A sarcoidose é uma enfermidade conhecida há mais de um século. A clássica descrição de Jonathan Hutchinson, em 1877, de um homem de 55 anos com placas cutâneas não dolorosas em mãos e pés, com gota, falecido com insuficiência renal, seguramente descreve um portador de sarcoidose, pois essa enfermidade pode se exteriorizar com lesões cutâneas, artralgias e distúrbio no metabolismo cálcico, levando a nefrocalcinose e insuficiência renal. Desde essa época puderam-se analisar diferentes descrições e achados clínicos e histopatológicos "novos" que hoje em dia são reconhecidos como, provavelmente, diferentes apresentações da sarcoidose. Durante esse longo tempo muito se conheceu a respeito dessa enfermidade, porém muito há ainda por se descobrir.(1-2) Dentre os diversos enigmas existentes no conhecimento dessa enfermidade está sua própria etiologia, o que, seguramente, contribui para uma maior dificuldade da clara visualização de suas reais fronteiras. É uma enfermidade que apresenta um núcleo de conhecimento bem estruturado nos diversos pontos de vista, quer de natureza epidemiológica, clínica, laboratorial, de imagem, imunológica ou de medidas terapêuticas, porém, freqüentemente, exibe uma periferia, algumas vezes ampla, de variedade de apresentação e também de desconhecimento.
Atualmente se sabe que a enfermidade é de distribuição mundial, entretanto, de maneira não uniforme. Algumas áreas do planeta apresentam maiores taxas de incidência e prevalência que outras. A verdadeira causa deste fato também ainda é um mistério e pode estar relacionada: ao seu agente etiológico, ainda desconhecido, e, portanto, à falta de um teste diagnóstico específico; a uma menor ou maior capacidade diagnóstica nas diferentes regiões; a uma variedade na apresentação da enfermidade e conseqüente definição de caso; ou mesmo a uma diferente susceptibilidade racial dentre tantas outras possibilidades.(1) Destarte, estudos epidemiológicos são sempre contributivos para o melhor conhecimento da sarcoidose.
Os primeiros relatos sobre a enfermidade ocorreram na Europa, já demonstrando taxas de incidência e prevalência variadas. Dessa forma, a maior prevalência é encontrada na Suécia, em torno de 64/100.000 habitantes, na Noruega encontra-se em torno de 26,7/100.000 e na Finlândia é muito baixa. No Reino Unido, um inquérito radiológico em mais de três milhões de indivíduos revelou uma prevalência de sarcoidose pulmonar de 20/100.000 habitantes, enquanto que a Espanha tem uma das mais baixas taxas da enfermidade na região. Nos EUA, a taxa de incidência anual foi de 35,5/100.000 em negros e de 10,9/100.000 em brancos. No Canadá, um inquérito radiológico revelou uma prevalência de 10,5/100.000, apesar de a enfermidade ser rara em esquimós e em índios norte-americanos. Nos paises asiáticos, inicialmente considerados de baixa prevalência, cada vez mais se descobre casos de sarcoidose à medida que aumentam o interesse e os estudos sobre a enfermidade. Taxas que variam de menos de 10/100.000 até 20/100.000 habitantes podem ser encontradas no Japão, China, Taiwan, Coréia e Malásia. Na África do Sul, a enfermidade parece ser, a exemplo dos EUA, mais freqüente em negros (10-20/100.000) do que em brancos (menos de 10/100.000). Porém, no continente africano, há somente relatos de casos esporádicos.(3) Na América Central e do Sul, parece haver poucos estudos a respeito da prevalência da enfermidade, apesar de relato de alta prevalência no Uruguai.(4) No Brasil, há mais de vinte anos, meu pai, o Prof. Newton Bethlem, estimou a prevalência da enfermidade abaixo de 10/100.000 habitantes.(5) Tendo nosso país dimensões continentais, uma grande e saudável miscigenação racial e, infelizmente ainda, alta taxa de prevalência de doenças infectocontagiosas, muitas delas de natureza granulomatosa, entendo como de extrema importância os estudos de natureza epidemiológica, assim como outros, em nosso meio. Seguramente, com a disseminação do interesse, procura e estudo dessa enfermidade no Brasil, além de ficarmos mais próximos da sua verdadeira prevalência, incidência e exteriorização em nosso meio, poderemos contribuir de forma contundente para o maior conhecimento da sarcoidose. A publicação de séries de casos em nosso meio, como a relatada nesta edição, realizada pelo grupo do Prof. Luis Carlos Correa(6), reconhecido estudioso da enfermidade, muito contribui para melhor enxergarmos a realidade da sarcoidose no Brasil.
REFERÊNCIAS
1. Hunninghake GW, Costabel U, Ando M, Baughman R, Cordier JF, Du Bois R, et al. ATS/ERS/WASOG statement on sarcoidosis. American Thoracic Society/European Respiratory Society/World Association of Sarcoidosis and other granulomatous disorders. Sarcoidosis Vasc Diffuse Lung Dis. 1999;16(2):149-73.
2. Sharma OP. Sarcoidosis: a worldwide phenomenon. Sarcoidosis. 1984;1(1):11-5.
3. James DG, Hosoda Y. Epidemiology in sarcoidosis and other granulomatous disorders. New York: Marcel Dekker; 1994. (Lung biology in health and disease)
4. Purriel P, Navarrete E. Epidemiology of sarcoidosis in Uruguai and other countries of Latin America. Am Rev Respir Dis. 1961;84(5 Pt 2):155-61.
5. Bethlem NM. Epidemiology of sarcoidosis in Brazil. Sarcoidosis. 1985;2:162.
6. Corrêa da Silva LC, Hertz FT, Cruz DB, Caraver F, Fernandes JC, Fortuna FP, et al. Sarcoidose no sul do Brasil: Estudo de 92 pacientes. J Bras Pneumol. 2005;31(5)398-406.
Professor Adjunto de Pneumologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO - Rio de Janeiro (RJ) Brasil