ABSTRACT
Objective: To evaluate the effects that pulmonary resection has on pulmonary function and quality of life (QoL) in patients with primary or metastatic lung cancer. Methods: This was a prospective cohort study involving all patients submitted to pulmonary resection for cancer between September of 2006 and March of 2007 at the A. C. Camargo Hospital in São Paulo, Brazil. Patients underwent spirometry in the preoperative period and at six months after the surgical procedure. After a postoperative period of six months, the patients completed an overall QoL questionnaire (the Medical Outcomes Study 36-item Short-form Health Survey) and another one, specific for respiratory symptoms (the Saint George's Respiratory Questionnaire). The scores obtained in our study were compared with those previously obtained for a general population and for a population of patients with COPD. Results: We included 33 patients (14 males and 19 females), ranging in age from 39 to 79 years. All of the patients, smokers and nonsmokers alike, presented significant worsening of pulmonary function. The mean scores on the overall QoL questionnaire were approximately 5% lower than those obtained for the general population. The scores of various domains of the symptom-specific QoL questionnaire were 50-60% lower than those obtained for the general population and approximately 20% higher than those obtained for the population with COPD. Conclusions: Pulmonary resection has a direct negative impact on pulmonary function and QoL, especially on the QoL related to aspects directly linked to pulmonary function. We highlight the importance of preoperative assessment of pulmonary function in patients undergoing pulmonary resection, in order to predict their postoperative evolution.
Keywords:
Thoracic surgery; Lung neoplasms/surgery; Spirometry; Quality of life; Questionnaires.
RESUMO
Objetivo: Avaliar as repercussões da ressecção pulmonar sobre a função pulmonar e a qualidade de vida (QV) de pacientes com câncer de pulmão primário ou metastático. Métodos: Estudo de coorte prospectivo que incluiu todos os pacientes que realizaram ressecção pulmonar por neoplasia no Hospital A. C. Camargo entre setembro de 2006 e março de 2007. Os pacientes foram avaliados no pré-operatório e após seis meses do procedimento cirúrgico através de espirometria. Após seis meses de pós-operatório, os pacientes responderam a um questionário de QV geral (Medical Outcomes Study 36-item Short-form Health Survey) e um específico para sintomas respiratórios (Saint George's Respiratory Questionnaire). Os valores de QV obtidos foram comparados a valores de uma população geral e aos de uma população de portadores de DPOC. Resultados: Foram incluídos 33 pacientes (14 homens e 19 mulheres), com idade entre 39 e 79 anos. Todos os pacientes, tabagistas ou não, apresentaram piora significativa da função pulmonar. Observamos uma redução de aproximadamente 5% na média dos escores do questionário de QV geral em comparação àquela da população geral. Houve uma redução de 50-60% nos vários domínios do questionário específico para sintomas, quando comparado aos resultados da população geral, e um aumento de aproximadamente 20%, quando comparado aos resultados da população com DPOC. Conclusões: Existe impacto direto da ressecção pulmonar na deterioração da função pulmonar e na QV com ênfase nos aspectos diretamente ligados à função pulmonar. Cabe ressaltar a importância da avaliação da função pulmonar destes pacientes no pré-operatório para se estimar sua evolução pós-cirúrgica.
Palavras-chave:
Cirurgia torácica; Neoplasias pulmonares/cirurgia; Espirometria; Qualidade de vida; Questionários.
IntroduçãoA cirurgia é considerada a principal chance de cura para pacientes com carcinoma pulmonar. Entretanto, somente cerca de 20% dos pacientes têm indicação cirúrgica, pois a grande maioria apresenta estadiamento anatômico avançado no momento da avaliação ou apresenta comorbidades associadas que contraindicam a cirurgia.(1,2) Nesse contexto, dois aspectos assumem vital importância: a determinação da reserva funcional pulmonar, que indica e limita a ressecção cirúrgica, e a avaliação das repercussões do tratamento proposto na qualidade de vida (QV) do paciente.
A ressecção pulmonar pode ser realizada em pacientes com função pulmonar comprometida se eles forem selecionados apropriadamente.(3) Na seleção dos candidatos à ressecção pulmonar, a avaliação da reserva pulmonar através das provas de função pulmonar é de grande importância. O VEF1 pré-operatório é um parâmetro bastante utilizado para predizer a função pulmonar no pós-operatório.(4)
Avaliar o impacto funcional, assim como o impacto da doença e de seu tratamento na QV dos pacientes, têm se tornado cada vez mais importante.(5-7) De maneira geral, a QV é influenciada por vários aspectos considerados fundamentais, como o estado funcional, os aspectos físicos (ou sintomas somáticos), os aspectos psicológicos e as relações sociais.(8,9) Sendo assim, o próprio diagnóstico de câncer somado à ansiedade, ao medo e, posteriormente, às manifestações da doença e de seu tratamento, poderão influenciar e consequentemente modificar a QV dos pacientes.(10)
O presente estudo teve como objetivo avaliar as repercussões da ressecção pulmonar na função pulmonar e na QV de pacientes com diagnóstico de câncer de pulmão primário ou metastático.
MétodosO estudo foi aprovado pelos comitês de ética em pesquisa do Hospital A. C. Camargo e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Foram incluídos no estudo pacientes com diagnóstico de câncer de pulmão primário ou metastático submetidos à ressecção pulmonar curativa ou paliativa, realizada no Departamento de Cirurgia Torácica do Hospital A. C. Camargo, no período entre setembro de 2006 e março de 2007.
Os critérios de exclusão foram os seguintes: não-realização de ressecção pulmonar; evolução para óbito antes de seis meses de pós-operatório; não-confirmação histológica de neoplasia maligna pulmonar; reoperação antes de seis meses da primeira intervenção cirúrgica; ausência de comparecimento às consultas; pacientes que tinham mais de seis meses de pós-operatório na época da avaliação; e não-assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
O estudo foi delineado como um estudo de coorte prospectivo e foi dividido em duas etapas. Na primeira, realizamos um levantamento dos pacientes que foram submetidos à cirurgia para ressecção pulmonar entre setembro de 2006 e março de 2007, através do arquivo de cirurgias realizadas pelo Departamento de Cirurgia Torácica do Hospital A. C. Camargo. Os dados foram coletados do prontuário e transferidos para uma ficha de avaliação. Na segunda etapa, esses pacientes foram localizados por telefone para realizarem uma consulta com a fisioterapeuta no mesmo departamento após seis meses de pós-operatório.
A espirometria foi realizada mediante a utilização do espirômetro Microloop (Micro Medical Ltd.; Kent, Inglaterra), aceito pelas normas internacionais, seguindo a técnica preconizada na literatura.(11) Os valores obtidos na avaliação após seis meses de pós-operatório foram comparados com a espirometria realizada no pré-operatório.
Foram aplicados dois questionários de QV, sendo um específico-Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ, Questionário do Hospital Saint George na Doença Respiratória)-e outro geral, relacionado com as intervenções de cuidados com a saúde-Medical Outcomes Study 36-item Short-form Health Survey (SF-36). Os questionários de QV foram aplicados somente no período pós-operatório. Para a aplicação desses questionários, era agendada uma consulta, durante a qual o paciente recebia o questionário impresso e respondia as questões, solicitando esclarecimentos se necessário. Todos os pacientes eram alfabetizados e capazes de ler e interpretar as questões; entretanto, o nível de escolaridade de cada paciente não foi interrogado.
O SGRQ aborda aspectos relacionados a três domínios: sintomas, atividade e impactos psicossociais que a doença respiratória impõe ao paciente. Cada domínio tem uma pontuação máxima possível; os pontos de cada resposta são somados e o total é referido como um percentual deste máximo. Valores acima de 10% refletem uma QV alterada naquele domínio. Alterações iguais ou maiores que 4% após uma intervenção, em qualquer domínio ou na soma total dos pontos, indicam uma mudança significativa na QV dos pacientes.(12)
O SF-36 é formado por 36 itens, englobados em oito escalas ou componentes: capacidade funcional (10 itens); aspectos físicos (4 itens); dor (2 itens); estado geral de saúde (5 itens); vitalidade (4 itens); aspectos sociais (2 itens); aspectos emocionais (3 itens); saúde mental (5 itens); e mais uma questão de avaliação comparativa entre as condições de saúde atual e as condições de um ano atrás. Avalia tanto os aspectos negativos da saúde (doença ou enfermidade), como os aspectos positivos (bem-estar).(13,14)
Para a avaliação de seus resultados, após sua aplicação, é dado um escore para cada questão; posteriormente, o resultado é transformado em uma escala de 0 a 100, onde 0 corresponde ao pior estado de saúde e 100 ao melhor. Cada dimensão é analisada separadamente. Não existe um único valor que resuma toda a avaliação e que traduza um estado geral de saúde melhor ou pior, justamente para que, numa média de valores, evite-se o erro de não se identificar os verdadeiros problemas relacionados à saúde do paciente ou mesmo o erro de subestimá-los.(13-16)
Para a análise estatística do questionário SF-36, utilizamos para a comparação uma população de pacientes normais residentes na cidade de São Paulo.(17) Para o SGRQ, não encontramos valores brasileiros de referência e, portanto, utilizamos os valores de um estudo espanhol comparando uma população geral normal e uma com DPOC.(18)
Para a análise estatística dos dados espirométricos, utilizamos o teste t pareado para comparar os dados da espirometria pré-operatória e pós-operatória em cada grupo, uma vez que os dados apresentaram distribuição normal. As análises foram feitas utilizando-se o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).
O nível de significância adotado foi de 5%.
ResultadosForam incluídos neste estudo 60 pacientes que realizaram cirurgia com ressecção pulmonar pelo Departamento de Cirurgia Torácica do Hospital A. C. Camargo. Ao longo do tempo, foram excluídos 27 pacientes, pelos seguintes motivos: não-agendamento da avaliação, em 7; evolução a óbito antes de completar seis meses de pós-operatório, em 4; não-localização do paciente devido a dados desatualizados, em 4; recusa em participar do estudo, em 3; portador de tumor benigno, em 3; reoperação antes de seis meses do primeiro procedimento cirúrgico, em 2; residência em outras cidades, dificultando o acompanhamento ambulatorial em nosso serviço, em 2; e comparecimento após o período de avaliação, em 2. Logo, concluíram o estudo 33 pacientes, 14 homens (42,4%) e 19 mulheres (57,6%). A faixa etária variou entre 39 e 79 anos, e a idade média foi de 60,18 ± 11,59 anos. Dos 33 pacientes, 18 (54,5%) eram fumantes e 15 (45,5%) eram não-fumantes.
Em relação ao diagnóstico anatomopatológico, 15 pacientes (45,5%) apresentaram o diagnóstico de tumor primário de pulmão, e 18 (54,5%), de tumor metastático.
Quanto ao tipo de ressecção cirúrgica, 19 (57,57%) pacientes foram submetidos à segmentectomia; 7 (21,21%), à lobectomia; 6 (18,18%), à ressecção em cunha; e 1 (3,03%), a pneumectomia. Os pacientes foram distribuídos em dois grupos: grupo lobar (lobectomia ou pneumectomia), com 8 pacientes, e grupo sublobar (segmentectomia ou ressecção em cunha), com 25 pacientes.
Quando relacionamos câncer primário ou metastático com o tipo de cirurgia, verificamos que, dos 15 pacientes com câncer primário de pulmão, 9 realizaram cirurgia sublobar e 6, cirurgia lobar. Dos 18 com câncer metastático, 16 realizaram cirurgia sublobar e 2, lobar. Logo, verificamos que a maioria dos pacientes com metástase realizou cirurgia de pequeno porte (grupo sublobar), ou seja, segmentectomia ou ressecção em cunha.
Quanto aos tratamentos associados (quimioterapia, radioterapia ou nenhum), observamos que 11 pacientes realizaram quimioterapia adjuvante e apenas 1 realizou quimioterapia neoadjuvante; 3 realizaram radioterapia adjuvante e 2, radioterapia neoadjuvante; 16 pacientes não realizaram nenhum dos tratamentos associados citados acima. Em nosso estudo, não observamos diferença significativa em relação aos pacientes que foram submetidos ou não aos tratamentos associados ao procedimento cirúrgico.
Dos 33 pacientes do estudo, recuperamos somente os dados da espirometria pré-operatória de 26. Os dados espirométricos foram comparados no pré-operatório e no pós-operatório. Observamos que todos os pacientes apresentaram piora da função pulmonar (Tabela 1).
Não observamos diferenças significativas quando comparamos a variação dos valores espirométricos em relação ao sexo, a história de tabagismo, o diagnóstico de tumor primário ou metastático e o tipo de cirurgia.
Na análise da variação da função pulmonar pré-operatória e pós-operatória quanto à história de tratamento associado (radioterapia e quimioterapia), observamos que a perda da função pulmonar pós-operatória não foi influenciada por quaisquer dos tratamentos associados (para quimioterapia adjuvante e radioterapia adjuvante, respectivamente): ΔCVF, p = 0,15 e p = 0,94; ΔVEF1, p = 0,88 e p = 0,32; e ΔFEF25-75%, p = 0,09 e p = 0,17.
Quando analisamos os resultados do questionário SF-36 na população estudada, em relação aos de uma população geral, não verificamos diferenças estatísticas. A análise da QV geral dos pacientes com câncer submetidos à ressecção pulmonar apresentou valores próximos à de uma população controle, com redução de cerca de 20% nos aspectos físicos e de 5% na média geral (Tabela 2).
Ao analisarmos separadamente os pacientes em relação ao sexo, história de tabagismo, diagnóstico de tumor (primário ou metastático) e extensão da ressecção, também não observamos diferenças significativas nos vários domínios dos questionários de QV geral e específico para doenças respiratórias; entretanto, foi observada uma diferença significativa nos sintomas dos pacientes submetidos à quimioterapia (Tabela 3).
Na análise do SGRQ, encontramos valores maiores em todos os domínios em relação aos de uma população espanhola geral, mas menores quando os comparamos aos de uma população com DPOC (Tabelas 4 e 5).
DiscussãoNo presente estudo, procuramos avaliar as repercussões da ressecção pulmonar sobre os valores espirométricos e o impacto da ressecção pulmonar por neoplasia na QV dos pacientes.
A ressecção do parênquima reduz a reserva funcional pulmonar e a capacidade de exercício, com consequências potencialmente desfavoráveis para o paciente. Em um estudo realizado em 30 meses com 110 pacientes consecutivos que foram submetidos à cirurgia pulmonar com objetivo de cura, os pacientes realizaram espirometria e um teste de caminhada no pré-operatório (ambos realizados no mesmo dia e repetidos em um, três e seis meses após a cirurgia). Observou-se, nos pacientes submetidos à lobectomia, uma redução média do VEF1 de 0,45 L no primeiro mês e de 0,30 L aos seis meses. A CVF foi reduzida de 0,94 L no primeiro mês para 0,58 L no sexto mês.(19) De maneira semelhante, em nosso estudo, verificamos uma redução média de 0,5 L no VEF1 e de 0,4 L na CVF em pacientes submetidos à lobectomia. Tal impacto persiste seis meses após a intervenção e depende diretamente da extensão da ressecção. Em nosso estudo, também verificamos que há impacto direto da ressecção cirúrgica na deterioração da função pulmonar e que essa persiste seis meses após a intervenção cirúrgica; porém, não observamos diferença significativa em relação à extensão da ressecção. Talvez a não-observância do impacto do tipo de ressecção na função pulmonar possa se dever ao número pequeno de pacientes observados quanto à função pulmonar. Acreditamos que o presente estudo necessita de continuação para responder essa questão.
Alguns autores relatam a importância de se avaliar a QV no pré-operatório de pacientes que serão submetidos à cirurgia de carcinoma broncogênico. Quando comparada com o pré-operatório, a QV apresenta piora, que é restaurada de três a seis meses de pós-operatório.(20) Em nosso estudo, pudemos observar que os valores de QV específica para doenças respiratórias se aproximam aos de uma população de portadores de DPOC, estando esses valores aproximadamente 60% mais baixos em relação a uma população geral.(18)
Em um estudo retrospectivo, realizado em Helsinki com 31 pacientes (9 eram mulheres) com tumor primário de pulmão não-pequenas células e que foram submetidos à pneumectomia entre janeiro de 1997 e outubro de 2003, avaliaram-se a função pulmonar e a QV pós-operatória. Nesse estudo, as mulheres apresentaram escores piores em relação aos homens nas atividades de vida diária, quando correlacionados com o escore total de um questionário geral de QV relacionada à saúde e o índice basal de dispneia, com significantes variações em relação à respiração, atividades usuais, função mental, desconforto, sintomas, stress e vitalidade.(21)
A piora na QV e na função pulmonar não foi observada em 12 pacientes com câncer de pulmão que foram tratados com quimioterapia e/ou radioterapia exclusiva.(22) No entanto, em nosso estudo, todos os pacientes pioraram tanto em relação à função pulmonar como em relação aos valores de QV, e os pacientes que realizaram quimioterapia apresentaram piora significativa em relação ao domínio sintomas.
Em outro estudo,(23) verificou-se que essa piora da QV se estendeu até o primeiro mês de pós-operatório. Observou-se também que não houve melhora da QV com o uso de radioterapia e/ou quimioterapia e houve piora nos componentes capacidade funcional (p < 0,004), aspectos físicos (p < 0,024), vitalidade (p < 0,025) e aspectos sociais (p < 0,006).
Poucos autores relacionam a QV com a ressecção pulmonar, e outros não consideram que o tipo de cirurgia seja um preditor de piora da QV.(24) Também, em nosso estudo, quando realizamos essa correlação não obtivemos uma diferença significativa, mas acreditamos que isso se deva ao reduzido número de pacientes de nossa casuística.
Através de um estudo que avaliou os tipos de incisão na realização de toracotomia (ântero-lateral, 79%; póstero-lateral, 13%; e vídeo-assistida, 8%), bem como o tipo de cirurgia realizada, verificou-se que há diferenças não só entre o tipo de cirurgia, mas também em relação ao tipo de incisão cirúrgica. Os autores compararam a evolução da QV dos pacientes submetidos aos diferentes tipos de ressecções (lobectomia, 61%; em cunha, 22%; e pneumectomia, 17%). Utilizaram um questionário específico para pacientes oncológicos (European Organisation for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire-conhecido como C30) e um específico para pacientes com câncer de pulmão (lung cancer specific module-conhecido como LC13). Os pacientes submetidos à lobectomia tiveram menos dor torácica em relação aos submetidos à pneumectomia. Os resultados da toracotomia ântero-lateral e póstero-lateral mostraram-se semelhantes quanto à evolução da QV, mas os pacientes que realizaram toracotomia póstero-lateral apresentaram mais dor e dispneia no pós-operatório; a função física, a dor e a QV foram melhores nos pacientes submetidos a video-assisted thoracic surgery (VATS, cirurgia torácica vídeo-assistida).(25)
Em um estudo de corte transversal para avaliar a QV em pacientes que realizaram ressecção por câncer de pulmão, comparando lobectomia por toracotomia vs. lobectomia por VATS, relatou-se que houve uma tendência de escores mais altos para os pacientes que realizaram VATS, com melhor QV, menos sintomas e melhor funcionamento geral.(26)
A maioria dos estudos relata piora da QV em vários aspectos após a cirurgia; porém, a partir do terceiro mês, os pacientes apresentam melhora, principalmente no aspecto social.(23,27) A maioria das escalas apresenta resultados inferiores em até um mês de pós-operatório, que se recuperam, a partir do terceiro mês, a valores do pré-operatório.(28)
Relatou-se, ainda, que pacientes com câncer, em relação à população em geral, já apresentavam uma QV pior inicial e, com exceção da saúde geral, todas as escalas mantiveram-se abaixo de 50% mesmo após três meses de pós-operatório, o que se apresenta em conformidade com nossos resultados. As funções física, social e de saúde mental não sofreram influência do tempo.
Analisando os resultados presentes, que mostram claramente uma deterioração da QV específica para os sintomas respiratórios em nossa população de estudo, comprovada por uma piora nos testes de função pulmonar, torna-se necessário pensar em possíveis estratégias de tratamento e de intervenção para aumentar o tempo de reabilitação destes pacientes. Entre essas estratégias, faz-se obrigatória a inclusão da fisioterapia respiratória. Poucos autores relatam a importância da realização de fisioterapia no pré-operatório ou no pós-operatório; porém, em nosso hospital, todos os pacientes realizam fisioterapia respiratória e motora rotineiramente, de duas a quatro vezes ao dia, conforme a necessidade e a prescrição médica. Poucos estudos citam a fisioterapia ou detalham a conduta e os métodos de tratamento realizados.(19,23)
Em um estudo, a fisioterapia respiratória foi realizada em todos os pacientes durante a internação hospitalar e continuada no período pós-operatório por, no mínimo, dois meses, através de um programa de reabilitação pulmonar.(23) Com isso, foi observada uma redução das complicações pulmonares no pós-operatório e menor tempo de internação.
Em decorrência não só da diminuição das complicações pulmonares, mas também da piora da função pulmonar no pós-operatório de ressecção pulmonar, torna-se necessária a participação formal dos pacientes com câncer de pulmão em programas de reabilitação, a fim de amenizar os efeitos deletérios da cirurgia, da doença e do tratamento
proposto.
Acreditamos que uma estratégia de reabilitação pulmonar pré-operatória e pós-operatória seja importante nesse contexto. Entretanto, programas de reabilitação pulmonar em instituições públicas e privadas são de difícil implantação. Aliado ao programa de reabilitação, acreditamos ser importante um adequado seguimento dos pacientes por pneumologistas, com a otimização da medicação broncodilatadora, estratégias para a cessação do tabagismo e pronto tratamento de possíveis quadros respiratórios agudos associados.
No presente estudo, pudemos observar que existe um impacto direto da ressecção pulmonar na deterioração dos valores da espirometria nos pacientes oncológicos. Tal impacto persiste por pelo menos seis meses após a intervenção e não depende do sexo, da história de tabagismo, do diagnóstico de tumor (primário ou metastático), do tratamento associado e tampouco da extensão da ressecção.
A análise da QV geral dos pacientes com câncer submetidos à ressecção pulmonar apresentou valores próximos aos de uma população controle, com redução de cerca de 20% nos aspectos físicos e de 5% na média geral. No que diz respeito à QV específica para doença respiratória, nossos pacientes mostraram-se mais comprometidos, apresentando 50-60% de redução nos domínios em relação a uma população de pacientes normais e valores em torno de 20% melhores quando comparados aos de uma população de portadores de DPOC. Ao analisarmos separadamente os pacientes em relação ao sexo, história de tabagismo, diagnóstico de tumor (primário ou metastático) e extensão da ressecção, também não observamos diferenças significativas nos vários domínios dos questionários de QV geral e específico para doenças respiratórias; entretanto, foi observada uma diferença significativa nos sintomas dos pacientes submetidos à quimioterapia.
O que se pode concluir é que os pacientes submetidos à ressecção pulmonar apresentam um universo funcional respiratório deteriorado e com impacto direto em sua QV, necessitando de cuidados específicos e intensivos.
AgradecimentosAgradecemos a todos que colaboraram para execução deste estudo, principalmente aos membros do Departamento de Cirurgia Torácica do Hospital A. C. Camargo.
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Sobre os autoresLuciana Nunes Titton Lima
Supervisora da Pós-Graduação de Fisioterapia em Oncologia. Hospital A. C. Camargo, São Paulo (SP) Brasil.
Rodrigo Afonso da Silva
Cirurgião Torácico. Hospital A. C. Camargo, São Paulo (SP) Brasil.
Jefferson Luiz Gross
Chefe do Departamento de Cirurgia Torácica. Hospital A. C. Camargo, São Paulo (SP) Brasil.
Daniel Deheinzelin
Professor Livre-Docente em Pneumologia. Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Elnara Márcia Negri
Professora Livre-Docente. Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Trabalho realizado no Hospital A. C. Camargo e na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Luciana Nunes Titton Lima. Rua Castro Alves, 279, apto. 146, Aclimação, CEP 01532-001, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 2189-5123. E-mail: lutitton@yahoo.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 1/7/2008. Aprovado, após revisão, em 12/12/2008.