Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
7179
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Prevalência de asma em escolares e adolescentes em um município na região da Amazônia brasileira

Prevalence of asthma in children and adolescents in a city in the Brazilian Amazon region

Antonia Maria Rosa, Eliane Ignotti, Sandra de Souza Hacon, Hermano Albuquerque de Castro

ABSTRACT

Objective: To analyze the prevalence of asthma and asthma symptoms in students of two distinct age brackets residing in the city of Tangará da Serra, Brazil. Methods: Cross-sectional, population-based study of the prevalence of asthma in children from 6 to 7 years of age and adolescents from 13 to 14, using the standardized International Study of Asthma and Allergies in Childhood, phase 1 questionnaire, validated for use in Brazil. Students who responded affirmatively to question 2 (presence of wheezing in the preceding 12 months) were classified as suffering from asthma. Results: The study comprised 3,362 students, of whom 1,634 (48.6%) were children and 1,728 (51.4%) were adolescents. Of the 1,634 children, 816 (49.9%) were male and 818 (50.1%) were female. Of the 1,728 adolescents, 773 (45.0%) were male and 955 (55.0%) were female. The prevalence of asthma among the children was 25.2%, whereas that among the adolescents was 15.9% (χ2 = 8.34; p = 0.00). The children presented higher prevalences of the following symptoms of asthma than did the adolescents: wheezing ever (54.3%), nocturnal dry cough (43.9%), wheezing in the preceding 12 months (25.2%), and from 1 to 3 attacks of wheezing in the preceding 12 months (19.1%). There were no differences between the two groups regarding physician-diagnosed asthma (approximately 4.5%). There were no statistical differences regarding the prevalence of asthma by gender in the two groups. Conclusions: Tangará da Serra has a high prevalence of asthma in children and adolescents, and this result is compatible with other studies carried out in Brazil and Latin America using the same methodology.

Keywords: Asthma/epidemiology; Child; Adolescent.

RESUMO

Objetivo: Analisar a prevalência de asma e seus sintomas em estudantes de duas faixas etárias específicas, residentes no município de Tangará da Serra, Mato Grosso. Métodos: Estudo transversal de base populacional da prevalência de asma em escolares de 6-7 anos de idade e em adolescentes de 13-14 anos, utilizando o questionário padronizado e validado para uso no Brasil do International Study of Asthma and Allergies in Childhood, fase 1. Foram considerados como asmáticos aqueles estudantes que responderam afirmativamente à questão 2 (presença de sibilância nos últimos 12 meses). Resultados: Participaram da pesquisa 3.362 estudantes, dos quais 1.634 (48,6%) eram escolares e 1.728 (51,4%) eram adolescentes. Entre os 1.634 escolares, 816 (49,9%) eram do gênero masculino e 818 (50,1%) do feminino. Entre os 1.728 adolescentes, 773 (45,0%) eram do gênero masculino e 955 (55,0%) do feminino. A prevalência de asma entre os escolares foi de 25,2%, enquanto que entre os adolescentes esta foi de 15,9% (χ2 = 8,34; p = 0,00). Os escolares apresentaram maiores prevalências dos seguintes sintomas de asma do que os adolescentes: sibilância alguma vez na vida (54,3%), tosse seca noturna (43,9%), sibilância nos últimos 12 meses (25,2%), e de 1 a 3 crises de sibilância nos últimos 12 meses (19,1%). Quanto ao diagnóstico médico de asma, não houve diferença entre os dois grupos (aproximadamente 4,5%). Não foi verificada diferença estatisticamente significante na prevalência de asma entre os gêneros nos dois grupos. ­Conclusões: Tangará da Serra apresenta elevada prevalência de asma entre escolares e adolescentes, resultado compatível com estudos realizados no Brasil e na América Latina utilizando a mesma metodologia.

Palavras-chave: Asma/epidemiologia; Criança; Asma em Adolescente.

Introdução

A asma é a doença crônica de maior prevalência na infância. Gera altos custos para o sistema de saúde, interferência na qualidade de vida dos indivíduos e absenteísmo no trabalho e escola. Além disso, quando não controlada, pode ser fatal.(1,2) Caracteriza-se por inflamação brônquica com hiperresponsividade das vias aéreas inferiores e limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com uso de broncodilatadores.(2)

O diagnóstico é realizado por meio de avaliação clínica e testes funcionais, tais como os espirométricos. No entanto, questionários escritos, como o International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC), fase 1, têm sido utilizados com boa sensibilidade e especificidade na identificação de casos em estudos populacionais.(3-5) A padronização desse instrumento para escolares da faixa etária de 6-7 anos e para adolescentes de 13-14 anos de idade, bem como seu uso em muitos países, assim como no Brasil, permite uma análise comparada de dados.(3-6)

A variabilidade na prevalência de asma é conhecida mundialmente. Estudos da fase 1 do ISAAC mostram que, no grupo de escolares, essa variação foi de 4,2% a 32,1% na Indonésia e na Costa Rica, respectivamente, enquanto no grupo de adolescentes, essa foi de 2,1% a 35,1% na Indonésia e nas Ilhas do Canal, respectivamente.­(6)

Na comparação dos resultados observados nas fases 1 e 3 do ISAAC, verificou-se tendência de aumento da prevalência de asma em algumas regiões do mundo, que incluem a Ásia, Índia, América do Norte, Europa Ocidental e Mediterrâneo Oriental no grupo de escolares. No grupo de adolescentes, essa inclui a África, Índia, América Latina, Europa do Norte e Europa Oriental. Por outro lado, tem ocorrido tendência de estabilização ou até mesmo de redução da prevalência da doença em outras regiões, como a Oceania, especialmente no grupo de adolescentes.(6)

Os fatores que estariam implicados nas diferentes tendências da prevalência de asma ainda são um desafio ao conhecimento. Explicações aventadas para essa variabilidade estariam relacionadas ao estilo de vida ocidentalizado, à urbanização e ao aumento da densidade populacional,(7) bem como a variações na natureza e magnitude dos fatores ambientais existentes em cada centro.(8)

O Brasil apresenta um dos mais altos níveis de prevalência de asma da América Latina e do mundo, com valores médios de 20%, variável entre as regiões.(2,4,9) Em estudos utilizando o questionário ISAAC no país, a prevalência de sibilância nos últimos 12 meses (asma ativa) entre escolares variou de 16,5% a 31,2% em Aracaju (SE) e na região oeste de São Paulo (SP), respectivamente. Entre os adolescentes, os resultados variaram de 11,8% a 30,5% em Nova Iguaçu (RJ) e em Vitória da Conquista (BA), respectivamente.­(9)

Pouco se sabe sobre a ocorrência da doença na região Amazônica. Os escassos estudos realizados em áreas de bioma Amazônico mostram uma prevalência de asma de 24,4% nos escolares em Manaus; enquanto no grupo adolescentes, essa foi de 23,1% em Belém e 18,1% em Manaus.(9) No entanto, a Amazônia é uma região geograficamente extensa, cuja população apresenta diversidade biológica e cultural importantes em razão da origem variada do fluxo migratório.(10)

As investigações de prevalência de asma, até o momento, foram realizadas em municípios de maior porte e desenvolvimento industrial quando comparados a Tangará da Serra. Parece relevante conhecer a distribuição e o comportamento da asma em municípios da região Amazônica, possibilitando análises futuras sobre os possíveis fatores de risco, bem como o estabelecimento de uma linha de base para identificação de tendências, e principalmente, o embasamento de estudos analíticos dos efeitos da poluição atmosférica à saúde humana na Amazônia brasileira.

Este estudo foi desenvolvido como produto do projeto de pesquisa "Avaliação dos efeitos da queima de biomassa na Amazônia Legal à saúde humana", financiado com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Mato Grosso, Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do projeto PAPES IV FIOCRUZ/CNPq, vinculado ao Instituto Milênio, que está inserido à rede de Large Scale Biosphere-Atmosphere Experiment in Amazonia (LBA, Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia). Tem por objetivo analisar a prevalência e os sintomas relacionados à asma em escolares e adolescentes residentes no município de Tangará da Serra, Mato Grosso (MT).

Métodos

Desenho do estudo

Estudo descritivo de base populacional da prevalência de asma em estudantes do município de Tangará da Serra (MT). A Secretaria Municipal e a Coordenação Regional de Educação do Estado de Mato Grosso forneceram a relação das escolas e o censo escolar por série, ratificado de acordo com as fichas de matrículas dos alunos e freqüência escolar.
Utilizou-se um questionário escrito padronizado internacionalmente e validado para uso no Brasil para a identificação de asma em escolares e adolescentes, que caracteriza a fase 1 do ISAAC.(3-5)

Área do estudo e população

Tangará da Serra localiza-se a 240 km da capital do estado, Cuiabá; a 423 m acima do nível do mar, na latitude de 14°04'38"S. O Índice de Desenvolvimento Humano em 2000 era de 0,780. Em 2007, havia 76.657 habitantes, dos quais mais de 90,0% eram residentes na área urbana.(11) As principais atividades econômicas são a pecuária de corte e a agricultura.

O município está ladeado pela Chapada dos Parecis e a Serra Tapirapuã, com temperatura média de 25°C e umidade relativa do ar em torno de 80%, podendo atingir 25% ou menos em período de seca extrema, no final de ­julho­/­agosto.(12) Está inserido em área de bioma Amazônico, com ciclos de seca e chuva típicos que modificam os níveis de poluição atmosférica, com possíveis efeitos à saúde humana.

Localiza-se na trajetória da pluma de dispersão de poluentes provenientes das queimadas na região do arco do desmatamento e possui uma área crescente de cultura de cana-de-açúcar em seu entorno. Na safra 2006/2007 da região, essa cultura representou 53,7% da área plantada no estado.(13)

Das 66 escolas da rede de ensino do município, 35 foram elegíveis para o estudo. Dessas, 30 pertenciam à zona urbana e 5 à zona rural. Participaram da pesquisa estudantes de 14 escolas municipais, 15 estaduais e 6 privadas. Foram excluídos aqueles matriculados na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais e nas 17 escolas indígenas, além de 15 alunos matriculados em escolas localizadas a mais de 100 km da zona urbana, em razão das especificidades dessa população e da dificuldade de locomoção em estradas da zona rural no período das chuvas. Onze escolas não possuíam alunos na faixa etária definida para o estudo. Consideraram-se elegíveis todos os escolares de 6 a 7 anos de idade e adolescentes entre 13 e 14 anos, regularmente matriculados e freqüentando as aulas. Para efeitos desse estudo, são considerados estudantes o agrupamento dos escolares e adolescentes.

Os dados foram coletados entre março e abril de 2007, após reuniões com os professores da rede local de ensino para a apresentação da proposta de trabalho. Os escolares e adolescentes foram orientados sobre os objetivos da pesquisa e solicitados a levar os questionários para que os pais ou responsáveis os respondessem, devolvendo-os posteriormente para a escola. Para os faltosos no dia da aplicação do questionário, foi oferecida uma nova oportunidade.

A taxa de devolução dos questionários foi de 68,3% (3.362/4.922); nas escolas públicas foi de 67,6% (3.074/4.548) e nas privadas, de 42,8% (160/374). Entre aqueles devolvidos, 128 (3,8%) não continham identificação sobre a escola de procedência.

Os bairros do município foram agrupados, de acordo com um critério geográfico, em pertencentes à zona urbana (região central) e periurbana (bairros dos limites periféricos da cidade), possibilitando a análise de acordo com a zona de residência urbana, periurbana e rural.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller, conforme o parecer nº 290/07. Foram utilizados no estudo os questionários que continham a assinatura dos pais ou responsável no termo de consentimento livre e esclarecido.

Análise dos dados

Os dados obtidos foram analisados através do programa Epi Info versão 3.2. Calculou-se a prevalência de asma e sintomas de acordo com o gênero e grupo etário. Utilizou-se o teste do qui-quadrado (χ2) para comparar diferenças de proporções, ao nível de significância de 5%.

O módulo de asma do ISAAC compõe-se de oito questões sobre sintomas da doença. Definiu-se como asmáticos aqueles escolares e adolescentes que responderam afirmativamente à questão 2 (presença de sibilância nos últimos 12 meses). Respostas positivas à questão 5 (presença de sibilo forte impedindo-o de falar mais que duas palavras seguidas) foram consideradas como diagnósticas de asma ­grave.­(4,5,14)

Resultados

Participaram da pesquisa 3.362 estudantes, dos quais 1.589 (47,3%) do gênero masculino e 1.773 (52,7%) do feminino. Desses, 49,5% eram provenientes de escolas municipais, 41,9% eram de escolas estaduais e 4,7%, de escolas privadas. Quanto à localização da escola, 86,5% e 9,7% estudavam na zona urbana e rural, respectivamente. Em relação ao local de residência, 44,6% residiam na zona urbana, 44,6% na zona periurbana e 7,3% na zona rural.

Entre os participantes, 1.634 eram escolares (48,6%), dos quais 816 (49,9%) do gênero masculino e 818 (50,1%) do feminino. Dos 1.728 adolescentes (51,4%) pesquisados, 773 (45,0%) eram do gênero masculino e 955 (55,0%) do feminino.

A prevalência de asma entre os escolares foi de 25,2%, enquanto que entre os adolescentes esta foi de 15,9% (χ2 = 8,34; p = 0,00). Foram mais prevalentes no grupo de escolares os seguintes sintomas: presença de sibilância alguma vez na vida, sibilância nos últimos 12 meses, de 1 a 3 crises de sibilância no ano e tosse seca noturna; estatisticamente significantes (p < 0,05).

Na Tabela 1, observa-se que a prevalência de asma entre os escolares do gênero masculino e feminino foi de 25,9% e de 24,6%, respectivamente (χ2 = 0,16; p = 0,69). No grupo de adolescentes, esta prevalência foi de 17,1% e de 15,0%, respectivamente (χ2 = 0,38; p = 0,53), sem diferença entre os gêneros. Com exceção da questão 1 (sibilância alguma vez na vida), não foram verificadas diferenças na proporção de sintomas de asma entre os gêneros no grupo de escolares. Entre os adolescentes, não foram verificadas diferenças quanto ao gênero em nenhum dos sintomas. A prevalência de asma grave foi de 4,7% e 3,0% para escolares e adolescentes, respectivamente, sem diferenças entre os grupos etários.



Considerando os grupos analisados, estudantes de escolas privadas apresentaram uma proporção de asma 6,4% maior do que aqueles de escolas públicas; diferença sem significância estatística (χ2 = 0,15; p = 0,70). Não foram verificadas diferenças na prevalência de asma entre residentes na zona urbana e rural. No entanto, quando comparadas as zona urbana e periurbana, estudantes moradores nas regiões centrais da cidade apresentaram maior proporção de asma do que aqueles da zona periurbana (χ2 = 6,61; p = 0,01).

Discussão

No presente estudo, observou-se maior prevalência de asma e de sintomas relacionados no grupo dos escolares, semelhante ao verificado em outros estudos,(4,9) que mostram redução da prevalência de asma na adolescência.(15,16)

A prevalência de asma em ambos os grupos situou-se dentro dos limites de variação verificados na literatura brasileira e internacional por outros autores.(6,9,17,18) Em Cuiabá, em um único estudo realizado em MT utilizando o questionário ISAAC, a prevalência da asma em escolares foi de 28,2%, enquanto a prevalência em adolescentes foi de 26,4%.(19) Entretanto, os autores classificaram como caso de asma aqueles estudantes cuja resposta foi positiva à questão "teve asma ou bronquite alguma vez na vida?", o que limita a comparabilidade com este estudo, cujo critério de definição de caso foi o padronizado segundo o método proposto. Além disso, o uso do termo bronquite como sinônimo de asma, segundo os próprios autores, pode levar a uma prevalência maior de asma.

A ação irritativa dos poluentes ambientais intra- e extradomiciliares e da baixa umidade relativa do ar sobre o trato respiratório em alguns períodos do ano pode causar sibilância em graus variados. Por outro lado, em períodos de alta umidade, próprios da região Amazônica, o crescimento de fungos no ambiente e o maior tempo de permanência dos indivíduos no ambiente intradomiciliar podem influenciar a ocorrência da doença. Uma variação sazonal foi documentada por alguns autores nos atendimentos em unidades de emergência por asma, com pico nos meses chuvosos de março e outubro.(20) No entanto, não é possível inferir se essa variação influencia a prevalência da doença ou se somente condiciona a maior gravidade dos casos e, consequentemente, o aumento dos atendimentos em setores de emergência.

Algumas características do município de Tangará da Serra e da região podem ter contribuído para a prevalência de asma observada, como a cultura de algodão, que induz a polinização, e a poluição do ar, que possivelmente tem sua dispersão dificultada pela barreira formada pela Serra dos Parecis e Tapirapuã. A microrregião de Tangará da Serra possui extensa área de cultivo de cana-de-açúcar, cujas queimadas lançam poluentes prejudiciais à saúde humana na atmosfera; recebendo ainda emissões provenientes das queimadas geradas na área do arco do desmatamento. A poluição possivelmente está associada tanto ao aumento da prevalência de asma e aos efeitos na exacerbação de sintomas em crianças asmáticas, quanto ao maior número de visitas a serviços de emergência e internações por essa doença.(21,22) O aumento dos níveis de poluição atmosférica parece afetar de modo distinto crianças asmáticas e não-asmáticas, com maior prejuízo para as primeiras.(23)

Sabe-se que a ocorrência de sibilância é duas vezes mais comum na população do que episódios de asma propriamente ditos, uma vez que outras situações, como infecções virais, especialmente aquelas causadas por vírus sincicial respiratório, síndromes eosinofílicas e parasitoses, podem ocasionar sibilância transitória.(16,24) Estes fatores podem explicar a alta prevalência de sibilância nos grupos estudados.

Em estudos realizados, observou-se menor prevalência de diagnóstico médico de asma quando comparado à presença ou não de sibilância nos últimos 12 meses, com importante variabilidade entre as regiões do mundo e no Brasil,(4,6,9,17) observação feita também neste estudo.

Outros municípios inseridos em área de bioma Amazônico, como Manaus e Belém, tiveram prevalência de diagnóstico médico de asma em adolescentes acima da média do país (19,7% e 32,8%, respectivamente), possivelmente condicionada, entre outros fatores, ao clima quente e úmido.(9) Por outro lado, a questão com maior sensibilidade para identificação de caso de asma é a que se refere a sibilância nos últimos 12 meses.(3) Assim, a semelhança dos achados para esse item, quando comparado neste estudo ao diagnóstico através do ISAAC, sugere a ocorrência de subdiagnóstico médico de asma em ambos os grupos.

É provável que critérios diagnósticos, questões culturais, tais como a aceitação da doença pela família, a percepção da gravidade dos sintomas pelos responsáveis pelo paciente, a qualidade dos serviços de saúde e dos registros, o déficit no acesso aos serviços de saúde e a baixa sensibilização dos profissionais na identificação de casos possam contribuir para o subdiagnóstico de asma, explicando a variabilidade existente no país.

Ainda que indivíduos do gênero masculino tenham sido descritos como aqueles com maior risco para asma,(1,2) no presente estudo, a prevalência de asma foi similar para ambos os gêneros. Parece haver uma relação inversa entre o grupo etário e a prevalência de asma quanto ao gênero. Em vários estudos observou-se que a doença é mais prevalente nos meninos na infância e nas meninas na adolescência.(9,25,26) Essa diferença seria decorrente, possivelmente, de fatores hormonais.

Aproximadamente, entre 5% e 10% dos casos de asma são graves.(2) No Brasil, a prevalência de asma grave variou de 2,6% a 9,1% entre adolescentes e de 2,9% a 8,5% entre os escolares.(9) No presente estudo, a asma grave situou-se dentro desses limites de variação.

Em um estudo no Distrito Federal, observou-se maior prevalência de asma grave nas adolescentes.(27) Por outro lado, em dois centros urbanos estudados no Chile,(7) verificou-se uma maior prevalência dessa condição nos escolares. Em Tangará da Serra, os valores foram similares entre escolares e adolescentes.

Observou-se similaridade entre as prevalências de asma grave e diagnóstico médico de asma no presente estudo. Possivelmente os profissionais estejam diagnosticando os casos mais graves da doença.

A maior prevalência de asma verificada na zona urbana, quando comparada à prevalência entre estudantes moradores da zona periurbana, mostra a relevância de futuras investigações da relação entre asma e as características dessa população.

Ainda que o questionário utilizado tenha sido padronizado internacionalmente, validado para uso no Brasil e seja um método seguro, não dispendioso e não invasivo para a identificação de asma em escolares e adolescentes,(3,4,5) episódios menores de sibilância podem não ser lembrados pelos pais ou responsáveis. Os mesmos podem confundir roncos ou estertores com sibilos, além da possível limitação na compreensão das questões, especialmente em grupos menos escolarizados.

É provável que muitos estudantes com asma e seus familiares não disponham de informações adequadas para compreender a importância das medidas de controle e gerenciamento de crises, especialmente levando-se em consideração a fase peculiar do desenvolvimento de crianças e adolescentes e as implicações da doença sobre as atividades da vida diária dos mesmos.(1,2) A asma, quando não adequadamente controlada, pode levar a maior susceptibilidade ao remodelamento brônquico e à perda da função pulmonar, assim como à piora na qualidade de vida.(28).

Propõe-se discutir e implantar políticas públicas locais, articuladas à política nacional, que considerem a promoção da saúde e a prevenção da doença para todos os indivíduos, assim como o tratamento e o acompanhamento adequados dos asmáticos, com grupos de suporte e orientação para suas famílias na comunidade. Além disso, parece pertinente a incorporação de um modelo de cuidados para condições crônicas como o sugerido pela Organização Mundial de Saúde,(29) que propõe o estabelecimento de um ambiente político favorável, com parcerias comunitárias e fortalecimento do vínculo entre pacientes, equipes e famílias.

Em conclusão, Tangará da Serra apresenta elevada prevalência de asma entre escolares e adolescentes, resultado compatível com outros estudos realizados no Brasil e na América Latina utilizando o mesmo instrumento.

Referências

1. Global Initiative for Asthma (GINA) [homepage on the Internet]. Bethesda: National Heart, Lung and Blood Institute. National Institutes of Health, US Department of Health and Human Services; c2000 [cited 2007 Aug 17]. Available from: http://www.ginasthma.org/

2. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 7):S447-S474.

3. Solé D, Vanna AT, Yamada E, Rizzo MC, Naspitz CK. International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) written questionnaire: validation of the asthma component among Brazilian children. J Investig Allergol Clin Immunol. 1998;8(6):376-82.

4. Worldwide variations in the prevalence of asthma symptoms: the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC). Eur Respir J. 1998;12(2):315-35.

5. International Study of Asthma and Allergies in Childhood - ISAAC [homepage on the Internet]. New Zealand: International Study of Asthma and Allergies in Childhood. [cited 2007 Apr 20]. Available from:
­http:­/­/­isaac.auckland.ac.nz/

6. Asher MI, Montefort S, Björkstén B, Lai CK, Strachan DP, Weiland SK, et al. Worldwide time trends in the prevalence of symptoms of asthma, allergic rhinoconjunctivitis, and eczema in childhood: ISAAC Phases One and Three repeat multicountry cross-sectional surveys. Lancet. 2006;368(9537):733-43. Erratum in: Lancet. 2007;370(9593):1128.

7. Mallol J, Aguirre V, Aguilar P, Calvo M, Amarales L, Arellano P, et al. Cambios en la prevalencia de asma en escolares chilenos entre 1994 y 2002. Rev Méd Chile. 2007;135(5):580-6.

8. Pearce N, Douwes J. The Latin American exception: why is childhood asthma so prevalent in Brazil? J Pediatr (Rio J). 2006;82(5):319-21.

9. Solé D, Wandalsen GF, Camelo-Nunes IC, Naspitz CK; ISAAC - Brazilian Group. Prevalence of symptoms of asthma, rhinitis, and atopic eczema among Brazilian children and adolescents identified by the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) - Phase 3. J Pediatr (Rio J). 2006;82(5):341-6.

10. Adital [homepage on the Internet]. Fortaleza: Agência de Informação Frei Tito para América Latina. [cited 2008 Apr 13] Silva JK, Nascimento JA. Amazônia: uma análise das migrações com base no censo demográfico 2000. Available from: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=26357

11. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério do Planajamento, Orçamento e Gestão. [cited 2007 May 20]. Available from: www.ibge.gov.br

12. Instituto Nacional de Meteorologia - INMET [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; c2006 [cited 2007 May 20]. Available from: www.inmet.gov.br

13. Canasat - Mapeamento da área plantada de cana-de-açúcar no Brasil [homepage on the Internet]. São Jose dos Campos: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Divisão de Sensoriamento Remoto. [cited 2007 Nov 26]. Available from: http://www.dsr.inpe.br/mapdsr

14. Asher MI, Keil U, Anderson HR, Beasley R, Crane J, Martinez F, et al. International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC): rationale and methods. Eur Respir J. 1995;8(3):483-91.

15. Kamoi TO, Rosario Filho NA, Farias L. História natural da asma em crianças: há remissão na adolescência? Pediatria. 1998;20(4):310-5.

16. Taussig LM, Wright AL, Holberg CJ, Halonen M, Morgan WJ, Martinez FD. Tucson Children's Respiratory Study: 1980 to present. J Allergy Clin Immunol. 2003;111(4):661-75; quiz 676.

17. Cassol VE, Solé D, Menna-Barreto SS, Teche SP, Rizzato TM, Maldonado M, et al. Prevalence of asthma among adolescents in the city of Santa Maria, in the state of Rio Grande do Sul, Brazil: International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) project. J Bras Pneumol. 2005;31(3):191-6.

18. Maia JG, Marcopito LF, Amaral NA, Tavares BF, Santos FA. Prevalência de asma e sintomas asmáticos em escolares de 13 e 14 anos de idade. Rev Saúde Pública. 2004;38(2):292-9

19. Amorim AJ, Daneluzzi JC. Prevalência de asma em escolares. J Pediatr (Rio J). 2001;77(3):197-202.

20. Valença LM, Restivo PC, Nunes MS. Seasonal variations in emergency room visits for asthma attacks in Gama, Brazil. J Bras Pneumol. 2006;32(4):284-9.

21. Solé D, Camelo-Nunes IC, Wandalsen GF, Pastorino AC, Jacob CM, Gonzalez C, et al. Prevalence of symptoms of asthma, rhinitis, and atopic eczema in Brazilian adolescents related to exposure to gaseous air pollutants and socioeconomic status. J Investig Allergol Clin Immunol. 2007;17(1):6-13.

22. Chew FT, Goh DY, Ooi BC, Saharom R, Hui JK, Lee BW. Association of ambient air-pollution levels with acute asthma exacerbation among children in Singapore. Allergy. 1999;54(4):320-9.

23. Vedal S, Petkau J, White R, Blair J. Acute effects of ambient inhalable particles in asthmatic and nonasthmatic children. Am J Respir Crit Care Med. 1998;157(4 Pt 1):1034-43.

24. Martinez FD. Development of wheezing disorders and asthma in preschool children. Pediatrics. 2002;109(2 Suppl):362-7.

25. Siroux V, Curt F, Oryszczyn MP, Maccario J, Kauffmann F. Role of gender and hormone-related events on IgE, atopy, and eosinophils in the Epidemiological Study on the Genetics and Environment of Asthma, bronchial hyperresponsiveness and atopy. J Allergy Clin Immunol. 2004;114(3):491-8.

26. Mandhane PJ, Greene JM, Cowan JO, Taylor DR, Sears MR. Sex differences in factors associated with childhood- and adolescent-onset wheeze. Am J Respir Crit Care Med. 2005;172(1):45-54.

27. Felizola ML, Viegas CA, Almeida M, Ferreira F, Santos MC. Prevalence of bronchial asthma and related symptoms in schoolchildren in the Federal District of Brazil: correlations with socioeconomic levels. J Bras Pneumol. 2005;31(6):486-91.

28. Morgan WJ, Stern DA, Sherrill DL, Guerra S, Holberg CJ, Guilbert TW, et al. Outcome of asthma and wheezing in the first 6 years of life: follow-up through adolescence. Am J Respir Crit Care Med. 2005;172(10):1253-8.

29. Organização Mundial de Saúde. Cuidados inovadores para condições crônicas Componentes estruturais de ação - relatório mundial. Brasília: OMS; 2002.


Sobre os autores

Antonia Maria Rosa
Docente da Disciplina de Saúde da Criança e do Adolescente. Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT - Cáceres (MT) Brasil.
Eliane Ignotti
Docente do Programa de Mestrado em Saúde Pública. Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT - Cuiabá (MT) Brasil.
Docente da Disciplina de Epidemiologia. Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT - Cáceres (MT) Brasil
Sandra de Souza Hacon
Docente do Programa de Mestrado e Doutorado. Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Instituto Oswaldo Cruz -­ ­ENSP­/­FIOCRUZ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Hermano Albuquerque de Castro
Docente do Programa de Mestrado e Doutorado. Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Instituto Oswaldo Cruz -­ ­ENSP­/­FIOCRUZ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.


Trabalho realizado na Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT - Cáceres (MT) Brasil, Escola Nacional de Saúde ­Pública­/­Fundação Osvaldo Cruz - ENSP/FIOCRUZ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil, e no Programa de Mestrado em Saúde Pública, Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT - Cuiabá (MT) Brasil.
Endereço para correspondência: Antonia Maria Rosa. Universidade do Estado de Mato Grosso, Avenida Getúlio Vargas, 2335,
Jardim Aida, CEP 78200-000, Cáceres, MT, Brasil.
Tel 55 65 9601-3465 ou 55 65 3221-0504. E-mail: antonia-mr@unemat.br ou antonia-mr@hotmail.com
Apoio financeiro: Este projeto de pesquisa foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo projeto PAPES IV FIOCRUZ/CNPq e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Mato Grosso (FAPEMAT).
Recebido para publicação em 1/1/2008. Aprovado, após revisão, em 26/5/2008.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia