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Limitações do uso do fragmento mtp40 como marcador de diferenciação entre Mycobacterium tuberculosis e M. bovis

Limitations of the use of the mtp40 fragment as a marker of differentiation between Mycobacterium tuberculosis and M. bovis

Cristina Viana-Niero, Sylvia Cardoso Leão

RESUMO

Os bacilos que causam a tuberculose estão agrupados no complexo Mycobacterium tuberculosis, composto por: M. tuberculosis, M. bovis subsp. bovis, M. africanum e M. microti, além da cepa vacinal M. bovis BCG. Tem sido proposta a inclusão de novas espécies neste complexo, como M. canettii, uma variante de M. tuberculosis encontrada na região da Somália(1), M. caprae, agente etiológico de tuberculose em caprinos(2), e M. pinnipedii, que causa tuberculose em leões marinhos, mas que também pode infectar o homem(3).

Os bacilos que causam a tuberculose estão agrupados no complexo Mycobacterium tuberculosis, composto por: M. tuberculosis, M. bovis subsp. bovis, M. africanum e M. microti, além da cepa vacinal M. bovis BCG. Tem sido proposta a inclusão de novas espécies neste complexo, como M. canettii, uma variante de M. tuberculosis encontrada na região da Somália(1), M. caprae, agente etiológico de tuberculose em caprinos(2), e M. pinnipedii, que causa tuberculose em leões marinhos, mas que também pode infectar o homem(3).

Estudos de hibridação DNA-DNA, seqüen-ciamento de 16SrDNA, das seqüências intergênicas 16S-23S e do gene que codifica para a proteína de choque térmico hsp65 (4) evidenciam que os membros deste complexo constituem, de fato, uma única espécie. Por razões essencialmente ligadas à importância médica e veterinária do grupo, tais como poder patogênico e espectro de hospedeiros de cada espécie, a nomenclatura permanece.

M. tuberculosis é a principal bactéria deste complexo patogênica para o homem. Casos de tuberculose humana devidos a M. africanum e M. canettii foram reportados, principalmente na África(1). M. bovis, agente etiológico de tuberculose bovina, também pode infectar o homem e outros animais. Estudos na Argentina e Inglaterra reportaram que esta espécie é responsável por 0,4% a 1% dos casos de tuberculose humana(5,6). De acordo com a Organização Panamericana da Saúde(7), surgem 7.000 novos casos por ano na América do Sul. Não existem dados sobre a incidência de tuberculose humana causada por M. bovis no Brasil. Esta espécie é naturalmente resistente a pirazinamida, droga utilizada no tratamento da tuberculose humana, o que justifica a diferenciação destas espécies em determinados casos, principalmente quando houver evidência epidemiológica que justifique esta suspeita, ou quando houver falha na resposta ao tratamento com esquemas que incluem pirazinamida.

O diagnóstico da doença causada por M. tuberculosis ou por M. bovis pode ser feito pela análise dos dados clínicos e radiológicos. Entretanto, o diagnóstico bacteriológico é necessário para confirmação do diagnóstico e identificação da espécie. M. tuberculosis e M. bovis podem ser diferenciados usando-se testes fenotípicos como os testes de niacina e produção de nitratos e as provas de crescimento na presença de TCH (hidrazida do ácido tio-feno-2-carboxílico) e pirazinamida (4). A reação em cadeia da polimerase (PCR - polymerase chain reaction) tem sido introduzida na rotina de muitos laboratórios como alternativa para o diagnóstico rápido, sensível e específico. Esta técnica permite diferenciar M. tuberculosis de M. bovis por amplificação diferencial de fragmentos dos genes pncA e oxyR(8), por análise de restrição enzimática do gene gyrB amplificado por PCR(9), por amplificação múltipla (multiplex-PCR) de regiões do fragmento DR, da sequência IS6110 e do gene hsp65(10), e pela amplificação do fragmento mtp40, exclusivo de M. tuberculosis (ausente do genoma de M. bovis)(11).

O fragmento mtp40, contido no gene plcA, que codifica para a enzima fosfolipase C de M. tuberculosis, tem sido amplamente utilizado para diagnóstico específico de M. tuberculosis a partir de amostras clínicas não cultivadas(11) e de cultivos de cepas de coleção(12). A ausência do fragmento mtp40 em M. bovis foi confirmada por diferentes autores, mas sua presença em todos os isolados clínicos de M. tuberculosis tem sido questionada(13).

Em nosso laboratório analisamos os resultados de amplificação do fragmento mtp40, realizada usando os primers PT1 (CAACGCGCCGTCGGTGG) e PT2 (CCCCCCACGGCACCGC) obtidos com 790 isolados de M. tuberculosis no laboratório de referência da Holanda (RIVM, Bilthoven, Holanda), e com 105 cepas de M. africanum e 10 de M. canettii no laboratório de referência do Instituto Pasteur (CNRM, Paris, França). Resultados positivos de amplificação foram obtidos com 94,6%, 54,6% e 70% dos isolados de cada espécie, respectivamente (dados do RIVM, Holanda; 14).

Estudamos detalhadamente um conjunto de 32 cepas, pertencentes a estas duas coleções. Essas cepas foram escolhidas por apresentarem resultados variáveis na PCR-mtp40, sendo que em 17 delas foi amplificado fragmento de tamanho esperado (396 pb), em 13 não houve amplificação e, em duas cepas de M. tuberculosis, foi amplificado um fragmento de tamanho maior do que o esperado (1700 pb). Foi avaliada a existência de polimorfismos genéticos envolvendo os genes de fosfolipase C, que explicassem a ausência do fragmento mtp40 nesses isolados. Os resultados mostraram que a ausência de amplificação do fragmento mtp40 é resultante, na maioria dos casos, da deleção completa do gene plcA e também de genes adjacentes. Foi observada também a inserção de cópia do elemento IS6110 no fragmento mtp40 em dois isolados, impedindo a amplificação do fragmento de tamanho correto (Figura 1)(15).



Figura 1. Localização do fragmento mtp40 no genoma de M. tuberculosis: A.: M. tuberculosis H37Rv; B.: inserção de uma cópia do elemento IS 6110 dentro do fragmento mtp40; C.: deleção do fragmento de 8,6 kb incluindo o fragmento mtp40. O quadrado preto dentro do gene plcA representa o fragmento mtp40 e o retângulo hachurado representa a seqüência de inserção IS 6110. M. bovis não possui esta região no genoma.



Não há dados disponíveis sobre a relevância da utilização deste marcador em cepas brasileiras. No entanto, a existência de isolados de M. tuberculosis, M. africanum e M. canettii apresentando polimorfismos genéticos serve de alerta na escolha de marcadores moleculares destinados à identificação de M. tuberculosis e sua diferenciação dos outros membros do complexo. É aconselhável, no momento, a utilização conjunta de diferentes marcadores fenotípicos e/ou genotípicos para o diagnóstico diferencial de M. tuberculosis e M. bovis.

Cristina Viana-Niero; Sylvia Cardoso Leão

Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia, UNIFESP-EPM
email cviana@ecb.epm.br

Referências

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2. Aranaz A, Cousins D, Mateos A, Domínguez L. Elevation of Mycobacterium tuberculosis subsp. caprae Aranaz et al. 1999 to species rank as Mycobacterium caprae comb. nov. , sp. nov. Int J Syst Evol Microbiol 2003; 53:1785-9.
3. Cousins D, Bastida R, Cataldi A, Quse V, Redrobe S, Dow S, et al. A Tuberculosis in seals caused by a novel member of the Mycobacterium tuberculosis complex: Mycobacterium pinnipedii sp. nov. Int J Syst Evol Microbiol 2003; 53:1305-14.
4. Euzéby JP. List of Bacterial names with Standing in Nomenclature - Societé de Bactériologie Systématique et Vétérinaire - France. Disponível em (URL: http://www.bacterio.cict.fr). Acesso em 20 out 2003.
5. Barrera L, De Kantor IN. Nontuberculous mycobacteria and Mycobacterium bovis as a cause of human disease in Argentina. Trop Geogr Méd 1987; 39:222-7.
6. Yates MD, Grange JM. Incidence and nature of human tuberculosis due to bovine tubercle bacilli in South-East England: 1977-1987. Epidemiol Infect 1988; 101:225-9.
7. Pan American Health Organization. 1991. Health conditions in the Americas, vol I. Scientific publication nº524. Pan American Health Organization, Washington, DC.
8. Espinosa de los Monteros LE, Galan JC, Gutierrez M, Samper S, Garcia Marin JF, Martin C, Dominguez L, et al. Allele-specific PCR method based on pncA and oxyR sequences for distinguishing Mycobacterium bovis from Mycobacterium tuberculosis: Intraspecific M. bovis pncA sequence polymorphism. J Clin Microbiol 1998; 36:239-42.
9. Chimara E, Ferrazoli L, Leão SC. Mycobacterium tuberculosis complex differentiation using gyrB-restriction fragment length polymorphism (gyrB-RFLP) analysis. Submetido a Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. 2004.
10. Yeboah-Manu D, Yates MD, Wilson SM. Application of a Simple Multiplex PCR To Aid in Routine Work of the Mycobacterium Reference Laboratory. J Clin Microbiol 2001; 39(11): 4166-8.
11. Del Portillo P, Murillo LA, Patarroyo ME. Amplification of a species-specific DNA fragment Mycobacterium tuberculosis and its possible use in diagnosis. J Clin Microbiol 1991; 29(10):2163-8.
12. Liébana E, Aranaz A, Francis B, Cousins D. Assessment of genetic markers for species differentiation within the Mycobacterium tuberculosis complex. J Clin Microbiol 1996; 34(4):933-8.
13. Vera-Cabrera L, Hoard ST, Laszlo A, Johnson WM. Analysis of genetic polymorfism in the phospholipase region of Mycobacterium tuberculosis. J Clin Microbiol 1997; 35(5):1190-5.
14. Viana-Niero C, Vincent V. 1999. Étude moléculaire des bacilles de la tuberculose d'origine africaine: Mycobacterium africanum et souches "canetti". Tese de mestrado apresentada à Université Paris V et Université Paris XI.
15. Viana-Niero C, de Haas PE, van Soolingen D, Leão S C. Analysis of genetic polymorphisms affecting the four phospholipase C (plc) genes in Mycobacterium tuberculosis complex clinical isolates. Microbiol 2004; 150:967-78.

AUXÍLIO FINANCEIRO: FAPESP (proc 00/02525-3), CABBIO-CNPq (proc. 480382/01-8) e Rede Brasileira de Pesquisa em TB (REDE TB)/Processo 62.0055/01-4-PACDT-Milênio

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