ABSTRACT
Objective: To evaluate the prevalence of and describe the methods used to control the smoking habit among a geographically-specific population of physicians. Methods: Questionnaires were distributed to physicians practicing in a region of the greater metropolitan area of São Paulo area known as the "ABC Paulista" (comprising the municipalities of Santo Andre, São Bernardo and São Caetano), and completed questionnaires were received from 678 physicians, all registered with the São Paulo State Regional Council of Medicine. Results: Of the 678 responding physicians, 58 (8.6%) were smokers, 183 (27.0%) were former smokers, and 437 (64.5%) were nonsmokers. No gender-based differences were found. Nor were there any significant differences in prevalence based on medical specialty. Most of the smokers had tried to stop smoking. Among the smokers, cessation methods were used by 7%: nicotine replacement therapy by 4.3%; and acupuncture by 2.7%. Most of the former smokers (88.1%) had successfully quit smoking without using any cessation methods. Conclusion: The prevalence of smoking among physicians in the ABC Paulista region was 8.6%. In this region, the majority of physicians who quit smoking did so without the aid of smoking cessation methods. Among those who did use such methods, nicotine replacement therapy was the method of choice.
Keywords:
Prevalence; Smoking; Physicians; Smoking cessation
RESUMO
Objetivo: Verificar a prevalência do tabagismo entre os médicos da Região do ABC Paulista e avaliar os métodos de cessação utilizados por esse grupo. Métodos: A amostra constituiu-se de 678 questionários respondidos espontaneamente por médicos cadastrados no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, cujos endereços postais pertenciam à Região do ABC Paulista. Resultados: Observou-se que 58 médicos eram fumantes (8,6%), 183 ex-fumantes (27,0%) e 437 não fumantes (64,5%), não havendo diferença significativa em relação ao sexo, entre os fumantes. Não houve diferenças de prevalências entre as várias especialidades médicas. A maioria dos fumantes já havia tentado parar de fumar. O método de cessação do tabagismo mais utilizado foi o da terapia de reposição de nicotina (4,3%), seguido da acupuntura (2,7%). A maioria dos médicos ex-fumantes não utilizou qualquer método para a cessação do tabagismo (88,1%). Conclusão: A prevalência de tabagistas entre os médicos da Região do ABC Paulista é de 8,6%. A maioria dos médicos que conseguiu parar de fumar, fizeram-no sem a utilização de qualquer método. O método mais utilizado foi o da terapia de reposição de nicotina.
Palavras-chave:
Prevalência; Tabagismo; Médicos; Cessação do tabagismo
INTRODUÇÃOO tabagismo é a principal causa evitável de doenças e morte prematura, sendo a maior causa isolada de mortes na sociedade contemporânea, principalmente nos países desenvolvidos.(1)
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, existem hoje, no mundo, um bilhão e 260 milhões de fumantes ativos, ou seja, um terço da população adulta do mundo fuma. Se levarmos em conta que cada fumante ativo convive com pelo menos dois não fumantes, atingiremos a cifra de mais de três bilhões de pessoas direta e indiretamente expostas ao tabaco, o que corresponde à metade da população mundial, estimada em cerca de seis bilhões de habitantes.(2)
Atualmente morrem por ano quatro milhões de pessoas por doenças relacionadas ao tabagismo, sendo tal fator responsável por 1/6 de todas as mortes ocorridas no mundo (1/4 nos países ricos e 1/8 nos países pobres), podendo subtrair, em média, 22 anos de vida de cada fumante.(2) No momento, nos países desenvolvidos, ocorrem três milhões de óbitos por ano.(2) Se esse panorama não mudar, teremos cerca de dez milhões de mortes por ano em 2030 e 70% delas ocorrerão no mundo em desenvolvimento (Ásia, África e América Latina).(2-3)
No final dos anos 1960, o Serviço de Saúde dos EUA produziu pôsteres com os seguintes dizeres: "100.000 médicos pararam de fumar. Talvez eles saibam algo que você desconheça".(4) Esse exemplo aponta para o fato de que o médico tem papel vital na luta contra o fumo, sendo, dentre os profissionais de saúde, o principal agente formador de opinião, ou seja, o mais observado por todos.
O conselho médico, dado de maneira constante, é eficaz na luta antitabágica e o médico pode e deve interferir no processo de motivação do paciente fumante.(5-6) Entretanto, para que esse aconselhamento seja produtivo, o médico tem que dar o exemplo, ele deve não fumar.
Fumando, o médico pode "comprometer" seus argumentos. Um tabagista dificilmente será convencido a abandonar seu hábito se o seu conselheiro, um médico, for fumante.
Ainda não dispomos, até o momento, de pesquisas sobre a prevalência do hábito tabágico na Região do ABC Paulista, tanto no meio médico como na população em geral.
Sabe-se que 90% dos fumantes que abandonam seu hábito, o fazem sem ajuda de qualquer método. Não existe no Brasil estudo publicado que analise os métodos de cessação do tabagismo utilizados pela classe médica, nem estudos recentes que demonstrem a prevalência tabágica nesta classe profissional, no Estado de São Paulo.
MÉTODOSFoi realizado um estudo transversal, a partir de cartas enviadas a todos os médicos (n = 2.191) cadastrados no Conselho Regional de Medicina de São Paulo, cujos endereços postais pertenciam à Região do ABC Paulista, sendo 967 residentes em Santo André, 651 em São Bernardo do Campo e 573 em São Caetano. As cartas foram postadas pelo Conselho no início do mês de agosto de 2000. Os autores não tiveram acesso aos nomes e aos endereços dos médicos, condição esta imposta pelo Conselho.
Esse questionário foi respondido espontânea e anonimamente, e devolvido através de envelope pré-pago, ou seja, sem ônus para o profissional. A data limite adotada para a devolução dos questionários foi o último dia do mês de outubro de 2000.
De acordo com as respostas, foram criados três grupos de indivíduos: não fumantes, fumantes e ex-fumantes. Considerou-se fumante o consumidor de, pelo menos, um cigarro diário por período não inferior a um mês ou aquele que cessou o hábito de fumar havia menos de um mês. Considerou-se ex-fumante o tabagista que abandonou o cigarro por um espaço de tempo superior a um mês.(7)
Devido à amplitude da amostra, foram criadas quatro faixas etárias para uma melhor análise dos resultados: menores de 35 anos; entre 35 e 44 anos; entre 45 e 54 anos; e acima de 54 anos.
Para mensurar a intensidade do hábito tabágico, foram consideradas três faixas de consumo: um a dez cigarros por dia, onze a vinte cigarros por dia e mais de vinte cigarros por dia. A intensidade do tabagismo foi avaliada também através do consumo diário de cigarros, quantificados na unidade maço (vinte cigarros), e do número de anos de uso, relação esta denominada maços-ano.(8)
O estudo estatístico foi realizado utilizando-se o programa Epi Info, versão 6,04. A análise das variáveis categóricas foi feita através do teste do qui-quadrado, enquanto que as variáveis quantitativas foram comparadas pela análise de variância (ANOVA) ou pelo teste de Kruskall-Wallis. O nível de significância adotado foi de 5%.
RESULTADOSA casuística considerou 678 médicos que responderam espontaneamente ao questionário. Esse valor representa 30,9% da população-alvo.
A idade variou de 24 a 84 anos, com uma média de 43,30 ± 10,86 anos. Obtiveram 437 não fumantes, 183 ex-fumantes e 58 fumantes. Na Tabela 1 observa-se, pelo teste do qui-quadrado, que houve uma associação estatisticamente significativa entre sexo e tabagismo (p < 0,001). Observa-se também que houve maior número de não fumantes no sexo masculino.
Para analisar a prevalência do tabagismo nas diferentes faixas etárias, foi necessário agrupar os médicos independentemente do sexo, tendo em vista o pequeno número de observações em alguns estratos (Tabela 2).
Para comparar as faixas etárias, os médicos foram divididos em faixas de dez anos. O grupo acima de 65 anos compreendia apenas 25 médicos, e para formar grupos mais homogêneos, estes indivíduos foram incluídos na faixa acima de 55 anos. Pode-se observar pelo teste do qui-quadrado que houve uma associação estatisticamente significativa entre faixa etária e tabagismo (p < 0,001). Observa-se que a maioria de não fumantes estava na faixa etária de 35 a 44 anos. Entre os fumantes, a maioria encontrava-se entre 45 e 54 anos.
Não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre as várias especialidades médicas da amostra e o tabagismo. Cabe destacar que nenhum cardiologista (n = 20) e apenas um pneumologista (n = 17) da amostra fumava.
O consumo médio diário de cigarros entre os fumantes foi de 16,3 ± 7,8 cigarros por dia, sendo 14,1 ± 8,8 cigarros por dia no sexo feminino e 17,7 ± 6,8 no masculino, sem diferença estatística (p = 0,17).
A Tabela 3 mostra que a maioria dos fumantes estava entre os que fumavam de onze a vinte cigarros por dia em ambos os sexos. Entre os fumantes que fumavam mais que dez cigarros por dia predominaram os do sexo masculino, enquanto que entre os fumantes que utilizavam até dez cigarros por dia o predomínio foi do sexo feminino. Porém, estas diferenças não foram estatisticamente significativas. A intensidade do tabagismo foi avaliada também em maços-ano. Constatou-se que 60% dos fumantes encontravam-se na faixa de consumo entre onze e 40 maços-ano, com média de 23 ± 17,7 maços-ano. A média de consumo foi de 17,2 ± 15,9 maços-ano no sexo feminino e de 26,6 ± 18 no masculino, diferença esta não significativa (p = 0,056). Quando se relacionou a intensidade do tabagismo com a faixa etária não foram encontradas diferenças significativas (p = 0,50). Analisando a duração do hábito de fumar, verificou-se que a média foi de 24,7 ± 12,5 anos, sem diferenças entre os sexos .
Procurou-se também identificar a idade de início do hábito. Entre os fumantes, esta idade variou de 12 a 33 anos, com média de 18,4 ± 4,5 anos, sendo que 68,4% iniciaram o hábito antes dos vinte anos de idade. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os sexos (p = 0,46).
A maioria dos fumantes já havia tentado parar de fumar (54,4%), e 77,4% referiram ter realizado tentativas por, pelo menos, três vezes. Além disso, 81,8% deles esperavam conseguir abandonar o hábito nos cinco anos seguintes.
A idade de início do hábito entre os ex-fumantes variou de 8 a 50 anos, com média de 16,9 ± 4,6 anos, não havendo diferença estatística entre os sexos (p = 0,056). Como ocorrido entre os fumantes, cerca de 82,5% dos ex-fumantes iniciaram seu vício antes dos 20 anos de idade. Em comparação com os fumantes, os ex-fumantes iniciaram o hábito mais precocemente (p = 0,03). Os ex-fumantes utilizaram cigarros por um período médio de 17,0 ± 10,3 anos e a idade média de cessação do hábito foi de 34,6 ± 9,8 anos de idade, não havendo diferenças estatísticas quanto ao sexo.
A Tabela 3 mostra a intensidade do tabagismo em relação ao sexo, e revela que a maioria dos homens fumava onze a vinte cigarros por dia, enquanto que a maioria das mulheres encontrava-se no grupo que fumava um a dez cigarros por dia (p = 0,04). Também os homens fumaram mais que as mulheres, quando analisada a intensidade do hábito através de maços-ano. Os homens fumaram 15,81 ± 15,23 contra 10,09 ± 11,95 maços-ano entre as mulheres (p = 0,003).
O número médio de tentativas de parar de fumar foi de 1,39 ± 1,69 e 92,3% dos profissionais entrevistados não receberam ajuda de um médico para conseguir seu intento. Entre os ex-fumantes, 65% conseguiram parar na primeira ou na segunda tentativa. O principal motivador da cessação do tabagismo encontrado nesta amostra foi a conscientização pessoal (64,08%) e 13,05% pararam pela presença de doenças tabaco-relacionadas ou gravidez.
Analisou-se a relação do início e término do hábito segundo o período do curso médico. Observou-se que a maioria iniciou seu hábito antes do ingresso na faculdade de medicina (76%) e a maioria parou após a conclusão do curso (78,1%). O percentual de estudantes que iniciou (22,0%) e que parou de fumar (20,3%) durante o curso médico foi semelhante (p < 0,001).
A Tabela 4 mostra os métodos utilizados pelos médicos para superarem sua dependência. Nota-se que a maioria não utilizou qualquer método (88,1%), a reposição de nicotina foi utilizada por 4,3% dos médicos e apenas 1,08% utilizaram antidepressivos. Um fato que merece destaque é que dois médicos da amostra revelaram ter utilizado a bupropiona. No entanto, referiam ter parado de fumar havia menos de um mês, e foram considerados fumantes.
Outra questão estudada foi o grau de aconselhamento dado aos pacientes pelos médicos. Observou-se que a maioria dos profissionais de saúde estudados aconselhava sempre seus pacientes sobre os efeitos do tabaco, mas os médicos fumantes aconselhavam menos os seus pacientes a pararem de fumar (62,1%) do que os ex-fumantes (84,2%) e os não-fumantes (85,1%) (p = 0,001). Não houve diferença entre local de trabalho ou especialidade médica, em relação ao aconselhamento aos pacientes fumantes.
O comportamento dos médicos fumantes e ex-fumantes frente a seus pacientes foi semelhante: 10,5% dos fumantes e 18,9% dos ex-fumantes fumavam na frente dos pacientes e cerca de 60% de ambos os grupos permitiam que seus pacientes soubessem da sua dependência tabágica.
DISCUSSÃOEste trabalho apresenta dois possíveis vieses: um viés de seleção, pois é possível que alguns médicos fumantes não tenham sido motivados a responder ao questionário e um viés de informação, uma vez que algumas perguntas exigiram um grau importante de memória para serem respondidas.
Também não foi possível checar se todos os médicos com endereço postal no ABC receberam efetivamente o questionário, visto que os autores não tiveram acesso aos nomes e endereços dos profissionais.
O questionário foi respondido e devolvido por 678 médicos, representando 30,9% da população- alvo. Este resultado foi superior aos 23,1% de respostas obtidas em um trabalho brasileiro, de 1996, que utilizou metodologia semelhante.(6)
A prevalência de tabagistas entre os médicos da Região do ABC que responderam ao questionário, de 8,6%, é menor que a da população brasileira, situada em torno de 23,9%.(9) Quanto ao sexo, encontramos, na população brasileira, uma taxa menor de tabagismo entre as mulheres (25%) em relação aos homens (42%), o que não ocorreu nessa população estudada, na qual não houve diferença de prevalência quanto ao sexo.
No Brasil, poucos inquéritos foram realizados e constituíram-se, em sua maioria, em estudos regionais, tendo ainda metodologia e amostragem distintas.(6,10-16) A Tabela 5 aponta os principais estudos publicados, além dos dados deste estudo. Embora não sejam estudos comparáveis, a prevalência de tabagistas variou de 6,4% a 32% da população médica, mostrando diminuição nestes últimos 20 anos, como seria de se esperar. Em relação aos ex-fumantes, a variação não foi tão expressiva, o que nos faz concluir que a diminuição do tabagismo entre os médicos não ocorreu somente pelo abandono da dependência, mas também pelo aumento do número de não fumantes, que vem ocorrendo nestes últimos 20 anos. Os números encontrados no presente trabalho são parecidos com os do artigo citado acima, de 1996,(6) o que confirma essa tendência.
Levando em conta estes últimos estudos, nota-se que a prevalência tabágica entre os médicos brasileiros está próxima da de países como EUA, Inglaterra e Canadá,(17-18) todos com taxas abaixo de 10%, e em melhor situação que Japão, Holanda, México e Espanha,(18-23) com taxas muito superiores às nossas.
Todos os estudos revelaram uma proporção maior de homens que conseguiram abandonar o hábito, em relação às mulheres. Entre os não fumantes, houve predomínio do sexo feminino sobre o masculino, em todos os estudos. Os resultados deste trabalho revelam as mesmas tendências.
No presente estudo, não houve diferenças estatísticas entre o hábito de fumar e a especialidade médica, fato observado também em outros dois trabalhos.(11,13) Em um artigo publicado em 1997,(6) os autores observaram, entre 11.909 médicos, prevalência menor de tabagismo entre aqueles pertencentes às especialidades cujas sociedades possuíam programas efetivos de controle do tabagismo, como a de Pneumologia (2,2% de fumantes), Cardiologia (4,3%), Cancerologia (3,7%) e Otorrinolaringologia (4,3%). Possivelmente, se a casuís-tica deste estudo fosse maior, haveria diferenças, visto que nenhum cardiologista e apenas um pneumologista da amostra fumava. Quanto aos pneumologistas, encontrou-se um fumante na nossa amostra (5,9%), enquanto que outros autores encontraram prevalências de fumantes que variaram de 0 a 17,5%.(6,11,16,24)
Sabe-se que a maioria dos fumantes inicia seu hábito na juventude.(25) Com o médico ocorre o mesmo. No presente estudo, 68,4% dos fumantes e 82,5% dos ex-fumantes começaram a fumar antes dos 20 anos de idade, portanto antes de concluir o curso médico. Números semelhantes a estes são apontados por outros autores brasileiros.(6,11-13,16)
A maioria dos fumantes já tentou parar de fumar, e 77,4% dos fumantes que tentaram, fizeram-no pelo menos três vezes. Entre os ex-fumantes, 65% conseguiram parar na primeira ou na segunda tentativa. Estes últimos dados são diferentes dos obtidos de ex-fumantes não médicos, que normalmente fazem várias tentativas até conseguirem largar o tabaco.(26-27)
A idade média de abandono do tabagismo entre as médicas foi de 32,87 anos e entre os médicos de 34,94 anos, não havendo diferenças quanto ao sexo. Estes dados foram semelhantes aos obtidos em dois outros estudos brasileiros.(11-12) Os médicos costumam parar de fumar após os 30 anos, enquanto que a média de idade de abandono do cigarro pelas médicas apresentou tendência a ser menor.
Observou-se que 76% dos médicos ex-fumantes da Região do ABC Paulista iniciaram seu hábito antes da entrada no curso de Medicina, 22% começaram a fumar durante e a minoria após o curso médico. O que chama a atenção é que o percentual relativo aos que abandonaram o cigarro durante o curso médico é praticamente o mesmo dos que começaram a fumar no mesmo período. Resultados semelhantes foram reportados em 1992 e 1993.(11-12) Estes dados sugerem que o curso de Medicina não interferiu na decisão de seus alunos de iniciar ou de terminar o hábito tabágico. Provavelmente, as escolas médicas em geral não tenham enfocado o tema tabagismo de maneira adequada. Este aspecto também foi referido em um artigo inglês, que relata prevalências altas de tabagismo entre estudantes de Medicina do Reino Unido (11% a 35,7%), Polônia e Espanha (61%). O autor refere prováveis deficiências no ensino de doenças tabaco-relacionadas e de métodos de cessação do tabagismo.(28) Em um estudo norte-americano, os autores encontraram prevalências menores de fumantes em estudantes de Medicina (3,3%).(29) Em um recente trabalho brasileiro, foram estudadas as tendências temporais de tabagismo em estudantes de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, no período de 1986 a 2002. Encontrou-se diminuição da prevalência de fumantes, principalmente no início do período, com uma taxa de 10,1%, em 2002. Os autores desse trabalho reforçam a possibilidade de que o conhecimento repassado aos estudantes ainda seja pobre e ineficaz.(30)
A maior proporção de médicos que abandonaram o hábito após a conclusão do curso de medicina não pode ser imputada, com certeza, ao conhecimento adquirido nas escolas médicas, visto que, de modo geral, é após os 25 anos que a maioria dos fumantes deixa de fumar.
Sabe-se que 90% dos fumantes em geral que conseguem parar de fumar, fazem-no sem utilização de qualquer método.(5) Nesta casuística, 88,1% dos médicos cessaram seu hábito sem o uso de qualquer método auxiliar existente, o que revela um comportamento muito parecido com o de fumantes não médicos. O método mais utilizado foi o da reposição de nicotina (4,3%). Antidepressivo foi usado por apenas 1,1% dos ex-fumantes. Cabe mencionar que a bupropiona, um dos medicamentos mais utilizados atualmente na terapia antitabágica, fora lançada no mercado brasileiro havia menos de um ano, no momento da pesquisa e, portanto, ainda não era totalmente conhecida pelos profissionais de saúde. Dois médicos referiram tê-la usado, porém haviam cessado seu hábito havia menos de um mês, e foram, portanto, considerados fumantes.
O fato de os fumantes aconselharem menos seus pacientes do que os ex-fumantes e os não fumantes a pararem de fumar talvez revele o menor grau de conscientização deles frente ao problema do tabagismo. Em relação ao bom exemplo que os médicos devem dar, os fumantes e ex-fumantes foram questionados se permitiam que seus pacientes soubessem que fumavam. Em um estudo de 1991,(12) observou-se que apenas 11% dos fumantes e 5% dos ex-fumantes não permitiam que seus pacientes tivessem conhecimento de seus hábitos. Este trabalho encontrou números mais animadores: 33% dos fumantes e 37% dos ex-fumantes ocultavam seus hábitos. Esta melhora do comportamento dos médicos perante seus pacientes talvez possa ser explicada pelo maior grau de conscientização adquirido pela classe médica nestes últimos dez anos, ou ainda pela maior pressão que esta classe vem recebendo da sociedade em geral em relação ao seu comportamento quanto ao hábito tabágico.
Estes dados levam-nos a pensar que o tema tabagismo deve ser tratado com o máximo de atenção pelas escolas de Medicina, proporcionando aos futuros médicos uma visão diferenciada do problema, e um comportamento mais adequado do profissional de saúde.
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*Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC, Santo André (SP) Brasil.
Patrocinador: Glaxo Smith Kline.
1. Professor Assistente de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC, Santo André (SP) Brasil.
2. Professor Associado de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) Brasil.
3. Professor Titular da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC, Santo André (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Adriano Cesar Guazzelli. Rua Campos Sales, 490, Conj. 61 - CEP: 09015-200, Santo André - SP, Brasil.
E-mail: acguazzelli@uol.com.br
Recebido para publicação em 23/6/04. Aprovado, após revisão, em 30/6/05.