ABSTRACT
Objective: To identify any possible relation between lower than predicted preoperative respiratory muscle function and the incidence of postoperative respiratory complications and death in elective thoracotomies and laparotomies of the upper abdomen. Methods: A prospective cohort study was conducted, in which 70 patients over the age of 18 were monitored in two similar hospitals. In the preoperative evaluation performed at admission, patients were classified as presenting respiratory muscle function (as determined by measurement of maximal respiratory pressures) > 75% of the predicted value (n = 50) or < 75% of the predicted value (n = 20). Patients were monitored until discharge. In both groups, the incidence of pneumonia was determined, as was that of acute respiratory failure, bronchospasm, prolonged mechanical ventilation, atelectasis, pleural effusion, pneumothorax and death. A comparative analysis was made between the groups, and relative risk was calculated. Results: In the study sample, the overall incidence of postoperative complications was 22.86% (16/70): 55% (11/20) in the group of patients presenting < 75% of the predicted value; and 10% (5/50) in the group of patients presenting > 75% of the predicted value. Patients in the < 75% of the predicted value group presented a relative risk of 5.5 (95% confidence interval between 2.19 and 13.82). Conclusion: Respiratory muscle function below the predicted value was found to be related with higher relative risk of postoperative complications in the surgical procedures studied.
Keywords:
Postoperative complications; Thoracotomy; Laparotomy; Respiratory muscles; Respiratory insufficiency
RESUMO
Objetivo: Verificar se existe associação entre a função muscular respiratória pré-operatória abaixo dos valores previstos e a incidência de complicações pós-operatórias e o óbito, nas laparotomias superiores e toracotomias eletivas. Métodos: Estudo de coorte prospectivo, no qual 70 pacientes acima de dezoito anos foram acompanhados, em dois hospitais similares. A avaliação durante a internação pré-operatória classificou-os em não expostos (50) ou expostos (20), estes quando os valores das pressões respiratórias máximas foram abaixo de 75% dos valores previstos. O acompanhamento foi feito até a alta hospitalar, verificando-se a incidência de pneumonia, insuficiência respiratória aguda, broncoespasmo, ventilação mecânica prolongada, atelectasia, derrame pleural, pneumotórax e óbito nos dois grupos. Realizou-se análise comparativa entre os grupos e cálculo do risco relativo. Resultados: A incidência total de complicações pós-operatórias da amostra foi de 22,86% (16/70); no grupo exposto foi de 55% (11/20) e no grupo não exposto de 10% (5/50). Os pacientes expostos apresentaram risco relativo de 5,5 (intervalo de confiança de 95% entre 2,19 e 13,82). Conclusão: Os resultados indicaram que a função muscular respiratória pré-operatória abaixo do valor previsto esteve associada a um risco relativo maior de complicações pós-operatórias nas cirurgias pesquisadas.
Palavras-chave:
Complicações pós-operatórias; Toracotomia; Laparotomia; Músculos respiratórios; Insuficiência respiratória
INTRODUÇÃOAs complicações respiratórias pós-operatórias (CRP) aumentam o período de internação, elevam os custos previstos e contribuem de maneira significativa para a mortalidade, especialmente nas toracotomias e laparotomias superiores, consideradas de risco.(1-2) A incidência varia consideravelmente pela falta de padronização na definição das CRP e pela variabilidade dos fatores de risco analisados, de 10% a 40% para as toracotomias, de 13% a 33% para as laparotomias superiores, e de 0 a 16% para as laparotomias inferiores.(3)
Nas toracotomias é esperada uma redução na capacidade vital em torno de 60% a 70%(4) e nas laparotomias de 50% a 68%.(4) O pico da disfunção diafragmática pós-operatória, principal causa desta redução,(5) ocorre no período entre duas e oito horas após a cirurgia, retornando aos valores pré-cirúrgicos em sete a dez dias, aproximadamente. Estas alterações, que ocorrem em resposta ao ato cirúrgico, podem evoluir para CRP quando modificam o curso inicialmente previsto para a recuperação pós-operatória.(6) Entre as medidas objetivas da disfunção diafragmática respiratória realizadas à beira do leito, destacam-se as das pressões respiratórias máximas inspiratórias (PImax) e expiratórias (PEmax).(7)
A prevenção da ocorrência de CRP motivou inúmeros estudos,(8-11) muitos dos quais objetivando a validação de índices para a predição do risco cirúrgico.(12-16) A espirometria, muito valorizada nas décadas de 1970 e 80,(6) atualmente tem-se mostrado útil somente para os casos de pacientes que vão ser submetidos à ressecção pulmonar(17) ou que sejam sintomáticos respiratórios.(18) Outros parâmetros da avaliação cardiorrespiratória têm sido estudados para a predição de riscos, especificamente nas ressecções pulmonares,(19-21) como a capacidade de difusão do monóxido de carbono, o consumo máximo de oxigênio e o limiar anaeróbico. Poucos estudos pesquisaram o valor da função muscular respiratória no pré-operatório. Alguns autores(22-23) constataram que têm maior risco de desenvolver CRP os pacientes que, por alguma razão, não conseguem elevar os seus valores de PImax e PEmax, apesar do treinamento muscular respiratório no pré-operatório das toracotomias. Outros autores(24) sugeriram a inclusão da PEmax em escala de risco proposta para pacientes submetidos a cirurgia cardíaca.
Sugere-se, na presente pesquisa, que a disfunção dos músculos respiratórios(25-27) prévia ao ato cirúrgico pode retardar o período de restabelecimento esperado para as alterações fisiopatológicas, favorecendo o aparecimento das CRP, especialmente quando as incisões se aproximam do diafragma. Assim, o objetivo deste trabalho foi verificar se a força muscular respiratória abaixo dos valores esperados(28) no pré-operatório (ou seja, a presença de disfunção muscular respiratória) pode ser considerada como fator de risco de CRP e óbito, nas toracotomias não cardíacas e laparotomias superiores, eletivas.
MÉTODOSO estudo conduzido foi observacional, longitudinal, de coorte prospectivo. A coleta de dados foi realizada entre dezembro de 2002 e setembro de 2003. A amostra foi de conveniência consecutiva, constituída de 70 pacientes provenientes dos setores de Cirurgia Torácica, Cirurgia do Aparelho Digestivo e Cirurgia Geral do Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná (n = 57) e do Hospital Evangélico de Londrina (n = 13), hospitais estes com população atendida em enfermarias do Sistema Único de Saúde e serviço de fisioterapia com esquemas semelhantes de atendimentos nos períodos pré e pós-operatório. Todos os pacientes incluídos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pelas comissões de ética de ambos os hospitais.
Os pacientes foram avaliados durante a internação pré-operatória, e monitorados até a alta hospitalar ou óbito por um único pesquisador. Os pacientes foram atendidos normalmente pela equipe de fisioterapia. O avaliador não disponibilizou quaisquer dados dos pacientes acompanhados, em momento algum, nem aos fisioterapeutas e tampouco à equipe cirúrgica. Houve duas equipes para cada especialidade, que utilizaram as mesmas técnicas cirúrgicas. Foram incluídos os pacientes acima de dezoito anos, internados para a realização de cirurgia abdominal supra-umbilical ou torácica não cardíaca, não assistidas por vídeo. Houve a mesma proporção de cada gênero (50% cada), com média de idade de 48,99 anos, desvio-padrão de 15,63 e mediana de 47,5 anos, que variou entre 19 e 81 anos. Houve 29 pacientes submetidos a toracotomias (41,4%), 37 a laparotomias superiores (52,9%) e 4 submetidos a cirurgias mistas (5,7%), ou seja, com incisões abdominal e torácica. A maioria das toracotomias (72,4%) constituiu-se de ressecção pulmonar e a maioria das laparotomias (61%) foi indicada para cirurgia gástrica. Excluíram-se os pacientes não colaborativos, em uso de psicotrópicos, imunossupressores e relaxantes musculares, drogas estas que poderiam interferir nos resultados, assim como aqueles com infecção pulmonar ocorrida entre o momento da avaliação pré-operatória e a cirurgia.
Os dados de identificação, assim como da história clínica(12) e exame físico, das seguintes co-variáveis do estudo foram coletados: gênero; idade (até 49 anos ou igual ou acima de 50 anos(12)); tabagismo (considerou-se fumante o paciente que referiu ter fumado no mínimo um cigarro por dia por mais de um ano até então, ou mais de vinte maços durante toda a vida, e não fumante o paciente que nunca fumou ou fumou menos de vinte maços durante toda a vida); sintomas respiratórios (queixa de pelo menos um dos sintomas: tosse, tosse crônica e/ou expectoração, especialmente nas oito últimas semanas); doença pulmonar prévia (doença obstrutiva ou restritiva crônica diagnosticada previamente ou durante o período de internação); co-morbidades (hipertensão arterial, diabetes melito ou cardiopatias); índice de massa corpórea (foi considerado eutrófico o paciente com índice de massa corpórea entre 21 e 29, inclusive, e distrófico aquele com o índice igual ou abaixo de 20 ou acima de 29(11)); e espirometria (utilizou-se o espirômetro Respiradyne II Plus, Sherwood, EUA, conforme as recomendações do I Consenso Brasileiro de Espirometria,(29) sendo consideradas espirometrias anormais aquelas com valores obtidos de capacidade vital forçada ou do volume expiratório forçado no primeiro segundo abaixo de 80% do previsto, e da relação entre estes valores abaixo de 75%).
Foram obtidas as medidas das pressões respiratórias máximas,(27, 29) Utilizou-se manovacuômetro analógico (Makil - Londrina, PR, Brasil), com escala de -200 a 200 cm de H2O, diâmetro de 100 mm, sensor tipo cápsula e conexão tipo espigão. O paciente permaneceu sentado, com prendedor nasal e utilizando bocal plástico rígido de borda rebaixada. O manovacuômetro foi conectado ao bocal por meio de cânula, havendo entre aquele e esta uma conexão com orifício de 2 mm de diâmetro. Para a medida da PImax, o paciente foi orientado a exalar até o volume residual, a partir do qual deveria realizar um esforço inspiratório máximo e sustentado por pelo menos dois segundos. Para a medida da PEmax, o paciente foi orientado a inspirar o mais profundamente até a capacidade pulmonar total, exalando a seguir até o volume residual com o máximo esforço possível. Repetiu-se a técnica até serem obtidos os valores de pelo menos três manobras aceitáveis (PImax e PEmax) e com variação menor que 10% entre eles, com intervalos de um minuto para descanso. O maior valor sustentado obtido foi então escolhido, desde que não fosse o da última medida.
Os valores obtidos foram comparados à tabela de normalidade,(28) sendo expressos em percentagem (%PImax e %PEmax), permitindo a classificação dos pacientes em dois grupos: grupo de pacientes expostos (n = 20), quando a PImax ou PEmax foi menor que 75% do previsto(7,27) e grupo de pacientes não expostos (n = 50), quando a PImax e PEmax foi maior ou igual a 75% do previsto.(7,27)
No pós-operatório, o avaliador pesquisou e acompanhou diariamente os registros realizados pela equipe cirúrgica, para verificar os dados sobre o tempo de cirurgia (maior ou menor que 210 minutos), tempo de internação (pré-operatório, pós-operatório, em unidade de terapia intensiva e total) e a identificação da ocorrência das seguintes complicações: pneumonia (temperatura acima de 38º C, sinais radiológicos de consolidação pulmonar e tosse produtiva); atelectasia com repercussão clínica evidente; broncoespasmo; ventilação mecânica prolongada, por mais de 48 horas ou necessidade de reintubação e assistência ventilatória mecânica; derrame pleural ou pneumotórax; reintervenção cirúrgica ocasionada por reexpansão pulmonar inadequada; e óbito decorrente de causa pulmonar ou não.
A amostra foi calculada para o nível de confiança de 95% e o poder de 80%. Realizou-se a análise descritiva das variáveis do estudo pelo cálculo das médias, medianas e desvios-padrão. Compararam-se os grupos de expostos e não expostos, utilizando-se os testes t de Student, Mann Whitney, qui-quadrado corrigido de Yates ou exato de Fisher, quando pertinentes. Para verificar as distribuições utilizou-se o teste de Shapiro-Wilk. Calcularam-se a incidência das CRP e óbito em ambos os grupos, o risco relativo e o intervalo de confiança. Utilizaram-se os programas SPSS (Statistical Package for Social Sciences) versão 11.5 e Epi-info versão 6.04d. O nível de significância adotado foi de 0,05 para o
erro a e os testes foram bicaudais.
RESULTADOSEntre os 70 casos estudados, 37 eram tabagistas (52,9%), 28 eram distróficos (40%), 33 apresentaram co-morbidades (47,1%), 30 eram portadores de doença pulmonar prévia (42,9%), 31 eram sintomáticos respiratórios na época da cirurgia (44,3%) e 30 apresentaram espirometria anormal (47,1%). O paciente sintomático e que não era portador de doença pulmonar apresentou queixa de tosse seca, o que foi atribuído ao estado emocional em razão da expectativa da cirurgia. A média do tempo de cirurgia foi de 210,7 minutos, com desvio-padrão de 111, variando entre 40 e 490 minutos. Todos os pacientes foram submetidos à anestesia geral por indução endovenosa, intubação orotraqueal e suporte ventilatório controlado. A Tabela 1 apresenta as características clínicas dos pacientes de ambos os grupos estudados; observa-se a mesma proporção da maioria dos fatores de risco pesquisados, exceto os referentes à idade (p < 0,03), gênero (p < 0,01), sintomas respiratórios (p = 0,01) e espirometria (p = 0,01).
Em 16 dos 70 pacientes, o quadro clínico evoluiu para pelo menos uma CRP ou óbito, totalizando 32 ocorrências, descritas na Tabela 2. A incidência total de CRP na amostra, incluído o óbito, foi, portanto, de 22,86% (16/70). Todos os casos de óbito (7/70) foram decorrentes de CRP. O quadro clínico de 5 (10%) dos 50 pacientes não expostos evoluiu para CRP ou óbito no pós-operatório, o mesmo ocorrendo com 11 (55%) dos 20 pacientes expostos, o que representou grande diferença estatística (p < 0,001). A Tabela 3 permite a visualização da distribuição dos pacientes em relação à incidência das CRP e óbito, nos grupos de pacientes expostos e não expostos. O risco relativo foi de 5,5, com intervalo de confiança de 95% entre 2,19 e 13,82, para os pacientes expostos, segundo valores previstos para brasileiros de mesma idade e gênero. Quando analisados os grupos que evoluíram com (n = 16) e sem CRP ou óbito (n = 54), houve grande diferença estatística entre as médias das pressões respiratórias máximas - PImax (p < 0,01) e PEmax (p < 0,02) - entre os grupos.
Quanto ao tempo de internação, conforme se observa na Tabela 4, os testes de Mann Whitney revelaram diferença estatisticamente significativa entre os grupos de expostos e de não expostos no número total de dias de internação.
A associação estatística entre função muscular respiratória anormal e CRP ou óbito permaneceu quando analisada na presença da maioria dos fatores considerados de risco, exceto idade acima de 50 anos (p = 0,08) e presença de co-morbidades (p = 0,40) (Tabela 5).
DISCUSSÃOEmbora alguns dos fatores de risco relacionados ao paciente ou ao procedimento não sejam modificáveis, sua identificação é útil para a equipe intensificar a atenção em relação aos pacientes de maior risco, com o objetivo de prevenir CRP e óbito, tanto quanto possível. A disfunção muscular respiratória tem-se mostrado um fator muito influente na evolução de inúmeras situações clínicas, como as pulmonares, ortopédicas, reumáticas, neurológicas, bem como de condições cirúrgicas.(26) A principal questão objeto do estudo foi verificar se a disfunção muscular respiratória antes do ato cirúrgico poderia ser considerada como fator de risco de CRP ou óbito, nas referidas cirurgias.
Os grupos de pacientes avaliados, tanto expostos como não expostos à disfunção muscular respiratória, apresentaram a mesma proporção de casos em relação à grande maioria das variáveis pré-operatórias consideradas de risco. A heterogeneidade encontrada entre os grupos nas variáveis idade, gênero e sintomas respiratórios provavelmente não interferiu nos resultados, uma vez que nem a idade(2) e tampouco o gênero têm revelado evidências de serem fatores de risco isoladamente para as CRP ou óbito. De acordo com um artigo de revisão,(9) a literatura sugere que a idade é um fator menor de risco para CRP quando ajustada às co-morbidades. É, portanto, difícil afirmar a ocorrência de um risco isolado. Há escassa documentação na literatura sobre a influência do gênero na incidência de CRP nas cirurgias aqui estudadas, e os poucos estudos encontrados são contraditórios. Portanto, o gênero e a idade como fatores de risco de CRP ainda carecem de maiores evidências científicas.
O número de pacientes sintomáticos foi um pouco maior entre os expostos. Pode-se inferir que parte dos pacientes que apresentaram sintomas respiratórios, não decorrentes de infecção respiratória, seja de doentes pulmonares crônicos. Portanto, muitos deles já apresentavam debilidade muscular respiratória com repercussão nas pressões respiratórias máximas. Era de se esperar um maior número de pacientes com a espirometria anormal entre os expostos, uma vez que este exame fornece pouca informação sobre os músculos respiratórios.
Os casos de CRP foram somados aos casos de óbito no cômputo final das complicações, e todos os casos de óbito tiveram como causa as complicações respiratórias, o que está em consonância com a literatura.(11,13) A pneumonia foi a CRP mais freqüente, o que também está de acordo com a maioria dos trabalhos consultados. A baixa freqüência da atelectasia (6,3%), entretanto, pode ter ocorrido por não ter sido realizada uma busca criteriosa de todos os casos e sim somente daqueles com importância clínica e intervenção terapêutica específica.
Nossos resultados foram semelhantes àqueles encontrados por outros autores.(22-23) Entretanto, nos dois artigos que objetivaram verificar o papel da função muscular respiratória pré-operatória nas CRP, os autores trabalharam com valor de referência de PImax igual a -80 cmH2O e PEmax igual a 80 cmH2O (valores absolutos), não levando em consideração as variáveis gênero e idade. Já os valores de referência do presente trabalho, além de levarem em consideração estas variáveis (valores relativos), foram específicos para a população estudada,(28) fato que permitiu quantificar mais objetivamente a função muscular respiratória.
Na análise das variáveis individuais das pressões respiratórias máximas relativas (%PImax e %PEmax), destacou-se a grande diferença estatística entre as médias observadas nos grupos que evoluíram com e sem CRP ou óbito. Observou-se também que os valores de %PImax isoladamente já permitiriam associar a disfunção muscular inspiratória pré-operatória às CRP, com risco relativo de 4,47 e intervalo de confiança entre 1,89 e 10,62, indicando a importância desta medida. Este achado é discrepante em relação ao trabalho de outros autores,(24) em que a PImax não foi incluída na escala de risco proposta. Estes autores acompanharam 117 pacientes prospectivamente, com o objetivo de desenvolver um modelo de escala de risco de CRP para as cirurgias de revascularização do miocárdio. As variáveis PEmax maior ou igual a 75% do valor previsto e capacidade vital inspiratória maior ou igual a 76% do valor previsto foram consideradas fatores de proteção para o desenvolvimento de CRP e incluídas no modelo da escala de risco proposto pelos autores.
Comparando-se o tempo de internação entre os grupos de pacientes expostos e não expostos avaliados, observou-se visível diferença nas médias do número de dias dos quatro períodos, indicados na Tabela 4, embora tenha sido observada diferença estatisticamente significativa somente no número total de dias de internação. Este fato permite afirmar que a presença da disfunção muscular respiratória pré-operatória pode aumentar o tempo de permanência do paciente no hospital.
Os valores do risco relativo permaneceram importantes quando ajustados para a maioria dos outros fatores de risco (Tabela 5). Quando foram analisadas as variáveis idade acima de 50 anos e presença de co-morbidades, os riscos relativos foram grandes e importantes e poderiam ter revelado associação estatística. A variável sintomas respiratórios poderia ter sido considerada como fator de confusão no trabalho. Porém, quando o risco relativo foi ajustado pela presença dos sintomas respiratórios, observou-se que permaneceu importante para os pacientes sintomáticos expostos (risco relativo de 2,73, intervalo de confiança entre 1,07 e 7,01, p = 0,05). Entre os 17 pacientes não expostos sintomáticos, apenas 4 desenvolveram CRP ou foram a óbito (23,5%), ao passo que entre os 14 pacientes expostos sintomáticos, 9 complicaram (64%).
Uma limitação dos testes voluntários(27) para a avaliação da força muscular respiratória é sua dependência da cooperação do paciente, uma vez que não existem meios confirmatórios de que ele tenha despendido todo o esforço possível. Por esta razão, o diagnóstico de fraqueza muscular respiratória não pôde ser determinado com exatidão neste trabalho. Além disso, não foi investigada a causa da deficiência da força muscular respiratória encontrada. Porém, levando-se em conta os resultados obtidos, a avaliação muscular respiratória revelou-se importante para a identificação dos pacientes com maior risco de CRP ou óbito, independentemente da causa ou da confirmação diagnóstica de fraqueza muscular, assuntos que podem suscitar novas investigações.
De acordo com os resultados obtidos, pode-se concluir que a função muscular respiratória anormal no período pré-operatório das toracotomias e laparotomias superiores eletivas está associada à maior incidência de CRP ou óbito, e pode ser considerada como fator de risco nestas cirurgias. Certamente, serão necessários novos estudos para se determinar se o valor preditivo da disfunção muscular respiratória define melhor o risco cirúrgico identificado por escalas de risco consagradas. A disfunção muscular respiratória no pré-operatório, portanto, seria mais um dos fatores de risco de CRP ou óbito, no largo espectro de eventos aos quais os pacientes cirúrgicos estão expostos. Assim, a detecção dessa disfunção pelo fisioterapeuta pode auxiliá-lo na estratificação do risco cirúrgico de seu paciente.
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* Trabalho realizado no Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil; Hospital Evangélico de Londrina, Londrina (PR) Brasil.
1. Doutoranda em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil.
2. Docente Associado de Cirurgia Torácica do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil.
Endereço para correspondência: Larissa Milenkovich Bellinetti. Rua Conde de Nova Friburgo, 77 apto. 501, Jardim Petrópolis
CEP 86015-630, Londrina, PR, Brasil. Tel.: 55 43 3342-7281. E-mail: laryssa@sercomtel.com.br
Recebido para publicação em 4/10/04. Aprovado, após revisão, em 29/7/05.