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Relato de Caso

Síndrome de Mounier-Kühn

Mounier-Kuhn syndrome

Fabrício Piccoli Fortuna, Klaus Irion, Cesare Wink, Jorge Luis Boemo

ABSTRACT

Mounier-Kuhn syndrome, or tracheobronchomegaly, is a rare clinical entity characterized by abnormal dilation of the trachea and main bronchi. The diagnosis can usually be made by measuring the tracheal diameter. We report the case of a 40-year-old black man with refractory lower respiratory tract infection. Tracheobronchomegaly was confirmed through computed tomography.

Keywords: Tracheobronchomegaly/diagnosis; Tomography, X-ray computed; Tracheobronchomegaly/rehabilitation;

RESUMO

A síndrome de Mounier-Kühn, ou traqueobroncomegalia congênita, é uma entidade clínica rara caracterizada pela dilatação anormal de traquéia e brônquios principais. O diagnóstico geralmente pode ser realizado através da mensuração do diâmetro traqueal. Os autores apresentam o caso de um homem de 40 anos com pneumonia refratária ao tratamento, no qual a traqueobroncomegalia foi confirmada através de tomografia computadorizada.

Palavras-chave: Traqueobroncomegalia/diagnostico; Tomografia computadorizada por raios X; Traqueobroncomegalia/reabilitação; Relatos de casos [tipo de publicaçao]

INTRODUÇÃO

A ocorrência de resposta clínica inadequada ao tratamento de uma pneumonia comunitária deve alertar o clínico para uma diversidade de fatores que possam estar envolvidos na falência terapêutica, entre eles a escolha inadequada do antibiótico e a presença de patógenos incomuns, complicações infecciosas em outros sítios, diagnósticos alternativos de doenças não infecciosas ou imunodeficiências. Eventualmente nestes pacientes é identificado algum fator anatômico responsável. Dentre as possíveis alterações anatômicas capazes de causar um aumento do risco de pneumonias, bem como dificuldade na erradicação do processo instalado, figura a traqueobroncomegalia congênita, ou síndrome de Mounier-Kühn.

O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de pneumonia comunitária no qual a síndrome de Mounier-Kühn foi identificada como causa de falência terapêutica.

RELATO DO CASO

Um paciente do sexo masculino, de 40 anos, cor negra, foi encaminhado ao ambulatório de pneumologia por fadiga aos esforços e tosse seca persistente, três semanas após ter recebido alta de uma internação hospitalar para tratamento de uma pneumonia. Havia apresentado, 40 dias antes, febre de início súbito, tosse produtiva com hemoptise de pequena quantidade (raias), e dispnéia. Recebeu o diagnóstico de pneumonia e foi internado, tendo recebido cefazolina intravenosa por sete dias, com boa evolução. Referia ainda três episódios prévios de pneumonia, o primeiro quando com 22 anos de idade. O radiograma de tórax realizado no momento da avaliação evidenciava consolidações discretas no lobo médio, de aspecto residual, além de aumento importante do diâmetro traqueal e dos brônquios principais. Realizou tratamento empírico com broncodilatador, sem resultado, por duas semanas, quando então retornou para reavaliação. A tosse havia piorado e passou a ser produtiva. O radiograma de tórax neste momento evidenciou novas consolidações, em ambos os lobos inferiores e no lobo médio. Não havia alteração nos sinais vitais e o paciente encontrava-se em bom estado geral. Recebeu prescrição de eritromicina via oral por dez dias. Nos primeiros três dias houve melhora da tosse e da fadiga e, ao final dos dez dias, a tosse havia melhorado quase completamente.

Poucos dias após o término do curso do tratamento com eritromicina, entretanto, o paciente voltou a apresentar tosse produtiva, associada a febre, e o radiograma não evidenciou melhora das consolidações. Foi novamente internado e realizou-se bacterioscopia de escarro, que evidenciou inúmeros polimorfonucleares e cocos gram-positivos em abundância. Cultura não era disponível. Iniciou tratamento com oxacilina intravenosa, obtendo resposta clínica satisfatória em poucos dias, motivo pelo qual foi iniciada a administração de cefalexina por via oral. Voltou a apresentar febre após 48h de uso de cefalexina via oral, o que motivou retorno para tratamento intravenoso e transferência para hospital de maior complexidade para investigação etiológica mais elaborada. O novo exame bacterioscópico de escarro neste momento evidenciou flora polimicrobiana e o paciente iniciou o uso de ceftriaxona associada a amicacina, com duração total de quatro semanas de tratamento, até a total resolução dos sintomas. Neste momento, foi realizada uma tomografia computadorizada de tórax, que demonstrou persistência das lesões consolidativas, de menor tamanho, em ambos os lobos inferiores, e confirmou o alargamento anormal da traquéia e brônquios principais (Figuras 1, 2 e 3), com bronquiectasias cilíndricas bilaterais nos lobos inferiores, caracterizando o diagnóstico de traqueobroncomegalia congênita, ou síndrome de Mounier-Kühn. As provas de função pulmonar evidenciaram aumento da capacidade pulmonar total (123% do previsto) e do volume residual (160% do previsto), sem outras alterações.
Atualmente, o paciente permanece assintomático, realizando fisioterapia respiratória diária, além da recomendação de imunização anti-influenza anual.













DISCUSSÃO

A traqueobroncomegalia congênita, ou síndrome de Mounier-Kühn, é uma entidade clínica rara, descrita inicialmente em 1932(1) e caracterizada por marcada dilatação traqueobrônquica e infecções respiratórias de vias aéreas inferiores. Afeta predominantemente homens na quarta ou quinta décadas de vida. A etiologia da síndrome de Mounier-Kühn permanece desconhecida, mas acredita-se que se deva à escassez de músculo liso e tecido conjuntivo elástico tanto na traquéia como em brônquios principais, levando à herniação e até mesmo à formação de divertículos entre os anéis cartilaginosos. A presença de bronquiectasias, como neste caso, é comum.(2-3)

A síndrome de Mounier-Kühn pode ser um achado ocasional em indivíduos assintomáticos. Quando sintomática, é caracterizada por pneumonias recorrentes e com eventual progressão para tosse crônica produtiva, hemoptise ocasional e dispnéia progressiva como resultado do comprometimento pulmonar. Mais raramente, hemoptise maciça,(4) pneumotórax espontâneo e hipocratismo digital podem ser observados.
Acreditamos que, neste caso, a síndrome foi responsável pela resposta inadequada à antibioticoterapia adequada, o que levou à suspeita de uma anormalidade estrutural das vias aéreas.

O diagnóstico pode geralmente ser feito utilizando-se apenas dados provenientes da radiologia convencional de tórax, através da mensuração do diâmetro traqueal, melhor visualizado na projeção em perfil. A tomografia computadorizada de tórax, entretanto, torna mais precisa essa mensuração. Os limites são 3 cm para diâmetro transverso da traquéia, e 2,4 cm e 2,3 cm para os diâmetros transversos dos brônquios principais direito e esquerdo, respectivamente. As provas de função pulmonar demonstram tipicamente aumento da capacidade pulmonar total à custa do volume residual, eventualmente com sinais de distúrbio ventilatório obstrutivo. Inexistem atualmente tratamentos específicos para esta condição além de antibioticoterapia durante as exacerbações e fisioterapia visando a auxiliar a eliminação de secreções, se houver. A utilização de próteses definitivas é reservada apenas para casos avançados selecionados, pois não existem indicações precisas.(5-6)

Outras apresentações de alargamento de vias aéreas inferiores podem ser confundidas com a síndrome de Mounier-Kühn.(7) Entre elas, causas congênitas como as síndromes de Ehlers-Danlos e de Willians-Campbell (esta última uma forma rara de bronquiectasias císticas resultantes da deficiência das cartilagens na quarta a sexta ordem brônquica, com traquéia e brônquios principais normais). Distúrbios como a sarcoidose, a pneumonia intersticial usual e a fibrose cística causam fibrose severa dos lobos superiores, levando a retração traqueal. Processos
inflamatórios das vias aéreas, como a aspergilose broncopulmonar alérgica, causada pela colonização da via aérea pelo Aspergillus sp., também estão envolvidos nas causas do alargamento das vias aéreas.
Sabe-se, ainda, que o tabagismo, a doença pulmonar obstrutiva crônica e infecções de repetição podem piorar o quadro.

Uma avaliação cuidadosa da anatomia das vias aéreas é muito importante em pacientes com pneumonias recorrentes, tosse crônica produtiva ou, como neste caso, resposta incompleta a antibioticoterapia adequada para pneumonia. A síndrome de Mounier-Kühn, embora rara, constitui-se em possibilidade dia-gnóstica nestes pacientes, devendo ser considerada.

REFERÊNCIAS

1. Mounier-Kuhn P. Dilatation de la trachée: constatations radiographiques et bronchoscopiques. Lyon Med. 1932;150:106-9.
2. Wiesner B, Mader I, Leonhardi J, Strauss HJ. [Tracheobronchomegaly Mounier-Kuhn syndrome case report and review of the literature]. Pneumologie. 1997;51(3):291-5.German.
3. Arranz Caso JA, Fernandez Frances J, Jimenez Jurado D, Manzano Espinosa L. [Mounier-Kuhn syndrome. 2 representative cases of its clinical spectrum]. Rev Clin Esp. 1996;196(4):237-9. Spanish.
4. Haro M, Vizcaya M, Jimenez Lopez J, Nunes A, Loeches N, Mansilla F. [Tracheobronchomegaly: an exceptional predisposing factor for pulmonary aspergillomas and massive hemoptysis]. Arch Bronconeumol. 2000;36(2): 103-5. Spanish.
5. Genta PR, Costa MV, Stelmach R, Cukier A. A 26-yr-old male with recurrent respiratory infections. Eur Respir J. 2003;22(3):564-7.
6. Woodiring JH, Howard RS II, Relun SR. Congenital tracheobronchomegaly (Mounier-Kuhn syndrome): a report of 10 cases and review of the literature. J Thorac Imaging. 1991;6(2):1-10.
7. Marom EM, Goodman PC, McAdams HP. Diffuse abnormalities of the trachea and main bronchi. AJR Am J Roentgenol. 2001;176(3):713-7.
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* Trabalho realizado no Hospital Geral de Caxias do Sul - HGCS - Caxias do Sul (RS) Brasil.
1. Pneumologista. Preceptor do Serviço de Residência em Pneumologia do Hospital Geral de Caxias do Sul - HGCS - Caxias do Sul (RS) Brasil.
2. Radiologista. Doutor em Pneumologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
3. Residente do Serviço de Pneumologia do Hospital Geral de Caxias do Sul - HGCS - Caxias do Sul (RS) Brasil.
4. Cardiologista. Capitão Médico Chefe do Departamento de Clínica Médica do Hospital de Guarnição de Bagé, Bagé (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Rua Moreira César 2.821, 7o andar, Ed. Gaudí - CEP 95034-000, Caxias do Sul, RS, Brasil. Tel.: 55 54 3221-4195. E-mail: fabriciofortuna@terra.com.br
Recebido para publicação em 9/2/05. Aprovado, após revisão, em 16/6/05.

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