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Artigo Original

Adesão a diretrizes e impacto nos desfechos em pacientes hospitalizados por pneumonia adquirida na comunidade em um hospital universitário

Adherence to guidelines and its impact on outcomes in patients hospitalized with community- acquired pneumonia at a university hospital

Carla Discacciati Silveira, Cid Sérgio Ferreira, Ricardo de Amorim Corrêa

ABSTRACT

Objective: To evaluate the agreement between the criteria used for hospitalization of patients with community-acquired pneumonia (CAP) and those of the Brazilian Thoracic Association guidelines, and to evaluate the association of that agreement with 30-day mortality. Secondarily, to evaluate the agreement between the treatment given and that recommended in the guidelines with length of hospital stay, microbiological profile, 12-month mortality, complications, ICU admission, mechanical ventilation, and 30-day mortality. Methods: This was a retrospective study involving adult patients hospitalized between 2005 and 2007 at the Federal University of Minas Gerais Hospital das Clínicas, located in Belo Horizonte, Brazil. Medical charts and chest X-rays were reviewed. Results: Among the 112 patients included in the study, admission and treatment criteria were in accordance with the guidelines in 82 (73.2%) and 66 (58.9%), respectively. The 30-day and 12-month mortality rates were 12.3% and 19.4%, respectively. The 30-day mortality rate was lower for patients in whom the CRB-65 (mental Confusion, Respiratory rate, Blood pressure, and age ≥ 65 years) score was 1-2 and the antibiotic therapy was in accordance with the guidelines (p = 0.01). Cerebrovascular disease and appropriate antibiotic therapy showed independent associations with 30-day mortality. There was a trend toward an association between guideline-concordant antibiotic therapy and shorter hospital stay. Conclusions: In the population studied, admission and treatment criteria that were in accordance with the guidelines were associated with favorable outcomes in hospitalized patients with CAP. Cerebrovascular disease, as a risk factor, and guideline-concordant antibiotic therapy, as a protective factor, were associated with 30-day mortality.

Keywords: Pneumonia/therapy; Pneumonia/mortality; Hospitalization; Guideline adherence.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a concordância entre os critérios de hospitalização utilizados para a admissão de pacientes com pneumonia adquirida na comunidade (PAC) e aqueles da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e avaliar a associação dessa concordância com a taxa de mortalidade em 30 dias. Secundariamente, avaliar a associação da concordância entre o tratamento instituído e as recomendações dessas diretrizes com duração da internação hospitalar, investigação microbiológica, mortalidade em 12 meses, complicações, internação em UTI, ventilação mecânica e mortalidade em 30 dias. Métodos: Estudo retrospectivo que incluiu pacientes adultos internados entre 2005 e 2007 no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, na cidade de Belo Horizonte (MG). Foram revisados prontuários e radiografias de tórax. Resultados: Dentre os 112 pacientes incluídos, os critérios de internação e de tratamento foram concordantes com as diretrizes em 82 (73,2%) e 66 (58,9%), respectivamente. A taxa de mortalidade em 30 dias e em 12 meses foi de 12,3% e 19,4%, respectivamente. Pacientes com escore de CRP-65 (Confusão mental, frequência Respiratória, Pressão arterial e idade ≥ 65 anos) de 1-2 e com antibioticoterapia concordante com as diretrizes foram associados a menor mortalidade em 30 dias (p = 0,01). Doença cerebrovascular e tratamento antibiótico adequado apresentaram associações independentes com mortalidade em 30 dias. Houve uma tendência de associação entre antibioticoterapia concordante e menor duração da internação hospitalar. Conclusões: Na população estudada, os critérios de hospitalização e de antibioticoterapia concordantes com as diretrizes associaram-se a desfechos favoráveis do tratamento de pacientes hospitalizados com PAC. Doença cerebrovascular, como fator de risco, e antibioticoterapia concordante, como fator protetor, associaram-se à mortalidade em 30 dias.

Palavras-chave: Pneumonia/terapia; Pneumonia/mortalidade; Hospitalização; Fidelidade a diretrizes.

Introdução

A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) constitui a principal causa de morte por doença infecciosa em várias partes do mundo e é responsável pelo consumo de boa parte dos recursos despendidos na área da saúde.(1,2) As taxas de internação por PAC no Brasil são elevadas, e especula-se que a falta de adesão às recomendações de diretrizes internacionais e nacionais para o seu manejo seja um dos fatores possivelmente envolvidos.(3)

O tratamento inicial na maioria dos casos é empírico, devido ao baixo impacto da investigação etiológica na condução inicial da doença.(4) Embora não haja unanimidade na literatura, vários estudos mostraram que a utilização sistemática de diretrizes de PAC resultou em um aumento da proporção de pacientes tratados ambulatorialmente, sem piora dos desfechos e, naqueles internados, uma redução da taxa de mortalidade em 30 dias, da mortalidade intra-hospitalar, do tempo de permanência hospitalar e do tempo até a estabilidade clínica, assim como de complicações.(5-9)

O objetivo primário do presente estudo foi avaliar a concordância dos critérios de hospitalização utilizados para a admissão de pacientes com PAC no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), localizado em Belo Horizonte (MG), no período entre 2005 e 2007, com as diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, assim como avaliar a associação entre essa concordância e a taxa de mortalidade em 30 dias. Secundariamente, verificou-se a associação da concordância do tratamento instituído com as recomendações das diretrizes brasileiras de PAC em relação à duração da internação hospitalar, investigação microbiológica, mortalidade em 12 meses, incidência de complicações, necessidade de internação em UTI e ventilação mecânica, assim como a variáveis associadas com a mortalidade em 30 dias.

Métodos

Trata-se de um estudo observacional, retrospectivo, realizado no HC/UFMG (hospital universitário com 501 leitos) em que foram incluídos pacientes internados na unidade de clínica médica, entre janeiro de 2005 e dezembro de 2007, com diagnóstico de PAC identificado conforme a Classificação Internacional de Doenças, revisão 10, utilizada na guia de internação (J-12 a J-18 e suas subdivisões). Os critérios de inclusão foram idade igual ou superior a 18 anos, início dos sintomas fora do ambiente hospitalar ou até 48 h após a internação, presença de infiltrado radiológico compatível com o diagnóstico de pneumonia e presença de pelo menos dois sinais e sintomas específicos (tosse, expectoração, dispneia, dor torácica, achados focais no exame físico do tórax, confusão, cefaleia, sudorese, calafrios, mialgia e temperatura ≥ 37,8°C). A avaliação radiológica foi feita por um médico radiologista do hospital sem o conhecimento dos dados clínicos.(6,10) Foram critérios de exclusão imunossupressão por AIDS; história de neoplasia nos últimos 6 meses, de doenças imunossupressoras, de tratamento imunossupressor (prednisona ≥ 10 mg/dia ou equivalente ou outros imunossupressores por período ≥ 3 meses) ou de fibrose cística; dados faltantes ou inconsistentes com o diagnóstico de PAC; exame radiológico não encontrado; e preenchimento de critérios para pneumonia adquirida no hospital ou associada a cuidados de saúde.(10)

As taxas de sobrevida em 30 dias e em 12 meses foram verificadas através de dados dos prontuários ou através de contato telefônico.

Os pacientes foram classificados de acordo com escores de gravidade recomendados pelas diretrizes brasileiras: os escores denominados, em português, CURP-65 e CRP-65, formados pelo acrônimo dos fatores de risco Confusão mental, Ureia, frequência Respiratória, Pressão arterial e idade ≥ 65 anos (CRP-65, sem a pesquisa de ureia).(10,11) Valores de 2 pontos e de 1 ponto, respectivamente, nos escores CURP-65 e CRP-65 foram considerados como indicação de internação hospitalar. Na presença de valores inferiores nesses escores, verificou-se a concomitância de doenças associadas descompensadas, acometimento multilobar em radiografia de tórax, inviabilidade do uso de medicação por via oral e presença de hipoxemia.

O tratamento antibiótico prescrito no primeiro atendimento foi classificado quanto a sua concordância com as recomendações das diretrizes brasileiras para o tratamento de PAC em pacientes imunocompetentes, de 2004, vigentes no período do estudo.(11) Foram considerados tratamentos concordantes com as diretrizes o uso de beta-lactâmicos (ceftriaxona, cefotaxima, amoxicilina, amoxicilina/clavulanato, ampicilina/sulbactam) em associação a um macrolídeo (azitromicina ou claritromicina) ou o uso de uma fluoroquinolona respiratória isolada (moxifloxacina ou levofloxacina). O uso de gatifloxacina foi considerado como tratamento adequado por encontrar-se disponível e por essa ter sido aprovada para o uso no período estudado. No caso de uso de antibióticos nos 3 meses anteriores à internação, os mesmos esquemas foram considerados, desde que ocorresse a mudança de classe terapêutica. A utilização de amoxicilina/clavulanato foi considerada adequada quando havia a hipótese de pneumonia aspirativa descrita em prontuário.

Para pacientes internados em UTI nos quais não foram identificados fatores de risco para a infecção por Pseudomonas sp., o mesmo esquema terapêutico utilizado para pacientes internados em enfermaria foi considerado concordante. Na presença de fatores de risco para Pseudomonas sp., foram considerados concordantes o uso de um agente antipseudomonas (piperacilina/tazobactam, ceftazidima, cefepime, imipenem ou meropenem) associado à ciprofloxacina ou um agente antipseudomonas associado a um aminoglicosídeo.

As associações entre variáveis categóricas foram verificadas com o teste do qui-quadrado com correção de continuidade, quando necessário. Para variáveis contínuas, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis, visto que os dados não possuíam distribuição normal. A associação entre variáveis clínicas e mortalidade em 30 dias foi feita através da regressão de Poisson com variância robusta, devido à alta prevalência do desfecho analisado (> 10%). Inicialmente, foram realizadas análises bivariadas, com a inclusão das variáveis com valor de p < 0,20 na análise múltipla. O modelo final incluiu as variáveis com nível de significância estatística inferior a 5% (p < 0,05). As taxas de mortalidade observadas foram comparadas com as taxas previstas, segundo os escores CURP-65/CRP-65, através do teste de comparação de duas proporções com aproximação normal ou através do teste exato de Fisher quando a frequência esperada era inferior a 5. As análises foram realizadas através do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA), com  = 0,05.

O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais.

Resultados

No período do estudo, 709 pacientes foram internados com diagnóstico de pneumonia. Desses, 357 foram imediatamente excluídos, 133 não possuíam exames radiológicos disponíveis, 31 não apresentaram alterações radiológicas compatíveis com o diagnóstico de pneumonia, e 76 não foram avaliados, pois seus prontuários estavam inativos. Portanto, a amostra final do estudo foi composta por 112 pacientes (Figura 1), com média de idade de 57,34 anos (mediana de 56 anos), sendo que 42 pacientes (37,5%) tinham idade ≥ 65 anos (Tabela 1).





Em relação aos objetivos primários, verificou-se que os critérios de internação foram concordantes com os indicados pelas diretrizes em 82 casos (73,2%); em 18 (16,1%), o critério utilizado não pôde ser identificado. A taxa de mortalidade em 30 dias da amostra total foi de 12,3% (13 pacientes), sendo que 10 desses pacientes (76,9%) apresentavam idade ≥ 65 anos. A mortalidade em 12 meses foi de 19,4% (n = 20). Não houve diferenças significativas entre as taxas de mortalidade previstas pelo CURP-65 ou CRP-65 e as verificadas no presente estudo (p > 0,05 para ambos os escores).(12)

Dos 112 pacientes estudados, 66 (58,9%) receberam tratamentos concordantes com as diretrizes brasileiras de PAC. Quando se avaliou especificamente aqueles admitidos em UTI, esse número caiu para 7/16 pacientes (43,8%). A medicação mais prescrita foi gatifloxacina (28,6%), seguida pela associação amoxicilina/clavulanato (19,6%); entretanto, nesse segundo caso, a medicação foi prescrita de forma adequada em apenas 15 pacientes (13,4%), segundo a hipótese de pneumonia aspirativa descrita em prontuário (Tabela 2). Excluindo-se os casos de pneumonia aspirativa, um beta-lactâmico isolado foi utilizado no tratamento inicial de 24 pacientes (21,4%).



Para avaliar a associação entre a taxa de mortalidade em 30 dias e o tratamento concordante com as diretrizes utilizou-se o CRP-65, devido à ausência da dosagem de ureia sérica em 27 pacientes e à sua semelhança com o CURP-65 como preditor de morte em PAC. Observou-se uma associação inversa significativa apenas para aqueles pacientes classificados com escore do CRP-65 de 1-2 (p = 0,01). Os sete óbitos dessa categoria ocorreram em pacientes tratados com um esquema antibiótico discordante (Figura 2).



Os pacientes que receberam tratamento não concordante com as diretrizes brasileiras tinham, em geral, idade mais avançada e haviam recebido mais frequentemente antibióticos nos 3 meses anteriores à internação (Tabela 1). Verificou-se uma tendência para maior duração da internação dos pacientes que receberam tratamento não concordante com as diretrizes em comparação com a média daqueles tratados de forma concordante (16 dias vs. 12 dias; p = 0,066).

A investigação etiológica foi realizada em 32 pacientes (28,6%), predominando hemoculturas, em 25. Dentre os 18 pacientes com critérios de PAC grave, 10 (55,5%) foram submetidos a essa propedêutica. Houve a confirmação etiológica em apenas 4 casos (3,6%), apenas em hemoculturas, sendo classificados como com diagnóstico definitivo de PAC. Streptococcus pneumoniae foi o único agente isolado. Todos os demais pacientes foram classificados como casos prováveis (n = 108; 96,4%).

Houve complicações em 5 pacientes (4,46%), todos com tratamento concordante: empiema, em 2; endocardite, em 1; abscesso, em 1; e artrite, em 1. Não foi encontrada associação entre adequação do tratamento antimicrobiano e incidência de complicações (p = 0,148).

Dentre os 16 pacientes internados em UTI, 8 (50%) necessitaram ventilação mecânica, e 4 (25%) faleceram no período de 30 dias, não tendo ocorrido novos óbitos em 12 meses nesse grupo de pacientes.

Para avaliar associações independentes com mortalidade em 30 dias, as variáveis idade, escore do CRP-65, tratamento antibiótico adequado, uso de antibiótico nos 3 meses anteriores, presença de doença cerebrovascular, presença de hipotensão arterial, internação em UTI e presença de complicações foram selecionadas a partir das análises bivariadas para sua inclusão no modelo de análise múltipla. Nessa análise, as variáveis esquema antibiótico inadequado e presença de doença cerebrovascular associaram-se de forma independente à mortalidade em 30 dias (Tabela 3).



Discussão

O objetivo primário do presente estudo foi avaliar os critérios de hospitalização utilizados na admissão de pacientes com PAC no HC/UFMG no período entre 2005 e 2007 e sua associação com a mortalidade em 30 dias.

Para a maioria dos pacientes, os critérios para internação foram concordantes com os indicados pelas diretrizes brasileiras (73,2%). Esse percentual aproxima-se do encontrado em dois estudos que avaliaram a implementação de diretrizes de PAC em unidades de emergência. Yealy et al., em um estudo que incluiu mais de 3.200 pacientes, encontraram 71,9% de internações concordantes após a implementação das diretrizes.(13) Em um estudo de Aujesky et al., um braço do estudo anterior, 78,7% das internações foram concordantes com o pneumonia severity index, dentre 1.306 pacientes avaliados, após a implementação de diretrizes em alta intensidade.(14,15) O resultado encontrado poderia dever-se à característica universitária do HC/UFMG, refletindo um maior conhecimento das diretrizes de PAC. Entretanto, o baixo percentual de tratamentos antibióticos adequados (58,9%) não corrobora essa inferência.

A taxa de mortalidade em 30 dias observada na presente amostra foi de 12,3% (n = 13), sendo 4 desses pacientes admitidos em UTI. Outros autores relataram valores aproximados, entre 11,7% e 13,4%.(7,16) No presente estudo, não se observou uma diferença entre essa variável, segundo as classes dos escores CURP-65 (0-1, 2 e 3-5) e CRP-65 (0, 1-2 e 3-4), e as taxas encontradas por Lim et al. no estudo de validação desses escores.(12) Isso pode sugerir que a população incluída foi representativa, apesar do pequeno número de pacientes.

A maioria dos pacientes (58,9%) recebeu tratamento antimicrobiano concordante com o preconizado pelas diretrizes brasileiras de PAC de 2004. A proporção encontrada, entretanto, é inferior à de outros estudos que incluíram pacientes internados tanto em enfermaria quanto em UTI (79,6%-84,0%).(6,17) De acordo com estudos prévios, o tratamento antibiótico concordante com diretrizes associa-se à menor mortalidade em curto prazo.(7,16,17) Em um estudo no Brasil, houve uma tendência de redução da mortalidade geral após a implementação de diretrizes de PAC.(18) No presente estudo, isso ocorreu apenas para os pacientes classificados com escores 1-2 no CRP-65. É possível que o mesmo não tenha sido encontrado para as demais classes do escore devido ao fato de que fatores com reconhecida associação com maior mortalidade, tais como comorbidades, tempo para início da antibioticoterapia, tempo de tratamento e de adesão ao tratamento após a alta, bem como padrões de resistência locais, não puderam ser controlados na presente casuística.

Embora tenha sido analisada a adesão às diretrizes brasileiras de 2004, é possível a comparação com publicações de outras sociedades médicas e mesmo com as últimas diretrizes nacionais, de 2009, devido à recomendação de esquemas terapêuticos semelhantes para pacientes internados em enfermaria.(19,20) No atual estudo, quando avaliados separadamente pacientes internados em enfermarias, a adesão às diretrizes foi um pouco maior (61,5%). Dois estudos nos quais foram avaliados apenas pacientes admitidos em enfermarias encontraram tratamentos concordantes em 57% e em 65% dos casos.(21,22) Naqueles estudos, o tratamento concordante associou-se com a redução de tempo de permanência hospitalar e de complicações. De forma semelhante, no presente estudo, verificou-se uma redução de quatro dias no tempo de permanência hospitalar entre os pacientes tratados em concordância com as recomendações, indicando uma tendência de associação significativa (p = 0,066). É possível que o pequeno número de pacientes incluídos no estudo tenha contribuído para esse resultado. Além disso, um eventual retardo na instituição da antibioticoterapia pode ter influenciado, pelo menos em parte, esse resultado.

Para aqueles admitidos em UTI, a concordância do tratamento (43,8%) foi muito próxima à de um estudo no qual se avaliou esse grupo específico de pacientes (41% de adesão).(9) Entretanto, deve-se ressaltar que os esquemas terapêuticos indicados para pacientes internados em UTI naquele estudo diferem daqueles das diretrizes brasileiras.

Embora alternativas terapêuticas fossem disponíveis, 24 pacientes (21,4%) foram tratados com um beta-lactâmico isolado, esquema esse considerado discordante. Entretanto, algumas considerações devem ser feitas. A cobertura para organismos atípicos através do uso de beta-lactâmicos associados a macrolídeos ou a uma fluoroquinolona isolada não é universalmente adotada para pacientes internados com PAC. Existem evidências de seu benefício em reduzir a permanência hospitalar, o tempo até atingir estabilidade clínica e a mortalidade, mas não há sua comprovação em outros estudos. Adicionalmente, questiona-se se esses desfechos não seriam decorrentes mais do efeito imunomodulador do que do efeito antimicrobiano dos macrolídeos.(23)

A antibioticoterapia de largo espectro, como a associação de beta-lactâmicos e macrolídeos, objetiva ampliar a cobertura contra bactérias gram-negativas, assim como patógenos atípicos ou resistentes. A incidência desses agentes, no entanto, é mais importante em casos mais graves, sendo o S. pneumoniae ainda o principal agente etiológico na PAC de menor gravidade (CURP-65 de 0-1).(24) Dessa forma, o uso de um beta-lactâmico isolado, em diretrizes que o indicam, é reservada apenas para pacientes de baixo risco e sem comorbidades ou agravantes.(20,25)

Baseado em todo o exposto, embora tenha havido uma proporção significativa de tratamentos com beta-lactâmicos isolados no atual estudo (21,4% dos casos, excluídos aqueles tratados para pneumonia aspirativa), 66,7% desses foram utilizados em pacientes com escore de CURP-65 de 0-1 ou de CRP-65 = 0. Entretanto, desfechos relacionados a esse grupo específico, em comparação aos pacientes de baixo risco tratados em concordância com as diretrizes brasileiras, não foram avaliados. Também não foram analisados outros fatores agravantes, como o acometimento radiológico multilobar e a presença de hipoxemia ou de comorbidades, que indicariam uma cobertura estendida nesse grupo de pacientes.

A investigação etiológica foi realizada em 32 pacientes (28,6%), resultando no diagnóstico definitivo de PAC em apenas 4 (3,6% da população do estudo). As diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia recomendam que essa propedêutica deva ser realizada em portadores de doença grave.(10) Entretanto, apenas 10 dos pacientes graves (55,5%) foram submetidos a alguma investigação microbiológica, tendo ocorrido o isolamento bacteriano em apenas 1 caso. A ausência de um protocolo sistemático na unidade hospitalar estudada, incluindo todas as etapas da atenção a pacientes portadores dessa condição justifica, em parte, tal achado.(10,24,26) Por outro lado, avaliando-se os pacientes com PAC grave, segundo os critérios de Ewig et al., verificou-se que apenas 11 dos 18 pacientes considerados graves (61%) foram admitidos em UTI.(27) Entretanto, não foram excluídos pacientes com indicação de suporte não invasivo. É possível que a transferência para a UTI não tenha ocorrido devido à falta de vagas nesse setor.

Na presente casuística, as variáveis tratamento antibiótico concordante (risco relativo = 0,85; IC95%: 0,76-0,96; p < 0,01) e presença de doença cerebrovascular (risco relativo = 1,3; IC95%: 1,11-1,53; p < 0,01) associaram-se de forma independente com a mortalidade em 30 dias. Outros autores descreveram a associação entre comorbidades e tratamento antibiótico não concordante com a mortalidade.(7,28)

O presente estudo apresenta limitações que devem ser citadas. O delineamento retrospectivo pode ter contribuído para a significativa perda de informações que poderiam alterar os resultados encontrados. Alguns casos de pneumonia hospitalar ou pneumonia associada a cuidados de saúde podem ter sido incluídos inadvertidamente devido à falta de descrição dessas características nos prontuários. A amostra pequena e constituída predominantemente por pacientes com idade inferior a 65 anos pode não ter sido representativa da população atendida pelo hospital. Adicionalmente, o tempo decorrido até o início do uso de antibióticos, o tempo total de tratamento e o tempo de adesão ao tratamento após a alta não foram avaliados, o que pode ter interferido na taxa de mortalidade. A natureza unicêntrica do presente estudo impede a generalização dos seus resultados. Apesar de atualmente disponíveis, novos escores para o manejo de pacientes portadores de PAC, como o severe community-acquired pneumonia (conhecido como SCAP) e aquele criado na Austrália, conhecido como SMART-COP, não estavam ainda validados na época do estudo.(29,30)

Concluindo, na população estudada, critérios de hospitalização e de antibioticoterapia concordantes com as diretrizes de PAC associaram-se com alguns desfechos favoráveis do tratamento de pacientes hospitalizados com PAC. A presença de doença cerebrovascular, como fator de risco, e a antibioticoterapia concordante, como fator protetor, associaram-se com a mortalidade em 30 dias. Embora a adesão a critérios de internação recomendados por diretrizes para pacientes com PAC tenha sido comparável àquela em estudos de implementação, os dados apontam para a necessidade de implementação de protocolos sistemáticos, incluindo critérios de admissão hospitalar, de propedêutica, de prescrição de antibióticos e de alta, visando a melhora da qualidade da atenção aos pacientes portadores de PAC em nosso meio.

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* Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Infectologia e Medicina Tropical e no Serviço de Pneumologia e Cirurgia Torácica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil.
Endereço para correspondência: Ricardo de Amorim Corrêa. Hospital das Clínicas/UFMG, Serviço de Pneumologia e Cirurgia Torácica, Avenida Alfredo Balena, 110, 3º andar, Santa Efigênia, CEP 30130-100, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Tel. 55 31 3409-9419. E-mail: racorrea9@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 6/8/2011. Aprovado, após revisão, em 14/2/2012.



Sobre os autores

Carla Discacciati Silveira
Pneumologista. Programa de Pós-Graduação em Infectologia e Medicina Tropical, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil.

Cid Sérgio Ferreira
Professor Titular de Radiologia. Departamento de Propedêutica Complementar, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil.

Ricardo de Amorim Corrêa
Professor Adjunto IV. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil.

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