ABSTRACT
Objective: To assess the prevalence of respiratory symptoms and their association with sociodemographic variables and with the characteristics of the work environment. Methods: A cross-sectional study comprising 464 workers employed at ceramics manufacturing facilities located in the city of Várzea Grande, Brazil. Data were collected by means of a questionnaire comprising questions regarding sociodemographic variables, work environment characteristics, and respiratory symptoms. Data were analyzed by means of prevalence ratios and their respective 95% CIs between the dependent variable (respiratory symptoms) and the other explanatory variables. In the multivariate analysis, two hierarchical models were built, the response variables being "all respiratory symptoms" and "severe respiratory symptoms". Results: In the sample studied, the prevalence of "all respiratory symptoms" was 78%, whereas that of "severe respiratory symptoms" was 35%. The factors associated with "all respiratory symptoms" were gender, age bracket, level of education, type of occupation, exposure to dust, and exposure to chemical products. The factors associated with "severe respiratory symptoms" were level of education, exposure to dust, and exposure to chemical products. Conclusions: Our results indicate the presence of upper and lower airway disease in the population studied.
Keywords:
Questionnaires; Occupational diseases/epidemiology; Health status indicators.
RESUMO
Objetivo: Analisar a prevalência de sintomas respiratórios e sua associação com as características sociodemográficas e do ambiente de trabalho. Métodos: Estudo transversal realizado com 464 trabalhadores das indústrias de cerâmicas localizadas no município de Várzea Grande (MT). Para a coleta de dados, foi aplicado um questionário constituído de questões referentes às características sociodemográficas, ambiente de trabalho e sintomas respiratórios. Para a análise dos dados, foi utilizada a razão de prevalência e seu respectivo IC95% entre a variável dependente (sintomas respiratórios) e as demais variáveis explicativas. Na análise multivariada, foram construídos dois modelos hierárquicos, tendo como resposta as variáveis "sintomas respiratórios gerais" e "sintomas respiratórios graves". Resultados: Na população estudada, a prevalência de "sintomas respiratórios gerais" foi de 78%, e aquela de "sintomas respiratórios graves" foi de 35%. Os fatores associados a "sintomas respiratórios gerais" foram sexo, faixa etária, escolaridade, ocupação, exposição à poeira e exposição a produto químico. Os fatores associados a "sintomas respiratórios graves" foram escolaridade, exposição à poeira e exposição a produto químico. Conclusões: Os resultados apontam para a presença de doenças da via aérea superior e inferior na população estudada.
Palavras-chave:
Questionários; Doenças profissionais/epidemiologia; Indicadores básicos de saúde.
IntroduçãoA poluição do ar no ambiente de trabalho associa-se a extensa gama de doenças respiratórias ocupacionais, que dependem de vários fatores, podendo-se destacar os efeitos próprios dos poluentes, as características individuais e o tabagismo. Esses agravos ocupacionais podem ser investigados através de diferentes métodos, tais como exames clínicos, exames radiológicos, exame funcional e aplicação de questionário para a detecção de sintomas respiratórios.(1)
A utilização de questionários é bastante útil em estudos epidemiológicos devido à simplicidade do método e ao baixo custo. Através desse método, é possível obter informações a respeito da exposição de pessoas a fatores de risco, identificar potenciais variáveis de confusão ou de modificações de efeitos, ou mesmo avaliar a ocorrência de doenças de interesse. Dessa forma, nas doenças relacionadas ao trabalho, pode-se obter conhecimento acerca da prevalência de pacientes sintomáticos respiratórios, servindo como instrumento epidemiológico importante de diagnóstico e também da evolução das afecções pulmonares em diferentes grupos populacionais.(1,2)
Os trabalhadores em indústrias de cerâmicas apresentam-se expostos à poeira derivada de matérias-primas, formada por silicatos hidratados de alumínio, que são constituídos por camadas de tetraedros de óxido de silício (SiO2) e octaedros de alumínio.(3) Além disso, existe também a possibilidade da inalação de substâncias químicas no processo produtivo, a exemplo do desmoldante (oleína dissolvida em óleo diesel), usado para untar as máquinas que moldam as telhas na linha de produção.
A poluição presente nas indústrias de cerâmicas é ocasionada pela dispersão dos poluentes dentro do galpão da indústria e atinge os trabalhadores das diferentes ocupações, isto é, tanto aqueles da linha de produção, como aqueles que trabalham na área administrativa. Diante disso, surge a necessidade de verificar se os trabalhadores que estão expostos diretamente aos fatores de risco respiratórios citados acima apresentam uma maior prevalência de sintomas respiratórios. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi analisar a prevalência de sintomas respiratórios e sua associação com as características sociodemográficas e do ambiente de trabalho em trabalhadores em indústrias de cerâmica.
MétodosEstudo descritivo, do tipo transversal, com base em dados primários, realizado em Várzea Grande (MT), município da região Centro-Oeste do Brasil, com 240.038 habitantes(4) e distante 6 km da capital do estado, Cuiabá. Atualmente existem 18 indústrias de cerâmica na cidade, sendo 3 indústrias especializadas na fabricação de telhas e tijolos; as demais atuam somente na produção de tijolos.
Todos os trabalhadores que desempenhavam funções relacionadas à produção e os funcionários da área administrativa que concordaram em participar da pesquisa foram incluídos no estudo. Para a coleta dos dados, utilizou-se um questionário de identificação de sintomas respiratórios, fatores de exposição ocupacional e frequência de tabagismo. Esse questionário, denominado "Sintomas Respiratórios e Exposições Inalatórias Ocupacionais", tem sua estrutura padrão baseada no questionário de sintomas respiratórios do British Medical Research Council, versão de 1976, e vem sendo utilizado pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO), localizada em São Paulo (SP). O questionário foi aplicado no ambiente de trabalho dos indivíduos, durante o intervalo de almoço, e cada entrevista durou, em média, 15 minutos.
Em relação ao tabagismo, os participantes foram categorizados em fumantes - trabalhadores que experimentaram o cigarro e continuaram a fumar regularmente - ex-fumantes - trabalhadores que usaram o cigarro durante algum tempo na vida e depois pararam de fumar - e não fumantes - indivíduos que nunca experimentaram o cigarro ou aqueles que experimentaram e não gostaram.
Quanto às atividades desenvolvidas na indústria, foram consideradas três ocupações na área de produção (forneiro, operador de linha de produção e servente geral) e somente uma categoria para a área administrativa.
Para avaliar o grau de exposição na indústria, utilizou-se o tempo de trabalho nas indústrias de cerâmicas, em qualquer uma das três ocupações consideradas no presente estudo, sendo essa variável categorizada em até 1 ano; de 1 a 3 anos; e mais do que 3 anos.
Para classificar a jornada de trabalho do funcionário, a carga horária diária foi dividida em duas categorias: até 8 horas diárias e mais de 8 horas diárias.
Os riscos ocupacionais foram divididos em duas categorias: poeira - material particulado proveniente da matéria-prima (argila) - e produto químico - o desmoldante, constituído de oleína e óleo diesel, usado para untar as formas que dão molde às telhas, que entram em estado de combustão quando em contato com as chapas quentes das máquinas, liberando fumaça no ar.
Quanto às variáveis dependentes, consideraram-se como "sintomas respiratórios gerais" aqueles trabalhadores que responderam apresentar pelo menos um dos sete sintomas respiratórios questionados (tosse seca, expectoração, chiado no peito, dispneia, espirros, coriza e ronqueira) e, como "sintomas respiratórios graves", aqueles trabalhadores que responderam apresentar pelo menos um dos três sintomas respiratórios que indicavam potencial acometimento das vias aéreas inferiores, considerados como graves (chiado no peito, dispneia e ronqueira).
Para a tabulação e a análise dos dados, foram utilizados os programas Epi Info, versão 6.04, e Statistical Package for the Social Sciences, versão 11.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Na análise bivariada, foi calculada a razão de prevalência (RP) e seu respectivo IC95% como medida de associação entre a variável dependente e as demais variáveis explicativas estudadas. Para verificar a linearidade das associações, utilizou-se o teste do qui-quadrado para tendência linear. Para a análise multivariada, foram construídos dois modelos, tendo, como variável resposta, os indivíduos sintomáticos gerais e os sintomáticos graves. Nessa fase, foram incluídas nos modelos as variáveis que apresentaram p ≤ 0,10 na explicação das diferenças entre a presença ou não de sintomas respiratórios e as demais variáveis independentes estudadas, sendo excluídas do modelo aquelas que não apresentaram significância estatística (p > 0,05). Por meio de regressão logística hierarquizada, as variáveis foram incluídas em blocos, utilizando a modelagem hierárquica conceitual proposta por Victora et al.(5) Os fatores mais distais (variáveis sociodemográficas) foram os primeiros a ser incluídos; a seguir, em um nível intermediário, as variáveis relacionadas ao tabagismo e, finalmente, aquelas consideradas mais próximas do desfecho, que foram as variáveis relacionadas ao ambiente de trabalho, como exposição à poeira, exposição a produto químico e tipo de ocupação.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller, sob o número 320/7/HJUM/07.
ResultadosDos 464 trabalhadores entrevistados, 78% apresentaram sintomas respiratórios gerais, e 35% apresentaram sintomas respiratórios graves. O espirro (58%) e a tosse seca (40%) foram os sintomas mais prevalentes.
A Tabela 1 apresenta a prevalência, a RP e o IC95% dos sintomas respiratórios gerais, segundo as características sociodemográficas. Verificou-se uma maior prevalência de sintomas respiratórios no sexo masculino (81%), o qual teve probabilidade 26% maior de apresentar sintomas respiratórios do que o sexo feminino. Com relação à escolaridade, verificou-se que os trabalhadores que possuíam até 8 anos de estudo apresentaram maior probabilidade de ter sintomas respiratórios gerais do que aqueles com mais de 8 anos de estudo (RP = 1,30; IC95%: 1,08-1,57). As variáveis "raça", "estado civil", "renda per capita" e "número de pessoas por residência" não se mostraram associadas ao desfecho estudado (p > 0,05).
Em relação à ocupação, verificou-se que os operadores da linha de produção apresentaram uma maior prevalência de sintomas respiratórios gerais (83%), com uma probabilidade 46% maior de apresentarem sintomas do que os funcionários do setor administrativo (RP = 1,46; IC95%: 1,14-1,87). Da mesma forma, os serventes e os forneiros apresentaram maior probabilidade de ter sintomas respiratórios gerais do que os funcionários da administração (p < 0,05). A probabilidade de ter sintomas respiratórios gerais foi maior para os trabalhadores com exposição à poeira (RP = 2,10; IC95%: 1,72‑2,57) e exposição a produto químico (RP = 1,15; IC95%: 1,14‑1,37) em relação aos que não tinham contato com essas substâncias (Tabela 2).
Quanto aos sintomas respiratórios graves, apenas a escolaridade mostrou-se associada aos mesmos, ou seja, os trabalhadores que tinham até 8 anos de estudo apresentaram mais do que o dobro de probabilidade de ter sintomas do que aqueles com mais de 8 anos de estudo (Tabela 3).
Na Tabela 4, nota-se que os trabalhadores que tinham contato com a poeira apresentaram um risco 3 vezes maior de ter sintomas respiratórios graves. Da mesma forma, os trabalhadores que tinham contato com o produto químico tiveram um risco 67% maior de apresentarem sintomas respiratórios graves. As variáveis "tempo de exposição" e "jornada de trabalho" não mostraram associação significante com os sintomas respiratórios graves estudados (p > 0,05).
A análise multivariada mostrou que o sexo, a faixa etária e os anos de estudo continuaram associados aos sintomas respiratórios gerais, ou seja, os trabalhadores do sexo masculino, com até 40 anos de idade (OR = 1,84; IC95%: 1,04‑2,35) e até 8 anos de estudo (OR = 1,64; IC95%: 1,64-4,16) tiveram maior chance de apresentar sintomas respiratórios gerais.
As ocupações de servente e de operador foram as de maior risco para a presença de sintomas respiratórios gerais. Além disso, o trabalhador que tinha contato com a poeira tinha uma chance 12 vezes maior de apresentar sintomas respiratórios gerais do que o funcionário administrativo (OR = 12,39; IC95%: 6,72-22,86).
Quanto ao modelo com os indivíduos com sintomas respiratórios graves como desfecho, nota-se que os trabalhadores que tinham até 8 anos de estudo apresentaram chance quase 2 vezes maior de ter sintomas respiratórios graves quando comparados com aqueles com mais de 8 anos de escolaridade (OR = 1,97; IC95%: 1,26‑3,06). Além disso, os trabalhadores que tinham contato com a poeira tinham mais do que o triplo de chance de ter sintomas respiratórios graves (OR = 3,36; IC95%: 1,86-6,07) quando comparados àqueles que não tinham contato com a poeira no trabalho. Da mesma forma, trabalhadores que tinham contato com o produto químico também possuíam chance aumentada de apresentar sintomas respiratórios graves (OR = 1,76; IC95%: 1,15‑2,70; Tabela 5).
DiscussãoA prevalência de 78% para "sintomas respiratórios gerais" encontrada neste estudo foi elevada.(6) Os sintomas abordados nesta pesquisa foram similares aos de outros estudos,(7) nos quais a tosse foi relatada como o sintoma mais prevalente nos trabalhadores expostos à poeira de sílica. A tosse é um mecanismo de defesa que promove a remoção de secreção e de corpos estranhos das vias áreas, sendo um sintoma que deve ser investigado.(8)
A prevalência de sintomas respiratórios gerais esteve associada ao sexo masculino. Ao aprofundar a análise da associação do gênero, a regressão logística mostrou que os trabalhadores do sexo masculino apresentaram uma chance quase 2,5 vezes maior do que o sexo feminino. O elevado percentual de indivíduos do sexo masculino encontrado entre os ceramistas das indústrias ocorre pelo fato de que as atividades desenvolvidas são, em sua maioria, braçais, mais comumente procuradas por homens.
Diferentemente do esperado, foi maior a prevalência de sintomas respiratórios gerais para os indivíduos com idade igual ou inferior a 40 anos. Esses resultados diferem dos de outros estudos, que mostraram que quanto maior a idade, maior a prevalência de sintomas respiratórios.(9,10) Além do efeito do trabalhador assintomático, provavelmente isso ocorreu porque os trabalhadores mais novos, por serem mais fortes e vigorosos, são mais requisitados para esse tipo de trabalho.
A variável "anos de estudo" mostrou-se associada à presença de sintomas respiratórios gerais. A baixa escolaridade limita as oportunidades de emprego, obrigando os indivíduos a aceitar aqueles empregos que oferecem menores salários e que são, muitas vezes, mais insalubres. Esses resultados são concordantes com os de outros estudos, os quais descrevem que a baixa escolaridade está associada à presença de sintomas respiratórios.(10,11)
A variável "ocupação" esteve associada com a presença de sintomas respiratórios gerais. Os trabalhadores categorizados como operador de produção, servente e forneiro foram os que apresentaram os maiores riscos de ter sintomas respiratórios, quando comparados aos trabalhadores que exerciam cargos administrativos. Em um estudo realizado em marmorarias,(6) mostrou-se que, dentre as funções que os trabalhadores exerciam, aquelas com maior exposição a poeiras mostravam-se associadas a uma maior prevalência de sintomas respiratórios.
As variáveis "tempo de exposição" e "jornada de trabalho" não apresentaram associação com a presença de sintomas respiratórios gerais. Mais uma vez, o efeito do trabalhador assintomático (sadio) somado ao pouco tempo de exposição (inferior a 1 ano) desses trabalhadores aos fatores de risco, como a inalação de poeira e de produto químico, talvez possa explicar parte desses resultados. Esses dados diferem daqueles de outros estudos, os quais destacam que o tempo de exposição a agentes no ambiente de trabalho relaciona-se com a presença de sintomas respiratórios e de alterações nas funções do aparelho respiratório.(2,6,12)
Os fatores de exposição (poeira e produto químico) presentes no ambiente de trabalho apresentaram associação com a presença de sintomas respiratórios gerais. Os trabalhadores que relataram inalar poeira no decorrer da jornada de trabalho tinham uma chance 12,4 vezes maior de ter sintomas respiratórios gerais em comparação com àqueles que não inalavam a poeira. Os trabalhadores de cerâmica, durante o desenvolvimento de suas atividades laborais, estão expostos direta ou indiretamente a diversos fatores de risco que acarretam agravos respiratórios, tais como a poeira proveniente da matéria-prima ou dos produtos fabricados, assim como o produto químico (desmoldante), constituído de oleína dissolvida em óleo diesel. Estudos mostram que a poeira inalada no decorrer da jornada de trabalho é um material particulado sólido (poeira respirável), que sabidamente pode causar sérios danos respiratórios, tais como pneumoconioses e acometimento das vias aéreas inferiores.(13)
Além da poeira presente em todos os setores da indústria, os trabalhadores que se enquadram na ocupação de operadores na linha de produção inalam diretamente o produto químico, o desmoldante. Os trabalhadores que o inalavam apresentaram uma chance 1,8 vezes maior de ter sintomas respiratórios gerais em confronto com os trabalhadores que não inalavam o produto químico. O contato ocorre quando o produto é usado para untar as formas das máquinas que dão molde às telhas ou quando o mesmo entra em estado de combustão quando aquecido pelas chapas das máquinas, liberando no ar inúmeras substâncias tóxicas (produtos derivados da combustão do derivado de petróleo),(14) as quais adentram diretamente as vias respiratórias, pelo fato de que a maioria dos trabalhadores não utiliza equipamento de proteção respiratória no decorrer da jornada de trabalho.
Como a prevalência dos sintomas respiratórios encontrada foi muito alta, optou-se por aprofundar este estudo com a análise dos sintomas que realmente indicassem maior gravidade, ou seja, com aqueles relacionados aos agravos das vias aéreas inferiores. Os sintomas respiratórios considerados como graves foram dispneia, chiado no peito e ronqueira, sendo encontrada uma prevalência desses de 35% entre os trabalhadores. Um estudo realizado para analisar a prevalência e fatores de risco em suinocultores(11) mostrou a presença de sintomas graves em 31% da população exposta a diversos fatores de risco presentes no ambiente de trabalho, incluindo a poeira.
Sabe-se que a presença dos sintomas acima destacados está associada com agravo, o que denota maior preocupação. Possivelmente, os trabalhadores com os sintomas mais graves são portadores de agravos respiratórios, com lesão da via aérea inferior.
Os principais agravos ocupacionais que podem estar relacionados aos sintomas analisados são asma ocupacional, DPOC e pneumoconioses, destacando-se a silicose e a asbestose.(12,15)
A análise da relação entre a prevalência de sintomas respiratórios graves e as variáveis sociodemográficas não mostrou uma associação positiva quanto ao gênero, diferentemente da análise realizada com todos os sintomas estudados. Todavia, naqueles trabalhadores com menos de 8 anos de estudo, a associação persistiu, sendo esses resultados concordantes com os de outros estudos, nos quais foi descrita uma associação entre baixa escolaridade e presença de sintomas respiratórios.(12,16)
As variáveis relacionadas às características do ambiente de trabalho mostraram uma associação com a prevalência de sintomas respiratórios graves. O tipo de ocupação está relacionado diretamente com a presença desses sintomas, pois aqueles trabalhadores que estão na linha de frente da produção, manipulando todos os produtos da indústria, são os mais afetados; a ocupação de servente geral é mais sintomática que a de forneiro, e essa é mais sintomática que a de operador de linha de produção. Possivelmente, em tais ocupações, os trabalhadores entram em contato direto com os poluentes respiratórios que afetam a integridade da via aérea inferior e, por isso, apresentam mais frequentemente sintomas respiratórios graves que os demais. Esse fato é confirmado pela análise da associação entre a presença de sintomas respiratórios graves e o relato de exposição à poeira, através da qual a probabilidade de apresentar sintomas respiratórios graves foi mais de 3 vezes maior para quem inalava a poeira.
Outro fator de exposição estudado foi o relato de exposição ao desmoldante - produto utilizado para untar as formas das telhas. Nota-se que aqueles trabalhadores que relataram a exposição ao desmoldante, comparando-os com aqueles que negaram tal exposição, apresentaram mais frequentemente sintomas respiratórios graves. Entretanto, a análise mostrou uma associação mais fraca do que a verificada com aquela relacionada a exposição à poeira. Vale ressaltar ainda que a manipulação de produtos derivados do petróleo libera, no ar ambiente, diversas outras substâncias que se volatilizam facilmente e que prejudicam o sistema respiratório dos trabalhadores.
Além da toxicidade tópica nas mucosas respiratórias, esses poluentes químicos interferem na hematose alveolar, o que poderia afetar a oxigenação tecidual. A combustão do desmoldante, que entra em contato com as formas aquecidas, libera fumaça que polui ainda mais o ar respirado, o que justifica a presença de sintomas mais graves, como a dispneia, nesses trabalhadores.(17)
A exposição aos derivados do petróleo pode afetar as vias respiratórias de diversas formas, dependendo das propriedades físicas, químicas e biológicas dos poluentes formados, de tal forma que o tamanho da partícula inalada, sua concentração e a exposição concomitante podem ser fatores de risco para várias doenças, como asma, sinusite, rinite, perfuração do septo nasal e alterações do olfato.(2,18)
Não foi detectada uma associação entre a prevalência de sintomas respiratórios graves e o tempo de exposição aos diversos poluentes (anos trabalhados nas indústrias de cerâmicas e jornada de trabalho).
Possivelmente, esse fato deve-se ao curto período de trabalho que a maioria dos funcionários estava desenvolvendo nessas ocupações de risco, já que grande parte deles tinha menos de 1 ano de função na indústria. Sabe-se que quanto maior o tempo de exposição aos fatores de risco (poluentes do ar respirado), maior é a chance de aparecimento de doenças respiratórias.(6) Os resultados deste estudo diferem dos de outros,(7,13) nos quais o tempo de exposição foi importante para o surgimento de agravo respiratório e silicose, destacando-se que a exposição à poeira de sílica durante 5 anos ou mais é tempo suficiente para promover o surgimento da doença.
Neste estudo, também não foi verificada uma associação entre sintomas respiratórios graves e tabagismo, que é um fator de risco para agravo respiratório. Em um estudo realizado com ex-trabalhadores com asbestose,(19) o tabagismo não se associou com sintomas respiratórios graves, principalmente a dispneia. Todavia, a maioria dos estudos refere uma associação desses sintomas graves com o tabagismo, o qual é um fator agravante das doenças respiratórias ocupacionais.(16,20)
Possivelmente, o pouco tempo de tabagismo, a dependência leve e a faixa etária da população estudada explicam em parte esse achado.
Apesar de o instrumento utilizado nesta pesquisa não permitir medir o
grau de disfunção respiratória, conclui-se que o ambiente de trabalho das indústrias de cerâmicas estudadas está provocando agressões ao aparelho respiratório, tanto com o acometimento das vias aéreas superiores, quanto das inferiores (sintomas considerados como graves), na população de trabalhadores estudados.
AgradecimentosAgradecemos às indústrias de cerâmicas de Várzea Grande (MT).
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* Trabalho realizado no Centro Universitário de Várzea Grande - UNIVAG - Várzea Grande (MT) Brasil.
Endereço para correspondência: Clovis Botelho. Rua Dr. Jonas Correa da Costa, 210, CEP 78030-365, Cuiabá, MT, Brasil.
Tel 55 65 618-8164. E-mail: fbotelho@terra.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 16/6/2010. Aprovado, após revisão, em 24/8/2010.
Sobre os autoresEdilaura Nunes Rondon
Professora. Centro Universitário de Várzea Grande - UNIVAG - Várzea Grande (MT) Brasil.
Regina Maria Veras Gonçalves da Silva
Professora Adjunta IV. Faculdade de Nutrição e Curso de Mestrado em Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT - Cuiabá (MT) Brasil.
Clovis Botelho
Professor Titular. Faculdade de Ciências Médicas e Curso de Mestrado em Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT - Cuiabá (MT) Brasil.