Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
17394
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Mesotelioma pleural maligno: experiência multidisciplinar em hospital público terciário

Malignant pleural mesothelioma: multidisciplinary experience in a public tertiary hospital

Ricardo Mingarini Terra, Lisete Ribeiro Teixeira, Ricardo Beyruti, Teresa Yae Takagaki, Francisco Suso Vargas, Fabio Biscegli Jatene

ABSTRACT

Objective: To evaluate the experience in diagnosing and treating malignant pleural mesothelioma (MPM) accumulated over 5 years in a tertiary public hospital. Methods: The medical charts of the patients diagnosed with MPM between January of 2000 and February of 2005 were evaluated retrospectively. Results: Of the 17 patients analyzed, 14 were male and 3 were female. The mean age was 54.1 years (range, 13-75 years). The biopsy specimens for histopathological examination were obtained through thoracoscopy in 9 patients (53%), Cope needle in 5 (29.5%), and open pleural biopsy in 3 (17.5%). The following histological types were identified: epithelial, in 14 patients (82%); sarcomatoid, in 1 (6%); and biphasic, in 2 (12%). The therapeutic approaches used were as follows: multimodal (pleuropneumonectomy and adjuvant radiotherapy and chemotherapy) in 6 patients (35%); chemotherapy and radiotherapy in 6 (35%); radiotherapy alone in 3 (17.5%); and chemotherapy alone in 2 (12%). The mean survival was 11 months (range, 1-26 months). Conclusions: In the cases studied, an integrated multidisciplinary approach was used, and a highly complex hospital infrastructure was available for the diagnosis and treatment of MPM, as recommended in the literature. However, the mean survival was only 11 months, reflecting the aggressiveness of the disease.

Keywords: Mesothelioma; Pleura; Surgery; Diagnosis.

RESUMO

Objetivos: Avaliar a experiência com o diagnóstico e a terapêutica do mesotelioma pleural maligno (MPM) acumulada durante 5 anos em um hospital público terciário. Métodos: Avaliação retrospectiva dos prontuários dos pacientes com diagnóstico de MPM entre janeiro de 2000 e fevereiro de 2005. Resultados: Foram analisados 17 pacientes, 14 homens e 3 mulheres, com idade média de 54,1 (13-75) anos. Os espécimes de biópsia para exame histopatológico foram obtidos por meio de pleuroscopia em 9 pacientes (53%), agulha de Cope em 5 (29,5%) e biópsia pleural aberta em 3 (17,5%). Os tipos histológicos foram: epitelial em 14 pacientes (82%), sarcomatóide em 1 (6%) e bifásico em 2 (12%). As terapêuticas instituídas foram: multimodal (pleuropneumonectomia com radioterapia e quimioterapia adjuvante) em 6 pacientes (35%), quimioterapia e radioterapia em 6 (35%), radioterapia exclusiva em 3 (17,5%) e quimioterapia exclusiva em 2 (12%). A sobrevida média foi de 11 (1-26) meses. Conclusões: Na presente experiência foi empregada a abordagem multidisciplinar integrada, e contou-se com uma estrutura hospitalar de alta complexidade para o diagnóstico e tratamento do MPM, como preconizado na literatura. Apesar disso, a sobrevida média observada foi de apenas 11 meses, refletindo a agressividade da doença.

Palavras-chave: Mesotelioma; Pleura; Cirurgia; Diagnóstico.

Introdução


O mesotelioma pleural maligno (MPM), apesar de raro, é a principal neoplasia maligna primária da pleura, a qual ganha progressivamente destaque e importância devido à incidência crescente observada nas últimas décadas. Em 1973, nos Estados Unidos, a estimativa era de 0,5 caso por 100.000 habitantes, passando para 1,7 em 1992.(1) Devido à sua associação com o asbesto, principalmente o do tipo anfibólico, e ao longo período de latência (30 a 40 anos), esse aumento reflete a maior exposição ocorrida no período pós-guerra.(2) Esses fatos explicam por quê, apesar das restrições impostas à exposição ao asbesto a partir dos anos 70, é esperada sua recrudescência para a próxima década. Na Europa, as projeções sinalizam o aumento no número de óbitos relacionados à doença, passando de 5.000 em 1998 para 9.000 em 2018.(2)

A importância do MPM não se restringe apenas à sua crescente incidência, mas também à agressividade demonstrada pela escassa sobrevida (média: 6 a 8 meses), mesmo com tratamento adequado.(3) A quimioterapia sistêmica produz resposta parcial em apenas 15 a 20% dos pacientes(4) e, mesmo com a introdução de novos protocolos terapêuticos, a resposta não ultrapassa 41%, com sobrevida média de 12 meses.(2) A radioterapia, como procedimento isolado, também traz pouco benefício, pois a proximidade de estruturas como o coração, o pulmão ou a medula não permite a administração de doses adequadas sem provocar efeitos tóxicos severos. Os melhores resultados são obtidos com o tratamento multimodal que associa cirurgia(pleuropneumonectomia), radioterapia e quimioterapia, o qual confere uma sobrevida média de 18 meses.(3)

Em face do triste universo representado pelo MPM e da perspectiva de seu agravamento, em decorrência do esperado aumento da incidência, torna-se necessário o melhor conhecimento desta entidade, pois, até recentemente, apenas casos esporádicos foram relatados no Brasil. (5-8) Dessa forma, nosso objetivo é relatar a experiência com MPM acumulada durante 5 anos nos Serviços de Pneumologia e de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Métodos

Estudo retrospectivo realizado por meio da análise dos prontuários dos pacientes com MPM atendidos em nossa instituição entre janeiro de 2000 e fevereiro de 2005. Nos prontuários pesquisados buscaram-se as seguintes informações: sexo; idade; antecedentes profissionais, especialmente história de contato com asbesto; método diagnóstico; tipo histológico; estádio clínico e patológico; terapêutica instituída, seja cirurgia, quimioterapia, radioterapia ou combinações, e sobrevida, calculada a partir da data do diagnóstico. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética de nossa instituição.

O diagnóstico definitivo foi estabelecido por meio de estudos histológicos da pleura, e o estadiamento fundamentou-se na avaliação clínica e imagenológica. Todos os pacientes foram submetidos à radiografia de tórax como exame inicial e, na seqüência, à tomografia computadorizada do tórax para estadiamento locorregional. Uma abordagem individualizada foi utilizada para a continuidade do estadiamento. Pacientes com doença disseminada ou com condição clínica precária foram submetidos apenas à tomografia de crânio como exame adicional, enquanto pacientes com doença localizada em um hemitórax foram submetidos à tomografia de crânio e à tomografia por emissão de pósitrons (disponível em nosso serviço a partir de 2002), conhecida como positron emission tomography (PET) scan em inglês.

Todos os pacientes foram inicialmente considerados para tratamento multimodal (pleuropneumonectomia seguida por quimioterapia e radioterapia do hemitórax) e incluídos ou excluídos com base em achados do estadiamento e exames clínicos descritos a seguir. Pacientes com doença localizada em um hemitórax, confirmada por tomografia de tórax e PET scan, idade <70 anos, performance status de Karnofsky >70 e resultados de ecocardiograma e ergoespirometria compatíveis com o procedimento proposto foram eleitos para tratamento multimodal. Pacientes que não se incluíam nesses critérios foram submetidos a tratamento combinado (quimioterapia e radioterapia) ou a tratamento único com radioterapia ou quimioterapia se as condições clínicas fossem insuficientes. O esquema quimioterápico utilizado incluiu: cisplatina (75 mg/m2) e doxorrubicina (45 mg/m2); em alguns casos adicionou-se ciclo-fosfamida (750 mg/m2). Os quimioterápicos foram administrados em 4 a 6 ciclos (conforme resposta) a cada 3 a 4 semanas. Quando administrados como terapia adjuvante foram realizados 4 ciclos.

A pleuropneumonectomia, realizada como parte do tratamento multimodal, consistiu em ressecção do pulmão em conjunto com pleura parietal, pleura mediastinal, diafragma ipsilateral e pericárdio ipsilateral. A dissecção foi realizada no plano extrapleural, mantendo a integridade da pleura parietal, ou seja, evitando adentrar-se na cavidade com tumor. Em todos os casos a ligadura dos vasos pulmonares foi realizada em sua porção intrapericárdica, sendo as cadeias linfonodais mediastinais e a cadeia mamária ipsilateral esvaziadas. A reconstrução do diafragma e do pericárdio foi realizada com pericárdio bovino. No pós-operatório foi mantida drenagem balanceada por um mínimo de 48 h.

Resultados

No período de estudo (62 meses) foram registrados 17 pacientes (idade média: 54,1 anos; variação, 13-75 anos), sendo 14 do sexo masculino (Tabela 1). É importante ressaltar que em 6 pacientes (35%) não havia referência a antecedentes ocupacionais, em 9 (53%) os dados não eram conclusivos, e em apenas 2 (12%) as informações inseridas nos prontuários permitiam considerar a exposição ao asbesto.

Os fragmentos da pleura, necessários para o estabelecimento do diagnóstico, foram obtidos por agulha de Cope em 5 pacientes (29%), por meio de pleuroscopia em 9 (53%) e por meio de minitoracotomia em 3 (18%) (Tabela 2). Os padrões histológicos encontrados foram: mesotelioma epitelial em 14 pacientes (82%), bifásico em 2 (12%) e sarcomatóide em 1 (6%).



Oito pacientes (47%) apresentavam doença localizada com potencial indicação cirúrgica e foram submetidos ao PET scan. Em um deles, identificou-se captação do radiofármaco em linfonodos de cadeias supraclaviculares e em cadeia mesentérica superior, sendo o paciente, portanto, excluído do tratamento cirúrgico. Em um dos 7 pacientes remanescentes foi realizada videolaparoscopia diagnóstica devido à suspeita de comprometimento peritoneal à tomografia. Essa suspeita foi confirmada, e esse paciente também foi excluído do tratamento cirúrgico. Nesse caso, o PET scan mostrou apenas intensa captação no recesso costofrênico esquerdo e, portanto, não colaborou para o diagnóstico de disseminação intraperitoneal. Nos restantes 6 pacientes, o PET scan não evidenciou dados que contra-indicassem o procedimento cirúrgico.

A Tabela 3 resume as modalidades terapêuticas instituídas nos pacientes estudados.



Tratamento único

Em 3 pacientes (18%) a radioterapia foi realizada como tratamento único. Em 2 deles todo o hemitórax foi irradiado com dose oscilando entre 40 e 45 Gy. O terceiro desenvolveu empiema pós-pleuroscopia diagnóstica, sendo indicada a toracostomia, e recebeu 5 Gy apenas no orifício da toracostomia, considerado o único tratamento possível para o paciente, visto que não tinha condições clínicas para a radioterapia de todo o hemitórax ou para a quimioterapia.

Em 2 casos (12%) a quimioterapia foi indicada como tratamento único, sendo utilizado esquema com cisplatina e doxorrubicina. Não foi evidenciada toxicidade significativa decorrente das drogas administradas.

Tratamento combinado

Em 6 pacientes (35%) foi realizado tratamento combinado com quimioterapia e radioterapia. Em 2 desses pacientes administrou-se apenas a doxorrubicina (não tinham condições clínicas para receber cisplatina), em 4 administrou-se também a cisplatina e em 2 acrescentou-se a ciclofosfamida. Não foram observados efeitos tóxicos importantes decorrentes desses tratamentos.

Nesses casos, a radioterapia foi realizada nos locais de incisões relacionadas ao procedimento diagnóstico e em eventuais metástases ósseas sintomáticas.

Tratamento multimodal

Nos 6 pacientes (35%) eleitos para tratamento multimodal foi realizada pleuropneumonectomia. Um paciente evoluiu com edema pulmonar não cardiogênico pós-pneumonectomia direita e foi a óbito no oitavo dia pós-operatório. Os 5 pacientes restantes receberam alta em boas condições clínicas, em média no nono dia pós-operatório. Todos foram encaminhados para tratamento quimioterápico e radioterápico (incisional e hemitórax). O esquema utilizado consistiu na administração de doxorrubicina e cisplatina. Um paciente apresentou grave cardiotoxicidade, sendo necessária a suspensão da quimioterapia, e outro teve complicação pósoperatória tardia (segundo mês após a cirurgia), evoluindo com empiema pleural e necessitando de toracostomia clássica.

Sobrevida

A sobrevida global média, a partir do diagnóstico, foi de 11 meses. Do total de pacientes estudados, 6 (35%) continuam em seguimento (média de 13,8 meses). Dos submetidos à terapia multimodal (5/17, lembrando que, dos 6 eleitos, 1 foi a óbito no pós-operatório, e portanto apenas 5 receberam o tratamento completo), 4 permanecem vivos e em seguimento (média de 16 meses), sendo o maior seguimento de 26 meses. Um paciente faleceu após 24 meses de acompanhamento.

Discussão

Reconhece-se, na atualidade, um aumento significativo no número de casos diagnosticados como MPM. Nos 62 meses considerados no presente estudo foram diagnosticados 17 casos, 9 (53%) dos quais nos últimos 15 meses. Esse aumento recente deve refletir não apenas o aumento na incidência nacional, conforme tendência mundial, mas também o aumento na suspeita clínica e a melhora dos métodos diagnósticos.

A exposição ao asbesto, classicamente presente em 70 a 80% dos pacientes com MPM é, em geral, prolongada e constante, havendo, porém, casos de exposição por curto período ou de exposição a pequenas quantidades de fibras.(9) Em nossa revisão, apenas em 12% (2/17) havia referência a essa exposição. Esse fato deve ser ressaltado, pois apesar da sua importância, freqüentemente é negligenciado durante o atendimento médico, refletindo o desinteresse e possivelmente o desconhecimento. De forma mais abrangente, traduz a desinformação do médico no que concerne à manipulação das doenças ocupacionais. No endosso dessa assertiva, deve-se observar que, em cerca de 35% (6/17) dos prontuários por nós revistos, não constava a ocupação (profissão) do paciente. Infelizmente, esse viés também é identificado em estudos epidemiológicos nacionais. A maior série de casos, publicada em 2003, analisando o registro de óbitos no Estado do Rio de Janeiro (1979-2000) identifica 73 prontuários de pacientes com MPM (comprovados ou suspeitos). Em 89% (65/73) não havia informações referentes à exposição ao asbesto.(10)

Do ponto de vista anátomo-patológico, o MPM é classificado em 3 subtipos: epitelial, sarcomatóide e bifásico (ou misto). O epitelial ocorre em 50 a 60% dos casos e se caracteriza por melhor prognóstico clínico. Sua diferenciação com o adenocarcinoma metastático pode ser difícil, justificando a necessidade de maiores fragmentos de tecido. O tipo sarcomatóide compreende 15% dos casos, sendo composto por células fusiformes e assemelhando-se ao fibrossarcoma ou ao leiomiossarcoma. O mesotelioma bifásico é representado pela associação de áreas epiteliais e sarcomatóides, sendo necessárias múltiplas secções para demonstrar ambos os componentes(2) (Figura 1). A avaliação imunohistoquímica dos fragmentos complementa a análise histológica e é ferramenta essencial para o diagnóstico definitivo, sendo os marcadores mais úteis a calretinina (diagnóstico de mesotelioma) e o antígeno carcinoembrionário (diagnóstico de adenocarcinoma).



A videotoracoscopia é o melhor procedimento para obtenção dos fragmentos, permitindo rendimento superior a 90%, pois oferece a possibilidade de se fazer biópsia dirigida com retirada de maior volume de material.(2) Esse fato se confirma em nosso estudo; em nenhum dos nossos pacientes o diagnóstico foi estabelecido por meio de citologia, e, em apenas 29% (5/17), a histologia foi positiva, com amostras obtidas por agulha de Cope. Podemos assim concluir que, em nossa casuística, amostras maiores e mais representativas do tumor foram necessárias em 71% (12/17) dos casos.

A escolha entre as diferentes terapêuticas existentes se fundamenta no estadiamento e na análise do performance status do paciente. Consensualmente, a indicação de tratamento multimodal se fundamenta preliminarmente na ressecabilidade do tumor, avaliada por meio da tomografia computadorizada e do ecocardiograma. Respeitada essa premissa, consideram-se as condições clínicas do paciente, que incluem performance status de Karnofsky >70 e funções renal e hepática sem alterações. Representam critérios de exclusão a presença, no sangue arterial, de pressão parcial de gás carbônico >45 mmHg, pressão parcial de oxigênio <65 mmHg, fração de ejeção (ecocardiograma) <45% e volume expiratório forçado no primeiro segundo <1 L.(11,12) Como assinalado previamente, tais critérios foram considerados em nossa série para a seleção dos casos para o tratamento multimodal, combinado ou único.

De acordo com um consenso publicado recentemente,(13) o estadiamento mínimo para o paciente que vai ser submetido a tratamento multimodal é a tomografia computadorizada helicoidal de tórax com contraste e o PET scan para adequado estadiamento local e exclusão de eventuais metástases ocultas. A tomografia de crânio ou ressonância do encéfalo é sugerida apenas nos casos com suspeita clínica de metástases.(13) Quanto a laparoscopia, mediastinoscopia e toracoscopia contralateral, não há consenso, e os procedimentos são realizados conforme a rotina dos serviços. Nos casos estudados neste trabalho, todos foram submetidos à tomografia de tórax para estadiamento. Os pacientes candidatos a tratamento multimodal, conforme sugere a literatura, foram submetidos ao PET scan e, em um desses casos, foi identificada metástase silenciosa em linfonodo da cadeia mesentérica superior. A laparoscopia foi realizada em um caso no qual havia suspeita de disseminação peritoneal. Portanto, uma avaliação clínica adequada e um estadiamento completo da doença são essenciais para a decisão terapêutica. Uma observação interessante em nosso estudo foi a estreita correlação entre as áreas de maior captação no PET scan e as áreas mais comprometidas do achado intraoperatório (Figura 2).




O mesotelioma responde à radioterapia; porém, a grande superfície a ser irradiada associada à proximidade de estruturas importantes, como o coração, a medula e o pulmão, torna difícil a administração de dose suficiente de radiação sem provocar toxicidade proibitiva. Portanto, a radioterapia é particularmente indicada após punção, drenagem ou incisões cirúrgicas, haja vista a possibilidade de implantação de células tumorais na parede torácica; nesses casos a irradiação profilática desses pontos evita a formação de tumorações na pele. A radioterapia também é utilizada em outras situações: como forma de controle de dor, como método paliativo, especialmente em metástases ósseas e tratamento adjuvante pós-pleuropneumonectomia, e como parte de tratamento multimodal.(14) Em um dos casos considerados neste estudo, observou-se formação de tumor em parede torácica, no local onde tinha sido realizada punção pleural prévia; sendo que esse paciente não tinha recebido irradiação profilática no local.

Diversos esquemas de quimioterapia já foram propostos para o mesotelioma, porém com resultados pouco animadores. A droga isolada que oferece melhores resultados é a cisplatina; sendo o esquema com maior taxa de resposta a associação cisplatina e doxorrubicina, conforme revisão sistemática de Berghmans, 2001.(14) Porém, esses esquemas baseados em cisplatina ou em antraciclina ou na combinação de ambas revelam taxa de resposta inferior a 20%, permanecendo inalterada a sobrevida média de 6 a 12 meses. Um grande ensaio clínico comparando cisplatina isolada com pemetrexed/cisplatina foi realizado. O regime combinado foi mais efetivo quanto a sobrevida média (12,1 vs. 9,3 meses), tempo de progressão da doença (5,7 vs. 3,9 meses) e taxa de resposta (41 vs. 17%). Os pacientes que receberam esquema combinado também apresentaram melhores resultados quanto a provas de função pulmonar e sintomas como dispnéia e dor. Apesar da toxicidade observada, os autores sugerem que o esquema pemetrexed/cisplatina seja considerado como uma das principais terapêuticas do mesotelioma irrese-cável.(2,14) O esquema mais utilizado nos casos por nós estudados foi a associação de cisplatina com doxorrubicina, sendo, em alguns casos, associada também ciclofosfamida. Em pacientes com pior condição clínica foi utilizada a monoterapia.

O tratamento cirúrgico do mesotelioma com intenção curativa vem se desenvolvendo ao longo das ultimas décadas. No início da década de 80 foi publicada uma série com 170 pacientes submetidos à pleurectomia seguida por quimioterapia e radioterapia externa, e observou-se que a principal causa de óbito foi a progressão local da doença.(15) Estudos posteriores, desse mesmo grupo de autores, associaram a mortalidade com o volume de doença residual, enfatizando a importância da radicalidade do procedimento no controle da doença e no aumento de sobrevida.(16) Nos estádios muito iniciais, a pleurectomia permite a ressecção de toda a doença macroscópica; porém, nas formas mais freqüentes, em que a doença alcança a pleura visceral e o pulmão subjacente, a ressecção é na maioria das vezes incompleta, sendo, para um procedimento radical, necessária a ressecção do pulmão em conjunto com a pleura. Comprovando essa tese foi conduzido um estudo em que 83 pacientes com mesotelioma ressecável, de acordo com a tomografia de tórax, foram submetidos a pleuropneumonectomia (ressecção do pulmão em conjunto com a pleura, diafragma e pericárdio), pleurectomia e decorticação, ou não ressecção. A melhor média de sobrevida foi para a pleuropneumonectomia, 14 meses, contra 10 meses para a pleurectomia e 7 meses para a não ressecção.(17)

Devido à alta mortalidade, a pleuropneumonectomia foi vista com cautela por muitos anos; porém, com o desenvolvimento das técnicas operatórias e dos cuidados pós-operatórios, a mortalidade do procedimento está em níveis bastante razoáveis (3,4%), conforme a maior série da literatura (abrangendo 496 casos), tornando este procedimento bastante atraente para o tratamento do mesotelioma.(18) Apesar de apresentar menor taxa de recidiva local que a pleurectomia/decorticação, a pleuropneumonectomia ainda apresenta recidiva local perturbadora. Esse fato gerou diversas tentativas de tratamentos associados para controle local, como radioterapia externa em alta dose, terapia fotodinâmica, quimioterapia intrapleural e geneterapia. Desses, a radioterapia externa de alta dose pós-pleuropneumonectomia apresentou os resultados mais consistentes. Em um estudo com 54pacientes submetidos a pleuropneumonectomia e radioterapia externa com 54 Gy, apenas 2 evoluíram com recidiva local, enquanto os demais evoluíram com metástases à distância.(19) Uma vez minimizada a recidiva local, a recidiva à distância tornou-se um problema. A evolução para doença metastática justifica a utilização de quimioterapia como parte do tratamento multimodal. Atualmente observam-se dois tendências para o tratamento multimodal: quimioterapia neoadjuvante (com cisplatina e gemcitabina ou cisplatina e pemetrexed) seguida de pleuropneumonectomia e radioterapia adjuvante de alta dose (45 a 60 Gy) ou pleuropneumonectomia seguida de quimioterapia (com carboplatina e paclitaxel) e radioterapia de alta dose.(11,12,19,20) Em alguns estudos, o tratamento multimodal ofereceu sobrevida média de 19 a 23 meses (38% em 2 anos e 15% em 5 anos).(11,20) Porém, nesses estudos ocorre uma superseleção de pacientes, e alguns autores argumentam que a evolução desses casos seria favorável independentemente do tratamento realizado. Apesar de ainda controverso, consideramos, em nosso grupo, o tratamento multimodal como a melhor opção atual, obviamente seguindo os critérios de seleção descritos acima. Esse método terapêutico foi adotado em 5 pacientes: 1 foi a óbito por progressão da doença após 24 meses e os demais continuam vivos com seguimento de 6, 8, 16 e 26 meses.

Podemos concluir que o tratamento do MPM exige atendimento multidisciplinar integrado e infra-estrutura hospitalar de alta complexidade que permita a realização de todas as etapas diagnósticas e terapêuticas. Nos casos referidos observamos que o atendimento multidisciplinar foi adequado e que a infra-estrutura atualmente disponível permitiu a realização das condutas compatíveis com as tendências da literatura. O aumento recente no número de casos impõe o desenvolvimento de um protocolo assistencial específico para a padronização do atendimento, permitindo, assim, a comparação de resultados com outros centros de tratamento do mesotelioma.

Referências

1. Jaklitsch MT, Grondin SC, Sugarbaker DJ. Treatment of malignant mesothelioma. World J Surg. 2001;25(2):210-7.

2. Pistolesi M, Rusthoven J. Malignant pleural mesothelioma:update, current management, and newer therapeutic strategies. Chest. 2004;126(4):1318-29.

3. Hughes RS. Malignant pleural mesothelioma. Am J Med Sci. 2005;329(1):29-44.

4. van Ruth S, Baas P, Zoetmulder FA. Surgical treatment of malignant pleural mesothelioma: a review. Chest. 2003;123(2):551-61.

5. Franco CA, Silva RN, Made K, Sayeg F, Bethlem NM. Mesoteliomas pleurais. Apresentação de três casos e revisão da terapêutica. J Pneumol. 1985;11(3):141-8.

6. Azevedo CM, Matushita JP, Toscana E, Carvalho WR. Mesotelioma maligno de pleura. Radiol Brás. 1985(2);18:127-33.

7. Choma L, Gapski D, Pelanda LG, Iosshi SO, Moreira Fo O. Mesotelioma maligno de pleura. J Pneumol. 1989;15(3): 171-4.

8. Capitani EM, Metze K, Frazato JR C, Altemani AM, Zambom L, Toro IF, et al. Mesotelioma maligno de pleura com associação etiológica a asbesto: a propósito de três casos clínicos. Rev Ass Med Brasil. 1997; 43(3):265-72

9. Astoul P. Mesotelioma. In Vargas FS, Teixeira L, Marchi E, editors. Derrame pleural. São Paulo: Roca; 2004. p. 315-317.

10. Pinheiro GA, Antao VC, Monteiro MM, Capelozzi VL, Terra-Filho M. Mortality from pleural mesothelioma in Rio de Janeiro, Brazil, 1979 - 2000: Estimation from death certificates, hospital records, and histopathologic assessments. Int J Occup Environ Health. 2003;9(2):147-52.

11. Sugarbaker DJ, Flores RM, Jaklitsch MT, Richards WG, Strauss GM, Corson JM, et al. Resection margins, extrapleural nodal status, and cell type determine postoperative longterm survival in trimodality therapy of malignant pleural mesothelioma: results in 183 patients. J Thorac Cardiovasc Surg. 1999;117(1):54-63; discussion 63-5.

12. Maggi G, Casadio C, Cianci R, Rena O, Ruffini E. Trimodality management of malignant pleural mesothelioma. Eur J Cardiothorac Surg. 2001;19(3):346-50.

13. van Meerbeeck JP, Boyer M. Consensus report: pretreatment minimal staging and treatment of potentially resectable malignant pleural mesothelioma. Lung Cancer. 2005;49 (Suppl 1):S123-S7.

14. Treasure T, Sedrakyan A. Pleural mesothelioma: little evidence, still time to do trials. Lancet. 2004;364(9440):1183-5.

15. McCormack PM, Nagasaki F, Hilaris BS, Martini N. Surgical treatment of pleural mesothelioma. J Thorac Cardiovasc Surg. 1982;84(6):834-42.

16. Flores RM. Induction chemotherapy, extrapleural pneumonectomy, and radiotherapy in the treatment of malignant pleural mesothelioma: the Memorial Sloan-Kettering experience. Lung Cancer. 2005;49(Suppl
1):S71-S4.

17. Rusch VW, Piantadosi S, Holmes EC. The role of extrapleural pneumonectomy in malignant pleural mesothelioma. A Lung Cancer Study Group trial. J Thorac Cardiovasc Surg. 1991;102(1):1-9.

18. Sugarbaker DJ, Jaklitsch MT, Bueno R, Richards W, Lukanich J, Mentzer SJ, et al. Prevention, early detection, and management of complications after 328 consecutive extrapleural pneumonectomies. J Thorac Cardiovasc Surg. 2004;128(1):138-46.

19. Rusch VW, Rosenzweig K, Venkatraman E, Leon L, Raben A, Harrison L, et al. A phase II trial of surgical resection and adjuvant high-dose hemithoracic radiation for malignant pleural mesothelioma. J Thorac Cardiovasc Surg. 2001;122(4):788-95.

20. Weder W, Kestenholz P, Taverna C, Bodis S, Lardinois D, Jerman M, et al. Neoadjuvant chemotherapy followed by extrapleural pneumonectomy in malignant pleural mesothelioma. J Clin Oncol. 2004;22(17):3451-7.


_________________________________________________________________________________________________________________
Trabalho realizado nos Serviços de Cirurgia Torácica e de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC/FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
1. Médico Assistente do Serviço de Cirurgia Torácica. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC/FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
2. Professora Associada da Disciplina de Pneumologia. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
3. Médica Assistente do Serviço de Pneumologia. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC/FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
4. Professor Titular da Disciplina de Pneumologia. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
5. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Torácica. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Ricardo Mingarini Terra. Al. Fernão Cardim, 161, apto 61, Jardim Paulista, CEP 01403-020, São Paulo, SP, Brasil.
Tel/Fax 55 11 3069-7145. E-mail: rmterra@uol.com.br
Recebido para publicação em 6/2/2007. Aprovado, após revisão, em 30/4/2007.





Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia