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Causas múltiplas de morte relacionadas à tuberculose no Estado do Rio de Janeiro entre 1999 e 2001

Deaths attributed to multiple causes and involving tuberculosis in the state of Rio de Janeiro Brazil between 1999 and 2001

Augusto Hasiak Santo

ABSTRACT

Objective: To evaluate deaths attributed to multiple causes in which tuberculosis was one of the causes listed. Methods: All deaths among residents of the state of Rio de Janeiro, Brazil, occurring between 1999 and 2001 and for which the death certificate mentioned tuberculosis, were investigated. The World Health Organization guidelines were used in characterizing the underlying and associated (non-underlying) causes of death. Results: In deaths from tuberculosis, conditions related to its natural history were the principal associated causes, together with alcoholism and diabetes. In approximately three-fifths of all deaths for which tuberculosis was listed as an associated cause, the underlying cause of death was acquired immunodeficiency syndrome. High proportion of ill-defined causes of death, low values found for the number of causes informed per death certificate and for TB as an associated cause point towards a certain degree of underestimation of the actual number of TB-related deaths in Rio de Janeiro State. Conclusion: The study shows that the rates of tuberculosis-related mortality in the state of Rio de Janeiro, calculated based on the number of times tuberculosis was listed as a cause of death (underlying or associated), are the highest in the country. Epidemiological studies of mortality are recommended as a means of guiding the activities of the tuberculosis control program.

Keywords: Tuberculosis/mortality; Acquired immunodeficiency syndrome; Multipe cause of death; Brazil

RESUMO

Objetivo: Avaliar a mortalidade relacionada à tuberculose por meio de causas múltiplas. Métodos: Foram estudados todos os óbitos de residentes no Estado do Rio de Janeiro entre 1999 e 2001 nos quais havia menção de tuberculose na declaração de óbito. As disposições da Organização Mundial da Saúde foram usadas para caracterizar causa básica e causas associadas (não básicas) de morte. Resultados: Nas mortes por tuberculose as afecções relacionadas à sua história natural foram as principais causas associadas, além do alcoolismo e diabetes. A síndrome da imunodeficiência adquirida foi a principal causa básica em cerca de três quintos das mortes em que a tuberculose foi informada como associada. A elevada percentagem de óbitos por causas mal definidas, e os baixos números de causas informadas por declaração de óbito e de tuberculose como causa associada levam a pressupor certa subestimação de mortes relacionadas à tuberculose. Conclusão: O estudo mostra que os coeficientes de mortalidade relacionados à tuberculose, calculados pelo número de causas básicas bem como pelo total de suas menções nas declarações de óbito, são os maiores do país. A vigilância epidemiológica das mortes ocorridas, preconizada como medida para orientar as atividades do programa de controle da tuberculose, deve ser efetivada.

Palavras-chave: Tuberculose/mortalidade; Síndrome da imunodeficiência adquirida; Causas múltiplas de morte; Brasil

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde recomenda que as estatísticas de mortalidade sejam apresentadas por meio da causa básica de morte, definida como "(a) a doença ou lesão que inicia a cadeia de eventos patológicos que conduziram diretamente à morte, ou (b) as circunstâncias do acidente ou violência que produziram a lesão fatal". Do ponto de vista da saúde pública, a prevenção da causa básica de morte deve conduzir ao objetivo de evitar a morte.(1) No entanto, a demanda por informação mais abrangente sobre a constelação de eventos letais determinou o estudo da mortalidade por meio de todas as causas de morte registradas na declaração de óbito. Além da causa básica de morte, como causas associadas são acrescidas as suas complicações e outras causas contribuintes sem relação com o processo que levou diretamente à morte. O conjunto dessas causas é designado causas múltiplas de morte.(2-3)

Dentre os méritos do estudo das causas múltiplas de morte, a recuperação de determinada causa enquanto causa associada é dos mais importantes. Essa observação é verdadeira para a tuberculose nos últimos anos. Nos EUA, a tuberculose, quando mencionada em declarações de óbito, foi identificada como causa associada em 56% dos óbitos em 1980 e em 57% em 1990,(4) e na Comunidade Autônoma de Madri, Espanha, no período de 1991 a 1998, em 53,1% dos óbitos (640/1.206).(5) No Estado de São Paulo, em 1983, das menções de tuberculose em declarações de óbito, 21,9% foram identificadas como causa associada (294/1.337),(2) proporção que aumentou para 45,8% em 1998 (1.388/3.032).(3) A tuberculose como causa associada não é apresentada nas estatísticas primárias de mortalidade. Atualmente, essa maior proporção da tuberculose como causa associada deve-se em parte às disposições introduzidas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, Décima Revisão. Essas disposições incorporam o conhecimento atualizado sobre a etiopatogenia da doença devida ao vírus da imunodeficiência humana, privilegiando esta última como causa básica. As doenças infecciosas, em particular as infecções oportunistas, são interpretadas como conseqüentes à síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), o que determinou o deslocamento da tuberculose para a característica de causa associada.(1,3,6-8) No Estado de São Paulo, em 1998, a AIDS foi selecionada em 98,2% (4.619/4.703) das declarações de óbito em que foi citada(7) e, de outro lado, ao serem levadas em consideração todas as mortes em que houve a menção de tuberculose, e não apenas quando referida como causa básica de morte, o coeficiente de mortalidade relacionado à tuberculose praticamente dobrou.(3) Estatísticas de mortalidade por meio de causas múltiplas estão disponíveis no Estado de São Paulo desde 1983 e no restante do Brasil desde 1999.(2,9)

O Brasil está incluído entre os 22 países de maior carga de tuberculose(10-11) e o Estado do Rio de Janeiro apresenta os maiores coeficientes de incidência e de mortalidade por tuberculose dentre todas as Unidades da Federação.(12-15) Baixo índice de detecção de casos, longo intervalo entre o início de sintomas e a confirmação de diagnóstico, não realização de procedimentos diagnósticos complementares, baixa pesquisa de co-infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, altas taxas de abandono de tratamento, esquemas terapêuticos inadequados, hospitalização imprópria, letalidade elevada e elevadas taxas de subnotificação de casos com subseqüente falta de controle de comunicantes, em área de alta densidade populacional de condição socioeconômica desfavorável, são fatores responsáveis por deficiências nas atividades de prevenção e tratamento da tuberculose no Estado do Rio de Janeiro e pelo fracasso ocorrido no programa de controle para interromper a progressão da doença.(12-18)

O estudo da mortalidade relacionada à tuberculose mostra-se útil para o conhecimento de suas características epidemiológicas.(3-5,13,19-21) No Estado do Rio de Janeiro, a elevada taxa de sub-registro de casos praticamente inviabiliza o uso dos dados de notificação compulsória e torna a mortalidade como instrumento indispensável para orientar o planejamento do programa de controle da tuberculose.(13-15)

Este trabalho objetiva estudar a mortalidade relacionada à tuberculose por meio de causas múltiplas, descrevendo sua importância como causa básica bem como causa associada de morte e as inter-relações da tuberculose com outras causas de morte, particularmente a AIDS.

MÉTODOS

Os dados sobre óbitos provieram da Fundação Nacional de Saúde e, de população, do Departamento de Informática do Sistema Único da Saúde, ambos do Ministério da Saúde.(9) Cada registro do banco de óbitos reproduzia em seus campos os respectivos itens da declaração de óbito em uso no Brasil. Campos auxiliares foram incluídos, dentre os quais o campo para transformar em string único os campos correspondentes à causa básica e às linhas (a), (b), (c), (d) e da Parte II do Modelo Internacional de Atestado Médico de Causa de Morte. Essa transformação foi necessária para o processamento das causas de morte pelo Tabulador de Causas Múltiplas.(22)

Para o estudo das causas múltiplas de morte algumas convenções foram adotadas. O conceito da Organização Mundial da Saúde foi usado para identificar a causa básica de morte, selecionada segundo as disposições da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, Décima Revisão.(1,23-24) As causas derivadas da causa básica, também chamadas de causas conseqüenciais, incluindo as causas terminais e as intervenientes, bem como as causas contribuintes, estas sem relação com o processo mórbido que conduziu diretamente à morte, foram designadas causas associadas de morte, também caracterizadas como causas não básicas.(2-3) A causa básica de morte foi processada automaticamente pelo programa Seleção de Causa Básica.(24) Todas as causas informadas no atestado médico foram consideradas, mesmo as causas mal-definidas e aquelas caracterizadas pela Organização Mundial da Saúde como modos de morrer,(1,23) dentre as quais a "insuficiência respiratória", dada a importância dessas causas na história natural da tuberculose. A tuberculose como causa de morte correspondeu às formas clínicas incluídas no agrupamento A15-A19 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, Décima Revisão.(23) As mortes relacionadas aos efeitos tardios ou seqüelas da tuberculose e resultantes de complicações dos efeitos de tuberculose curada, incluídas na categoria "B90 - seqüelas de tuberculose", não foram consideradas.(1,23) A expressão "óbitos por" ou "devido à" determinada afecção refere-se à causa básica de morte e a expressão "óbitos com menção de" corresponde à presença dessa afecção informada quer como causa básica ou associada no atestado médico.(3)

As variáveis estudadas foram idade, sexo, causa básica e associadas de morte, formas clínicas de tuberculose, número de causas informadas por declaração de óbito e ano da morte. As variáveis médicas e demográficas foram processadas pelos programas dBASE III Plus (versão 1.1, Ashton-Tate, 1985, 1986), Epi Info, versão 6.04b/c, 1997 (Centers for Disease Control and Prevention) e Excel 2000 (Microsoft Corporation). O programa Tabulador de Causas Múltiplas (versão 2.2 de 22/02/2001) foi usado para processamento das causas associadas e número médio de diagnósticos por declaração de óbito.(22) Listas especiais para apresentação de causas associadas foram preparadas para evidenciar tanto as causas de morte integrantes das histórias naturais da tuberculose e da AIDS, como as mencionadas com maior freqüência por meio da identificação e contagem dessas causas no banco de dados sobre mortalidade do Brasil. As duplicações e multiplicações de causas de morte apresentadas por meio de listas abreviadas foram eliminadas.
O número de causas associadas depende da amplitude da classe em que essas causas são apresentadas. Apenas uma causa foi contada em determinada classe (categoria, agrupamento ou capítulo da Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde,
Décima Revisão) se duas (ou mais) causas que estivessem incluídas nessa classe fossem informadas no mesmo atestado médico.(22) O programa Separador de Registros de Mortalidade foi usado para a recuperação de registros em que houvesse interesse em estudar a relação entre determinada causa associada e a tuberculose.

Coeficientes de mortalidade por 100.000 habitantes e mortalidade proporcional foram calculados para as causas básicas e para o total de óbitos em que a tuberculose foi informada, tanto como causa básica como associada de morte. Os coeficientes de mortalidade do Estado do Rio de Janeiro foram comparados com os respectivos coeficientes nacionais e do Estado de São Paulo.

Com o uso do Epi Info foram realizados teste de Wilcoxon para diferenças entre idades medianas ao morrer, teste t de Student para a diferença entre número médio de causas informadas por declaração de óbito e teste do qui-quadrado para a diferença entre os coeficientes de mortalidade relacionados à tuberculose e entre proporções de causas associadas nas mortes em que tuberculose, AIDS e outras causas foram identificadas como causa básica. Os óbitos com sexo ou idade ignorados foram eliminados no cálculo da idade mediana ao morrer e de coeficientes específicos por idade e sexo. O número médio de causas por declaração de óbito é apresentado com o respectivo desvio- padrão.

RESULTADOS

No Estado do Rio de Janeiro, nos anos de 1999, 2000 e 2001, a tuberculose foi identificada com causa básica respectivamente em 1.114, 966 e 1.030 óbitos, correspondendo aos coeficientes de mortalidade por 100.000 habitantes de 8,1, 6,7 e 7,1 e à mortalidade proporcional de 1%, 0,9% e 0,9%. Como causa associada, a tuberculose foi mencionada em outros 369, 453 e 430 óbitos, totalizando respectivamente 1.483, 1.419 e 1.460 óbitos com sua menção, com respectivos coeficientes de mortalidade de 10,7, 9,9 e 10 por 100.000 habitantes, e mortalidade proporcional de 1,3% para os três anos do período. (Tabela 1). No período, os coeficientes de mortalidade por tuberculose foram maiores entre homens (13, 10,3 e 11,2 por 100.000 homens) que entre mulheres (3,5, 3,4 e 3,3 por 100.000 mulheres), bem como o total de menções, respectivamente entre homens (16,9, 14,9 e 15,7 por 100.000 homens) e mulheres (5, 5,2, e 4,8 por 100.000 mulheres). As mortes relacionadas aos efeitos tardios da tuberculose (42, 32 e 60 como causa básica e 11, 15 e 14 como causa associada) não foram incluídas no estudo.





As principais causas associadas nas mortes por tuberculose são apresentadas na Tabela 2. Destaca-se a insuficiência respiratória, que em 2001 foi mencionada em praticamente 50% dos atestados médicos. A ocorrência da desnutrição e caquexia, sintomas e sinais relativos aos aparelhos circulatório e respiratório, pneumonias e septicemias refletem suas características de afecções terminais. A par dessas causas, nota-se a menção do alcoolismo e do diabetes mellitus como causas contribuintes de morte (Tabela 2). Nos três anos do período, dentre 140 óbitos com menção de transtorno mental devido ao uso de substância psicoativa, 134 foram devidos ao álcool (95,7%), 20 ao fumo (14,3%) e um devido à cocaína (0,7%), notando-se que ocorreram óbitos com uso de mais de uma substância. Nessas mortes em que a tuberculose ocorreu como causa básica, no período estudado a forma clínica predominante foi a do aparelho respiratório (93,5%, 94,8% e 93,2%), seguida da tuberculose miliar (4,2%, 2,6% e 4,5%).







Nos óbitos em que a tuberculose foi mencionada como causa associada, entre 1999 e 2001 as principais causas básicas de morte foram a doença pelo vírus da imunodeficiência humana, com percentagens respectivamente de 55,3%, 62,5% e 60,7%, seguindo-se as doenças do aparelho circulatório (10,8%, 12,4% e 9,1%), neoplasias (7,9%, 7,7% e 10,9%), doenças do aparelho digestivo (6,5%, 5,1% e 5,8%) e diabetes mellitus (5,7%, 3,5% e 3,3%) (Tabela 3). Considerando todos os óbitos do período em conjunto, verificou-se que a forma clínica de tuberculose miliar foi mais freqüente entre aqueles cuja causa básica foi a AIDS e que a tuberculose das vias respiratórias predominou entre as demais causas básicas de morte (p < 0,001) (Tabela 4). Dentre todos os óbitos por AIDS do Estado de Rio de Janeiro no período, os óbitos em que a tuberculose foi mencionada como causa associada corresponderam a 13% (204/1.572), 17,2% (283/1.644) e 15,8% (261/1.652) (Tabela 1).





A importância da AIDS reflete-se nos maiores coeficientes encontrados para a mortalidade por tuberculose como causa associada que como causa básica, no grupo etário de 20 a 29 anos em 2000, respectivamente, entre homens (3,6 versus 3,2 por 100.000 homens) e mulheres (2,0 versus 1,9 por 100.000 mulheres) e, no ano de 2001, entre os homens (4,0 versus 2,8 por 100.000 homens). Nos anos de 1999, 2000 e 2001, no mesmo grupo etário, a AIDS foi a causa básica respectivamente em 88,4% (38/43), 91,3% (63/69) e 90,9% (60/66) dos óbitos em que a tuberculose foi causa associada.





As médias e medianas das idades ao morrer, em ambos os sexos e para os anos do período, foram muito próximas e praticamente constantes. Desse modo, somados todos os óbitos entre 1999 e 2001, verificou-se que a idade mediana ao morrer, para homens e mulheres, respectivamente, por tuberculose foi de 49,5 e 48,5 anos, por AIDS com menção de tuberculose de 37,5 e 35,5 anos e por outras causas básicas com menção de tuberculose, em ambos os sexos, de 55,5 anos de idade, sendo as diferenças significativas em cada um dos sexos (p < 0,001). A idade mediana foi menor nos óbitos por tuberculose em que o alcoolismo ocorreu como causa associada (45,5 versus 50,5 anos, p < 0,001) e foi mais freqüente nos homens (93%, p < 0,001). Quanto aos óbitos com diabetes como causa associada, a idade mediana foi maior (58,5 versus 50,5 anos, p < 0,001) e também mais freqüente entre homens (62,2% versus 37,8%, p < 0,001).

O número médio de causas mencionadas por atestado médico, para cada um dos anos do período, variou significativamente (p < 0,001) entre as mortes por tuberculose (2,6, 2,7 e 2,7), por AIDS com menção de tuberculose (3,6, 3,8 e 3,6) e por outras causas com menção de tuberculose (4, 4 e 3,8). Com a tuberculose informada como causa básica, a moda foi de apenas duas causas por declaração de óbito, mencionadas em praticamente a metade das mortes.

DISCUSSÃO

Os coeficientes de mortalidade por tuberculose observados no Estado do Rio de Janeiro, de 1999 a 2001, são os maiores do país. Esses coeficientes correspondem respectivamente a mais de duas vezes os verificados no Brasil e uma e meia vezes no Estado de São Paulo no mesmo período.(19-20,25) Verificou-se também que o estudo da mortalidade relacionada à tuberculose foi realizado de forma mais abrangente por meio das causas múltiplas de morte. O resgate das mortes em que a tuberculose foi identificada como causa associada aumentou o valor do coeficiente de mortalidade pelo total de suas menções 33%, 47% e 42% em relação ao coeficiente clássico nos três anos do período. No entanto, apesar da dimensão desses números, verifica-se que são menores que os observados no país e no Estado de São Paulo. No Brasil, esse aumento dos coeficientes de mortalidade resultante da consideração de todas as menções de tuberculose foi de 42%, 51% e 50% (Tabela 1). No Estado de São Paulo, para o mesmo período de 1999 a 2001, esse aumento foi de cerca de 70%.(3,19)

As causas associadas das mortes por tuberculose no Rio de Janeiro apresentam o mesmo padrão observado no Brasil em outras Unidades da Federação isoladas.(19-20,25) Dentre essas causas encontram-se aquelas caracterizadas como complicações da tuberculose, tais como insuficiência respiratória, desnutrição e caquexia, pneumonias e septicemias e os sinais e sintomas relacionados aos aparelhos circulatório e respiratório. A insuficiência respiratória, quando se constitui no principal motivo da internação em hospitais especializados, relaciona-se à maior letalidade.(26) O diabetes e o alcoolismo devem ser mencionados pela freqüência com que ocorrem com a tuberculose. A associação do alcoolismo, principalmente entre os homens, é importante fator relacionado à não aderência ao tratamento e saída disciplinar de hospitais.(26-27) Do mesmo modo que no presente estudo, verificou-se que a idade média ao morrer por tuberculose quando associada ao alcoolismo foi menor que quando esta associação não estava presente, em cerca de 5,7 anos no Estado de São Paulo em 1998.(3) O achado de a idade mediana ao morrer ser maior nos óbitos por tuberculose com menção de diabetes que naqueles sem essa menção orienta para investigações complementares buscando evidenciar hipotético efeito protetor do diabetes. O estudo de causas múltiplas mostra-se vantajoso ao identificar essas causas associadas, que devem ser levadas em consideração para orientar o controle e prevenir a morte relacionada à tuberculose.(3,13-14,17)

Os coeficientes de mortalidade aumentaram quando considerados os óbitos em que a tuberculose ocorreu como causa associada, dos quais cerca de três quintos (cerca de 60%) foram devidos à AIDS. A baixa freqüência do teste para o vírus da imunodeficiência humana leva à hipótese de estarem subestimados os óbitos relacionados á AIDS.(15) Um estudo nos cinco hospitais que concentravam a maioria das mortes de residentes no Estado do Rio de Janeiro atribuídas à tuberculose verificou que o teste para o vírus da imunodeficiência humana foi realizado em apenas 25,8% dos falecidos e com maior freqüência entre os casos confirmados de tuberculose.(13-14)

A qualidade e a vantagem do uso de causas múltiplas de morte dependem do número de entidades informadas na declaração de óbito. O bloco das causas de morte atual na declaração de óbito inclui, na Parte I, quatro linhas destinadas respectivamente às causas terminal na linha (a), duas causas intervenientes nas linhas (b) e (c) e a causa básica na linha (d) e, na Parte II, linhas para causas contribuintes, presentes no momento da morte. O médico atestante encontra espaço para a informação de quatro ou mais causas de morte.(1) Neste estudo verificou-se que os óbitos por tuberculose apresentavam número médio de causas por declaração de óbito menor que o correspondente no Estado de São Paulo no mesmo período de tempo, respectivamente de 2,9 + 1,2, 3,1 + 1,2 e 3,1 + 1,3(19) e menor que o observado nas mortes totais do
Estado do Rio de Janeiro em 2000 e 2001 (2,9 e 2,9). Observou-se também que este valor foi menor que o número médio entre os óbitos por AIDS, fato também verificado em São Paulo e atribuído à maior importância conferida pelos médicos a esta síndrome ao fornecerem a declaração de óbito.(7)

Como corolário, a questão da responsabilidade do médico pelo preenchimento correto da declaração de óbito deve ser considerada.(28-30) A acurácia do registro preciso das causas de morte em seqüência no Modelo Internacional de Atestado Médico de Causas de Morte conduz à identificação das verdadeiras causas de morte. Na cidade de Nova York, EUA, em 1992, verificou-se que, em declarações de óbito com alguma menção de tuberculose como causa básica ou associada, ela não foi confirmada em cerca de 36,2% dos casos (230/635) como causa de morte pela revisão de prontuários médicos, e que, dentre 310 pacientes falecidos com tuberculose ativa, não houve qualquer menção da mesma nas respectivas declarações de óbito.(28)

No Estado do Rio de Janeiro, a proporção superior a 10% de causas caracterizadas como mal- definidas compromete a qualidade das estatísticas de mortalidade.(9) Esta limitação relacionada aos dados de mortalidade no Rio de Janeiro, em parte decorrente do preenchimento inadequado da declaração de óbito, permite supor que os resultados encontrados sobre as causas de morte relacionadas à tuberculose podem estar subestimados.(12)

As mortes relacionadas aos efeitos tardios ou às seqüelas da tuberculose têm sido incluídas em alguns estudos.(3,11,31) Essa inclusão é importante por permitir inferir, de forma mais abrangente e adequada, a magnitude que a tuberculose apresenta na mortalidade. Muitas mortes ocorrem devido a complicações residuais da tuberculose quando o processo infeccioso foi curado e não está mais ativo. Verifica-se também que mortes são atribuídas a efeitos tardios da tuberculose quando o processo ainda está ativo, por problemas relativos à informação inadequada de causas de morte ou interpretação errônea de diagnósticos informados no atestado médico. Neste trabalho, essa inclusão não foi realizada para permitir a comparabilidade dos resultados com a mortalidade em períodos anteriores, os quais consideravam apenas as mortes devidas à tuberculose ativa.

O estudo da mortalidade mostrou a oportunidade de se reapresentar a sugestão para a realização da vigilância epidemiológica das mortes relacionadas à tuberculose,(15,28-29) medida também recomendada pelo atual II Consenso Brasileiro de Tuberculose.(32) A vigilância de óbitos é importante e útil para o controle das mortes infantis e mortes maternas, e para o aprimoramento da assistência à saúde prestada às crianças e suas famílias e às gestantes durante a gravidez, parto e puerpério. No entanto, a eficácia dessa vigilância depende da quantidade e qualidade dos dados registrados nas declarações de óbito que, no
Estado do Rio de Janeiro, não são totalmente satisfatórios. O ensino aos médicos sobre a importância epidemiológica e legal da declaração de óbito é requisito preliminar para se melhorar o uso adequado de dados da mortalidade relacionada à tuberculose.

O estudo da mortalidade por meio de causas múltiplas agregou contribuição valiosa para a epidemiologia da tuberculose. Os resultados deste estudo mostraram que o valor do coeficiente de mortalidade aumentou significativamente com a contagem das mortes em que a tuberculose foi mencionada como causa associada, como em cerca de três quintos dos casos nos quais a AIDS ocorreu como causa básica, bem como que as informações de todas as causas de morte registradas na declaração de óbito permitiram recompor parcialmente a história natural da tuberculose. A vantagem das causas múltiplas depende do preenchimento apropriado da declaração de óbito e pode ficar comprometida quando a acurácia do registro de causas for pequena e baixo o número por declaração de óbito.

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* Trabalho realizado no Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) Brasil.
1. Professor Associado do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Augusto Hasiak Santo. Av. Dr. Arnaldo, 715 - CEP: 01246-904, São Paulo, SP, Brasil.
Tel: 55 11 3066-7764. Email: auhsanto@usp.br
Recebido para publicação em 4/3/05. Aprovado, após revisão, em 8/3/06.

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