O tabagismo é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a maior causa isolada evitável de mortes no mundo, devido à dependência à nicotina, presente em todos os derivados do tabaco. Essa dependência obriga o fumante a se expor a cerca de 4.720 substâncias tóxicas presentes na composição da fumaça do tabaco. Por conta disso, cerca de 50 doenças estão relacionadas ao uso do tabaco, a maioria delas fatal, como os diversos tipos de cânceres, e doenças respiratórias e cardiovasculares. Comprovadamente, os não fumantes que convivem com fumantes em ambientes fechados tornam-se fumantes passivos e também podem adoecer pelas mesmas doenças acima relacionadas.
Cinco milhões de pessoas morrem por ano no mundo devido ao tabagismo. No Brasil morrem 200 mil. Caso nada seja feito objetivando reverter esse quadro, a estimativa da OMS é que 10 milhões de mortes em 2030 serão diretamente relacionadas ao tabagismo e 70% delas acontecerão em países em desenvolvimento.
Um dos aspectos mais perversos do tabagismo é que ele tem se concentrado nas populações de baixa renda, já que elas têm menor acesso à informação, educação e saúde. Segundo o Banco Mundial, o tabagismo agrava a fome e a pobreza, pois muitos pais de família deixam de alimentar seus filhos para comprarem cigarros ou seus derivados, devido à dependência da nicotina, sendo que em alguns países pobres é mais barato comprar cigarros do que alimentos.
Para se contrapor a essa verdadeira pandemia, 192 Estados Membros da OMS elaboraram, durante quatro anos, o primeiro tratado internacional de saúde pública da história da humanidade: a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT).
Esse tratado, que entrou em vigor em fevereiro de 2005, após 40 países o terem ratificado, tem como objetivo proteger a população mundial e suas gerações futuras das devastadoras conseqüências geradas pelo consumo e exposição à fumaça do tabaco A partir dele, o controle do tabaco passa a ser encarado como uma questão ética e de responsabilidade social dos governos para com suas populações.
O texto da CQCT dispõe sobre medidas para a redução da demanda, como, por exemplo, aumento de preços e impostos, proteção contra a exposição à fumaça do tabaco, promoção da cessação do tabagismo, restrição ou proibição da publicidade, promoção e patrocínio do tabaco, e medidas para redução da oferta de tabaco, como, por exemplo, controle do comércio ilegal (contrabando), proibição da venda de produtos derivados do tabaco a menores de idade e apoio a atividades alternativas economicamente viáveis no lugar da cultura do fumo.
Apesar de o Brasil ser hoje o maior exportador e o segundo maior produtor de tabaco em todo o mundo, nosso país possui um dos programas de controle do tabagismo mais avançados do mundo.
Praticamente todas as proposições da CQCT já vêm sendo cumpridas em nosso país. A prevalência de fumantes no país foi reduzida de 32% em 1989 para 19% em 2003. No mesmo período houve uma importante queda do consumo per capita de cigarros, em 32%. Por conta disso, o Brasil foi escolhido para liderar as negociações que culminaram com a aprovação do texto final, além de ter sido o segundo país a assinar a Convenção, no primeiro dia disponível.
Porém, para que o Brasil aderisse à CQCT, seu texto teve que ser aprovado pelo Congresso Nacio-nal e ratificado pelo Presidente da República. Nesse ponto, a Câmara dos Deputados agiu com a rapidez que o caso requeria, aprovando a CQCT, por acordo de lideranças em 31 de maio de 2004, e remetendo-a ao Senado Federal. No Senado, a aprovação do texto da Convenção enfrentou um forte lobby contrário, promovido pela indústria do tabaco. Houve várias audiências públicas e análise do texto por três comissões, com o objetivo de retardar sua ratificação. Dessa forma, o texto da CQCT tramitou durante mais de um ano, até ser aprovado em plenário no dia 27 de outubro de 2005.
Durante esse período, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia teve um importante papel na luta pela aprovação da CQCT, enviando uma carta a todos os senadores da República, assinada pelo presidente da SBPT, Mauro Zamboni, solicitando apoio para sua aprovação, realizando visitas a senadores nos seus gabinetes, e participando de audiências públicas em municípios fumicultores, defendendo a CQCT. Nesse ponto, gostaria de agradecer o apoio que a Comissão de Tabagismo da SBPT teve do seu presidente e diretoria.
Finalmente, no dia 3 de novembro de 2005, a CQCT foi ratificada pelo governo brasileiro, apenas três dias antes do prazo final para o país poder fazer parte da Conferência das Partes, que discutirá protocolos que deverão promover mecanismos técnicos e financeiros para a implementação das propostas da Convenção nos países que a ratificaram dentro do prazo.
A ratificação da CQCT pelo Brasil foi uma grande vitória da saúde pública em nosso país. A partir de agora o controle do tabagismo passa a ser uma questão de Estado, ou seja, vincula-se a uma ação do governo federal, em todos os níveis, com vários ministérios envolvidos, mantendo os avanços que o Programa Nacional de Controle do Tabagismo já conseguiu e buscando superar novos desafios para controlar essa fatal epidemia em nosso país.
Ricardo Henrique Sampaio Meirelles
Presidente da Comissão de Tabagismo da SBPT