Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
8574
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Desempenho da técnica nested PCR na detecção específica do complexo Mycobacterium tuberculosis em amostras sanguíneas de pacientes pediátricos

Performance of nested PCR in the specific detection of Mycobacterium tuberculosis complex in blood samples of pediatric patients

Juliana Figueirêdo da Costa Lima, Lílian Maria Lapa Montenegro, Rosana de Albuquerque Montenegro, Marta Maciel Lyra Cabral, Andrea Santos Lima, Frederico Guilherme Coutinho Abath (in memoriam), Haiana Charifker Schindler

ABSTRACT

Objective: To evaluate the performance of nested PCR (nPCR) in detecting the Mycobacterium tuberculosis complex in blood samples of patients suspected of having TB, in order to determine its potential for use as an auxiliary tool in the laboratory diagnosis of TB in children. Methods: Detection of the M. tuberculosis complex in blood samples using as a target the insertion sequence IS6110 of the genomic DNA of the bacillus. Blood samples of 120 patients were evaluated. All of the patients were under 15 years of age at the time of their treatment at public hospitals in the city of Recife, Brazil (between January of 2003 and August of 2005). Attending physicians at the hospitals diagnosed TB based on the criteria recommended by the American Thoracic Society. The nPCR amplified a 123-bp fragment with outer oligonucleotides (IS1/IS2) and, in the subsequent reaction, using inner oligonucleotides (IS3/IS4), generating an 81-bp amplicon. Results: Active or latent TB was found in 65 patients, TB was ruled out in 28 suspected cases, and 27 patients were TB-free (controls). The sensitivity of nPCR was 26.15% and was significantly higher for the extrapulmonary form of the disease (55.56%) than for the pulmonary form (18.18%). The specificity was 92.73%. Conclusions: Despite the difficulties in diagnosing TB in children and the low number of cases evaluated in the present study, nPCR in blood samples proved to be a rapid and specific technique, albeit one with low sensitivity. In order to establish its true usefulness in the diagnosis of paucibacillary forms, especially extrapulmonary TB, further studies need to be carried out with a larger sample of children and analyzing biological specimens other than blood.

Keywords: Tuberculosis; Diagnosis; Blood; Polymerase chain reaction.

RESUMO

Objetivo: Avaliar o desempenho da técnica nested PCR (nPCR) para detectar o complexo Mycobacterium ­tuberculosis em amostras de sangue de pacientes com suspeita de TB para sua possível utilização como uma ferramenta auxiliar no diagnóstico laboratorial da doença em crianças. Métodos: Detecção do complexo M. tuberculosis em amostras de sangue usando como alvo a sequência de inserção IS6110 do DNA genômico do bacilo. Foram avaliados 120 pacientes, menores de 15 anos de idade, de ambos os sexos, provenientes de hospitais públicos do Recife (PE), no período entre janeiro de 2003 e agosto de 2005. O diagnóstico de TB foi realizado pelo médico assistente do serviço de saúde de acordo com os critérios da Sociedade Torácica Americana. A nPCR amplificou um fragmento de 123 pb com oligonucleotídeos externos (IS1/IS2) e, na reação subsequente, com oligonucleotídeos internos (IS3/IS4), gerando um amplicon de 81 pb. Resultados: A TB ativa ou latente esteve presente em 65 pacientes, foi descartada em 28 suspeitos e 27 não tinham a doença (controles). A sensibilidade da nPCR foi de 26,15%, sendo significativamente maior na forma extrapulmonar (55,56%) em relação à pulmonar (18,18%), e a especificidade foi de 92,73%. Conclusões: Diante das dificuldades diagnósticas da TB infantil e do baixo número de casos estudados, a nPCR em sangue demonstrou ser uma técnica rápida e específica, mas com baixa sensibilidade. Para saber a sua real utilidade no diagnóstico de formas paucibacilares, sobretudo as extrapulmonares, novas pesquisas devem ser desenvolvidas com uma casuística maior de crianças e com outros espécimes biológicos além do sangue.

Palavras-chave: Tuberculose; Diagnóstico; Sangue; Reação em cadeia da polimerase.

Introdução

Estima-se que existam cerca de 42 milhões de pessoas infectadas por TB no Brasil, e 10% dos casos notificados por ano ocorrem em menores de 15 anos.(1) Em Pernambuco, no ano de 2006, foram notificados 184 casos novos de TB infantil (0-14 anos), sendo 74,46% deles na forma pulmonar.(2) Os dados sobre TB infantil (geralmente paucibacilar) são escassos na literatura, sobretudo pela grande dificuldade em realizar-se o diagnóstico, pois raramente há confirmação bacteriológica. Essa dificuldade está relacionada à falta de um quadro clínico específico, à ausência de imagens radiológicas pulmonares patognomônicas da doença, à baixa sensibilidade da bacterioscopia e ao fato de que a reatividade do teste tuberculínico de Mantoux fica prejudicada pela vacinação recente com BCG.(3) Nessa faixa etária, a obtenção do escarro para pesquisa do Mycobacterium tuberculosis é restrita, devido à dificuldade de expectoração, sobretudo em menores de 5 anos. O achado de M. tuberculosis através da baciloscopia ou cultura é o padrão ouro para a confirmação da doença, mas requer entre 3 e 8 semanas para o resultado,(4) e o tempo necessário para a ­identificação do bacilo de Koch é muito importante para o início precoce da terapêutica específica.(5) Em crianças, além da demora, as múltiplas culturas apresentam positividade em menos de 20% dos suspeitos de TB primária.(6) O complexo M. tuberculosis é bastante infeccioso; portanto, é fundamental o rápido diagnóstico para evitar a disseminação da doença, principalmente em grupos de maior risco.

Com a biologia molecular, novas ferramentas têm surgido para auxiliar o diagnóstico de várias enfermidades infectocontagiosas. A PCR é um método sensível para a detecção de DNA de micobactérias diretamente de espécimes clínicas. Permite a síntese enzimática in vitro de sequências específicas do genoma através de dois iniciadores que hibridizam fitas opostas de DNA. Numerosos ensaios de PCR, utilizando sequências conservadas de DNA como alvo de amplificação, têm sido descritos para a detecção do complexo M. tuberculosis em espécimes clínicas de adultos,(7,8) demonstrando sua utilidade para o diagnóstico precoce.(9,10)

Uma variação da PCR, conhecida como nested PCR (nPCR), utiliza dois conjuntos de oligonucleotídeos iniciadores em reações subsequentes, cujo produto de amplificação da primeira reação é utilizado como molde para a segunda. Essa técnica é proposta para a detecção do M. ­tuberculosis nos casos que necessitam de alta especificidade e sensibilidade.(9,11) O propósito da pesquisa foi avaliar o desempenho da nPCR em amostras sanguíneas de crianças paucibacilíferas e sua aplicabilidade clínica como ferramenta diagnóstica para a TB infantil.

Métodos

Estudo prospectivo, com pacientes de ambos os sexos, menores de 15 anos de idade, com suspeita inicial de TB e atendidos nos ambulatórios ou enfermarias do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, do Hospital Barão de Lucena e do Instituto de Medicina Integral Fernando Figueira entre janeiro de 2003 e agosto de 2005. O diagnóstico de TB foi realizado, de acordo com os critérios da Sociedade Torácica Americana,(12) pelo médico assistente do serviço de saúde de modo duplo cego. Foram considerados como padrão ouro os métodos convencionais de rotina baseados em critérios epidemiológicos, clínicos e laboratoriais (teste tuberculínico de Mantoux e radiografia de tórax), também tendo como base a evolução e a resposta terapêutica específica do paciente. O teste tuberculínico de Mantoux foi realizado segundo as normas do Ministério da Saúde do Brasil.(13) Todos os pacientes com definição diagnóstica de TB ativa ou latente foram acompanhados e tratados nos serviços de saúde participantes da pesquisa, que são especializados em TB infantil. Os grupos foram classificados da seguinte maneira:

1) Suspeita de TB: evidência clínica ou radiológica, história de contato com adulto tuberculoso ou prova tuberculínica positiva (≥ 10 mm em vacinados com BCG há mais de 2 anos e > 15 mm em vacinados há menos de 2 anos)(13):

a) TB ativa: evidência clínica ou radiológica compatível com TB ativa, isolamento do M. tuberculosis em amostra biológica ou melhora clínica após tratamento específico.

b) TB latente: sem manifestações clínicas nem radiológicas da doença; exames bacteriológicos (quando possível) negativos; teste tuberculínico positivo(13) e história de contato com adulto bacilífero.

c) Descartada: história de contato com adulto tuberculoso, ausência de sintomas ou alterações sugestivas de TB e teste tuberculínico negativo.

2) Sem TB (controle): ausência de contato com adulto tuberculoso, quadro clínico e laboratorial não compatível com TB latente ou ativa; presença de cicatriz vacinal de BCG.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz, Recife (PE). Os responsáveis pelos menores assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido referente à participação na pesquisa e à coleta do sangue. As informações clínicas e epidemiológicas de cada paciente foram registradas numa ficha pré-elaborada por um dos pesquisadores e inseridas em um banco de dados para as análises estatísticas.

Foram excluídos indivíduos portadores de doenças crônicas; em uso de corticosteroides ou drogas imunossupressoras por mais de 15 dias; indivíduos sabidamente portadores de HIV e portadores de outras pneumopatias crônicas.

Para haver uma padronização e resultados mais eficazes, utilizou-se o DNA genômico purificado de cepa de referência (H37Rv) do M. tuberculosis, utilizando-se o kit de extração (Tissue and Cells GenomicPrep; Amersham Biosciences, Piscataway, NJ, EUA), segundo as instruções do fabricante. Para determinar o limiar de detecção através da nPCR, foi realizada uma curva de diluição de fator 10 seriada, variando de 10 ng a 0,01 fg. Posteriormente, adicionou-se DNA purificado ao sangue de indivíduo sadio. O DNA desta cepa foi utilizado como controle positivo nas reações de amplificação.

Foram coletados 2-4,5 mL de sangue de cada paciente por punção venosa usando tubos (Vacutainer; Becton and Dickson, Oxford, Inglaterra), contendo ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) e acondicionados a 4°C.
A extração de DNA foi realizada da seguinte forma: uma alíquota de 500 µL da amostra foi centrifugada a 13.000 rpm por 10 min e submetida a três lavagens com tampão Tris-EDTA (TE). O sedimento foi ressuspendido em 100 µL de TE e aquecido em termobloco a 100°C por 10 min. O sobrenadante foi transferido para um novo microtubo e adicionou-se 5 µL de resina (Sephaglas BandPrep Kit; Amersham-Pharmacia Biotech, Uppsala, Suécia) e, ao volume final, o dobro desse volume com uma solução de iodeto de sódio (0,9 g/mL). Em seguida, o tubo foi agitado por 5 min e incubado à temperatura ambiente por mais 5 min. Os tubos foram centrifugados por 1 min, descartando-se o sobrenadante e adicionando-se 200 µL de etanol gelado a 70%, seguida por nova agitação e centrifugação por 1 min. O sedimento foi deixado à temperatura ambiente durante 60 min para secagem completa e ressuspendido com 40 µL de TE, sendo incubado em banho-maria a 50°C por 10 min. Centrifugado por 1 min, o sobrenadante foi transferido para outro microtubo e estocado a −20°C até o uso para PCR.(14) A sequência de inserção IS6110, encontrada em cepas do complexo M. tuberculosis, foi o alvo utilizado para a amplificação.(15)

O DNA do M. tuberculosis existente nas amostras biológicas foi amplificado em um termociclador automático (modelo 4800; Perkin Elmer, Foster City, CA, EUA). A mistura da primeira reação de amplificação consistiu de KCl 50 mM, Tris-HCl 10 mM pH 8,3, MgCl2 2,5 mM, dNTP (200 µM cada), 25 pmol de cada oligonucleotídeo (IS1-5'CCTGCGAGCGTAGGCGTCGG3' e IS2-5'CTCGTCCAGCGCCGCTTCGG3')(16) e 2,5 U de Taq DNA polimerase, num volume final de 50 µL. A fase de desnaturação aconteceu a 94°C por 30 s; a fase de anelamento, a 68°C por 1 min; e a fase de extensão, a 72°C por 1 min, totalizando 30 ciclos. Na segunda reação (nPCR), foram adicionados 2 µL do produto da primeira reação, nas mesmas concentrações que a anterior. As condições de amplificação, nas fases descritas acima, foram, respectivamente, 94°C por 30 s, 57°C por 30 s, e 72°C por 30 s, utilizando-se os oligonucleotídeos IS3 e IS4 (5'GGTGACAAAGGCCACGTAGG3' e 5'CCAGCACCTAACCGGCTGT3', respectivamente)(16) por 30 ciclos.

Dos produtos amplificados, 10 µL foram analisados em gel de agarose a 2,0% e corados com brometo de etídio. As bandas de DNA separadas por eletroforese foram visualizadas em um transluminador com luz UV e fotografados com uma câmera (Polaroid MP4+ Instant Camera System; Polaroid, Minnetonka, MN, EUA).

Foi realizada uma análise descritiva para expor os resultados obtidos, e a apresentação das variáveis mensuradas foi feita através de tabelas. Para a análise das variáveis, foi aplicado o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher quando necessário. Para a validação dos testes, foram calculados a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo e o valor preditivo negativo com seus respectivos intervalos de confiança. Todas as conclusões foram tomadas ao nível de significância de 5%. Os programas utilizados foram Epi Info versão 6.04d e Statistical Package for the Social Sciences (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) versão 8.0.

Resultados

Os resultados mostraram a amplificação específica do DNA genômico de M. tuberculosis, não havendo amplificação aleatória do genoma humano. Na primeira reação, foi produzido um amplicon de 123 pb e na segunda, um de 81pb (dados não mostrados). A quantidade mínima detectada utilizando DNA genômico purificado de M. tuberculosis e DNA genômico purificado adicionado ao sangue de doador sadio foi de 0,1 fg e 100 fg, respectivamente (Figura 1).




No estudo, foram avaliados 120 pacientes, sendo 93 com suspeita clínica inicial da doença e 27 indivíduos controles. A mediana da idade foi de 7,00 ± 0,42 anos. Não houve diferença significativa em relação ao sexo dos indivíduos. De acordo com o diagnóstico final, os indivíduos foram categorizados da seguinte maneira: TB ativa, TB latente, TB descartada e controle (indivíduos não-infectados; Tabela 1).



Dentre os 93 indivíduos que apresentaram suspeita inicial, a maioria dos casos diagnosticados (69,89%) foi de TB ativa ou TB latente. No grupo de pacientes doentes, a forma prevalente foi a pulmonar (78,57%). As formas de TB extrapulmonar detectadas foram: ganglionar periférica (n = 3), óssea (n = 2), abdominal (n = 1), pleural (n = 1), miliar (n = 1) e meningite (n = 1). Não houve diferença significativa entre a faixa etária e a presença da doença ou as formas clínicas.

Nesse mesmo grupo de suspeitos, a nPCR foi positiva em 22,58%. A taxa de concordância entre o diagnóstico final dos pacientes e a nPCR foi de 52,38% dos casos com TB ativa e de 28,57% dos casos de TB latente. Em 19,05% dos pacientes cuja TB foi descartada pelo médico, a nPCR foi positiva (Tabela 2).



Para a avaliação do real desempenho da nPCR, considerando a limitação do padrão ouro inerente à confirmação da doença na faixa pediátrica, foi incluído no grupo controle também o grupo de pacientes em que a TB foi descartada apesar de serem considerados inicialmente suspeitos. A sensibilidade da nPCR obtida foi de 26,15%, e a especificidade foi de 92,73%. Considerando a forma da doença, a sensibilidade para a TB extrapulmonar foi de 55,56% e, para a TB pulmonar, 18,18% (Tabela 3).




Discussão

A TB infantil é um sinalizador da qualidade do sistema de saúde, sendo indicativa de que os casos bacilíferos em adultos não estão sendo detectados precocemente, permitindo a disseminação da doença. Um terço dos contatos adultos com TB ativa tem seu diagnóstico definido após a confirmação da doença na criança. Isso demonstra que um número considerável de adultos pode ficar sintomático durante um período prolongado e infectar outros grupos, além do pediátrico, levando ao desenvolvimento da doença.(17) Devido à dificuldade confirmatória da TB infantil através de exames bacteriológicos, a implantação da PCR como ferramenta auxiliar na detecção da doença, sobretudo em casos difíceis ou paucibacilares, poderá possibilitar o uso de amostras biológicas menos traumáticas e que podem ser coletadas ambulatorialmente quando comparadas com o lavado gástrico, que necessita de internação e sedação.

As características clínicas e demográficas dos indivíduos da pesquisa são muito semelhantes às dos demais estudos avaliados.(3,18)

Possivelmente as variações em relação ao sexo e à mediana de idade são devidas ao número diferente de pacientes incluídos. As faixas etárias mais baixas não estiveram diretamente relacionadas às formas extrapulmonares,(19) provavelmente pelo maior número de crianças concentradas na faixa etária ≥ 5 anos, na qual o diagnóstico de TB parece ser mais evidente.

Na análise do desempenho da nPCR para amplificação do alvo IS6110, o limite mínimo de detecção de DNA genômico do bacilo foi equivalente a menos DNA do que o contido em uma micobactéria (5 fg).(5) A sensibilidade de detecção foi mais eficiente que em outros trabalhos, já descritos na literatura, utilizando o mesmo sistema.(19,20) A maioria dos pacientes com suspeita inicial de TB foi diagnosticada como caso (ativa ou latente) provavelmente por eles serem provenientes de hospitais ou ambulatórios de referência para TB.

O desempenho de um teste diagnóstico depende da eficiência do padrão ouro em detectar a existência ou não da doença. Dessa forma, testes moleculares baseados em PCR podem apresentar uma baixa sensibilidade devido à limitação do padrão ouro em detectar o M. tuberculosis na infância,(18,21) levando-se ao questionamento de muitos pacientes considerados doentes ou infectados incluídos neste estudo, cuja definição foi baseada em critérios clínicos e subjetivos.(19)

A sensibilidade encontrada com a nPCR para o diagnóstico de TB em menores de 15 anos foi baixa, utilizando sangue periférico total; porém, teve uma excelente especificidade. Resultados semelhantes (sensibilidade de 20% e especificidade de 94,44%) foram encontrados por outros autores,(22) que utilizaram PCR em amostras de sangue de adultos, a maioria desses com TB pulmonar. Todavia, 26,7% dos pacientes que iniciam o tratamento específico para TB pulmonar o fazem sem confirmação ­bacteriológica. A decisão do tratamento é tomada baseada apenas no quadro clínico e radiológico.(23) Portanto, a nPCR poderia ter um papel relevante nessa parcela de suspeitos que ficariam sem diagnóstico ou que iniciariam o tratamento sem a confirmação da doença.

O desempenho do sistema de PCR mostra ser mais promissor para o diagnóstico de TB em adultos, sobretudo na forma pulmonar, quando se utiliza o escarro como amostra biológica.(24,25) Já o uso da nPCR no sangue é importante para tentar elucidar os casos da doença nas formas extrapulmonares ou paucibacilares, cuja baciloscopia no escarro é negativa ou quando não existe expectoração.

Provavelmente, o inadequado desempenho da nPCR encontrado neste estudo deve-se à imprecisão no diagnóstico clínico da TB infantil, à baixa carga bacilífera desse grupo e à dificuldade na detecção de M. tuberculosis nos exames de rotina, além do baixo número de pacientes estudados. A escassez de trabalhos na literatura utilizando o sistema de PCR em espécimes biológicos para o diagnóstico da TB infantil e a presença de inibidores do sangue que interferem na amplificação do DNA também contribuíram para este resultado.

Em relação às formas de TB e os resultados da nPCR, a taxa de positividade do teste na TB extrapulmonar foi significativamente maior que na pulmonar. Esse achado corrobora com o de outros autores,(26) que relataram a existência de uma maior possibilidade dos bacilos circularem no sangue periférico na forma extrapulmonar da doença. Outros autores(20) apontaram para a dificuldade de se encontrar M. tuberculosis em espécimes extrapulmonares, onde a quantidade de bacilos é escassa, levando à baixa sensibilidade da baciloscopia e da cultura, assim como para a presença de fatores inibidores que podem interferir na amplificação do DNA através da PCR. No entanto, encontramos uma maior sensibilidade da PCR nas crianças com TB extrapulmonar, mesmo utilizando sangue de pacientes paucibacilíferos. Também devem ser considerados os métodos de extração e o sistema da nPCR utilizados neste trabalho.

Em 4 pacientes cujo diagnóstico clínico não foi compatível com TB, a nPCR foi positiva. Porém, essas crianças apresentaram alguma forma de contato com adulto bacilífero. Em 1 delas, o teste tuberculínico não foi reator, apesar de ter tido contato intradomiciliar por mais de 2 anos com um adulto que fazia tratamento irregular para TB e história de pneumonia anterior. Outra teve o resultado do teste tuberculínico de 9 mm e diagnóstico de pneumonia aguda. A terceira criança, além do contato, apresentou micropoliadenopatia cervical, e a última foi reatora ao teste tuberculínico e tinha contato com tuberculoso por mais de 1 ano. Após ter sido afastada a possibilidade de TB ativa, essas crianças não retornaram ao serviço de saúde para acompanhamento. Como a PCR pode detectar DNA viável ou inviável do bacilo,(9) esses pacientes poderiam estar na fase inicial da infecção/doença ou terem tido o processo de cura espontânea.

Embora tenham sido adicionados controles negativos em todas as etapas de extração e amplificação do DNA e repetidas as amostras duvidosas, faz-se necessário analisar um maior número de amostras para diminuir a possibilidade de resultados falso-positivos.

A amplificação do DNA por PCR tem mostrado ser um método bastante específico e com sensibilidade razoável para detecção do M. tuberculosis em sangue total, comparando-se a outros trabalhos.(10,27) Já existe a descrição de testes in house de PCR para TB com desempenho promissor em amostras respiratórias com baciloscopia negativa em adultos,(28) mas os estudos são escassos sobre amostras de sangue de crianças.

Métodos baseados na amplificação de DNA poderão auxiliar o diagnóstico precoce de TB em crianças e indivíduos paucibacilares e reduzir o período de definição da doença para 1-2 dias,(8,9) sobretudo se for possível detectar o DNA do M. tuberculosis em sangue, amostra pouco invasiva e viável nessa faixa etária.

A PCR pode ter um papel importante na prática clínica quando o diagnóstico da TB é difícil e precisa de uma definição urgente pela gravidade do paciente,(28) em formas disseminadas e extrapulmonares da doença, sobretudo em indivíduos soropositivos para HIV.(3,25) Diante dos achados, pode-se sugerir a nPCR como método auxiliar na elucidação diagnóstica; no caso de ser positiva, pela baixa sensibilidade demonstrada, não deve ser dissociada dos critérios clínicos, epidemiológicos e/ou laboratoriais de rotina. Apesar de ter apresentado uma especificidade alta, a nPCR não pode ser considerada por si só como método de exclusão no grupo de pacientes pediátricos cuja TB é de natureza paucibacilar. Além disso, o sangue pode conter fatores inibidores para a PCR.(29) O diagnóstico precoce nos menores de 15 anos e a busca por adultos bacilíferos trará uma maior detecção dos casos índices da doença(30) e um impacto positivo nos programas de controle da TB.

Devido à imprecisão em identificar crianças infectadas ou doentes, da pouca atenção dada à TB infantil nos programas de governo e da escassez de estudos na literatura sobre técnicas moleculares para a detecção do bacilo de Koch, torna-se fundamental a realização de novas pesquisas em busca de métodos mais sensíveis e específicos, utilizando diversos espécimes biológicos de pacientes com a forma paucibacilar da doença. Diante deste estudo, sugerimos a realização de outras pesquisas moleculares para o diagnóstico, através do sangue, da TB paucibacilar com uma amostra representativa da população para uma melhor avaliação destes resultados.

Agradecimentos

Agradecemos aos médicos Victor Lopes de Melo e Bruno Canto C. de A. Azevedo, à biomédica Joanna d'Arc Lyra Batista, aos profissionais envolvidos e a todos os pacientes e controles.

Referências

1. Souza WV, Albuquerque MF, Barcellos CC, Ximenes RA, Carvalho MS. Tuberculose no Brasil: construção de um sistema de vigilância de base territorial. Rev Saude Publica. 2005;39(1):82-9.

2. Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; SINAN - [cited 03 Set 2008]. SINAN - Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Available from: http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/novo/

3. Alves R, Sant´Anna CC, March MF, Ormonde LR, Cruz KC, Gonçalves CM. Comprovação bacteriológica de tuberculose em crianças como validação dos critérios diagnósticos. Arq Bras Pediatr. 1995;2:15-21.

4. Diagnostic Standards and Classification of Tuberculosis in Adults and Children. This official statement of the American Thoracic Society and the Centers for Disease Control and Prevention was adopted by the ATS Board of Directors, July 1999. This statement was endorsed by the Council of the Infectious Disease Society of America, September 1999. Am J Respir Crit Care Med. 2000;161(4 Pt 1):1376-95.

5. Kox LF, Rhienthong D, Miranda AM, Udomsantisuk N, Ellis K, van Leeuwen J, et al. A more reliable PCR for detection of Mycobacterium tuberculosis in clinical samples. J Clin Microbiol. 1994;32(3):672-8.

6. Pierre C, Olivier C, Lecossier D, Boussougant Y, Yeni P, Hance AJ. Diagnosis of primary tuberculosis in children by amplification and detection of mycobacterial DNA. Am Rev Respir Dis. 1993;147(2):420-4.

7. Abath, FGC, Werkhauser RP, Melo FL, inventors; FIOCRUZ, assegnee. Método, kit e iniciadores para a identificação de seqüências específicas de nucleotídeos através da reação em cadeia da polimerase tipo nested em um único tubo de reação. Repartição de Patente do Brasil (INPI) BRPI015740-5. 2001 Nov 29.

8. Lima KV, Lopes ML, Loureiro EC, Costa MM, Cardoso NC, Lima GL, et al. Nested-PCR for gene that encodes the antigen b applied to the diagnosis of pulmonary tuberculosis [Article in Portuguese]. Rev Soc Bras Med Trop. 2007;40(2):212-5.

9. Portillo-Gómez L, Morris SL, Panduro A. Rapid and efficient detection of extra-pulmonary Mycobacterium tuberculosis by PCR analysis. Int J Tuberc Lung Dis. 2000;4(4):361-70.

10. Rebollo MJ, San Juan Garrido R, Folgueira D, Palenque E, Díaz-Pedroche C, Lumbreras C, et al. Blood and urine samples as useful sources for the direct detection of tuberculosis by polymerase chain reaction. Diagn Microbiol Infect Dis. 2006;56(2):141-6.

11. Gomez-Pastrana D, Torronteras R, Caro P, Anguita ML, Barrio AM, Andrés A, et al. Diagnosis of tuberculosis in children using a polymerase chain reaction. Pediatr Pulmonol. 1999;28(5):344-51.

12. American Thoracic Society. Diagnostic standards and classification of tuberculosis. Am Rev Respir Dis. 1990;142(3):725-35. Erratum in: Am Rev Respir Dis. 1990;142(6 Pt 1):1470.

13. Brasil. Fundação Nacional de Saúde. Tuberculose: Guia de Vigilância Epidemiológica. Brasília: Fundação Nacional de Saúde; 2002.

14. Rossetti ML, Jardim SB, Rodrigues VF, Moura AR, Oliveira H, Zaha A. Improvement of Mycobacterium tuberculosis detection in clinical samples using DNA purified by glass matrix. J Microbiol Methods. 1997;28(2):139-146.

15. Hellyer TJ, DesJardin LE, Assaf MK, Bates JH, Cave MD, Eisenach KD. Specificity of IS6110-based amplification assays for Mycobacterium tuberculosis complex. J Clin Microbiol. 1996;34(11):2843-6.

16. Rodríguez JC, Fuentes E, Royo G. Comparison of two different PCR detection methods. Application to the diagnosis of pulmonary tuberculosis. APMIS. 1997;105(8):612-6.

17. Lima JA, Icasa EE, Menegotto BG, Fischer GB, Barreto SS. Características clínicas e epidemiológicas do adulto contagiante da criança com tuberculose. J Pneumol. 2004;30(3):243-52.

18. Salazar CE, Schmitz TL, Cama R, Sheen P, Franchi LM, Centeno G, et al. Pulmonary tuberculosis in children in a developing country. Pediatrics. 2001;108(2):448-53.

19. Sant'Anna CC, Santos MA, Franco R. Diagnosis of pulmonary tuberculosis by score system in children and adolescents: a trial in a reference center in Bahia, Brazil. Braz J Infect Dis. 2004;8(4):305-10.

20. Honoré-Bouakline S, Vincensini JP, Giacuzzo V, Lagrange PH, Herrmann JL. Rapid diagnosis of extrapulmonary tuberculosis by PCR: impact of sample preparation and DNA extraction. J Clin Microbiol. 2003;41(6):2323-9.

21. Lodha R, Kabra SK. Newer diagnostic modalities for tuberculosis. Indian J Pediatr. 2004;71(3):221-7.

22. Khan MA, Mirza SH, Abbasi SA, Butt T, Anwar M. Peripheral blood-based polymerase chain reaction in diagnosis of pulmonary tuberculosis. J Ayub Med Coll Abbottabad. 2006;18(2):25-8.

23. Mello FC. Modelos preditivos para o diagnóstico da tuberculose pulmonar paucibacilar [thesis]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2001.

24. Scherer LC, Sperhacke RD, Jarczewski C, Cafrune PI, Minghelli S, Ribeiro MO, et al. PCR colorimetric dot-blot assay and clinical pretest probability for diagnosis of Pulmonary Tuberculosis in smear-negative patients. BMC Public Health. 2007;7:356.

25. Cho SN, Brennan PJ. Tuberculosis: diagnostics. Tuberculosis (Edinb). 2007;87 Suppl 1:S14-7.

26. Honore S, Vincensini JP, Hocqueloux L, Noguera ME, Farge D, Lagrange P, et al. Diagnostic value of a nested polymerase chain reaction assay on peripheral blood mononuclear cells from patients with pulmonary and extra-pulmonary tuberculosis. Int J Tuberc Lung Dis. 2001;5(8):754-62.

27. Folgueira L, Delgado R, Palenque E, Noriega AR. Polymerase chain reaction for rapid diagnosis of tuberculous meningitis in AIDS patients. Neurology. 1994;44(7):1336-8.

28. Sperhacke RD, Mello FC, Zaha A, Kritski A, Rossetti ML. Detection of Mycobacterium tuberculosis by a polymerase chain reaction colorimetric dot-blot assay. Int J Tuberc Lung Dis. 2004;8(3):312-7.

29. Restrepo BI, Gomez DI, Shipley GL, McCormick JB, Fisher-Hoch SP. Selective enrichment and detection of mycobacterial DNA in paucibacillary specimens. J Microbiol Methods. 2006;67(2):220-9.

30. Melo FA, Afiune BJ, Macedo LG. Características da tuberculose pulmonar num serviço de referência antes e após a implantação do Sistema único de Saúde. J Pneumol. 1992;18(Suppl 1):118.




Sobre os autores

Juliana Figueirêdo da Costa Lima
Mestre em Saúde Pública. Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz - Recife (PE) Brasil.

Lílian Maria Lapa Montenegro
Tecnologista. Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz - Recife (PE) Brasil.

Rosana de Albuquerque Montenegro
Doutoranda em Saúde Pública. Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz - Recife (PE) Brasil.

Marta Maciel Lyra Cabral
Professora Adjunta do Departamento de Pediatria. Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Recife (PE) Brasil.

Andrea Santos Lima
Mestranda em Saúde Pública. Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz - Recife (PE) Brasil.

Frederico Guilherme Coutinho Abath (in memoriam)
Pesquisador Titular. Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz - Recife (PE) Brasil.

Haiana Charifker Schindler
Pesquisador Titular. Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz - Recife (PE) Brasil.




Trabalho realizado no Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz - Recife (PE) Brasil.
Endereço para correspondência: Juliana Figueirêdo da Costa Lima. Av. Professor Moraes Rego, s/n, Cidade Universitária, CEP 50670-420, Caixa Postal 7472, Recife, PE, Brasil.
Tel 55 81 2101-2569. E-mail: jfcl@cpqam.fiocruz.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), do Programa de Desenvolvimento Tecnológico em Insumos para Saúde (PDTIS), da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) e da Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose (Rede-TB).
Recebido para publicação em 16/7/2008. Aprovado, após revisão, em 22/1/2009.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia