ABSTRACT
Objective: To compare two models of pulmonary hypertension (monocrotaline and monocrotaline+pneumonectomy) regarding hemodynamic severity, structure of pulmonary arteries, inflammatory markers (IL-1 and PDGF), and 45-day survival. Methods: We used 80 Sprague-Dawley rats in two study protocols: structural analysis; and survival analysis. The rats were divided into four groups: control; monocrotaline (M), pneumonectomy (P), and monocrotaline+pneumonectomy (M+P). In the structural analysis protocol, 40 rats (10/group) were catheterized for the determination of hemodynamic variables, followed by euthanasia for the removal of heart and lung tissue. The right ventricle (RV) was dissected from the interventricular septum (IS), and the ratio between RV weight and the weight of the left ventricle (LV) plus IS (RV/LV+IS) was taken as the index of RV hypertrophy. In lung tissues, we performed histological analyses, as well as using ELISA to determine IL-1 and PDGF levels. In the survival protocol, 40 animals (10/group) were followed for 45 days. Results: The M and M+P rats developed pulmonary hypertension, whereas the control and P rats did not. The RV/LV+IS ratio was significantly higher in M+P rats than in M rats, as well as being significantly higher in M and M+P rats than in control and P rats. There were no significant differences between the M and M+P rats regarding the area of the medial layer of the pulmonary arteries; IL-1 and PDGF levels; or survival. Conclusions: On the basis of our results, we cannot conclude that the monocrotaline+pneumonectomy model is superior to the monocrotaline model.
Keywords:
Monocrotaline; Hypertension, pulmonary; Pneumonectomy; Interleukin-1; Receptor, platelet-derived growth factor beta.
RESUMO
Objetivo: Comparar dois modelos de hipertensão pulmonar (monocrotalina e monocrotalina+pneumonectomia) em relação à gravidade hemodinâmica, estrutura de artérias pulmonares, marcadores inflamatórios (IL-1 e PDGF) e sobrevida em 45 dias. Métodos: Foram utilizados 80 ratos Sprague-Dawley em dois protocolos de estudo: análise estrutural e de sobrevida. Os animais foram divididos em quatro grupos: controle, monocrotalina (M), pneumonectomia (P) e monocrotalina+pneumonectomia (M+P). Para a análise estrutural, 40 animais (10/grupo) foram cateterizados após 28 dias para a medição dos valores hemodinâmicos e sacrificados, obtendo-se tecidos cardíaco e pulmonar. O ventrículo direito (VD) foi dissecado do septo interventricular (SI), e a relação do peso do VD e do peso do ventrículo esquerdo (VE) com o SI foi obtida como índice de hipertrofia de VD. No tecido pulmonar, foram realizadas análises histológicas e dosados IL-1 e PDGF por ELISA. Para o estudo de sobrevida, 40 animais (10/grupo) foram observados por 45 dias. Resultados: Os grupos M e M+P apresentaram hipertensão pulmonar em relação aos demais. Houve um aumento significativo da relação VD/VE+S no grupo M+P em relação aos demais. Não houve diferenças significativas entre os grupos M e M+P quanto à área da camada média das artérias pulmonares, dosagens de IL-1 e PDGF ou sobrevida. Conclusões: Baseados nos resultados, não podemos afirmar que o modelo de monocrotalina+pneumonectomia é superior ao modelo de monocrotalina.
Palavras-chave:
Monocrotalina; Hipertensão pulmonar; Pneumonectomia; Interleucina-1; Receptor beta de fator de crescimento derivado de plaquetas.
IntroduçãoA hipertensão arterial pulmonar (HAP) é uma entidade composta por diversas doenças, que apresentam semelhanças patológicas, mas que divergem na fisiopatologia e no prognóstico.(1) Clinicamente, caracteriza-se por sintomas de dispneia, dor torácica e síncope, causando limitação progressiva, insuficiência cardíaca direita e morte.(2,3) A HAP é uma doença rara, quando na sua forma idiopática, com incidência mais frequente na quarta década de vida, afetando principalmente mulheres; porém, outras formas de HAP, como aquela relacionada à esquistossomose, têm prevalência potencialmente maior, podendo se tornar um problema de saúde pública.(1,4,5)
Segundo o 4º Simpósio Mundial de Hipertensão Pulmonar,(6) realizado em Dana Point, CA, EUA, a HAP é definida através das medidas do cateterismo cardíaco direito. Assim, o cateterismo cardíaco de um paciente com HAP deve demonstrar uma pressão média de artéria pulmonar (PAPm) maior ou igual a 25 mmHg e uma pressão de oclusão da artéria pulmonar menor ou igual a 15 mmHg.
A HAP é resultado de alterações complexas que levam a modificações estruturais das artérias e arteríolas pulmonares, causando ulteriormente as manifestações clínicas da doença. A progressão das alterações vasculares geralmente ocorre após um ou mais estímulos agressores em um indivíduo suscetível, e, hoje, apesar dos medicamentos disponíveis para o tratamento, a HAP ainda é uma doença fatal.(7,8)
Os modelos experimentais para o estudo da HAP permitiram o desenvolvimento de todas as alternativas terapêuticas existentes atualmente, sendo que o modelo baseado na utilização da monocrotalina é o mais utilizado até os dias atuais.(9-11) O uso das sementes de Crotalaria spectabilis, planta da qual deriva a substância monocrotalina, foi descrita há mais de 40 anos. Inicialmente, os animais eram alimentados com as sementes, desenvolvendo HAP posteriormente.(12) Atualmente, se utiliza a administração subcutânea da monocrotalina, que após sua oxidação no fígado, gera seu metabólito pirrólico, atinge o pulmão, onde deflagra lesões na circulação pulmonar, tendo como alvo diversas proteínas e peptídeos do endotélio vascular.(13)
Após 4 h da administração da substância, já se pode observar um aumento relativo da camada média de artérias pulmonares intra-acinares, devido à contração muscular. Entre 8 e 16 h após a administração, observa-se a presença de infiltrado inflamatório mononuclear na camada adventícia de artérias e veias, configurando uma vasculite. Após aproximadamente 22 dias, há hipertrofia ventricular direita e vasculite mononuclear importante em artérias e veias intra-acinares.(14) Dessa forma, após provocar uma reação inflamatória intensa nas artérias e arteríolas pulmonares, tem início o processo de remodelação vascular, principalmente associado ao espessamento da camada média.(15,16) Em virtude desses achados, vários autores têm estudado o efeito da monocrotalina na circulação pulmonar de ratos e sua associação com diferentes intervenções.(9-11,17-20)
Por sua simplicidade, esse é um modelo muito utilizado para testes de novas drogas, mas é extensa a lista de drogas que revertem a HAP do modelo, mesmo aquelas que podem causar HAP em seres humanos, paradoxalmente.(21) Assim, o problema desse modelo é que ele não representa de modo fidedigno todas as alterações que ocorrem na HAP em seres humanos, principalmente por não apresentar proliferação endotelial significativa.(7)
Estudos mais recentes têm abordado a hipótese de que a utilização de shunt sistêmico-pulmonar ou pneumonectomia, gerando hiperfluxo pulmonar, associado à administração de monocrotalina, poderiam levar a exacerbação dos achados resultantes na circulação pulmonar.(22-24) Embora tais estudos sugiram uma superioridade do modelo de monocrotalina associado a hiperfluxo, não existem comparações diretas entre os modelos que permitam determinar o padrão a ser utilizado em estudos futuros. Assim, a proposta do presente estudo foi comparar o modelo de uso isolado de monocrotalina com o modelo de associação de monocrotalina e hiperfluxo (após pneumonectomia esquerda) em ratos adultos, com relação à gravidade hemodinâmica, alterações estruturais das artérias pulmonares, marcadores inflamatórios e sobrevida em 45 dias.
MétodosTodos os animais receberam tratamento digno em concordância com normas internacionais de cuidados com os animais.(25) O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em São Paulo (SP).
Foram realizados dois protocolos de estudo, um para a análise estrutural e outro para a avaliação da sobrevida. Em cada um dos estudos, foram utilizados 40 ratos Sprague-Dawley, com peso de 250-300 g, divididos em quatro grupos: grupo controle (C): os animais deste grupo receberam uma injeção subcutânea de salina (1 mL/kg) no dia de início (D0) do estudo; grupo monocrotalina (M): os animais deste grupo receberam uma injeção subcutânea de monocrotalina (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, EUA; 60 mg/kg) no D0 do estudo; grupo pneumonectomia esquerda (P): os animais deste grupo foram submetidos a pneumonectomia esquerda sete dias antes do D0 do estudo, sendo que, no D0, receberam injeção subcutânea de salina (1 mL/kg); e grupo monocrotalina+pneumonectomia esquerda (M+P): Os animais deste grupo foram submetidos a pneumonectomia esquerda sete dias antes do D0 do estudo e receberam uma injeção subcutânea de monocrotalina (60 mg/kg) no D0.
A técnica de pneumonectomia utilizada foi a seguinte: primeiramente, os animais foram anestesiados com isoflurano a 2,5% em câmara anestésica, procedimento esse que foi mantido durante a cirurgia; em seguida, os animais foram intubados com um cateter Jelco® 14G (Johnson & Johnson, São José dos Campos, Brasil) e acoplados em um ventilador mecânico para roedores (Harvard modelo 683; Harvard Apparatus Co., South Natick, MA, EUA), mantendo-se a FR em 80 ciclos/min e volume corrente em 10 mL/kg de peso). O animal foi posicionado em decúbito lateral direito, realizada tricotomia na região infra-axilar esquerda e, posteriormente, uma incisão de 3 cm seguindo paralelamente entre o quarto e quinto espaços intercostais. Foram seccionados a pele, o tecido celular subcutâneo e os planos musculares intercostais até atingir-se a cavidade torácica. Nesse ponto foi posicionado o afastador entre as costelas. O pulmão esquerdo foi liberado de seus ligamentos e, posteriormente, tracionado para fora da cavidade. Com uma linha de algodão 2-0, o hilo foi amarrado em bloco e o pulmão esquerdo seccionado. Posteriormente, foram fechados os planos musculares com sutura contínua de fio de nylon 3-0 (Ethicon®, São Paulo, Brasil) e, com o mesmo fio, foi realizada a sutura da pele.
As análises foram realizadas no 28º dia após a injeção de monocrotalina ou salina. Após sedação profunda com cloridrato de xilazina 0,3 mg/kg (Rompun®; Bayer, Leverkusen, Alemanha) e cloridrato de cetamina 10 mg/kg (Ketalar®; Pfizer, New York, NY, EUA) i.p., os animais foram inicialmente pesados para depois serem realizadas as medidas hemodinâmicas, seguidas do sacrifício através de sangria da aorta abdominal e, por fim, a obtenção dos tecidos cardíaco e pulmonar.
As medidas hemodinâmicas foram realizadas através da inserção de um cateter umbilical pela veia jugular externa, conectado a um transdutor de pressão modelo HP 1295C (Hewlett-Packard, Palo Alto, CA, EUA) ligado a um monitor hemodinâmico modelo Monitox Dx 2020 (Hewlett-Packard), seguindo a técnica previamente descrita.(26) Através desse sistema, foi obtida a PAPm.
O ventrículo direito (VD) foi dissecado do ventrículo esquerdo (VE) que, por sua vez, manteve o septo interventricular (SI). A razão entre o peso do VD sobre o peso do conjunto VE+SI foi utilizada como marcador de hipertrofia ventricular direita.(19)
Para a análise do grau de inflamação, foram determinadas as concentrações de IL-1 e de PDGF. Para a dosagem dos peptídeos, foi utilizado o método ELISA de captura, com o kit comercial de IL-1 e PDGF antirrato (R&D System Inc., Minneapolis, MN, EUA).(27) Os peptídeos foram dosados a partir de fragmentos dos pulmões congelados.
Placas com 96 poços (Costar; Corning Inc., Cambridge, MA, EUA) foram sensibilizadas com 100 µL de anticorpo monoclonal e incubadas por 18 h a 4°C. Posteriormente, as placas foram bloqueadas, para evitar ligações inespecíficas, com 300 µL de solução de bloqueio (BSA a 2%) e incubadas por 2 h a 37°C. Após o bloqueio, foram adicionados 100 µL das amostras e dos padrões diluídos previamente em PBS por poço. Em dois poços foi colocado somente PBS para a caracterização do branco. As placas foram incubadas por 18 h a 4°C.
Após a incubação, foram adicionados 100 µL do anticorpo conjugado (biotinilado) na concentração estabelecida, e as placas foram incubadas por 3 h a 37°C. Posteriormente, foram adicionados 100 µL de estreptavidina HRP (1:250; R&D Systems, Minneapolis, MN, EUA) por poço, e as placas foram incubadas por 30 min a 37°C. A cada etapa, as placas eram lavadas com tampão de lavagem (PBS + Tween 20) por seis vezes.
A revelação foi realizada através da adição de 100 µL da solução de revelação (peróxido de hidrogênio + tetrametilbenzidina) por poço, com incubação de 5 ou 60 min a 37°C, de acordo com cada citocina. A reação foi interrompida com 50 µL de ácido sulfúrico a 30% por poço com agitação lenta. A leitura foi feita em leitor de ELISA (Power Wave; Bio-Tek Instruments Inc., Winooski, VT, EUA) utilizando um filtro de 450 nm.
Para a quantificação histológica, foram avaliados cinco diferentes campos, randomicamente selecionados, em aumento de 400×, após o tecido ser submetido à técnica de coloração de Miller, que permite a visualização das fibras elásticas. Para essa quantificação, utilizamos um sistema analisador de imagens modelo Carl Zeiss (MicroImaging GmbH, Göttingen, Alemanha), com uso do programa AxioVision 40, versão 4.7.1.0, 2006-2008 (Carl Zeiss Imaging Solutions GmbH, Jena, Alemanha), que permite medidas quantitativas geométricas e densitométricas. Limiares específicos foram estabelecidos para cada lâmina. A avaliação histológica foi expressa em área (µm2).(28)
O estudo de sobrevida, com 40 ratos também divididos nos grupos C, P, M e M+P, teve como objetivo verificar diferenças de sobrevida entre os modelos. Os animais foram observados por 45 dias, sendo computada a data de óbito de cada rato, tendo sido todos os animais restantes sacrificados no D45.
Na análise estatística, as variáveis contínuas foram comparadas, entre os diferentes grupos, através de ANOVA com correção de Bonferroni, como análise post hoc. A análise das variáveis proporcionais foi realizada através do teste de qui-quadrado ou do teste exato de Fisher, conforme indicado. Foram considerados significativos os valores de p < 0,05.
A sobrevida ao longo do tempo foi descrita de acordo com o método de Kaplan-Meier, realizando-se a comparação entre as curvas através do método de log-rank.
ResultadosAtravés das medidas hemodinâmicas invasivas, podemos observar que os animais nos grupos M e M+P desenvolveram HAP, enquanto os demais não (Figura 1).
O peso do VD foi significantemente maior nos grupos com HAP em relação aos demais (Figura 2A), sendo significativamente maior no grupo M+P. Não houve diferenças entre os grupos em relação ao peso do VE+SI (Figura 2B), fazendo com que a medida de hipertrofia de VD (relação VD/VE+SI) fosse significantemente maior no grupo M+P do que nos demais grupos (Figura 2C), seguindo a distribuição do peso do VD.
A área da camada média dos ratos nos grupos M e M+P foi significativamente maior em relação à do grupo C (p = 0,013; Figura 2D). Não houve proliferação intimal nos grupos M e M+P (Figura 3).
Os níveis de IL-1 foram significativamente maiores nos grupos P, M e M+P em relação ao grupo C (Figura 4A). Os níveis de PDGF também foram diferentes entre os grupos (p = 0,049); contudo, a análise post hoc não permitiu determinar a predominância da diferença como na análise dos níveis de IL-1, embora o mesmo padrão seja sugerido pela distribuição dos dados (Figura 4B).
A sobrevida foi significativamente menor nos grupos M e M+P em relação aos grupos C e P (p < 0,05), mas não houve diferenças entre os grupos M e M+P (Figura 5).
DiscussãoNosso estudo demonstrou que tanto o modelo com administração isolada de monocrotalina quanto sua associação com hiperfluxo gerado pela pneumonectomia são geradores de HAP em ratos. De forma análoga e consequente, foi observado um aumento do índice de hipertrofia ventricular direita e do peso do VD no grupo M+P em relação ao grupo M e de ambos em relação aos grupos C e P.
Deve-se ressaltar, entretanto, que o índice de hipertrofia do VD (relação VD/VE+SI) não representa de maneira absoluta a HAP, uma vez que a monocrotalina também pode ter um efeito direto sobre o coração.(21) Contudo, o achado de pesos semelhantes de VE nos diferentes grupos não sugere a presença de alterações cardíacas relacionadas à monocrotalina em nosso estudo.
Os grupos M e M+P não apresentaram diferenças em relação à área da camada média entre si, mas, quando comparados ao grupo C, ambos apresentaram áreas significativamente maiores (p = 0,013), confirmando que os dois modelos geram alterações patológicas de HAP. Os grupos C e P não apresentaram diferenças significativas na área da camada média. Um dado importante é que, em nenhum dos grupos, houve proliferação da camada íntima, em desacordo com achados de outros autores.(23,29)
Em relação aos marcadores inflamatórios, a IL-1 aumentou significativamente nos grupos P, M+P e M em relação ao grupo C, e um padrão semelhante foi encontrado em relação aos níveis de PDGF. Isso demonstra que a manipulação cirúrgica, isoladamente, já aumenta os níveis desses marcadores inflamatórios, limitando sua utilização na comparação dos modelos, embora já se tenha demonstrado que tais marcadores encontram-se aumentados em indivíduos portadores de HAP.(17,30) Contudo, deve-se ressaltar que, em nosso estudo, foram mensurados os níveis desses marcadores em amostras de pulmão total, não sendo utilizada a técnica de microdissecção para analisar o material vascular isolado,(15) o que faz com que qualquer fenômeno inflamatório pulmonar seja refletido na metodologia utilizada, demonstrando a limitação da mesma.
Os modelos experimentais de HAP estudados não mimetizam de maneira fidedigna a HAP em seres humanos. Isso acontece por uma série de motivos, entre eles, a velocidade de instalação da doença, que, em seres humanos, ocorre ao longo de anos mas em semanas nos animais. Assim, é lógico pensar que os mecanismos fisiopatológicos sejam diferentes.(21) Consequentemente, outros modelos têm sido estudados, como, por exemplo, a associação da injeção de monocrotalina com hiperfluxo pulmonar, esse último derivado de shunts sistêmico-pulmonares ou de pneumonectomia.(22-24)
Em 1996, Tanaka et al.(22) testaram a hipótese de que, aumentando as pressões nas artérias pulmonares até níveis sistêmicos, os efeitos da monocrotalina na circulação pulmonar poderiam ser aumentados. Através de uma ligação da artéria subclávia com a artéria pulmonar em ratos, com injeção posterior de monocrotalina, foi observado que grandes artérias pulmonares apresentaram lesão da camada íntima. Os autores demonstraram que, na ausência de lesão endotelial, mesmo quando os animais foram submetidos a pressões sistêmicas, não houve remodelamento vascular, pelo menos em grandes vasos.
Em um estudo posterior,(23) foi realizada pneumonectomia esquerda, seguida por injeção de monocrotalina. Observou-se a presença de lesões na camada íntima das artérias pulmonares distais, fato esse atribuído ao aumento de fluxo nas artérias do pulmão remanescente. Foi levantada a hipótese de que o estresse de cisalhamento (shear stress) foi responsável pelas alterações observadas. Os estudos daqueles investigadores, assim como estudos conduzidos em outras espécies animais, mostraram que, na ausência de lesão endotelial, o aumento do fluxo sanguíneo após a pneumonectomia não provoca aumentos significativos nos níveis pressóricos da artéria pulmonar.(24) Estudos histológicos em humanos, realizados de 1-5 anos após a pneumonectomia, mostram apenas hipertrofia da camada média, sem lesões na camada íntima das artérias pulmonares.(24) Assim, observa-se que as alterações histológicas resultantes desses modelos experimentais potencialmente se assemelham mais aos achados característicos da HAP em humanos, particularmente pela maior proliferação neointimal.(18-20,22)
White et al.(29) compararam o modelo de hipertensão pulmonar gerado por pneumonectomia esquerda mais a administração de monocrotalina em ratos mais jovens com as lesões anatomopatológicas observadas em autópsias de seres humanos com HAP. A hipótese era a de que, em ratos mais jovens, as alterações observadas por Tanaka et al.(22) seriam ainda mais pronunciadas. Nos ratos, houve a formação de lesões complexas proliferativas perivasculares.
Em nosso estudo, não utilizamos ratos tão jovens como os utilizados por White et al.,(29) os quais observaram lesões complexas proliferativas perivasculares nos ratos. Tanaka et al., pioneiros nesse modelo,(22) observaram lesões em camada íntima, mas não descreveram os mesmos achados de White et al. Provavelmente, a diferença deveu-se a idade mais jovem dos ratos utilizados, já que a metodologia utilizada foi a mesma. Com a idade maior dos ratos, o fenômeno do crescimento pulmonar após a pneumonectomia é minimizado, além dos efeitos inflamatórios da monocrotalina. Assim, no trabalho de White et al., os fenômenos observados podem ser devidos ao crescimento pulmonar compensatório após a pneumonectomia.(22,29)
Em nosso estudo, apesar de não haver ocorrido diferenças significativas entre os grupos M+P e M no que tange às alterações hemodinâmicas e espessura da camada média, pudemos observar que, de acordo com a Figura 2, a hipertrofia do VD foi maior. Esse dado isolado não nos permite concluir que o modelo de hiperfluxo pulmonar é mais grave do que o modelo de monocrotalina, já que a sobrevida foi a mesma. Nenhum autor havia testado a diferença de sobrevida nos diferentes modelos. Acreditamos que esse deve ser o parâmetro a ser utilizado no que diz respeito à determinação da real gravidade de doença gerada em modelos experimentais.
Dessa forma, podemos concluir que não há diferenças entre o modelo de uso isolado de monocrotalina em relação a sua associação com o hiperfluxo que permitam afirmar a superioridade definitiva de um modelo em relação ao outro, a fim de que fosse possível a recomendação da utilização de um deles como padrão futuro. A facilidade do modelo isolado de monocrotalina ainda embasa sua maior utilização, apesar de sua limitação em mimetizar o padrão de HAP em humanos, conforme confirmado por nosso estudo. Por outro lado, estudos cujo objetivo primário seja avaliar a hipertrofia do VD podem se beneficiar da associação de hiperfluxo e monocrotalina.
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Trabalho realizado no Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Igor Bastos Polonio. Rua Monte Alegre, 47, Perdizes, CEP 05014-000, São Paulo, SP, Brasil.
Tel. 55 11 3862-5081. E-mail: igbpolonio@yahoo.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Recebido para publicação em 29/3/2012. Aprovado, após revisão, em 10/5/2012.
Sobre os autoresIgor Bastos Polonio
Médico Pneumologista. Disciplina de Pneumologia. Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - e Clínica de Pneumologia, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Milena Marques Pagliarelli Acencio
Biologista Chefe. Laboratório de Pleura, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Rogério Pazetti
Pesquisador Científico em Cirurgia Torácica Experimental. Laboratório de Investigação Médica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Francine Maria de Almeida
Pesquisadora Científica. Laboratório de Investigação Médica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Mauro Canzian
Médico Assistente. Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Bárbara Soares da Silva
Acadêmica de Biomedicina, Universidade Guarulhos, Guarulhos (SP) e Aluna de Iniciação Científica, Disciplina de Pneumologia, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Karina Aparecida Bonifácio Pereira
Acadêmica de Biomedicina, Faculdades Metropolitanas Unidas, e Aluna de Iniciação Científica, Disciplina de Pneumologia, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Rogério de Souza
Professor Livre-Docente. Disciplina de Pneumologia, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.