Hemoptise é uma quantidade variável de sangue que passa pela glote oriunda das vias aéreas e dos pulmões. No inicio do século passado, a hemoptise era patognomônica de tuberculose pulmonar avançada. Hoje, o câncer de pulmão e as doenças inflamatórias crônicas pulmonares são suas causas mais frequentes nos países desenvolvidos devido o efetivo controle da tuberculose pulmonar.(1,2)
A presença de sangue no escarro ou escarrar sangue faz com que o doente procure assistência médica imediata. A hemoptise pode ser um sintoma de "sorte" para o diagnóstico precoce de um pequeno câncer de pulmão.(1)
A história clinica ajudará a determinar a quantidade de sangue e o diagnóstico diferencial entre hemoptise, pseudo-hemoptise e hematêmese.
A hemoptise é classificada em maciça (volumosa) e não maciça, baseado no volume de sangue eliminado. No entanto, não há uma definição uniforme para essas categorias.
Alguns autores consideram hemoptise maciça a perda de sangue entre 100 e 600 mL em 24 h,(1-3) enquanto outros somente a consideram quando os volumes são maiores que 600 mL em 24 h.(4) Há quem classifique a hemoptise que "ameaça a vida" de maciça.(3) Nessa situação, o doente deve ser imediatamente admitido em UTI.(1) O perigo recai na asfixia e morte por sangramento na árvore traqueobrônquica. Nesse cenário, antes do tratamento definitivo, o risco de morte permanece, mesmo após a cessação do episódio de hemorragia, porque a recidiva da hemoptise é imprevisível.(1) Portanto, a hemoptise maciça é uma emergência médica associada a 30-50% de mortalidade relatada nos últimos 20 anos.(1)
O sangue que inunda a árvore brônquica pode se originar da rede vascular espalhada dentro do tecido pulmonar, isto é, do sistema arterial brônquico e do sistema arterial pulmonar. O sangramento do sistema brônquico resulta da neoformação vascular sistêmica (sistema de alta pressão), a qual é induzida por doença inflamatória pulmonar ou por defeito no sistema arterial pulmonar. O sangue irrompe pelo ramo arterial por erosão ou rompimento da parede muscular.(1,5,6) A árvore arterial pulmonar é diferente (da baixa pressão) da arterial brônquica. O sangramento desse sistema arterial ocorre por necrose do vaso, como, por exemplo, na pneumonia necrosante, no câncer de pulmão e na aspergilose intracavitária. Esse tipo de sangramento não responde bem ao tratamento com soro gelado ou drogas instiladas na árvore brônquica.(1)
Em crianças, a associação entre a aspiração de corpo estranho e hemoptise é muito comum. Em adultos, o câncer de pulmão, a bronquite, as bronquiectasias, a tuberculose e a pneumonia são as causas mais comuns citadas nos trabalhos publicados da literatura médica.(6)
A radiografia do tórax frequentemente ajuda no diagnóstico etiológico; porém, ela é muitas vezes complementada pela fibrobroncoscopia e pela TCAR. A fibrobroncoscopia e a TCAR juntas alcançam um rendimento diagnóstico de 93% dos casos.(1,6)
Durante a investigação clinica da hemoptise, poucos são aqueles que relacionam a incidência da hemoptise com os meses frios (outono/inverno) do ano. Uma publicação muito interessante é a de Boulay et al.(7) que estudaram a incidência de hemoptise em 29 hospitais de ensino na França por um período de 3 anos. De um total de 6.349 doentes com hemoptise, em 3.672 (58%) a etiologia foi estabelecida, e 52% foram classificados com etiologia criptogênica. Esse estudo elegantemente demonstrou que a incidência da hemoptise variou durante o ano, com maior pico durante os meses frios. Essa variação correlaciona-se de perto com a variação sazonal das infecções do trato respiratório, as quais sabidamente afetam a incidência da exacerbação da asma. Os autores explicam que os doentes portadores de doenças respiratórias crônicas inflamatórias (bronquite, bronquiectasias) tendem a sangrar mais nesses meses devido à irritação da mucosa das vias aéreas pelo ar frio e seco.
O estudo de Ludgreen et al.,(8) publicado neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, intitulado "Hemoptise em hospital de referência em pneumologia" teve como objetivo avaliar as principais causas da hemoptise e classificá-las quanto ao volume de sangue expectorado em doentes internados em uma enfermaria de residência em pneumologia do Hospital Otávio de Freitas, no Recife (PE), por um período de 12 meses. Foram avaliados retrospectivamente 50 doentes com hemoptise dentre 376 internações.
As principais etiologias das hemoptises foram as bronquiectasias, com 19 casos (38%); a colonização intracavitária pulmonar aspergilar (CIPA), com 8 casos (16%); o câncer de pulmão, com 5 casos (10%); a tuberculose ativa, com 4 casos (8%); e a pneumonia, com 3 casos (6%). As principais causas da hemoptise estão de acordo com a maioria dos trabalhos publicados na literatura médica, exceto a presença de CIPA como a segunda grande causa de hemoptise, assim como a ausência de bronquite. O destaque de CIPA talvez seja explicado pelo fato de serem doentes internados em enfermarias de referência em pneumologia e portadores de sequelas de tuberculose pulmonar em um país de terceiro mundo. A ausência de bronquite pode ser explicada pelo fato de não haver doentes ambulatoriais.(1) No trabalho de Hirshberg et al.,(1) citado pelos autores, dos 208 casos avaliados em um hospital terciário com queixas de hemoptise, em 37 (18%), a etiologia era bronquite.
Fidam et al.,(4) compilando nove trabalhos, inclusive o do próprio autor, a bronquite foi a terceira grande causa de hemoptise. A incidência maior de bronquite estava presente nos doentes ambulatoriais.
Quanto ao volume de sangue, Ludgreen et al. classificaram 15 doentes (30%) com grau leve de hemoptise (menos de 100 mL/24 h) e 28 (56%) com grau moderado (entre 100-600 mL/24 h), o que está de acordo com a literatura médica.(1,2,4) As causas principais da hemoptise moderada/maciça dos trabalhos publicados são as bronquiectasias, câncer de pulmão, pneumonia necrosante e tuberculose. A diástase hemorrágica figura como a quarta causa de hemorragia maciça e foi proporcionalmente a primeira causa no trabalho publicado por Hirshberg et al.(1)
A relação da etiologia com o grau de hemoptise poderia ter sido avaliada nesse precioso trabalho de Lundgreen et al.,(8) assunto escasso em publicações em nossa literatura, muitas vezes somente na forma de relatos de casos. É de conhecimento que a hemorragia (hemoptise) maciça é secundária a bronquiectasias, tuberculose e diástase hemorrágica (uso de anticoagulantes), sendo essa e a hemorragia por câncer de pulmão de controle mais difícil e, consequentemente, de alta taxa de mortalidade,(1,2) ao contrário da hemoptise trivial (de grau leve), que tem como etiologia principalmente a bronquite e, novamente, o câncer de pulmão.(4)
Sabedor desses conceitos, o médico, diante de um quadro de hemoptise maciça, já teria em mente algumas das causas dessa terrível complicação e já estaria ciente de que esse doente terá maior tempo de internação, sendo que muitos necessitarão de cirurgia e de cuidados intensivos e que terão maior taxa de mortalidade.
Finalizando, a hemoptise é uma emergência médica associada a 30-50% de taxa de mortalidade. Uma abordagem multiprofissional, associando-se cuidados de médicos intensivistas, pneumologistas, endoscopistas, cirurgiões de tórax e radiologistas, resultará em menores taxas de mortalidade no manejo dos doentes com hemoptise maciça.(1)
Miguel Abidon Aidé
Professor Associado 3 do
Departamento de Medicina Clínica Coordenador do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Pneumologia Universidade Federal Fluminense,
Niterói, RJ, Brasil