ABSTRACT
Objective: To evaluate the limited participation by university students in a smoking cessation program. Methods: A cross-sectional, comparative study was conducted at the University of Caxias do Sul, located in Caxias do Sul, Brazil, involving students who enrolled in a smoking cessation program, together with those who did not. Results: Of the 108 student who did not enroll in the program, 102 (94.4%) stated that they had no intention to quit smoking (95% confidence interval: 88.29-97.93%. Comparisons between the enrolled and nonenrolled students revealed the following statistical differences: in mean age (35 vs. 23 years, p < 0.01); mean duration of the smoking habit (19.42 vs. 7.36 years, p < 0.01); considering oneself addicted (100% vs. 58.5%, p = 0.047); believing oneself able to stop smoking at any time (7.1% vs. 22.6%, p = 0.02); having no knowledge of any reasons to quit smoking (37.5% vs. 12%, p = 0.03); having suffered discrimination (42.9% vs. 9.3%, p < 0.01). Conclusion: Among the university students evaluated, there was a phase, classified as precontemplative or contemplative, during which they were refractory to smoking cessation. Although all of the students were aware of the diseases caused by smoking, 41.5% did not consider themselves addicted. The concept of substance dependence does not apply
to these students. It would seem more appropriate to define nicotine dependence as resulting from the lifetime consumption of at least
100 cigarettes. These students do not perceive that they are passing through the initial phase of the natural history of tobacco use disorder
and do not realize that they are increasing their risk of presenting smoking-related diseases in the future.
Keywords:
Smoking; Students; Smoking cessation
RESUMO
Objetivo: Avaliar a participação de pequeno número de estudantes da Universidade de Caxias do Sul em um programa de tratamento do
tabagismo. Métodos: Delineamento transversal e comparativo entre alunos que se inscreveram em um programa de tratamento do tabagismo
e alunos que não se inscreveram. Resultados: De 108 alunos não inscritos, 102 não mostraram intenção de parar de fumar (94,4%,
intervalo de confiança de 95% de 88,29% a 97,93%). As comparações entre inscritos e não inscritos mostraram diferenças estatísticas,
respectivamente: nas idades 35 e 23 anos, p < 0,01; tempo de tabagismo em anos, 19,42 e 7,36, p < 0,01; considerarem-se viciados, 100%
e 58,5%, p = 0,047; acreditarem que podem parar de fumar quando querem, 7,1% e 22,6%, p = 0,02; desconhecerem os motivos de fumar,
37,5% e 12%, p = 0,03; sofrerem discriminações, 42,9% e 9,3%, p < 0,01. Conclusão: Identificou-se, nos estudantes universitários, uma
fase refratária ao abandono do vício, classificada como pré-contemplativa e contemplativa. Os alunos conheciam as doenças provocadas
pelo cigarro, contudo 41,5% deles não reconheciam ser viciados. O conceito de dependência de drogas não se aplica a esses estudantes.
Parece mais adequado considerar dependência à nicotina a partir do consumo de 100 cigarros ao longo da vida. Outros fatos que passam
despercebidos a esses alunos são que eles estão vivendo a primeira fase da história natural do tabagismo e que estão apostando em não ter
doenças futuras.
Palavras-chave:
Tabagismo; Estudantes; Campanhas para o controle de tabagismo
IntroduçãoConhecidos os efeitos do tabagismo sobre a saúde, a Universidade de Caxias do Sul, através da Pró-Reitoria de Ações Comunitárias, planejou um estudo interdisciplinar que envolveu as áreas de Medicina, Psicologia e Educação física, para tratamento de alunos tabagistas. Ao auxiliar os seus alunos fumantes a abandonar o vício e propiciar a eles a oportunidade da prática regular de atividades físicas, a universidade estaria combatendo a doença e promovendo a saúde.
A principal razão foi que o tabagismo costuma durar vários anos ou a vida toda e poucas pessoas conseguem se livrar do vício antes de as doenças por ele produzidas se manifestarem clinicamente.
O início do tabagismo dá-se na infância e adolescência na maior parte dos fumantes,(1) e as doenças por ele produzidas em geral começam a partir dos 40 anos de idade. Em um estudo prévio feito na mesma universidade,(2) foi identificado que 90% de seus alunos fumantes começaram o hábito antes de ingressar em seus cursos e, ao passar por eles, muitos não foram orientados sobre as conseqüências do tabagismo em relação à saúde. A idade média desses alunos era de 21 anos e foram classificados como em fase pré-clínica de doenças. Identificou-se que 17% dos alunos eram tabagistas: 10% fumavam regularmente, em média vinte cigarros por dia, e os outros 7% fumavam menos ou irregularmente. Considerando que se matricularam 33.000 alunos, estimou-se que haveria em torno de 5.600 alunos fumantes.
Durante quatro meses o projeto de tratamento do tabagismo foi anunciado através de rádios, televisão, cartazes e panfletos. Foram criados postos de inscrição na universidade e pela Internet. Encerradas
as inscrições, havia 38 voluntários, 0,11% dos alunos tabagistas e, dentre eles, catorze participaram do projeto. Esses resultados divergiram muito dos de um programa oferecido na Alemanha(3) que identificou um grupo de 1.256 fumantes adolescentes e acompanhou 498 deles (32,2%), obtendo 46,1% de sucesso. Várias hipóteses surgiram para explicar o número tão baixo de alunos que, aparentemente, estariam interessados em cuidar de sua saúde. Dentre elas, a de estarem numa fase refratária a ações antitabagismo, pois em um estudo realizado em 1998 pelo Centers for Disease Control and Prevention, 72,9% de um grupo de alunos em idades semelhantes nunca haviam tentado parar de fumar. A confirmação dessa hipótese pode ser útil para se entender melhor o comportamento dos primeiros anos de tabagismo e de se estabelecer estratégias de combate ao hábito tabágico em sua fase pré-clínica. Para tanto, considerou-se necessário entrevistar os alunos que se inscreveram no programa e os que o conheciam e não se inscreveram.
MétodosO estudo foi realizado na Cidade Universitária da Universidade de Caxias do Sul.
Para testar a intenção dos alunos em continuar fumando, foi delineado um estudo transversal, descritivo, com amostra para representar os estudantes fumantes que não participaram do programa de ajuda a parar de fumar. Aninhado a esse, foi realizado outro estudo, comparativo entre os grupos que se inscreveram e não se inscreveram no programa de tratamento, para procurar identificar fatores de diferenças entre eles.
Para testar a fase do tabagismo foram entrevistados alunos tabagistas da Universidade de Caxias do Sul que não se inscreveram no programa de tratamento do tabagista e que sabiam da sua existência. Os alunos tabagistas que participaram do programa de tratamento do tabagismo foram classificados como grupo comparativo.
As identificações dos sujeitos de pesquisa que compuseram a amostra de fumantes não inscritos no programa foram obtidas aleatoriamente, através de amostragem por estágios. Inicialmente foram mapeados os locais de concentração dos alunos e os turnos de suas aulas de forma a incluir todos os blocos sedes dos diferentes cursos. Posteriormente, estabeleceram-se as datas e o número de entrevistas necessárias a serem realizadas em cada local. Para todos os alunos terem a oportunidade de serem incluídos na pesquisa, os locais escolhidos foram visitados pelos entrevistadores mais de uma vez, em dias e horários diferentes, durante o intervalo de tempo de 30 dias. O critério para escolher os sujeitos da pesquisa foi seqüencial, isto é, entrevistavam-se os sujeitos de pesquisa até se atingir o número calculado. A identificação do aluno tabagista era feita de quatro maneiras: ao ser visto fumando; ao ser indicado por conhecidos; ao ser visto portando carteira de cigarro; e perguntando-lhes sobre serem fumantes. As entrevistas foram realizadas por cinco estudantes, todos bolsistas, que, além de terem sido treinados para a aplicação dos questionários, também se certificaram sobre a unicidade das entrevistas.
Foram excluídos os estudantes que desconheciam o projeto de auxílio a parar de fumar oferecido pela universidade.
No questionário constaram perguntas a respeito da intenção de continuar fumando e de características da pessoa, como idade, sexo e hábito tabágico, além do teste de Fagerström de dependência ao tabagismo. As opções de resposta sobre as razões para continuar fumando foram: ter prazer em fumar; sentir-se bem fumando; aliviar tensões, ansiedade ou depressões; não engordar; não saber o que o mantém fumando; e outras. As opções de resposta sobre o que faria com que eles tentassem parar de fumar foram: discriminação social; pressão familiar e de outras pessoas íntimas; prevenção aos malefícios do cigarro sobre a saúde; surgimento dos primeiros sintomas de doenças produzidas pelo cigarro; razões econômicas (custo do cigarro e/ou tratamento de doenças). Foram feitas nove perguntas para avaliar os conhecimentos dos malefícios do tabaco sobre a saúde do ser humano e calculado um escore de acertos que variou entre 0 e 10. As questões possuíam três alternativas de respostas: sim, não e não sei. Questionou-se se o tabagismo produz: câncer de pulmão, bronquite crônica, enfisema pulmonar, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, câncer de bexiga, doenças vasculares, nascimento de crianças com baixo peso, e aspectos precoces de envelhecimento.
Foram consideradas fases pré-contemplativa e contemplativa do tabagista quando questionado "Você quer continuar fumando?" e a resposta foi diferente de "Não, estou tentando parar". As alternativas existentes eram: sim, nunca pensei em parar; sim, por mais algum tempo; não, penso em parar; e não sei.
As análises estatísticas foram feitas para serem descritivas, estabelecido o erro alfa de 0,05. O tamanho da amostra obtida de 108 alunos apresenta a precisão ao redor da média da população de 9%. Os catorze casos inscritos comparados com os não inscritos possuem o poder estatístico de 10%. As comparações entre os dois grupos foram feitas com os testes ANOVA para variáveis quantitativas e qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher para variáveis qualitativas.
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul.
ResultadosForam entrevistados 122 alunos, dos quais 108 não se inscreveram no programa de combate ao tabagismo e 14 o fizeram. Dos 108 que não haviam se inscrito no programa, 102 (94,44%; intervalo de confiança - IC: 88,29% a 97,93%) não mostravam intenções de parar de fumar. A distribuição verificada foi: 62 queriam continuar fumando (57%), 40 estavam indecisos ou já pensavam em parar (37%) e 6 estavam tentando (5,6%). A intenção de fumar, a quantidade média de cigarros fumados diariamente, os graus de dependência à nicotina de Fagerström e o tempo de tabagismo mostraram-se com padrão ascendente de linearidade, conforme mostram as Figuras 1, 2 e 3.
As características observadas dos 108 alunos entrevistados foram: 50 eram do sexo masculino (47,6%), a idade média era de 23,04 anos (IC: 22 a 24,08) e variou de dezessete a 45 anos, fumavam em média 13,7 cigarros por dia (IC: 12,05 a 15,35), haviam iniciado a fumar em média com 15,6 anos (IC: 15,2 a 16) e fumavam em média durante 7,36 anos (IC: 6,29 a 8,4), com os extremos entre menos de um ano e 30 anos. O teste sobre malefícios do tabagismo na saúde teve a média 7,98 (IC: 7,63 a 8,33), variação entre 2,2 e 10. O grau de dependência ao tabagismo medido pelo teste de Fagerström foi de 2,38 (IC: 1,96 a 2,8). Havia 74 deles que se consideravam viciados (58,5%), 24 que acreditavam que conseguiriam parar de fumar quando quisessem (22,6%), 42 que não conseguiriam parar (39,6%), 40 que não sabiam responder (37,7%) e 71 que já haviam tentado parar de fumar alguma vez (65,7%).
Os entrevistados consideravam as seguintes razões para não parar de fumar: para 63 deles, sentir prazer (58,3%); para 25, sentir-se bem (23,1%); para 64, aliviar tensões (59,3%); para 6, não engordar (5,6%); e 13 não sabiam porque fumavam (12%). As razões para parar de fumar eram: para 10, a discriminação (9,3%); para 29, pressões de familiares e outras pessoas íntimas (26,9%); para 84, prevenção de malefícios sobre a saúde produzidos pelo cigarro (79,6%); para 35, os primeiros sintomas de doenças produzidas pelo cigarro (32,4%); e para 21, fatores econômicos (19,4%).
As características observadas dos 14 entrevistados inscritos no programa de cessação do tabagismo foram: 8 eram do sexo masculino (57,1%), a idade média foi de 35 anos (IC: 28,91 a 41,09) e variou dos 22 aos 55 anos, fumavam em média 21,14 cigarros por dia (IC: 17,36 a 24,92), haviam começado a fumar em média com 15,57 anos (IC: 14,31 a 16,83)e fumavam em média durante 19,42 anos (IC: 12,75 a 26,09), com os extremos de quatro e 40 anos. O teste sobre malefícios do tabagismo
na saúde teve a média 8,11 (IC: 7,38 a 8,84), variação entre 5,6 e 10. O grau de dependência ao tabagismo medido pelo teste de Fagerström foi de 4,07 (IC: 2,87 a 5,27). Todos se consideravam viciados (100%), sendo que apenas 1 acreditava que conseguiria parar de fumar quando quisesse (7,1%), 11 que não conseguiriam parar (78,6%) e 2 não sabiam responder (14,3%). Nove já haviam tentado parar de fumar alguma vez (64,3%). Consideravam razões para não parar de fumar: para 6, o prazer (42,9%); para 3, sentir-se bem (21,4%); para 9, o alívio das tensões (64,3%); para 2, o fato de não querer engordar (14,3%); e 5 não sabiam porque fumavam (37,5%). As razões para parar de fumar eram: para 6, a discriminação (42,9%); para 4, as pressões de familiares e outras pessoas íntimas (28,6%); para 13, a prevenção de malefícios sobre a saúde produzidos pelo cigarro (92,9%); para 3, o surgimento dos primeiros sintomas de doenças produzidas pelo cigarro (21,4%); e para 3, o fator econômico (21,4%).
As comparações entre os grupos de inscritos e não inscritos mostraram diferenças estatísticas, respectivamente, nas idades 35 e 23 anos, p < 0,01, e no tempo de tabagismo em anos, 19,42 e 7,36, p < 0,01. Consideraram-se viciados 100% e 58,5%, p = 0,047, acreditavam que podiam parar de fumar quando quizessem 7,1% e 22,6%, p = 0,02, desconheciam os motivos que os faziam fumar 37,5% e 12,00%, p = 0,03, e sofriam discriminações 42,9% e 9,3%, p < 0,01, respectivamente (Tabela 1).
DiscussãoDos alunos que não se inscreveram no programa de tratamento do tabagismo, 94,4% mostraram intenções de não parar de fumar. Portanto, eles se encontram nas fases pré-contemplativa e contemplativa do tabagismo, conforme a classificação de Prochaska et al.(4) A oferta de tratamentos da dependência ao tabaco foi relevante para somente 5,6% desses alunos. O tratamento do tabagismo tem efeito quando há vontade do tabagista em parar de fumar, caso contrário, pelas recomendações do
American College of Chest Physicians,(5) a estratégia deve ser outra, com recomendações breves direcionadas a motivação. Para o tratamento dessa fase do tabagismo é importante saber os motivos de eles se sentirem em equilíbrio com o vício. A comparação com os que se inscreveram no programa foi realizada para orientar hipóteses de futuras pesquisas que envolvam o mesmo tema, uma vez que o poder estatístico deste estudo não é alto o suficiente para conclusões de associações para algumas variáveis.
Isto se deveu por existirem poucos participantes do programa de tratamento do tabagismo, catorze alunos. Porém, descrever o comportamento desses grupos de alunos, a maioria jovem, poderá contribuir para o avanço dos conhecimentos sobre as fases pré-contemplativa e contemplativa do tabagista universitário e para a identificação de fatores que os motivam a abandonar o tabagismo.
As diferenças encontradas entre os grupos foram: a idade e o tempo em anos de tabagismo, superiores nos inscritos; considerarem-se viciados e acreditarem que parariam de fumar quando quizessem, superiores nos que não se inscreveram no programa; e não saber porque fumavam e as
interferências de discriminações, superiores nos que se inscreveram. Considerando-se, também, os resultados gráficos que mostraram tendências lineares entre as intenções de parar de fumar e as médias de
cigarros consumidos, grau de dependência à nicotina e tempo de tabagismo, formulou-se a hipótese sobre a história natural do tabagista descrita a seguir.
No início, a maioria dos fumantes não se consideram viciados e acreditam que podem parar de fumar quando querem. Em graus variados eles reconhecem que fumar prejudica a saúde, mas não sentem necessidade de parar de fumar. De início sabem que fumam pelo prazer, mas após algum tempo não conseguem mais explicações racionais sobre os motivos que os mantêm fumando. As intenções de parar de fumar relacionam-se linearmente com as quantidades de cigarros fumados diariamente, com o grau de dependência à nicotina e com o tempo de tabagismo.
O resultado que pareceu mais relevante aos autores foi que 58,5% dos estudantes que não se inscreveram no programa não se consideravam
viciados. Infere-se que o conceito de estar viciado em nicotina não é claro e que o tabagismo para estes estudantes não é problema. Por não existir
o problema, não haveria necessidade de solução.
Comparando-se com os inscritos no programa, que em 100% das vezes se consideraram viciados, sugere-se que a consciência do estado de dependência à nicotina poderia antecipar as ações dos jovens para não se tornarem tabagistas pesados ou mesmo proporcionar o abandono precoce do vício. Dependência de drogas, segundo definição da Organização Mundial de Saúde, é o padrão comportamental em que o uso de determinada droga psicoativa passa a ser mais importante do que qualquer outro comportamento anteriormente considerado prioritário.
Portanto, dependência de drogas ou dependência química significa a perda do controle sobre o uso de uma droga, em razão da necessidade psicológica e/ou física da mesma. No Brasil, o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer, através da Coordenação Nacional de Controle do Tabagismo e Prevenção Primária do Câncer,(6) adotam o conceito de dependência de drogas de Orleans & Slade,(7) que a classifica em critérios principais e outros critérios. Os critérios principais consideram o uso compulsivo ou descontrolado, efeitos psicoativos (alteração do estado emocional e do comportamento) e comportamento
reforçado pelo uso da droga. Os outros critérios envolvem o padrão estereotipado do uso, o consumo apesar dos efeitos perigosos, a recaída após período de abstinência e o desejo intenso e incontrolável ("fissura") de usar a droga. A Classificação Internacional de Doenças, décima revisão (CID 10), considera o uso do tabaco como transtorno mental e comportamental e a síndrome de abstinência é codificada como F17.2. Esses efeitos, de estágios mais avançados, não foram identificados nesse grupo de alunos e parecem não ser úteis na fase inicial da dependência por não atingi-los. Contudo, para alguns autores,(8) a dependência de nicotina é comum já com 100 cigarros fumados. Para esses alunos, a quantificação dos cigarros fumados é um conceito mais fácil de ser assimilado e um argumento melhor para ser usado para convencê-los de que realmente há um problema a ser resolvido.
O tabagismo parece se tornar problema em idades mais avançadas, quando o número de cigarros fumados, o tempo e o grau de dependência ao tabaco aumentam (Figuras 1, 2 e 3). Neste estudo, a média de idade dos inscritos foi de 35 anos. Eles fumavam 21 cigarros por dia, por dezenove anos, enquanto que as médias do outro grupo foram, respectivamente, 23 anos de idade, 13,7 cigarros por dia e 7,6 anos. Até o reconhecimento de que o tabagismo está sendo um problema para o indivíduo e de que as conseqüências maléficas estão sendo superiores aos benefícios, não há esforço para o tabagista mudar de estado. Considerando que a idade média de início do tabagismo em ambos os grupos foi de quinze anos, e que esse período se estendeu por vinte anos, excessivamente longo, portanto, provavelmente já terá havido lesão de alguma parte do organismo.
Dos alunos não inscritos, 22,6% acreditavam que poderiam parar de fumar quando quisessem, em comparação com 7% dos inscritos. A falsa idéia de domínio do controle perante o vício é uma evidência do desconhecimento da dimensão da capacidade de dependência da nicotina no estágio inicial do tabagismo. Enquanto não existir a dimensão do problema, parece difícil para o tabagista sentir as dimensões das suas conseqüências. Uma forma de sentir o efeito e de testar a capacidade do aluno de controle sobre a abstinência da nicotina é o teste
de medir o intervalo máximo de tempo entre dois cigarros fumados durante uma semana.
Todos os entrevistados sabiam que o tabagismo produzia doenças, sendo as médias de conhecimento nos dois grupos em torno de 8. Entretanto, esse conhecimento não estava sendo suficiente para impedi-los de fumar. Este achado corrobora os resultados de outros autores, (9,10) de que a informação sobre as doenças e a intimidação sobre as conseqüências do tabagismo provavelmente sejam ineficazes para esse grupo de tabagistas. Nas fases iniciais, é possível que ter clareza sobre os fatos que estão acontecendo consigo mesmos, sensibilizando os indivíduos de que pertencem a um grupo de risco, pode ser útil em complementação ao conhecimento de doenças que aconteceram com outros e em idades superiores. Para alguns adolescentes os riscos são desconsiderados. Segundo um estudo,(11) os adolescentes podem passar por períodos de comportamento aventureiro em que desconsideram os riscos do tabagismo. Para estes adolescentes, o tabagismo deveria ter outra estratégia de abordagem. Em Jerusalém, Israel, alguns autores,(12) estudando escolares entre onze e dezessete anos, identificaram associações positivas do tabagista com imagens do
fumante e a pressão de grupos de amigos.
Em resumo, a grande maioria dos estudantes universitários estava vivendo a fase refratária ao abandono do tabagismo. Eles se caracterizavam por conhecerem as doenças provocadas pelo cigarro e por não se considerarem dependentes a ele em 41,5% dos casos. Motivá-los a parar de fumar seria a melhor abordagem para esse grupo. Acredita-se que o tempo dessa fase poderia diminuir se eles forem conscientizados precocemente com o conceito de que a dependência à nicotina se forma com o consumo de 100 cigarros. Outros argumentos poderiam ser de que eles estão vivendo na primeira fase da história natural do tabagismo e apostando com a sorte de não ter doenças futuras.
AgradecimentosApoio financeiro empresas Random.
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7. Orleans CT, Slade J. Nicotine Addiction. Principles and management: Oxford: Oxford University Press; 1993.
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9. Nutbeam D, Macaskill P, Smith C, Simpson JM, Catford J. Evaluation of two school smoking education programmes under normal classroom conditions. BMJ. 1993;306(6870):102-7.
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11. Heyman RB. Reducing tobacco use among youth. Pediatr Clin North Am. 2002;49(2):377-87.
12. Meijer B, Branski D, Knol K, Kerem E. Cigarette smoking habits among schoolchildren. Chest. 1996;110(4):921-6.
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* Trabalho realizado na Universidade de Caxias do Sul - UCS - Caxias do Sul (RS) Brasil.
1. Doutor em Pneumologia da Universidade de Caxias do Sul - UCS - Caxias do Sul (RS) Brasil.
2. Mestre em Saúde Pública da Universidade de Caxias do Sul - UCS - Caxias do Sul (RS) Brasil.
3. Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade de Caxias do Sul - UCS - Caxias do Sul (RS) Brasil.
4. Acadêmico do Curso de Psicologia da Universidade de Caxias do Sul - UCS - Caxias do Sul (RS) Brasil.
5.Especialista em Educação Física da Universidade de Caxias do Sul - UCS - Caxias do Sul (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Wilson Paloschi Spiandorello. Rua Lionilda Fassoli Zatti, 201, Casa 4, CEP 85050-250, Caxias do Sul, RS, Brasil. Tel 55 54 228-6064. E-mail: wilsonsp@terra.com.br
Recebido para publicação em 24/11/05. Aprovado, após revisão, em 11/5/06.