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Relato de Caso

Termoplastia brônquica: relato do primeiro tratamento endoscópico de asma na América Latina

Bronchial thermoplasty: report on the first endoscopic treatment for asthma in Latin America*

Adalberto Sperb Rubin, Paulo Francisco Guerreiro Cardoso

ABSTRACT

Bronchial thermoplasty is a new bronchoscopic procedure that delivers radiofrequency energy to the airway and potentially reduces the smooth muscle-mediated bronchoconstriction. We report the case of a 48-year-old man with persistent moderate asthma submitted to bronchial thermoplasty. The treatment increased the forced expiratory volume in one second, increased the number of symptom-free days, reduced the use of relief medications, and improved the Juniper Asthma Quality of Life Scale score. In this patient, bronchial thermoplasty was well tolerated and safe. This was the first bronchial thermoplasty performed in Latin America. At 12 months after the procedure, the results were encouraging in terms of its potential benefits in patients with difficult-to-control asthma.

Keywords: Asthma/treatment; Respiratory function tests; Case reports [publication type].

RESUMO

A termoplastia brônquica é um novo procedimento broncoscópico que libera energia por radiofreqüência nas vias aéreas, com potencial redução da broncoconstrição causada pela contratura da musculatura lisa. Relatamos o caso de um homem de 48 anos, portador de asma persistente moderada, submetido à termoplastia brônquica. O tratamento aumentou o volume expiratório forçado no primeiro segundo, aumentou o número de dias livres de sintomas, reduziu o uso da medicação de resgate e melhorou o escore no questionário de Juniper Asthma Quality of Life Scale. A termoplastia brônquica foi bem tolerada e segura. Esta foi a primeira termoplastia brônquica na América Latina, com resultados estimulantes após 12 meses quanto ao seu potencial benefício em asmáticos pouco controlados.

Palavras-chave: Asma/tratamento; Função pulmonar; Relatos de casos [tipo de publicação].

Introdução

Portadores de asma com episódios de broncoespasmo severo, mesmo em vigência de tratamento adequado, constituem um desafio terapêutico. Muitos dos sintomas e casos de asma aguda grave são devidos à excessiva contratura da musculatura lisa brônquica, sendo o principal alvo da terapia broncodilatadora inalatória.(1) Tem-se investigado a possibilidade de uma alteração fenotípica específica da musculatura lisa em asmáticos ser importante na fisiopatologia da doença.(2) A termoplastia brônquica é um procedimento broncoscópico que, através da geração e transmissão de calor por radiofreqüência, reduz a massa muscular das vias aéreas em asmáticos com o intuito de reduzir o broncoespasmo mediado pela contratura da musculatura lisa. A liberação de energia é feita através de um cateter (Sistema Alair; Asthmatx: Mountain View, CA, EUA) ligado a um gerador de radiofreqüência.(3)

Estudos de segurança demonstraram tratar-se de um procedimento seguro,(3,4) sem evidência de cicatriz ou estenose nas vias aéreas após o procedimento. A avaliação histológica demonstrou significativa atrofia da musculatura lisa nas vias aéreas submetidas ao tratamento. O primeiro estudo prospectivo em asmáticos resultou em significativa redução de sintomas e melhora do pico de fluxo em 12 semanas.(5) Além deste estudo confirmar a segurança do procedimento, foi também observada significativa redução da hiperresponsividade brônquica mesmo após 24 meses do tratamento.

Com base nos resultados obtidos através destes estudos mencionados acima, foi proposto e efetuado o primeiro estudo randomizado empregando termoplastia brônquica em asmáticos, o Asthma Intervention Research Trial.(6) Tratou-se de um estudo multicêntrico em que foram incluídos pacientes asmáticos moderados que, a despeito de receberem tratamento adequado de acordo com a gravidade da doença -broncodilatador de longa duração e corticóide inalatório -apresentavam sintomas em decorrência de broncoespasmo. O objetivo do estudo foi examinar a segurança e eficácia da termoplastia brônquica em paciente asmático durante os primeiros 12 meses de acompanhamento pós-tratamento

Os resultados preliminares do estudo foram apresentados com resultados estimulantes.(6) Os autores do presente caso participaram do estudo, tendo randomizado 12 pacientes para o tratamento.

Descrevemos aqui o caso do primeiro paciente asmático tratado por termoplastia brônquica em nosso centro, constituindo o primeiro caso de tratamento endoscópico para asma na América Latina.

Relato do caso

Um paciente asmático, portador de asma persistente moderada, em tratamento com broncodilatador de longa duração e corticóide inalatório em doses adequadas (formoterol 12 µg + budesonida 400 µg administrados por inalador de pó seco a cada 12 h) foi incluído no estudo e randomizado para realizar termoplastia brônquica.(7) Referia ser asmático desde a infância, atópico, com piora dos sintomas nos últimos anos. Mesmo com o tratamento adequado há mais de 36 meses, o paciente ainda persistia sintomático e com crises freqüentes (3 a 4 crises anuais) necessitando cursos de corticóide oral. Tratava-se, pois, de um paciente com asma não controlada em etapa quaternária de tratamento.(7)

Na avaliação funcional inicial apresentava volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) de 2,48 L (68%) e o teste de broncoprovocação com metacolina apresentou uma concentração de metacolina para a indução de uma queda de 20% no VEF1 (CP20) de 0,57 mg/mL.

O paciente foi submetido à termoplastia brônquica (Figura 1) com o sistema ALAIR em três sessões (lobo inferior direito, lobo inferior esquerdo e lobos superiores) com intervalo de três semanas. Cada sessão de tratamento foi realizada sob anestesia geral e não foram verificadas intercorrências, sendo o procedimento bem tolerado pelo paciente. Em cada uma das três sessões, o paciente teve alta após 4 h de observação com função pulmonar preservada.



Em avaliação de 4, 6 e 12 meses após a termoplastia brônquica, o paciente apresentou os respectivos valores de VEF1: 2,67 L (73%), 2,90 L (79%) e 3,02 L (83%), demonstrando uma significativa melhora na função pulmonar em comparação com os valores basais (Tabela 1). Não houve mudança significativa no CP20 após 12 meses. Também na análise final de 12 meses após o tratamento houve um incremento no número de dias livres de sintomas (aumento de 64%), redução no uso de medicação broncodilatadora de resgate (de 24,1 jatos para 2,3 jatos por semana) e uma melhora no questionário de Juniper Asthma Quality of Life Scale (AQLS, de qualidade de vida em asmáticos) de 2,4 para 3,7 pontos, em comparação com o período de quatro semanas anteriores ao tratamento.(8,9) Os valores comparativos entre a avaliação pré-tratamento e o final dos primeiros 12 meses de acompanhamento estão demonstrados na Tabela 1.



Discussão

A termoplastia brônquica tem como objetivo reduzir, através da liberação de energia por radiofreqüência nas vias aéreas, a espessura da musculatura lisa em brônquios segmentares e subsegmentares.(3) Essa alteração anatômica busca estabelecer benefícios clínicos a asmáticos reduzindo a contratilidade da musculatura lisa das vias aéreas,(3-5,9) com potencial efeito na redução da broncoconstrição e exacerbação na asma.

A maioria dos asmáticos é bem controlada com medidas educacionais, ambientais e boa adesão ao tratamento. Existe uma parcela de pacientes, no entanto, que a despeito do tratamento otimizado, persiste sintomática e com exacerbações freqüentes.(10) Esses pacientes não responsivos à terapia adequada e sem fatores agravantes presentes (refluxo gastroesofágico, sinusopatia crônica, aspergilose, etc.), permanecem com mau controle de sua doença mesmo com prolongado tratamento e acompanhamento por especialista.(11) Esse segmento de pacientes, embora represente um universo pequeno dentre a população de asmáticos, é responsável por uma importante parcela da atividade médica e hospitalar envolvida no atendimento da doença e responde por mais de 50% dos custos diretos e indiretos despendidos com a asma.(12-14) Os altos custos envolvidos nesses casos estão mais relacionados à perda do controle da doença, em especial a consultas a serviços de emergência e internação, do que propriamente à medicação administrada e a consultas usuais.(15,16) A termoplastia brônquica pode auxiliar no controle da asma em pacientes em que as medidas usuais não são suficientes para estabilizar a doença.

O procedimento foi efetivo e bem tolerado pelo paciente do presente caso, assim como já relatado em estudos anteriores.(5) Em um estudo realizado com pacientes submetidos à termoplastia brônquica foi verificado que, na análise após 12 meses do tratamento, a maior parte repetiria o procedimento novamente,(17) indicando a satisfação com o método e a sua segurança. A maioria dos efeitos adversos observados em pacientes submetidos à termoplastia brônquica é comumente encontrada após procedimentos broncoscópicos em asmáticos.(18-20) No caso em questão, não houve intercorrências significativas, sendo que após cada uma das três sessões de tratamento o paciente foi liberado da sala de observação após 4 h sem limitações funcionais.
Foi observada uma significativa melhora funcional quando analisado o VEF1 do paciente. Não foi verificada melhora na hiperresponsividade brônquica ao final dos primeiros 12 meses de tratamento, diferentemente do que foi encontrado em estudos anteriores.(5) Houve importante melhora clínica, analisada pela redução do uso de broncodilatador de resgate, melhora do questionário de qualidade de vida (embora o aumento de 1,3 não tenha alcançado 2, valor considerado clinicamente significativo) e aumento de dias livres de sintomas. Nos estudos preliminares, a melhora na medida de pico de fluxo matinal e vespertina e a redução do uso de broncodilatador de resgate também haviam sido observados,(5) assim como a melhora dos índices associados à qualidade de vida.(6) Vários consensos preconizam o emprego de questionários padronizados de qualidade de vida,(1,7) associados a ferramentas que envolvam melhora clínica global do paciente asmático, para melhor estabelecer a efetividade de um novo tratamento. Em qualquer avaliação sobre a qualidade de um novo tratamento empregado em asmáticos, essas informações são tão importantes quanto a melhora funcional. Neste caso, a melhora clínica do paciente ficou evidente pelo incremento no número de dias livres de sintomas, redução no uso de medicação broncodilatadora de resgate e melhora no questionário AQLS.

A termoplastia brônquica foi um procedimento seguro e bem tolerado pelo paciente, com significativa melhora clínica e funcional no decorrer dos primeiros 12 meses de seguimento após o tratamento. Este é o primeiro paciente tratado na América Latina e os resultados demonstram tratar-se de uma modalidade terapêutica, embora ainda em fase experimental, promissora no controle e tratamento de sintomas em asmáticos moderados e severos. Novos estudos com um número maior de pacientes são necessários para confirmar a eficiência e utilidade da termoplastia brônquica a longo prazo em asmáticos.

Referências

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Trabalho realizado no Pavilhão Pereira Filho, Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
1. Professor do Curso de Pós-graduação em Pneumologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
2. Professor Associado do Departamento de Cirurgia, Disciplina de Cirurgia Torácica da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Adalberto Sperb Rubin. Rua Anita Garibaldi, 1.226, ap. 1.403, Bairro Mont Serrat, CEP 90540-030, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 3330-1813. E-mail: arubin@terra.com.br
Recebido para publicação em 10/10/2006. Aprovado, após revisão, em 14/3/2007


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