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Artigo Original

Preditores da adesão ao tratamento em pacientes com asma grave atendidos em um centro de referência na Bahia

Predictors of adherence to treatment in patients with severe asthma treated at a referral center in Bahia, Brazil

Pablo de Moura Santos, Argemiro D'Oliveira Júnior, Lúcia de Araújo Costa Beisl Noblat, Adelmir Souza Machado, Antonio Carlos Beisl Noblat, Álvaro Augusto Cruz

ABSTRACT

Abstract Objective: To determine the rate of adherence to treatment with inhaled corticosteroids in patients with severe asthma, to identify predictive factors for adherence and to evaluate the relationship between adherence to treatment and parameters of clinical and functional response. Methods: Prospective cohort study of patients enrolled in the Program for the Control of Asthma and Allergic Rhinitis in the state of Bahia, Brazil. The study comprised 160 patients with severe asthma, monitored for 180 days in order to evaluate adherence (dependent variable) to the prescribed inhaled corticosteroid. Independent variables were assessed at baseline and for a six-month follow-up period by means of interviews and the completion of a standardized questionnaire. Patients recorded the missed doses in a diary. Results: Of the 160 patients, 158 completed the study. Adherence rate was 83.8%. Of the 158 patients, 112 (70.9%) were considered adherent (cut-off point: 80% of prescribed doses administered). There was a significant association between asthma control and adherence to treatment. Predictors of poor adherence were adverse effects, living far from the referral center, limited resources to pay for transportation and dose schedule. Other factors, such as depressive symptoms, religion and economic status, were not associated with poor adherence. Conclusions: Adherence to asthma treatment was high and was associated with the clinical response to treatment, in a sample of patients with severe asthma enrolled in a public program that provides free medication and the assistance of a multiprofessional specialized team in a referral center.

Keywords: Asthma; Directly observed therapy; Treatment outcome; Patient compliance; Pharmacy.

RESUMO

Objetivo: Determinar a taxa de adesão ao tratamento padrão com corticóide inalatório em pacientes com asma grave, identificar seus fatores preditores e avaliar a relação entre adesão ao tratamento e os parâmetros de resposta clínica e funcional. Métodos: Coorte prospectiva de pacientes atendidos no Programa de Controle da Asma e da Rinite Alérgica na Bahia, Brasil. O estudo incluiu 160 pacientes com asma grave, acompanhados por um período de 180 dias para medida da adesão (variável dependente) ao corticóide inalatório prescrito. As variáveis independentes foram determinadas na avaliação inicial e durante seis meses através de entrevistas e aplicação de questionário estruturado. Os pacientes registraram em um diário as doses não utilizadas. Resultados: Do total de 160 pacientes, 158 completaram o estudo. A taxa de adesão ao tratamento foi de 83,8%. Dos 158 pacientes, 112 (70,9%) foram considerados aderentes ao tratamento (ponto de corte: 80% de todas as doses administradas). Houve associação significante entre o controle da asma e adesão ao tratamento. Os fatores relacionados a uma baixa adesão foram efeitos adversos, local de residência distante do centro de referência, dificuldade de pagar pelo transporte e regime posológico. Outros fatores, como sintomas depressivos, religião e classe econômica, não tiveram relação com a adesão. Conclusões: A adesão ao tratamento foi considerada elevada, havendo relação com a resposta clínica ao tratamento em uma amostra de pacientes com asma grave atendidos em um programa público com fornecimento gratuito de medicamentos e atendimento multidisciplinar em unidade de referência.

Palavras-chave: Asma; Terapia diretamente observada; Resultado de tratamento; Cooperação do paciente; Farmácia.

Introdução

A asma brônquica é uma síndrome inflamatória crônica de elevada prevalência mundial, afetando aproximadamente 300 milhões de indivíduos de todas as idades.(1) No Brasil, calcula-se que existam mais de 16 milhões de asmáticos, de todas as idades. Aproximadamente 24% das crianças e 19% dos adolescentes das grandes cidades brasileiras apresentam sintomas indicativos de asma, sendo registrado que 46,6% das crianças de Salvador têm história de sibilância. Existe uma tendência de aumento do diagnóstico médico de asma em crianças e adolescentes no Brasil.(2,3)

Além da perda da qualidade de vida pelo paciente, a asma resulta em elevados custos diretos e indiretos, relacionados à visitas ao pronto-socorro, hospitalizações, consultas médicas, absenteísmo escolar e no trabalho.(4) Estimam-se anualmente 350 mil internações pela rede do Sistema Único de Saúde, cerca de 2.000 óbitos e milhares de assistências ambulatoriais e de emergência.

O Programa de Controle da Asma Grave e da Rinite Alérgica na Bahia (ProAR) é um projeto de ensino, pesquisa e assistência, que integra o Sistema Único de Saúde e a universidade pública, baseado no Plano Nacional de Asma. Uma das propostas do programa é garantir o controle integrado da asma e da rinite alérgica através do fornecimento regular de medicamentos gratuitos aos portadores de asma persistente grave através do programa de medicamentos excepcionais do Ministério da Saúde.(5)

O uso desses medicamentos contribui efetivamente para o controle da asma grave. Estudos demonstram que uma interrupção completa do tratamento provavelmente resultará em deterioração clínica, estando relacionada ao grau de hiper-responsividade.(6) A adesão ao tratamento é um dos fatores de maior importância para garantir o sucesso da terapia. Estimativas mais conservadoras indicam que quase a metade dos medicamentos prescritos e dispensados anualmente não são utilizados como foram prescritos. A não-adesão primária (o não-cumprimento da primeira prescrição) varia de 6% a 44%.(7,8) Alguns dos primeiros pesquisadores a utilizar dispositivos eletrônicos para medir a adesão ao tratamento encontraram uma taxa de adesão em torno de 47% em relação ao tratamento com corticosteróide inalatório em regime de quatro doses diárias.(9) Pesquisas sobre o tema têm evidenciado os fatores que podem influenciar na adesão ao tratamento.

Este estudo teve como objetivos determinar a taxa de adesão ao tratamento padrão com corticóide inalatório (CI) em pacientes com asma grave atendidos no ProAR, identificar fatores preditores da adesão ao tratamento e analisar a relação entre a adesão e os parâmetros de resposta clínica e funcional (espirometria) na amostra estudada.

Métodos

Estudo de coorte prospectivo realizado entre os meses de agosto de 2006 e junho de 2007. A amostra consistiu de 160 pacientes consecutivos que foram acompanhados pela equipe de pesquisadores por um período de 180 dias para a medida da adesão (variável de desfecho) ao CI prescrito. As variáveis independentes de associação com a adesão foram medidas no momento da inclusão do paciente no estudo e durante seis meses, através de entrevistas e aplicação de questionário estruturado. Durante a entrevista foram coletados dados relacionados às características socioeconômicas e demográficas; história da asma; gravidade dos sintomas através do Questionário de Controle da Asma(10); medicamentos utilizados; compreensão da finalidade do CI pelo paciente; sintomas depressivos (através da aplicação do Inventário de Depressão de Beck)(11); crenças; aceitação da enfermidade; conhecimento dos benefícios e riscos do tratamento; e grau de comunicação com os profissionais de saúde que o acompanham. Os pacientes realizaram um teste de função pulmonar (espirometria) para a avaliação da resposta funcional ao tratamento.

Após sua inclusão no estudo, os pacientes respondiam a um questionário contendo as variáveis independentes, aplicado por um assistente de pesquisa previamente treinado para tanto. Ao término de cada visita, os pacientes recebiam medicamentos suficientes para uso até a próxima visita, bem como um diário para o registro das doses não utilizadas durante a participação no estudo. Este diário era revisado a cada visita pelos assistentes de pesquisa. Os pacientes receberam orientação para retornar os invólucros dos medicamentos dispensados em todas as visitas, além do diário do paciente para a avaliação da adesão.

Foram selecionados pacientes de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, apresentando asma persistente grave definida pelos critérios estabelecidos pelo III Consenso Brasileiro de Asma,(12) admitidos no Ambulatório do ProAR, localizado no Centro de Saúde Carlos Gomes em Salvador, Bahia.

O uso do CI foi monitorizado durante 180 dias através da contagem das cápsulas utilizadas ou da pesagem dos dispositivos inalatórios para verificar a quantidade de pó seco consumida no período. A taxa de adesão ao CI foi calculada da seguinte maneira:

  • Para os CI que possuem a apresentação em cápsulas foi utilizada a seguinte fórmula: (NU ÷ NT) × 100; onde NU = número de cápsulas realmente utilizadas e NT = número de cápsulas que deveriam ter sido utilizadas no período.

  • Para os CI com apresentação em pó seco para inalação oral, os dispositivos foram pesados no momento da dispensação e 30 dias após o seu uso, onde foi utilizado a seguinte fórmula: (U ÷ T) × 100; onde U = quantidade realmente utilizada (em g) e T = quantidade que deveria ter sido utilizada no período (em g).


  • Ao término do acompanhamento, o banco de dados da farmácia foi analisado para compará-lo com as informações coletadas pelos assistentes de pesquisa com o intuito de verificar as datas de comparecimento do paciente e a quantidade de medicamentos dispensados em cada visita.

    Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Maternidade Climério de Oliveira da Universidade Federal da Bahia. Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, e seus dados de identificação foram mantidos em confidencialidade.

    Os dados foram analisados através do programa Statistical Package for the Social Sciences versão 9,0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). A média e o desvio-padrão foram calculados para as variáveis quantitativas que apresentaram distribuição normal. As variáveis categóricas foram apresentadas em forma de ­freqüência e percentuais. O teste do qui-quadrado foi utilizado para a avaliação de significância estatística entre variáveis categóricas e o teste t de Student foi utilizado para a comparação entre as médias dos dados quantitativos. Os testes U de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis foram utilizados para a análise das variáveis quantitativas assimétricas. O modelo de regressão logística foi utilizado para o ajuste de potenciais confundidores.

    O nível de significância estatística adotado foi de alfa < 0,05. O grau da associação entre as variáveis estudadas foi avaliado através da odds ratio com intervalo de confiança de 95%.

    O cálculo do tamanho amostral baseou-se nas seguintes premissas: número total de pacientes do ProAR no período, de aproximadamente 1.600 pacientes; margem relativa de erro de 5%; intervalo de confiança de 95%; prevalência de adesão em torno de 50%, com base em dados da literatura; poder de 80%; nível de significância de 5%; e possibilidade de 20% de perdas no seguimento-o que revelou um tamanho amostral de 156 pacientes.

    Para efeito de análise, utilizou-se como ponto de corte para definição do paciente como aderente o uso de mais de 80% das doses prescritas no período. Este valor foi adotado levando-se em consideração a gravidade da doença e a disponibilidade do medicamento gratuito para todos os pacientes atendidos no ProAR.

    Resultados

    Foram incluídos 160 pacientes. Destes, 120 (75%) eram do gênero feminino, com média de idade de 49 ± 14 anos. A adesão ao uso de CI foi avaliada em 158 pacientes, sendo que 112 (70,9%) foram considerados aderentes segundo o ponto de corte adotado. A taxa de adesão na amostra foi de 83,9% das doses utilizadas. Dois pacientes não tiveram a sua adesão avaliada, pois retiraram o consentimento e decidiram não continuar no estudo. Os dados sociodemográficos e sobre a adesão dos pacientes segundo cada variável estão descritos na Tabela 1.



    Não houve diferença na média de idade entre os grupos de pacientes aderentes e não-aderentes (49,7 e 46,8 anos, respectivamente; p = 0,2). A média da duração da asma na amostra estudada foi de 26,0 ± 15,8 anos, com mediana de 26 anos. Os pacientes aderentes tiveram um tempo de história de asma maior em relação aos não-aderentes (27,8 e 22,1 anos, respectivamente; p = 0,043; IC95%: 0,18-11,19).

    A taxa de adesão dos pacientes residentes na cidade de Salvador em comparação com não residentes em Salvador foi, respectivamente, de 85,0% e 78,1%. (p = 0,01; IC95%: 1,3-12,4).

    Dezoito pacientes (11,3%) referiram ter dificuldades de transporte. Estes pacientes apresentaram adesão menor em relação aos demais pacientes desta coorte (p = 0,013). O risco de não-adesão ao tratamento mostrou-se 3,6 vezes maior entre os pacientes sem condições de transporte (IC95%: 1,3-9,8).

    Algum efeito adverso com o uso da medicação foi relatado por 31 pacientes (19,6%). Houve associação entre a presença de eventos adversos e a adesão ao tratamento medicamentoso (p = 0,017). O risco estimado de não-adesão foi 33% maior entre os pacientes que apresentaram eventos adversos neste estudo (IC95%: 0,1-0,7) em relação aos pacientes que não relataram eventos adversos. Os eventos adversos mais freqüentes relatados pelos pacientes foram os seguintes: dor epigástrica em 3 pacientes; aumento de peso e pirose em 2; e acidez estomacal, agitação, conjuntivite, perda de resposta, candidíase oral, irritação da faringe, náuseas, pigarro, rouquidão, sonolência, taquicardia, tontura, tremores, visão borrada e xerostomia em 1.

    Do total, 51 pacientes (32%) relataram ter visitado a emergência no período da coorte, com média ± dp de 3,2 ± 2,6 visitas. Destes, 18 (35%) foram considerados não-aderentes ao tratamento. Cento e sete pacientes (68%) não visitaram a emergência no período. Destes, 28 (26%) foram considerados não-aderentes ao tratamento. Os pacientes que visitaram a emergência tiveram uma adesão de 81,5% das doses utilizadas. Os demais tiveram uma adesão de 85,7% (p = 0,08).





    Do total de pacientes, 123 (77,8%) utilizavam medicamentos duas vezes ao dia, 34 (21,5%) três vezes ao dia e 1 (0,7%) somente uma vez ao dia. A dose média diária de corticóide foi de 870 ± 200 µg (mediana, 800 µg), variando entre 400 e 1.600 µg. O corticóide inalatório de escolha foi a budesonida (87,5%). A adesão ao tratamento foi significativamente menor entre os pacientes que utilizavam o CI três vezes ao dia, quando comparado aos pacientes que o utilizavam duas vezes ao dia (78,9% e 85,2%, respectivamente; p = 0,02; OR = 0,34; IC95%: 0,22‑0,68).

    Segundo o Questionário de Controle da Asma, 60 pacientes (38%) estavam com a asma controlada. A taxa de adesão ao tratamento entre os pacientes com asma controlada foi de 88,5% das doses utilizadas. Já no grupo de pacientes com asma não-controlada, a adesão foi de 80,9%. Este resultado mostrou-se significante (p < 0,001). O risco estimado de asma não-controlada foi 2,9 vezes maior entre os pacientes que não aderiram ao tratamento em relação aos pacientes aderentes (IC95%: 1,3-6,4). A Tabela 2 apresenta as características de controle da asma entre os grupos de pacientes aderentes e não-aderentes ao tratamento.

    A média ± dp de pontos no Inventário de Depressão de Beck foi de 13,4 ± 10,0, com mediana de 11 pontos, sendo que 54 indivíduos (33,8%) foram considerados como portadores de sintomas depressivos, com escore acima de 20 pontos no Inventário de Depressão de Beck. A Tabela 3 apresenta as principais características dos pacientes estudados em relação aos sintomas de depressão. Não houve associação significativa entre adesão ao tratamento e sintomas depressivos neste estudo (p = 0,23). A taxa de adesão mostrou-se semelhante nos dois grupos de pacientes (83%; p = 0,9).

    Somente 14 pacientes (8,8%) relataram ter dificuldades em compreender as informações transmitidas pelo médico e pelo farmacêutico que os acompanhavam. A taxa de adesão ao tratamento nestes pacientes foi de 82,6 %, não havendo diferença significante entre os demais pacientes deste estudo (p = 0,7). No que diz respeito ao acesso ao atendimento médico, 7 pacientes (4,4%) relataram ter dificuldades em agendar consultas extras quando necessário. A adesão ao tratamento destes pacientes foi de 85% (p = 0,8).

    A Tabela 4 apresenta os resultados da análise de regressão logística ajustada para as variáveis que foram consideradas estatisticamente significantes na análise bivariada. Foram incluídas no modelo inicial todas as variáveis que tiveram valor de p < 0,2 na análise bivariada. Não houve diferenças estatisticamente significantes para as demais variáveis analisadas.



    Observou-se que a variável tempo de história de asma não foi considerada um fator protetor para adesão ao tratamento na análise de regressão logística múltipla.

    A Tabela 5 apresenta outras variáveis avaliadas neste estudo que não tiveram relação com a adesão ao tratamento.




    Discussão

    O principal achado deste estudo foi o fato de que os pacientes acompanhados no ProAR apresentaram uma taxa de adesão ao tratamento alta (83,9%) se comparada aos dados de adesão ao tratamento de pacientes com asma, que variaram entre 30% e 70% em outros estudos.(13) Este resultado é semelhante ao encontrado em um estudo realizado na Suécia,(14) com taxa de adesão ao tratamento de 93%, e é maior que os valores encontrados por outros autores (51,9%) em um estudo multicêntrico nacional com número de indivíduos semelhante (n = 131) aos analisados nesta coorte.(15)

    Uma das considerações a serem feitas neste estudo é que foi observada uma boa comunicação entre os pacientes e os profissionais de saúde que os atendem no ProAR, além do acesso fácil e rápido do paciente ao atendimento médico e às consultas extras. Uma boa relação equipe de saúde-paciente e a facilidade de acesso ao serviço de saúde são fundamentais para garantir o cumprimento adequado da terapia medicamentosa, refletindo no perfil de utilização de medicamentos. A satisfação do paciente foi o único fator associado significativamente em um estudo que utilizou diferentes medidas para avaliar a adesão ao tratamento.(16)

    Existem vários fatores que podem ser considerados como preditores para adesão ao tratamento de pacientes com asma. Neste estudo, evidenciou-se a associação entre baixa adesão ao tratamento e as variáveis eventos adversos, morar distante da unidade de atendimento, dificuldade de transporte e intervalo posológico com doses múltiplas. Os pacientes com baixa adesão tiveram pior controle da asma. Este estudo não pôde avaliar a relação entre adesão ao tratamento e as diferentes classificações de gravidade da asma, pois todos os pacientes selecionados eram portadores de asma persistente grave segundo os critérios da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(12)

    Os sintomas depressivos avaliados pelo Inventário de Depressão de Beck não tiveram associação com a baixa adesão ao tratamento. Chama a atenção a sua freqüência elevada entre os portadores de asma neste estudo. O ponto de corte adotado (maior que 20 pontos) para a avaliação de sintomas depressivos foi mais conservador que o adotado em outros estudos cuja prevalência de sintomas depressivos é alta. Este resultado não coincide com os achados de outros estudos nos quais a depressão tem sido associada à baixa adesão ao tratamento.(17,18) Entretanto, este resultado é concordante com achados que evidenciam uma prevalência relativamente alta de sintomas depressivos em pacientes com doença mais grave e com baixa resposta ao tratamento.(19,20)

    A possibilidade dos dados de adesão aqui apresentados estarem superestimados é pequena, pois foram utilizados três métodos de avaliação da adesão. Todos os pacientes tiveram os seus medicamentos contabilizados ou pesados conforme a apresentação do dispositivo que o paciente utilizava. Paralelamente, as informações registradas em um diário elaborado especificamente para este estudo foram coletadas durante o período do seguimento. Estas informações serviram para avaliação da adesão ao tratamento bem como da causa pela qual o paciente deixava de tomar determinada dose do seu tratamento. Adicionalmente, o banco de dados da farmácia confirmou as quantidades de medicamentos que o paciente recebera em cada visita.

    Este estudo de coorte teve o objetivo de analisar a adesão ao tratamento em uma amostra de pacientes com asma grave que participam de um programa multiprofissional de atendimento ambulatorial, com a disponibilidade gratuita dos medicamentos para o seu tratamento. Por este motivo, não podemos extrapolar os resultados relativos às taxas de adesão encontrados neste estudo para a população em geral, pois alguns preditores da adesão, como, por exemplo, os custos com a aquisição do medicamento e com consultas médicas, que podem influenciar o padrão de uso dos mesmos, não fazem parte da realidade dos pacientes deste programa.

    Uma adesão pobre ao tratamento aumenta o risco de visitas à emergência, bem como ao aumento no número de hospitalizações, conforme descrito em um estudo.(21) Houve um percentual maior de não-adesão ao tratamento entre os pacientes que visitaram a emergência neste estudo. Apesar de não haver significância do ponto de vista estatístico, os dados apontam uma tendência ao aumento de visitas à emergência entre os não-aderentes, refletindo o controle inadequado da asma nestes pacientes.

    Os esquemas de tratamento podem influenciar o padrão de adesão. Este estudo evidenciou que os pacientes que utilizam esquemas de tratamento mais simples (duas inalações diárias) aderem mais ao tratamento do que os pacientes que as utilizam três vezes ao dia. Este resultado corrobora achados em uma revisão sistemática de 76 ensaios clínicos,(22) na qual a adesão foi inversamente proporcional à freqüência de doses diárias.

    Outro fator associado à baixa adesão ao tratamento neste estudo foram os eventos adversos relatados pelos pacientes. Observou-se também que o efeito da corticofobia descrito em outros estudos(23) não foi um fator determinante para a adesão ao tratamento. Apesar de termos observado um grande número de pacientes que temiam que seus medicamentos causassem efeitos colaterais, todos responderam considerar importante administrar os medicamentos corretamente. Adicionalmente, somente a metade desses pacientes relatou estar apresentando algum evento adverso que dificultava continuar utilizando os medicamentos. Assim, nesta coorte, os pacientes deixavam de administrar o seu medicamento quando apresentavam de fato algum efeito colateral ou reação adversa ao medicamento.

    Este trabalho possui algumas limitações em relação a sua validade externa. Não podemos fazer inferência dos resultados encontrados para a população em geral. Outra limitação do estudo são os possíveis vieses de seleção, já que ao incluirmos os pacientes consecutivamente, corremos o risco de selecionar somente os pacientes que vinham comparecendo às visitas rotineiramente e, desta maneira, não foi possível identificar e entrevistar os pacientes que realmente não compareciam às visitas. Por outro lado, o presente estudo avaliou de forma prospectiva e objetiva a adesão e as múltiplas possíveis variáveis preditoras em pacientes com asma grave. Estes são os pacientes em que a adesão ao tratamento é mais importante para reduzir a morbidade e mortalidade por asma. Não conhecemos nenhum estudo prévio que tenha avaliado desta forma uma amostra comparável de pacientes com asma grave.

    A adesão ao tratamento foi considerada elevada, havendo relação com a resposta clínica ao tratamento em uma amostra de pacientes com asma grave atendidos em um programa público com fornecimento gratuito de medicamentos e atendimento multidisciplinar em unidade de referência.

    Agradecimentos

    Às acadêmicas de farmácia da Universidade Federal da Bahia Fernanda Pedro Antunes, Salma Alves Nader, Kelma Fabíola Santos, Tacila Mega, Ivellise Costa de Sousa e Laire Delane Melo, assim como à farmacêutica Márgara Carneiro, o apoio incondicional durante a coleta dos dados. Agradecemos também à toda equipe do ProAR.

    Referências


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    Trabalho realizado no Programa de Controle da Asma e da Rinite Alérgica na Bahia, Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.
    1. Farmacêutico Hospitalar. Programa de Controle da Asma e da Rinite Alérgica na Bahia, Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.
    2. Professor Adjunto. Faculdade de Medicina da Bahia. Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.
    3. Professora Adjunto. Faculdade de Farmácia. Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil
    4. Professor de Farmacologia. Escola Bahiana de Medicna e Saúde Pública. Salvador (BA) Brasil
    5. Médico. Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.
    Endereço para correspondência: Pablo de Moura Santos. Programa de Controle da Asma e da Rinite Alérgica na Bahia, Universidade Federal da Bahia, Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Serviço de Farmácia, Rua Augusto Viana, S/N, Canela, CEP 40110-160, Salvador, BA, Brasil.
    Tel 55 71 3339-6165. E-mail: pablomoura25@yahoo.com.br
    Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Edital de Pesquisa nº 54/2005.
    Recebido para publicação em 22/11/2007. Aprovado, após revisão em 17/4/2008.

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