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Artigo Original

Lobectomia por carcinoma brônquico: análise das co-morbidades e seu impacto na morbimortalidade pós-operatória

Lobectomy for treating bronchial carcinoma: analysis of comorbidities and their impact on postoperative morbidity and mortality

Pablo Gerardo Sánchez, Giovani Schirmer Vendrame, Gabriel Ribeiro Madke, Eduardo Sperb Pilla, José de Jesus Peixoto Camargo, Cristiano Feijó Andrade, José Carlos Felicetti, Paulo Francisco Guerreiro Cardoso

ABSTRACT

Objective: To analyze the impact that comorbidities have on the postoperative outcomes in patients submitted to lobectomy for the treatment of bronchial carcinoma. Methods: A retrospective study of 493 patients submitted to lobectomy for the treatment of bronchial carcinoma was conducted, and 305 of those patients met the criteria for inclusion in the final study sample. The surgical technique used was similar in all cases. The Torrington-Henderson scale and the Charlson scale were used to analyze comorbidities and to categorize patients into groups based on degree of risk for postoperative complications or death. Results: The postoperative (30-day) mortality rate was 2.9%, and the postoperative complications index was 44%. Prolonged air leakage was the most common complication (in 20.6%). The univariate analysis revealed that gender, age, smoking, neoadjuvant therapy and diabetes all had a significant impact on the incidence of complications. The factors found to be predictive of complications were body mass index (23.8 ± 4.4), forced expiratory volume in one second (74.1 ± 24%) and the ratio between forced expiratory volume in one second and forced vital capacity (0.65 ± 0.1). The scales employed proved efficacious in the identification of the risk groups, as well as in drawing correlations with morbidity and mortality (p = 0.001 and p < 0.001). In the multivariate analysis, body mass index and the Charlson index were found to be the principal determinants of complications. In addition, prolonged air leakage was found to be the principal factor involved in mortality (p = 0.01). Conclusion: Reductions in forced expiratory volume in one second, in the ratio between forced expiratory volume in one second and forced vital capacity, and in body mass index, as well as a Charlson score of 3 or 4 and a Torrington-Henderson score of 3, were associated with a greater number of postoperative complications in patients submitted to lobectomy for the treatment of bronchial carcinoma. Air leakage was found to be strongly associated with mortality.

Keywords: Lung neoplasms/surgery; Postoperative complications; Pneumonectomy; Morbidity

RESUMO

Objetivo: Analisar o impacto das co-morbidades no desempenho pós-operatório de lobectomia por carcinoma brônquico. Métodos: Estudaram-se retrospectivamente 493 pacientes submetidos a lobectomia por carcinoma brônquico e 305 preencheram os critérios de inclusão. A técnica cirúrgica foi sempre semelhante. Analisaram-se as co-morbidades categorizando-se os pacientes nas escalas de Torrington-Henderson e de Charlson, estabelecendo-se grupos de risco para complicações e óbito. Resultados: A mortalidade operatória foi de 2,9% e o índice de complicações de 44%. O escape aéreo prolongado foi a complicação mais freqüente (20,6%). A análise univariada mostrou que sexo, idade, tabagismo, terapia neo-adjuvante e diabetes apresentaram impacto significativo na incidência de complicações. O índice de massa corporal (23,8 ± 4,4 kg/m2), volume expiratório forçado no primeiro segundo (74,1 ± 24%) e relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada (0,65 ± 0,1) foram fatores preditivos da ocorrência de complicações. As escalas foram eficazes na identificação de grupos de risco e na relação com a morbimortalidade (p = 0,001 e p < 0,001). A análise multivariada identificou que o índice de massa corporal e o índice de Charlson foram os principais determinantes de complicações; o escape aéreo prolongado foi o principal fator envolvido na mortalidade (p = 0,01). Conclusão: Valores reduzidos de volume expiratório forçado no primeiro segundo, relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada, índice de massa corporal e graus 3-4 de Charlson e 3 de PORT associaram-se a mais complicações após lobectomias por carcinoma brônquico. O escape aéreo persistente associou-se fortemente à mortalidade.

Palavras-chave: Neoplasias pulmonares/cirurgia; Complicações pós-operatórias; Pneumonectomia; Morbidade

INTRODUÇÃO

Atualmente, de 1,2 milhão de mortes relacionadas ao câncer de pulmão, 87% estão relacionadas ao tabagismo. Entre 1980 e 1990, a incidência de neoplasia brônquica em mulheres quintuplicou, mantendo-se estável com tendência ao declínio nos homens.(1) Nos EUA, estimou-se que em 2005 ocorreriam 163.510 mortes por câncer de pulmão, 29% das mortes por câncer naquele país.(2) No Brasil, numa população de 186 milhões de habitantes com 30 milhões de fumantes, o câncer de pulmão representa a principal causa de morte por neoplasia em homens e a segunda em mulheres. O número de casos novos de câncer de pulmão estimados para o Brasil em 2006 é de 27.170, com risco estimado de 19 novos casos a cada 100 mil homens.(3)

A sobrevida média cumulativa total em cinco anos continua baixa, de 13% a 21% em países desenvolvidos e de 7% a 10% nos países em desenvolvimento.(3)

O tratamento cirúrgico permanece como a modalidade terapêutica relacionada à melhor sobrevida em pacientes corretamente estadiados, sendo a lobectomia a ressecção mais freqüentemente realizada, chegando a 80% dos casos em algumas séries.(4)

As complicações pós-operatórias possuem impacto significativo no resultado e sobrevida destes pacientes. Os fatores que interferem na incidência de complicações pós-operatórias são: doença cardiovascular preexistente, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e tratamento neo-adjuvante prévio, entre outros.(5-8) Poucos estudos concentram-se na lobectomia para a análise da morbidade e mortalidade no carcinoma brônquico e seus fatores de risco.(5) Este estudo é uma análise retrospectiva de pacientes submetidos à lobectomia por câncer de pulmão, com ênfase nas doenças associadas mais prevalentes neste grupo, bem como nas complicações e o seu impacto na mortalidade pós-operatória.

MÉTODOS

Foram revistos os prontuários dos pacientes submetidos à lobectomia por carcinoma brônquico, entre janeiro de 1998 e dezembro de 2004. Foram incluídas as ressecções de apenas um lobo do parênquima pulmonar, excluindo-se as ressecções estendidas para outros lobos, segmentos, parede torácica, diafragma, broncoplastias e pacientes submetidos a ressecção pulmonar prévia. O diagnóstico e o estadiamento incluíram tomografia computadorizada do tórax e abdômen superior, e broncoscopia flexível. Pacientes com sintomas ósseos e/ou neurológicos foram submetidos a inventário específico, sendo encaminhados para a cirurgia aqueles sem comprometimento inequívoco destes sistemas.

Os pacientes foram operados pela mesma equipe, com técnicas cirúrgica e anestésica semelhantes. Todos foram submetidos a mediastinoscopia no mesmo ato anestésico da toracotomia. Prosseguia-se com a ressecção quando as biópsias dos linfonodos eram negativas para neoplasia. Os pacientes com linfonodos ipsilaterais à lesão comprometidos por neoplasia, e biópsia pré-escalênica ipsilateral negativa, eram encaminhados à oncologia clínica para tratamento neo-adjuvante quando indicado. As ressecções foram realizadas por toracotomia póstero-lateral com preservação muscular do grande dorsal, sutura manual do brônquio lobar com fio monofilamentar inabsorvível, tratamento das cissuras incompletas com grampeador cirúrgico e esvaziamento linfonodal mediastinal ipsilateral. Dois drenos eram colocados na cavidade pleural, mantidos em selo d'água até a chegada na unidade de terapia intensiva, sendo instalada aspiração contínua (15 a 20 cm H2O). A ventilação durante o procedimento era monopulmonar por tubo orotraqueal de duplo lume.

A maioria dos pacientes foi extubada na sala cirúrgica ou imediatamente após a chegada na unidade de terapia intensiva. Nenhum paciente permaneceu intubado por mais de 12 horas após a cirurgia. Todos os pacientes receberam analgesia epidural por cateter no pós-operatório. Radiografias de tórax foram realizadas a cada 24 horas nas primeiras 72 horas para avaliação da reexpansão pulmonar e detecção de eventuais intercorrências. Os pacientes recebiam alta da unidade de terapia intensiva cirúrgica após 48 horas, ou quando apresentassem condições clínicas favoráveis. Os drenos torácicos eram removidos quando não houvesse escape aéreo e a drenagem fosse inferior a 200 ml/24 horas.
Escape aéreo prolongado foi definido como a perda de ar pelos drenos além do sétimo dia pós-operatório. O tempo de permanência hospitalar foi considerado a partir da data da cirurgia até a alta ou óbito.

A DPOC foi considerada neste estudo como obstrução da via aérea não reversível ao teste com broncodilatador. Conforme os critérios da American Thoracic Society e European Respiratory Society,(9) os pacientes com a relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada (VEF1/CVF) = 0,7 foram considerados portadores de DPOC, utilizando-se o VEF1 (% do previsto) para estratificar-se a gravidade. Os tabagistas tiveram o consumo quantificado pelo número de anos/maço. As co-morbidades e sua freqüência estão descritas na Tabela 1. As escalas de risco aplicadas foram a de
Torrington e Henderson (PORT),(10) para definir grupos de risco para complicações respiratórias, e o índice de Charlson,(11) para identificar grupos de risco para complicações e mortalidade pós-operatórias conforme as co-morbidades (Tabela 2).





Os dados foram armazenados em planilha eletrônica (Microsoft Excel®) e avaliados por análise univariada e multivariada, utilizando-se o programa estatístico SPSS 12.0 (SPSS Inc., Chicago, Illinois, EUA). Foram identificados os fatores de risco para as complicações e suas respectivas incidências. As variáveis categóricas foram comparadas pelos testes qui-quadrado e exato de Fisher. O coeficiente de correlação de Pearson foi utilizado para identificar relações entre as variáveis quantitativas. O teste t de Student foi utilizado para comparações entre os grupos. A fim de controlar as possíveis variáveis de confusão, utilizou-se regressão logística múltipla. Os dados estão representados como média ± desvio-padrão da média. A significância estatística foi considerada para p < 0,05.





RESULTADOS

Dentre as 493 lobectomias por carcinoma brônquico realizadas no período estudado, 305 pacientes preencheram os critérios de inclusão. Houve predomínio do sexo masculino (68,5%) e a idade média foi de 63,7 ± 9,7 anos. Tinham mais de 70 anos de idade 79 pacientes (26%). A história de tabagismo ocorreu em 90% dos pacientes, com consumo médio de 49,9 ± 27,7 anos/maço. O índice de massa corporal (IMC) médio foi de 24,4 ± 4,4 kg/m2. Receberam quimioterapia pré-operatória 27 pacientes (8,8%). Co-morbidades pré-operatórias estavam presentes em 256 pacientes (83,9%) (Tabela 1).

A lobectomia mais realizada foi a superior direita (34%), seguida da superior esquerda (31%), inferior direita (16%), inferior esquerda (14%) e lobectomia média (5%). A média de permanência de drenos torácicos foi de 5,9 ± 4,3 dias e a permanência hospitalar pós-operatória foi de 9,6 ± 8,7dias.

Complicações pós-operatórias ocorreram em 44% dos pacientes, sendo as complicações cirúrgicas as mais freqüentes (79 pacientes, 25,9%) (Tabela 3). As complicações respiratórias ocorreram em 24,9%, sendo a atelectasia a mais freqüente. Dentre as complicações cardiovasculares, predominou a fibrilação atrial. A mortalidade operatória (30 dias) foi de 2,9% e a mortalidade hospitalar global de 3,9%.





Os exames histopatológicos pós-operatórios revelaram: adenocarcinoma (58,3%), carcinoma epidermóide (31,8%), indiferenciado (2,3%), carcinoma de grandes células (2,3%), carcinóide (1,6%), adenoescamoso (1,6%) e outros (1,9%). O estadiamento final foi: IA
(17%), IB (45%), IIA (3,3%), IIB (13,4%), IIIA (17%), IIIB (6%) e IV (1,7%).

A análise univariada revelou que sexo e hábito tabágico não apresentaram diferenças significativas na incidência de complicações pós-operatórias. A idade superior a 70 anos também não apresentou impacto significativo, sendo 65 anos a idade média dos que apresentaram complicações. Dentre os que apresentaram complicações (Tabela 4), o IMC médio foi significativamente menor e os valores de VEF1 absoluto, percentual e a relação VEF1/CVF foram mais baixos.





Os pacientes com DPOC não apresentaram percentualmente mais complicações que o grupo sem DPOC. Dentre os pacientes com DPOC, a sua gravidade foi estratificada conforme o VEF1 (%), sendo que os com DPOC mais grave foram os que mais complicaram (p < 0,001).

As complicações foram mais freqüentes nos pacientes com índices de Charlson maiores. Na regressão logística, o índice de Charlson e o IMC foram significativos na ocorrência das complicações (p = 0,001 e p = 0,003, respectivamente). Antecedentes de diabetes, neo-adjuvância, DPOC e obesidade não foram significativos, ao contrário de VEF1, CVF, VEF1/CVF, baixo peso e escape aéreo persistente, os quais foram fatores preditivos para ocorrência de complicações respiratórias (Tabela 5). A escala PORT aplicada na avaliação pré-operatória demonstrou que pacientes de risco alto apresentaram mais complicações em relação aos demais grupos (p = 0,001). A análise multivariada revelou que o VEF1 (%) e o escape aéreo persistente foram as variáveis determinantes para a ocorrência de complicações respiratórias (p = 0,001 e p < 0,001, respectivamente). Antecedentes pré-operatórios de hipertensão arterial, valvulopatias, insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio, diabetes, dislipidemias, obesidade, DPOC e baixo peso não foram significativos no desenvolvimento de complicações cardiovasculares. A presença de arritmias, angina e doença arterial periférica pré-operatórias foi associada à ocorrência de complicações cardiovasculares pós-operatórias (Tabela 5). Das variáveis analisadas, a principal complicação cirúrgica foi o escape aéreo prolongado, o qual não estava associado ao lobo ressecado (p = 0,3). A análise multivariada mostrou que as únicas variáveis significativas para a sua ocorrência foram o VEF1 (%) e o IMC (p = 0,006 e p = 0,04, respectivamente). O lobo ressecado também não se correlacionou com as complicações pulmonares ou cardiovasculares. Observou-se uma correlação positiva entre a ocorrência de fibrilação atrial e a lobectomia superior esquerda (p = 0,015).





A mortalidade não diferiu entre os sexos, quanto ao tabagismo, quimioterapia pré-operatória, DPOC e valor de IMC. Pacientes mais idosos tiveram um número maior de óbitos (69,2 ± 6,8 anos para 63,5 ± 9,7 anos; p = 0,05). Apesar deste achado, não foi observada mortalidade significativamente maior entre os indivíduos com idade acima de 70 anos em relação aos demais (7,6% versus 2,7%; p = 0,8). Os valores de VEF1% também foram menores entre os pacientes que faleceram, quando comparados com os que sobreviveram (67,3 ± 19 e 81,4 ± 23; p = 0,04). O valor absoluto de VEF1/CVF foi menor no grupo dos óbitos, quando comparado com o dos sobreviventes (0,59 ± 0,1 e 0,69 ± 0,12; p = 0,009). O escore de PORT e o índice de Charlson mais altos relacionaram-se a percentuais de óbito maiores. A mortalidade nos pacientes com PORT 3 foi de 20%, enquanto que nos escores 1 e 2 foram de 0,8% e de 5,6%, respectivamente (p = 0,003). Nos índices 3 e 4 de Charlson, a mortalidade foi de 13,6%, valor, entretanto, sem diferença significativa com os índices 1 e 2 (4,3% e 1,7%, p = 0,067).

Os pacientes com escape aéreo prolongado desenvolveram maior número de complicações respiratórias, empiema e conseqüentemente síndrome da angústia respiratória aguda, sendo esta relação significativa (p < 0,001). A mortalidade foi maior nos pacientes com escape aéreo prolongado (9,5% versus 2,5% sem escape). As análises univariada e multivariada demonstraram que esta complicação foi o principal fator determinante da mortalidade pós-operatória (p = 0,02 e p = 0, 01, respectivamente).

DISCUSSÃO

Recentemente tem-se dado ênfase à sobrevida nos estudos sobre pacientes com carcinoma brônquico, observando-se discrepâncias entre o estadiamento e a sobrevida em cinco anos.(12) Isto se relaciona ao fato de os pacientes com câncer de pulmão possuírem condições clínicas pre-existentes que podem causar impacto na sobrevida. Alguns autores(13) descreveram que, em 450 pacientes com estádio I da doença, 90% deles possuíam co-morbidades. Após estratificá-los conforme o índice de Kaplan-Feinstein, concluíram que aqueles com co-morbidades moderadas a graves apresentavam o dobro do risco de óbito em cinco anos. As co-morbidades são importantes fatores prognósticos de sobrevida em câncer de pulmão e relacionam-se também à morbimortalidade pós-operatória.(14)

Embora as doenças cardiovasculares aumentem o risco em pacientes com carcinoma brônquico, a DPOC continua sendo o fator mais importante, sendo a diminuição na reserva cardiopulmonar destes pacientes o fator que favorece as principais complicações pós-operatórias, tais como hipoxemia, fístula aérea prolongada, pneumonia, arritmias e necessidade de ventilação mecânica por mais de 48 horas.(15-16)

As complicações pós-cirúrgicas em carcinoma brônquico estão relacionadas a vários fatores, incluindo o tipo de ressecção realizada. Alguns autores,(5) ao analisarem os fatores relacionados à morbidade pós-operatória, demonstraram que a ressecção da parede torácica ou diafragma e a broncoplastia são fatores que aumentam o índice de complicações. O presente estudo avaliou o impacto das co-morbidades no pós-operatório numa amostra de lobectomias com ressecção exclusiva do parênquima pulmonar.

A idade, considerada até recentemente como fator limitante para o tratamento cirúrgico do câncer de pulmão, perdeu importância nas séries atuais devido à melhor seleção dos pacientes, ressecções conservadoras de parênquima e aos avanços em anestesia e cuidados intensivos. Atualmente, as publicações não demonstram diferenças na morbimortalidade dos pacientes maiores de 70 anos ou até acima de 80 anos, excetuando-se os casos de pneumonectomias.(17) No presente estudo, a idade média dos pacientes que complicaram foi mais elevada; entretanto, não se observou um índice de complicações maior nos pacientes acima dos 70 anos.

O tabagismo é um fator considerado de risco no desenvolvimento de complicações, ainda que na ausência de doença pulmonar obstrutiva crônica, através de mecanismos como alterações ciliares, aumento da atividade neutrofílica, e retenção de secreções secundárias ao efeito inflamatório causado pelo tabaco. Estes mecanismos só voltariam à normalidade após um período de oito semanas, levando alguns autores a desaconselhar a cirurgia antes deste prazo de cessação do tabagismo.(18) Não obstante, um estudo recente não demonstrou diferenças nas complicações respiratórias entre pacientes que cessaram ou não de fumar até oito semanas antes da cirurgia.(19) De modo semelhante, não encontramos diferenças entre os pacientes que haviam cessado de fumar (ex-fumantes) em relação àqueles que fumaram até antes da cirurgia. Da mesma forma, as complicações não se correlacionaram com o número de anos/maço consumidos. Isto talvez possa ser explicado pelo fato de não termos encontrado correlação significativa entre o número de anos/maço e a perda funcional pulmonar.

A influência do estado nutricional na morbidade é um fator importante a se considerar em cirurgias pulmonares. Pacientes desnutridos e com perda de massa muscular desenvolvem fadiga respiratória, fator predisponente ao acúmulo de secreções e infecção respiratória pós-operatórios, que resultam em aumento da probabilidade de uso de ventilação mecânica e óbito.(7) Como o presente estudo é retrospectivo, possui a limitação de ser o IMC o único indicador disponível para a avaliação do estado nutricional. Entretanto, quando analisadas as complicações respiratórias, como o escape aéreo prolongado e outras mais freqüentes, os IMC mais baixos situaram-se entre os pacientes que mais complicaram. Da mesma forma, pacientes categorizados como de baixo peso (IMC < 18,5) apresentaram escape aéreo superior a sete dias mais freqüentemente do que a população com IMC normal. Este fato pode ter favorecido a ocorrência de um número maior de complicações respiratórias, não só pela restrição ao leito e dor pela presença dos drenos, mas também pela diminuição da função muscular respiratória.

A presença de diabetes mellitus, considerada como fator de risco para a ocorrência de pneumonia em cirurgias não cardíacas,(20) não apresentou, em nosso estudo, correlação com as complicações respiratórias, e com a ocorrência de empiema ou escape aéreo persistente, fato este relatado também por outros autores.(21)

A importância da quimioterapia pré-operatória como fator de risco para complicações pós-operatórias ainda é controversa.(22-23) Nos 27 pacientes submetidos à terapia neo-adjuvante, as complicações pós-operatórias e o óbito não diferiram dos da população sem tratamento neoadjuvante.

O VEF1 continua sendo o parâmetro mais utilizado para a definição das condições pulmonares do paciente a ser submetido à ressecção planejada. Considera-se que pacientes com VEF1% e difusão pulmonar do monóxido de carbono acima de 80%, e sem história de doença cardiovascular significativa, podem ser submetidos à ressecção pulmonar sem maiores riscos. Embora a maioria dos pacientes incluídos neste estudo tenha realizado espirometria sem avaliação da difusão pulmonar do monóxido de carbono, a análise dos valores absolutos e percentuais do VEF1 e do VEF1/CVF correlacionou-se significativamente com a ocorrência de complicações respiratórias e escape aéreo prolongado, sendo que os valores médios mais baixos ocorreram nos pacientes que complicaram no pós-operatório. O VEF1/CVF teve uma relação significativa com o óbito, tendo sido observada média mais baixa dentre os pacientes que morreram. Isto pode dever-se à relação entre escape aéreo prolongado e porcentagens baixas de VEF1/CVF.

A presença de DPOC, definida pelo critério de obstrução irreversível da via aérea (VEF1/CVF < 0,7 pós-broncodilatador), não mostrou diferenças significativas com respeito à incidência de complicações e óbitos, quando em comparação com o grupo de pacientes sem DPOC. Provavelmente isto decorra do fato de a maioria dos pacientes (51%) pertencer ao grupo classificado como de doença leve e só 10% ao grupo mais grave. Esta estratificação por grupos de risco mostrou-se eficaz ao compararem-se os diversos graus de doença com as complicações, definindo-se um percentual maior de pacientes com complicações nos grupos com DPOC moderada e grave.

A coexistência entre doença cardiovascular e câncer de pulmão é freqüente.(24) Lesões vasculares multifocais aumentam o risco de desenvolvimento de complicações em ressecções pulmonares.(25) Este estudo revelou que os antecedentes de angina, doença arterial periférica e arritmias foram determinantes significativos para o desenvolvimento de complicações cardiovasculares no pós-operatório. A relação entre fibrilação atrial e o tipo de ressecção realizada tem sido relatada por outros autores, sobretudo no que tange à pneumonectomia ou lobectomia superior direita.(25) Entretanto, a relação que encontramos neste estudo com a lobectomia superior esquerda não está descrita na literatura, podendo dever-se apenas ao acaso.

Nossa opção por aplicar duas escalas de risco fundamentou-se no fato de elas fornecerem informações complementares. A escala PORT foi inicialmente desenvolvida para definir os indivíduos que se beneficiariam de uma terapia respiratória perioperatória. Foi validada em nosso meio para definir grupos de risco para complicações respiratórias em cirurgia torácica ou abdominal alta.(10,26) No presente estudo, a escala PORT revelou uma relação direta entre os grupos e as complicações respiratórias, sendo os pacientes de alto risco os que mais complicaram.
A incidência de escape aéreo prolongado foi maior no grupo de pacientes de alto risco, provavelmente devido à influência do VEF1/CVF dentro da escala. Em relação à mortalidade, foram também os pacientes de alto risco os mais afetados pela influência do escape aéreo prolongado e suas conseqüências nesta série. O uso de aspiração contínua dentro da nossa rotina poderia ser atribuído como fator predisponente de escape aéreo prolongado, embora isto seja contraditório na literatura.(21)

O índice de Charlson(11) é o índice de co-morbidades mais extensamente estudado. Comparado com outros índices que confirmaram sua validade, tem sido utilizado em diversas situações como fator preditivo de mortalidade, tempo de internação hospitalar e reinternação.(27) Para o câncer de pulmão e sua morbimortalidade pós-operatória, o índice foi validado em 2003,(14) recomendando-se o seu uso por possuir maior poder preditivo do que as variáveis individualmente. A aplicação em nosso estudo revelou correlação positiva entre índices mais altos e incidência de complicações maiores, respiratórias e cardiovasculares. No tocante à mortalidade, índices mais altos estiveram associados a maior mortalidade, à exceção dos pacientes com Charlson = 5, fato que pode ser atribuído ao reduzido número de pacientes dentro deste grupo (n = 4). Por sua praticidade, este índice é uma ferramenta útil na estratificação do risco de pacientes conforme suas respectivas co-morbidades.

Concluímos que, nesta série de 305 lobectomias por neoplasia brônquica, valores reduzidos de VEF1, VEF1/CVF e IMC associaram-se a um número maior de complicações. A escala de PORT e o índice de Charlson foram úteis na estratificação dos pacientes com maior risco de complicações e óbito, enquanto que o escape de ar prolongado pelos drenos foi o principal fator determinante de mortalidade.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Prof. Dr. José da Silva Moreira, ao Dr. Fabio Souza Filho e aos acadêmicos Rafael B. Foernges, Luiz Felipe Pfeifer e Luiz Carlos H. Vieira, pelo auxílio para a realização deste trabalho.

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* Trabalho realizado no Departamento de Cirúrgia Torácica do Pavilhão Pereira Filho e Disciplina de Cirúrgia Torácica da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) Brasil.
1. Mestrando em Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
2. Acadêmico de Medicina da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) Brasil.
3. Mestrando da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) Brasil.
4. Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) Brasil.
5. Pós-doutorado pela Universidade de Toronto, Canadá; Cirurgião Torácico do Hospital da Criança Santo Antonio da Santa Casa de Porto Alegre (RS) Brasil.
6. Professor Assistente do Departamento de Cirurgia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo Francisco Guerreiro Cardoso. Rua Prof. Annes Dias, 285 - CEP: 90020-090, Porto Alegre, RS, Brasil. Tel: 55 51 3227-3909. Email: cardodsop@gmail.com
Recebido para publicação em 28/12/05. Aprovado, após revisão, em 24/3/06.

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