ABSTRACT
Objective: To investigate operational aspects of tuberculin skin test (TST) use in tuberculosis control programs and at specialized Brazilian National Sexually Transmitted Diseases/AIDS and Viral Hepatitis Program health care clinics in priority municipalities for tuberculosis control in the state of Mato Grosso do Sul, Brazil. Methods: This was a descriptive, cross-sectional, epidemiological survey. Data on qualifications/training of professionals administering TSTs, timing of the TST, procedures in cases of loss to follow-up (reading), material availability, and material storage were collected through interviews and technical visits. For the 2008-2009 period, we determined the numbers of screenings in vulnerable populations, of TSTs performed, and of patients treated for latent tuberculosis. Results: We interviewed 12 program managers in six municipalities. Some programs/clinics did not perform TSTs. Nursing teams administered the TSTs, results were read by non-specialists, and specialization/refresher courses were scarce. The PPD RT23 was stored in 5-mL flasks under appropriate conditions. Insulin syringes were commonly used. Testing was available during business hours, three times a week. In cases of loss to follow-up, telephone calls or home visits were made. Of the 2,305 TSTs evaluated, 1,053 (46%) were performed in indigenous populations; 831 (36%) were screenings in prisons, performed for training; and only 421 (18%) involved contacts of tuberculosis patients or vulnerable populations. Four vulnerable patients and 126 indigenous subjects were treated for latent tuberculosis. Conclusions: These priority municipalities showed operational difficulties regarding human resources, materials, and data records.
Keywords:
Tuberculin test; Health services research; HIV; Latent tuberculosis; Chemoprevention.
RESUMO
Objetivo: Investigar a operacionalização da utilização do teste tuberculínico (TT) em programas de controle de tuberculose e em serviços de assistência especializada do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS e Hepatites Virais em municípios prioritários para o controle da tuberculose no estado de Mato Grosso do Sul. Métodos: Estudo epidemiológico descritivo, transversal, do tipo inquérito. A formação profissional dos responsáveis pela realização do TT, existência de treinamentos, período de realização dos TTs, conduta em caso de perda de leitura, insumos disponíveis e sua conservação foram levantados por meio de entrevistas e visitas técnicas. O número de inquéritos em populações vulneráveis, número de TTs realizados e número de pacientes em tratamento de tuberculose latente entre 2008 e 2009 foram também levantados. Resultados: Foram entrevistados 12 gestores de seis municípios. Alguns programas/serviços não realizavam o TT. A equipe de enfermagem realizava os TTs, não havia leitores especialistas, e treinamentos eram raros. A conservação dos frascos de PPD RT23 (5 mL) era adequada. Frequentemente utilizava-se a seringa de insulina. A realização de TT ocorria no horário comercial, três vezes na semana. Em caso de perda de leitura em alguns locais, realizava-se contato telefônico ou visita domiciliar. O total de TT realizados foi de 2.305, dos quais 1.053 (46%) foram realizados em populações indígenas, 831 (36%) foram realizados em ambientes prisionais para fins de treinamento (inquéritos), e apenas 421 (18%) foram realizados em contatos de pacientes com tuberculose e em populações vulneráveis. O tratamento de tuberculose latente foi realizado em 4 pacientes vulneráveis e em 126 indígenas. Conclusões: Os municípios prioritários demonstraram dificuldades operacionais em relação a recursos humanos, insumos e registros de informação.
Palavras-chave:
Teste tuberculínico; Pesquisa sobre serviços de saúde; HIV; Tuberculose latente; Quimioprevenção.
IntroduçãoA tuberculose latente atinge aproximadamente um terço da população mundial, e o risco de sua progressão para tuberculose ativa está estimado em até 10% ao ano entre pessoas infectadas pelo HIV, o que faz da tuberculose a doença oportunista mais frequente e que mais mata pessoas vivendo com HIV/AIDS no mundo.(1)
O teste tuberculínico (TT) é um dos instrumentos de identificação da tuberculose latente e é complementar para o diagnóstico de tuberculose ativa. O resultado do TT orienta a abordagem para o tratamento da tuberculose latente.(2-6) O TT é realizado por meio da técnica de Mantoux, que preconiza a aplicação de 0,1 mL (2 UT) de PPD RT23 na face anterior do antebraço. A leitura é realizada no período de 48-72 h.(4,7,8) Um indivíduo é considerado infectado quando o resultado do teste (área de enduração) for maior ou igual a 10 mm. São exceções as pessoas com imunodepressão, cujo ponto de corte estabelecido é de 5 mm.(7)
Estratégias para reduzir a incidência de tuberculose em pessoas com HIV/AIDS incluem o uso preventivo de isoniazida em pacientes com tuberculose latente, a indicação de terapia antirretroviral e medidas de prevenção de transmissão da doença na comunidade, detectando precocemente os casos bacilíferos.(1,8)
Na abordagem preventiva, são prioritários os indivíduos que têm imunodepressão ou que recebem tratamento com imunodepressores, crianças menores de dois anos e idosos, assim como profissionais e estudantes que estejam sob maior risco de se infectar devido à exposição ocupacional.(9-13)
O tratamento da tuberculose latente com isoniazida é de fundamental importância no controle da tuberculose, podendo reduzir o risco de adoecimento em 60-90% dos casos.(13,14)
Dificuldades operacionais na identificação da tuberculose latente são importantes barreiras na implementação da terapia preventiva com isoniazida.(15)
O objetivo do presente estudo foi investigar a operacionalização da utilização do TT em programas de controle de tuberculose (PCT) e em serviços de assistência especializada (SAE) do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)/AIDS e Hepatites Virais em municípios considerados prioritários para o controle da doença no estado de Mato Grosso do Sul.
MétodosRealizou-se um estudo epidemiológico descritivo, transversal, do tipo inquérito.
No estado de Mato Grosso do Sul, foram escolhidos seis municípios considerados prioritários em função do desempenho e dos indicadores epidemiológicos lá encontrados. O inquérito foi realizado entre maio e julho de 2010.
Foram entrevistados seis coordenadores municipais de PCT; quatro gerentes dos SAE, abrangendo cinco municípios prioritários do PCT, incluindo um SAE responsável por dois municípios prioritários; um coordenador estadual de PCT; e um coordenador estadual do Programa DST/AIDS e Hepatites Virais.
Todas as unidades foram submetidas a uma visita técnica por uma das pesquisadoras.
Para cada município, foram levantados os principais aspectos operacionais na utilização do TT - organização do serviço (recursos humanos, insumos e acesso do paciente ao exame) e indicadores da realização do TT (inquéritos, número de TTs realizados e número de tratamentos de tuberculose latentes realizados). Quando não havia registros ou informações sobre os dados pesquisados, os motivos para a não realização do TT eram questionados.
Foram temas da entrevista a formação profissional dos responsáveis pela aplicação e leitura do TT, a ocorrência de treinamentos, os insumos disponíveis, os dias da semana reservados para a realização do TT e a conduta no caso de perda de leitura do resultado do TT. Levantou-se o número de inquéritos em populações vulneráveis, o número de TTs realizados e o número de tratamentos de tuberculose latente realizados entre 2008 e 2009.
As fontes de informações secundárias foram os livros de registro de TT (se existentes), os livros de pacientes e os registros de acompanhamento de tratamento dos casos de tuberculose, assim como os resultados de TT em prontuários ou em dados relativos ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (casos de tuberculose e AIDS).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, sob o protocolo nº 1722.
ResultadosDentre os municípios estudados, observou-se uma característica similar quanto aos recursos humanos: a equipe de enfermagem dos PCT e dos programas de imunização era responsável pela realização do TT. Em geral, o TT era realizado por um técnico de enfermagem ou pelo gerente do programa (enfermeiros quase na sua totalidade), como pode ser observado no Quadro 1.
Em todos os municípios prioritários, todos os PCT ofertavam e realizavam o TT. Dos quatro gerentes do SAE dos municípios prioritários incluídos no estudo, um se recusou a participar do estudo. Dos três SAE investigados, apenas dois realizavam o TT.
Na capital, com a descentralização do PCT para os distritos sanitários, a realização do TT foi atribuída aos enfermeiros de unidades de estratégia de saúde da família. O gestor do PCT na capital do estado informou que foram realizados 169 TTs, incluindo os inquéritos realizados em ambientes prisionais e os testes realizados em dois SAE.
Todos os profissionais informaram que aprenderam a fazer o TT com a experiência profissional. Foi relatado que os treinamentos para vacinadores de BCG eram os momentos selecionados para capacitar os profissionais para a realização do TT.
Não foram relatados treinamentos para os profissionais dos SAE investigados; porém, em quatro dos PCT, foi relatado que no mínimo um treinamento ocorreu para os profissionais que realizavam o TT em presídios ou penitenciárias entre 2008 e 2009.
Foi relatado que o PCT estadual realizou dois treinamentos em estabelecimentos prisionais no ano de 2009 na capital, com a capacitação de 26 profissionais de dois municípios prioritários. O objetivo principal dos treinamentos era o aprimoramento da técnica de aplicação e a padronização da leitura. Nenhum dos municípios dispunha de profissionais considerados especialistas em leitura do TT.
Quanto aos insumos, em apenas um PCT não se utilizava a seringa específica para o TT. Nesse caso, o procedimento era realizado utilizando-se seringas de insulina, disponíveis no programa de imunização. Nos SAE, a seringa de insulina era mais frequentemente usada. Em apenas um SAE utilizava-se a seringa específica para o TT.
Todos os locais investigados tinham frascos de 5 mL PPD RT23 mantidos sob refrigeração adequada, com controle de temperatura, em refrigeradores compartilhados com o programa de imunização dos locais. Foram encontrados frascos abertos por mais de 30 dias e com data de validade vencida em um dos municípios.
A oferta da realização do TT ocorria no horário comercial, das 7-11 h e das 13-17 h, três vezes na semana. Não havia demandas reprimidas para a realização do exame. Quando o paciente não retornava para a leitura, não havia uma conduta específica nos SAE. Entretanto, nos PCT de cinco dos municípios, informou-se a realização de contato telefônico e, nos PCT de quatro dos municípios, informou-se a realização de visitas domiciliares.
Em nenhum dos SAE havia a informação da quantidade de TT realizados. Nos PCT, os registros foram contados manualmente no livro de pacientes e no livro de acompanhamento de tratamento dos casos de tuberculose. Fontes de informações como livros de registros para TT eram inexistentes; os resultados eram disponíveis exclusivamente nos prontuários médicos.
Em um levantamento realizado em uma das unidades de referência na capital para o acompanhamento ambulatorial de pessoas vivendo com HIV/AIDS, observou-se que, entre 2008 e 2009, de 140 pacientes acompanhados, 113 (80,7%) nunca haviam realizado o TT. A mediana do tempo de acompanhamento ambulatorial desses pacientes foi de 8 anos. Na ocasião, esse serviço de referência não contava com um profissional treinado, não havia insumos para a realização do TT, e não havia isoniazida para ofertar a esses pacientes. Não havia registros, até aquele ano, de realização de tratamento de tuberculose latente.
Em quatro PCT, não havia registros de tratamento de tuberculose latente nos anos estudados; nos SAE, havia o registro de apenas dois pacientes tratados. No total, quatro pacientes foram tratados.
Foi informada a realização de 421 TTs nos PCT e SAE nos municípios prioritários para tuberculose. O total de TTs realizados foi de 2.305, dos quais 1.053 (46%) foram realizados em populações indígenas, 831 (36%) foram realizados em ambientes prisionais para fins de treinamento (inquéritos), e apenas 421 (18%) foram realizados em contatos de pacientes com tuberculose ou em populações prioritárias, como pessoas vivendo com HIV/AIDS.(16)
Nas populações indígenas, a realização do TT resultou em 124 tratamentos de tuberculose latente, destacando-se em relação a todos os municípios prioritários que tinham PCT e SAE.(16)
Cinco inquéritos foram realizados em estabelecimentos prisionais, e um deles foi realizado em um quartel; Tais inquéritos foram motivados pela busca de contatos de pacientes com tuberculose ou voltados exclusivamente para capacitações técnicas.
Não havia registros de inquéritos em relação ao TT em outras populações, como acadêmicos e profissionais da área de saúde, pacientes em centros de reumatologia, transplantados ou outros grupos vulneráveis.
Os motivos apontados para a não realização do TT em uma frequência maior foram a falta de rotina implementada, a baixa credibilidade nos resultados do TT, o esquecimento de solicitação anual para a realização do TT em pessoas com HIV/AIDS e o desconhecimento da indicação de tratamento de tuberculose latente.
DiscussãoEmbora os municípios estudados sejam prioritários para desenvolver as ações do PCT, esses mostraram dificuldades operacionais nos eixos principais, como recursos humanos, insumos e registros de informação.
As dificuldades operacionais encontradas nos PCT e nos Programas de DST/AIDS foram a baixa utilização do TT, o número insuficiente de profissionais treinados, a ausência de leitores especialistas, a falta de uniformização no tipo de seringas utilizadas, a inexistência de registros do número de provas realizadas e a ausência de informação sobre o tratamento de tuberculose latente.
Em inúmeros países, essas dificuldades operacionais são assinaladas, tanto para a realização do TT, quanto para a abordagem medicamentosa.(15,17) Estima-se que apenas 1,3% da população tenha sido beneficiada com o tratamento preventivo da tuberculose no mundo em 2009. Todavia, observa-se que o número de países que adotaram essa política aumentou gradativamente de 8 para 102 entre 2002 e 2009.(1)
Em 2009, o Programa Nacional de DST/AIDS e Hepatites Virais realizou um inquérito nos SAE com o objetivo de monitorizar a realização de tratamento de tuberculose latente, utilizando o Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM). Foi acrescentado no formulário de solicitação de terapia antirretroviral um campo para o registro da realização do TT e da abordagem terapêutica. De 21 estados brasileiros que informaram a realização do TT a partir dos SAE para o Ministério da Saúde, foi contabilizada a realização de apenas 7.972 TTs, resultando em 539 tratamentos de tuberculose latente (Quadro 2).
No estado do Mato Grosso do Sul, foi informada a realização de 148 TTs em pessoas cadastradas no SICLOM, resultando em 21 tratamentos de tuberculose latente. Fica clara a ausência de registros, a inexistência de envio regular de informações para o gestor estadual em todo o país e a baixa realização do TT entre populações vulneráveis.
Em 2010, a população estimada de pessoas vivendo com HIV/AIDS no Brasil foi de 592.914.(18) Desses, pelo menos 80% deveriam ter sido testados anualmente, ou seja, 474.331 indivíduos. Desses 474.331 indivíduos, considerando-se que a positividade esperada no TT fosse da ordem de 20%, 94.866 indivíduos poderiam ter a indicação de tratamento de tuberculose latente. No entanto, somente houve o registro de 7.972 indivíduos testados, ou seja, 1,68% (7.972/474.331) da meta recomendada, e houve o registro de apenas 573 indivíduos submetidos a tratamento para tuberculose latente, ou seja, 0,6% do esperado (573/94.866).
A rotina de utilização do TT encontra uma intersecção entre aquilo que é recomendado e o que é praticado. Apesar dos 18 anos de coleta de evidências científicas que corroboram a importância da realização do TT e do tratamento preventivo da tuberculose latente, isso não parece refletir nem no número de TTs realizados nos diversos grupos que têm indicação de realização anual do TT, nem no número de tratamentos para tuberculose latente.(15)
As recomendações internacionais quanto à realização do TT em populações vulneráveis datam do ano de 1965, e, em 1993, a Union Against Tuberculosis and Lung Disease, em conjunto com a Organização Mundial de Saúde, fez uma ampla recomendação quanto à realização do TT e ao tratamento de indivíduos com tuberculose latente.(1) Essa orientação foi reforçada em 1998 e em 2004.(1,8,15,16) Em pessoas portadoras de HIV, os Centers for Disease Control and Prevention orientam a realização do TT e o tratamento com isoniazida desde 1997.(19)
Estudos operacionais realizados em diversos estados brasileiros revelam que a organização dos serviços de saúde pode interferir no acesso ao diagnóstico, no tempo de diagnóstico, na adesão ao tratamento e na permanência do indivíduo no programa.(20,21)
Quanto à provisão de insumos, a falta de padronização de seringas para o TT interfere na adequada realização desse devido à imprecisão da dose recomendada, o que pode incrementar o número de testes falso-negativos.(22)
As perdas de PPD nos frascos são estimadas em 50%; porém, essa perda pode ser reduzida quando a seringa padronizada for utilizada e quando os profissionais forem treinados para o manuseio correto do produto. A baixa solicitação favorece as perdas por vencimento do prazo de validade, por contaminação ou mesmo pela manutenção de um frasco aberto por mais de 30 dias, que ocasiona a perda de potência e, consequentemente, aumenta o número de resultados falso-negativos.
Em 2009, houve alterações na distribuição de PPD, sendo esse, a partir de então, distribuído em frascos de 1,5 mL pelo Ministério da Saúde.
É conhecida a influência do tamanho do frasco de PPD nos resultados do TT devido à adsorção de PPD à parede do frasco em virtude da relação do volume do produto com a superfície interna; portanto, frascos com menor volume (1,5 mL) podem produzir resultados com enduração menor quando comparados àqueles obtidos a partir de frascos de PPD com volume de 5 mL.(23)
As dificuldades operacionais na realização dos TTs nos finais de semana e a ausência de uma estratégia, nos SAE, para buscar o paciente que não retornou para a leitura podem ser fatores que diminuem o impacto esperado da eficácia do uso do TT.
É necessária a inserção do cálculo da proporção de casos de infecção latente e de tratamento de tuberculose latente como um indicador obrigatório, o que incentivaria a reorganização dos serviços para aumentar a utilização do TT.(6)
Duas experiências bem sucedidas foram observadas em um SAE e em um programa que atendia uma população indígena durante o período do presente estudo. Após a constatação da baixa solicitação de TTs no ano de 2008 (19,27%), no ano subsequente, 109 pessoas vivendo com HIV/AIDS foram submetidas ao TT. A realização do TT foi organizada de tal forma que, no dia da coleta de amostras para carga viral e contagem de células CD4 e CD8, também fosse realizado o TT. Nesses pacientes, foi encontrada uma prevalência de tuberculose de 13,9%.(11)
Destacamos a elevada proporção de TTs realizados nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas da Secretaria Especial de Saúde Indígena, nos quais se observou uma elevada cobertura da população em relação ao TT e ao tratamento de tuberculose latente, em uma proporção muito superior do que aquela na população em geral.
Nesses dois serviços, os eixos operacionais estavam organizados. Dispunham de estratégias para diminuir as perdas de leitura e tinham garantia de fornecimento do medicamento para o tratamento preventivo. As informações encontravam-se sistematizadas em livros próprios de registros.
É importante destacar que, aparentemente, a descentralização para as unidades básicas na capital não aumentou a utilização do TT e que essa descentralização pode ter interferido na organização das unidades de referência.
A realização do TT deveria ser descentralizada para além dos PCT: para as unidades de referência (locais que atendem pacientes com HIV/AIDS, transplantados, pacientes com doenças renais crônicas e aqueles com doenças reumatológicas) e, posteriormente, para as unidades básicas de saúde, onde a demanda tende a ser menor.
A definição de municípios prioritários para a tuberculose deveria também incluir como prioridade os casos de HIV/AIDS, permitindo o redirecionamento e a articulação de políticas que reduzissem o custo, que aperfeiçoassem a adesão das estratégias operacionais e que diminuíssem a duplicidade de esforços.(6) Do contrário, corre-se o risco de manter a situação observada no presente estudo.
É fundamental salientar que as habilidades requeridas dos profissionais na aplicação e leitura dessa técnica envolvem tempo, preparação formal e experiência, que, somadas a uma baixa oferta da realização do TT (nas unidades básicas de saúde), podem contribuir para o fato de que os profissionais não estejam suficientemente aptos para essa realização.
Devido ao crescimento da rede de saúde, elevou-se o número de profissionais contratados, houve diminuição da oferta de capacitações, e o número de profissionais anteriormente treinados reduziu-se substancialmente. Os treinamentos deveriam ser realizados anualmente, buscando-se a formação de novos leitores especializados.(18,22,24-26)
Apesar das inúmeras evidências em estudos brasileiros e internacionais recomendando a triagem em estudantes e profissionais na área de saúde, na sua admissão e com acompanhamento anual, essa política não foi observada, inviabilizando a profilaxia nessa população exposta ao risco.(11,14,27)
Um único inquérito tuberculínico em profissionais de saúde, no estado, foi realizado em 2004, no qual foi encontrada uma prevalência de 37,8% de tuberculose latente. No entanto, o referido inquérito não resultou em seguimento anual ou em tratamento preventivo nos casos de viragem tuberculínica.(10)
A pequena integração entre os programas de DST/AIDS e os de tuberculose constitui-se uma barreira operacional.(15) É recomendável e urgente a integração do PCT com outros centros de referência que necessitam realizar o TT para a identificação de tuberculose latente em contatos adultos, em indivíduos em uso de inibidores de TNF- e em transplantados em terapia imunossupressora ou em uso de corticosteroides.(7)
Os motivos apresentados para a não realização da triagem tuberculínica e o tratamento são descritos na literatura e se assemelham aos relatados no estudo, resumindo-se em pouca experiência no manejo da terapia preventiva entre médicos e pouca clareza do benefício da terapia preventiva,(1,20) somados ao descrédito no TT e a um baixo número de profissionais treinados, devido à alta rotatividade.(16,20)
Outros motivos que podem ser consideradas barreiras operacionais são as dificuldades do paciente em compreender o uso do tratamento preventivo associado ao seu baixo nível socioeconômico, resultando na falta de adesão ao tratamento.(16,20)
Os PCT e os SAT que atendem pessoas com tuberculose e indivíduos convivendo com HIV/AIDS pouco realizam o TT e o tratamento de tuberculose latente em grupos considerados prioritários. Ações conjuntas do Plano Nacional de Controle da Tuberculose e do Plano Nacional de DST/AIDS e Hepatites Virais poderiam efetivar a redução da tuberculose em longo prazo. A rede de atenção deve se reorganizar para garantir um fluxo de informação entre os níveis hierárquicos do sistema de saúde, resultando no acesso à realização da triagem tuberculínica e à proposição do tratamento da tuberculose latente, quando indicado.
O TT se mantém como um método valioso para o controle da tuberculose. Estudos operacionais para avaliar as barreiras que dificultam a utilização desse instrumento diagnóstico, bem como para o tratamento, deveriam ser realizados nos estados brasileiros.
AgradecimentosAgradecemos ao Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, à Coordenação Estadual do Programa de DST/AIDS e Hepatites Virais de Mato Grosso do Sul, à Coordenação do Programa de Tuberculose Estadual e aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI/MS) da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) do Mato Grosso do Sul que cederam gentilmente as informações.
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* Trabalho realizado no Hospital-Dia Professora Esterina Corsini, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande (MS) Brasil.
Endereço para correspondência: Sandra Maria do Valle Leone de Oliveira. Hospital-Dia Prof. Esterina Corsini, NHU/UFMS, Rua Senador Filinto Muller, s/n, CEP 79080-190, Campo Grande, MS, Brasil.
Fax: 55 67 3345-3651. E-mail: sandrinhaleone@gmail.com ou sandra.leone@ufms.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do International Clinical Operational and Health Services Research and Training Award (ICOHRTA AIDS/TB), Edital 2 U2R TW006883-06.
Recebido para publicação em 26/01/2011. Aprovado, após revisão, em 20/6/2011.
Sobre os autoresSandra Maria do Valle Leone de Oliveira
Doutoranda. Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas e Parasitárias, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande (MS) Brasil.
Antônio Ruffino-Netto
Professor Titular de Medicina Social. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Anamaria Mello Miranda Paniago
Professora Adjunta. Faculdade de Medicina Prof. Hélio Mandetta, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande (MS) Brasil.
Olcinei Alves de Oliveira
Enfermeiro. Núcleo de Hospital Universitário, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande (MS) Brasil.
Marli Marques
Coordenadora Estadual. Programa de Controle de Tuberculose, Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul, Campo Grande (MS) Brasil.
Rivaldo Venâncio da Cunha
Professor Associado. Faculdade de Medicina Prof. Hélio Mandetta, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande (MS) Brasil.
Renato Andreotti
Pesquisador. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa - Gado de Corte, Campo Grande (MS) Brasil.