem ser consideradas fatores etiopatogênicos para o sintoma em questão.
Apesar da não inclusão de grupo controle, onde poderiam ser estudados obesos grau I e sujeitos não obesos, esses achados são importantes no estabelecimento da fisiopatologia respiratória na obesidade.
Em um estudo realizado em nosso meio foram estudados pacientes obesos graus I e II, comparados com grupo controle composto de não obesos, através da análise da espirometria e correlação com o IMC e escala de dispnéia de Borg.(2) Observou-se redução do VRE e incremento da capacidade inspiratória em pacientes obesos, mostrando nítido fenômeno compensatório, mecanismo que pode ser perdido nos obesos de maior grau. Além disso, constatou-se correlação negativa entre a circunferência abdominal e o VRE, especialmente em homens, nos quais a respiração é predominantemente abdominal. Outros estudos brasileiros deverão analisar correlações entre índices de dispnéia e parâmetros funcionais respiratórios com marcadores de sobrepeso e obesidade, como circunferência abdominal, circunferência cervical, relação cintura-quadril e porcentagem de gordura visceral e subcutânea.
Na discussão do trabalho de Teixeira et al.(1) foi citada a elevada prevalência da asma em pacientes obesos. Entre outros fatores relacionados, tem sido destacada na literatura a ação da leptina, substância produzida no tecido adiposo, sendo sua concentração elevada nos obesos. A leptina parece exercer efeito imunomodulador e inflamatório, podendo potencializar as alterações estruturais no tecido brônquico de pacientes asmáticos.
Um estudo evidenciou que a perda controlada de peso em obesos asmáticos relacionou-se com aumento dos valores do volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada.(3)
Posteriormente, uma outra investigação envolvendo 58 obesos, mostrou que a perda de peso promovia melhora dos parâmetros funcionais, porém sem repercussão na hiper-reatividade brônquica.(4)
Concluímos que a obesidade causa distúrbios respiratórios, repercutindo com o sintoma de dispnéia, que se correlacionam com o grau de obesidade.
Argumenta-se que fatores etiopatogênicos mecânicos, bioquímicos e imunológicos podem estar relacionados.
Linhas de pesquisas sobre o tema devem ser incrementadas, para que se determinem os mecanismos envolvidos nas repercussões respiratórias da obesidade, incluindo aquelas em pacientes portadores de doenças pulmonares como asma e DPOC.
Referências
1. Teixeira CA, Santos JE, Silva GA, Souza EST, Martinez JAB. Prevalência da dispnéia e possíveis mecanismos fisiopatológicos envolvidos em indivíduos com obesidade graus 2 e 3. J Bras Pneumol. 2007;33(1):28-35.
2. Rasslan Z, Saad Jr. R, Stirbulov R, Fabbri RMA, Lima CAC. Avaliação da função pulmonar na obesidade graus I e II. J Bras Pneumol. 2004;30(6):508-14.
3. Stenius-Aarniala B, Poussa T, Kvarnstrom J, Gronlund EL, Ylikahri M, Mustajoki P. Immediate and long term effects of weight reduction in obese people with asthma: randomized controlled study. BMJ. 2000;320(7238):827-832.
4. Aaron SD, Fergusson D, Dent R, Chen Y, Vandenheen KL, Dales RE. Effect of weight reduction on respiratory function and airway reactivity in obese women. Chest. 2006;125(6):2046-52.
Roberto Stirbulov
Professor Adjunto Doutor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa de São Paulo Chefe da Disciplina de Pneumologia