ABSTRACT
Objective: To evaluate the management of asthma attacks in children up to five years of age treated in the pediatric emergency room of a hospital in the metropolitan area of the city of Recife, Brazil, as well as to determine whether the way in which asthma attacks are managed can influence the duration of emergency room visits for such children. Methods: A descriptive, exploratory study employing a quantitative, cross-sectional approach. The study sample comprised 246 children treated for asthma attacks in an emergency room. The approach used was evaluated in comparison with the approach recommended in the III Brazilian Consensus on Asthma Management, as was the length of time each child spent in the emergency room. Results: In 69 (28.1%) of the cases, the medications were used in accordance with the Consensus guidelines. In 34 (13.8%) of the cases, the doses used were those recommended in the Consensus guidelines, and the guidelines regarding nebulization procedures were followed in 33 cases (13.4%). No correlation was found between the approach taken and the length of the emergency room visit. In the logistic regression analysis, we observed that the adjusted risk of being released from the emergency room sooner than recommended in the Consensus guidelines (a length of time sufficient to allow the response to the treatment to be analyzed) was four times and fifteen times greater, respectively, for children with mild persistent asthma and for those with intermittent asthma. Conclusion: Although there are obstacles to using the asthma management approach recommended in the Consensus guidelines (such obstacles including the lack of familiarity with the guidelines on the part of the multidisciplinary team, as well as the lack of recommended material and therapeutic resources), the duration of emergency room visits was found to be related to the degree of asthma severity.
Keywords:
Emergency medicine; Pediatrics; Asthma; Status asthmaticus
RESUMO
Objetivo: Avaliar o manejo da crise asmática em crianças de zero a cinco anos atendidas em uma unidade de emergência pediátrica da região metropolitana do Recife (PE) e verificar se a condução da crise asmática pode interferir no tempo de permanência da criança no serviço de emergência. Métodos: Estudo de natureza descritiva exploratória, abordagem quantitativa e corte transversal. Envolveu 246 crianças em crise asmática de uma unidade de emergência, tendo sido avaliada a conduta utilizada, a conduta preconizada pelo III Consenso Brasileiro no Manejo da Asma e o tempo de permanência da criança na emergência. Resultados: Os fármacos foram utilizados de acordo com o preconizado em 69 atendimentos (28,1%). As doses dos fármacos foram concordantes com as preconizadas em 34 atendimentos (13,8%) e os procedimentos de nebulização em 33 (13,4%). Não houve associação entre as condutas utilizadas e o tempo de permanência no serviço. Após aplicação do modelo de regressão, observou-se que crianças com asma de classificação persistente leve e intermitente tiveram um risco ajustado, respectivamente, de quatro e quinze vezes maior de permanecerem no serviço de emergência por tempo insuficiente para avaliação da resposta ao tratamento da crise, conforme o preconizado pelo consenso. Conclusão: Apesar de o manejo preconizado pelo consenso encontrar barreiras de aplicação como pouca familiaridade da equipe multidisciplinar com as diretrizes e ausência de recursos materiais e terapêuticos preconizados, a repercussão no tempo de permanência esteve relacionada a fatores classificatórios da doença.
Palavras-chave:
Medicina de emergência; Pediatria; Asma; Crise asmática
IntroduçãoO Brasil apresenta a oitava maior freqüência mundial de asma (20%),(1) variando de 4,7% a 20,7% entre crianças de seis e sete anos.(2) No Recife (PE), os resultados do estudo International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC), em 3.086 adolescentes entre treze e catorze anos de idade e 1.410 crianças entre seis e sete anos, identificou que 20,9% e 20,4% dos entrevistados, respectivamente, apresentaram asma alguma vez.(3)
Diretrizes e Consensos são elaborados com a finalidade de orientar o diagnóstico e padronizar condutas de avaliação e tratamento da asma brônquica.(1-5) No entanto, estudos mostram uma grande variabilidade no padrão da prática clínica no tratamento desses pacientes, o que interfere na qualidade do atendimento.(6-7) Os avanços na abordagem clínica, ocorridos nos últimos dez anos, não estão sendo incorporados às práticas sanitárias ofertadas a muitos pacientes.(8) Isto pode ser demonstrado pelas visitas constantes a serviços de urgência, o que pressupõe tratamentos inadequados.(9)
As explicações para o aumento das taxas de admissão hospitalar por asma na literatura são variadas e controversas. Estudos sugerem como explicação desde a introdução da terapia de nebulização nos anos 1970 e o conseqüente aumento da oferta de salas de emergência,(10) o baixo nível socioeconômico ligado ao menor acesso da população de baixa renda ao sistema de saúde,(8) a faixa etária com destaque para os menores de cinco anos, tratamento profilático inadequado,(11) ausência de acompanhamento regular para o tratamento da doença(12) até o aumento da prevalência e gravidade da doença e seu subdiagnóstico.(13)
Apesar do conhecimento da relação entre condução ambulatorial inadequada da asma nos atendimentos freqüentes nos serviços de emergência e maior risco de crises graves e fatais da doença, os serviços de emergência constituem-se freqüentemente no principal ou único meio de acesso da população de baixa renda ao sistema de saúde.(14) No Brasil a asma aguda é responsável por 16% dos atendimentos realizados em crianças nos serviços de emergência.(15)
Em 1999, questionários sobre o manejo e atendimento a pacientes asmáticos no país foram respondidos por dez presidentes das regionais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (50%). O manejo inadequado da asma em pacientes de baixa renda foi atribuído à falta de medicamentos apropriados, insumos insuficientes para adquiri-los e dificuldades funcionais relativas ao serviço público.(16)
O presente estudo teve como objetivo identificar o manejo de crises asmáticas em crianças de zero a cinco anos atendidas em um serviço de emergência de um município da região metropolitana de Recife, e ainda verificar se a condução da crise asmática pode interferir no tempo de permanência da criança na emergência. Como parâmetros foram utilizadas as condutas preconizadas pelo III Consenso Brasileiro no Manejo da Asma, 2002 (CBMA).
MétodosFoi realizado um estudo de natureza descritiva exploratória com abordagem quantitativa de corte transversal, em uma unidade de atendimento de emergência de adultos e pediátrica da Prefeitura Municipal de Camaragibe (PE), que atende exclusivamente pacientes do Sistema Único de Saúde.
A amostra constituiu-se de 246 crianças/atendimentos de zero a cinco anos de idade, de ambos os sexos, atendidas na unidade no período de agosto a outubro de 2003, com diagnóstico médico de asma e com história de pelo menos duas crises prévias de dispnéia e chiado, aliviados com broncodilatador, com agravamento dos sintomas nos últimos dias ou horas. Foram excluídas da amostra as crianças que além da crise asmática apresentavam quadro infeccioso associado diagnosticado pelo médico, com base em história e avaliação clínica.
O instrumento utilizado para coleta de dados foi composto de um formulário preenchido pelo pesquisador contendo fatores demográficos (sexo e idade), dados do atendimento realizado para cada criança e a intensidade da crise, estabelecida de acordo com os parâmetros do III CBMA. Após o preenchimento do formulário foi aplicado um questionário aos responsáveis para avaliar a gravidade da asma, também de acordo com o III CBMA, item que pode sofrer um viés, já que depende da memória pregressa dos responsáveis e não de um registro anterior.
As variáveis de análise, apresentadas a seguir, foram pré-codificadas em preconizadas e não preconizadas de acordo com os critérios adotados pelo III CBMA em seu algoritmo de tratamento da crise de asma da criança no pronto-socorro: fatores referentes às medicações administradas (doses medicamentosas, uso de corticosteróide na primeira hora de atendimento e uso de anticolinérgico); fatores referentes à terapia de nebulização (uso e controle de fluxo de oxigênio); tempo de permanência no serviço de emergência.
Os dados foram digitados em um banco de dados do programa Microsoft Excel® versão 2000, e foram processados e analisados com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 10.0. Na análise das variáveis em relação à variável contínua tempo de permanência, foi empregado o teste de independência (conhecido por associação) para avaliar a relação entre as variáveis. Utilizou-se a regressão logística para se definir as variáveis explicativas do modelo.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco e autorizado pela gerência da instituição.Todos os responsáveis pelos menores ou seus representantes legais assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
ResultadosDas 246 crianças estudadas, 116 eram do sexo feminino (47,2%) e 130 do masculino (52,8%). O maior número de atendimentos situou-se em crianças acima de um ano até os três anos completos (43,5%), sendo a idade mínima de atendimento de seis meses. Nenhuma das crianças fazia acompanhamento ambulatorial para tratamento intercrises. Em relação à gravidade da asma, histórias clínicas sugestivas de asma intermitente foram identificadas em 112 crianças (45,5%). Durante as exacerbações predominou a forma leve ou moderada em 206 ocasiões (83,7%) e as formas graves em menor freqüência (Tabela 1).
Os fármacos disponibilizados no serviço para o atendimento foram o fenoterol, o brometo de ipratrópio, o corticosteróide (dexametasona suspensão ou para uso injetável) e a aminofilina. Quanto à utilização dos fármacos, o fenoterol foi utilizado em todos os atendimentos. O brometo de ipratrópio foi utilizado em 210 crianças, o corticosteróide em 136 e a aminofilina em 4 crianças (Tabela 2).
Quanto à utilização dos fármacos, 69 dos atendimentos estiveram de acordo com o III CBMA (28,1%). Quanto às doses administradas, 34 dos atendimentos estiveram de acordo com o preconizado em todos os fármacos utilizados (13,8%). Em relação à via de administração do corticosteróide utilizado em 136 atendimentos, estiveram dentro das diretrizes preconizadas 76 casos (55,9%). O procedimento de nebulização foi realizado com oxigênio e fluxo a 6 L/min em 33 atendimentos (13,4%) (Tabela 2).
As doses de fenoterol apresentaram-se de acordo com as preconizadas em 61 atendimentos (24,8%). O brometo de ipratrópio foi utilizado em 210 procedimentos, tendo havido apenas um atendimento com a dose preconizada de acordo com o III CBMA. Os corticosteróides têm seus resultados referentes a dexametasona suspensão ou solução injetável, após cálculo de doses equivalentes às doses preconizadas de prednisona.(17) Foram observadas em 44 atendimentos doses equivalentes às preconizadas para a prednisona (32,4%) (Tabela 2).
O uso de oxigênio e o controle de fluxo preconizado pelo III CBMA foram observados em 83 atendimentos (33,7%), porém, o intervalo de nebulização na primeira hora, de vinte minutos, foi verificado em apenas 33 procedimentos (13,4%) (Tabela 2).
O teste de independência para associação entre tempo de permanência em unidade de emergência e as demais variáveis separadamente (Tabela 3) sugere uma associação entre o tempo de permanência e a utilização do corticosteróide na primeira hora, a intensidade da crise e a classificação da gravidade da asma (p < 0,05).
Na modelagem do estudo (regressão logística), realizando-se o teste de independência por cruzamento entre o tempo de permanência na emergência e as demais variáveis separadamente, obteve-se que apenas a intensidade da crise e a classificação da gravidade da asma permaneceram no modelo, possuindo associação com o tempo de permanência.
Após a aplicação do modelo de regressão, observou-se que crianças com asma de classificação persistente leve tiveram um risco quatro vezes maior (odds ratio = 4,17), e as crianças com classificação intermitente quinze vezes maior
Com relação à intensidade da crise, os atendimentos às crianças com crises moderadas e leves, 206 (83,7%), tiveram um risco ajustado aproximado de duas vezes (odds ratio = 2,56) de resultarem em alta do serviço de emergência antes do tempo preconizado pelo III CBMA para acompanhamento e avaliação da crise (Tabela 4).
DiscussãoO presente estudo procurou avaliar a utilização das condutas preconizadas no III CBMA em atendimentos em emergência pediátrica e a repercussão sobre o tempo de permanência no serviço. Além dos fármacos, procedeu-se à verificação do procedimento de nebulização.
Os resultados apontam que nos 246 atendimentos levantados houve um discreto predomínio de crianças do sexo masculino, 130 (52,8%), e da faixa etária de até três anos de idade.(18) Houve classificação da gravidade da asma intermitente em 112 atendimentos (45,5%) e intensidade da crise moderada ou leve em 206 crianças (83,7%). Observa-se que as formas de apresentação mais leves tanto da doença como da intensidade da crise prevaleceram.(18,19) Estas informações adquirem importância para a análise da conduta com relação ao uso de corticosteróide e anticolinérgico em emergência.
O estudo mostra que a utilização dos fármacos esteve de acordo com o preconizado(1-4) (ß2-agonista e anticolinérgico), exceção feita ao grupo das xantinas que, embora não tenha sua utilização preconizada(1-4) no serviço de emergência, foi utilizado em quatro crianças que se apresentaram refratárias ao tratamento e com tempo de permanência superior a cinco horas no serviço de emergência. Ressalta-se que a dose utilizada foi de 3 mg/kg, dose terapêutica mínima de ataque por via intravenosa, já que não foi possível a dosagem da concentração sérica de teofilina.(15)
Embora os três grupos de drogas escolhidas para o tratamento fossem adequados ao preconizado,(1-4) isto não ocorreu quanto a sua forma de utilização, como uso de anticolinérgico em crises diagnosticadas como moderada e leve, uso de corticosteróide na primeira hora em pacientes não córtico-dependentes e uso de aminofilina, responsáveis por 177 condutas não preconizadas (71,9%).(1-4) Não houve, porém, associação com o tempo de permanência das crianças no serviço (Tabela 2).
O ß2-agonista, mesmo tendo sido utilizado em todos os atendimentos, como é preconizado, não teve suas doses administradas na proporção de 0,1 mg/kg(1-4) em 185 atendimentos (75,2%). Provavelmente, este alto número de doses inferiores ao preconizado deveu-se ao fato de que os cálculos de dose foram realizados com a proporção de uma gota para três quilogramas de peso, o que é referendado por alguns autores(20) e pela recomendação do fabricante.(21)
O anticolinérgico brometo de ipratrópio tem dose preconizada(1) de 250 mcg a 500 mcg. Porém, nos 210 atendimentos onde foi utilizada esta droga, em 209 (99,5%) a dose esteve abaixo de 250 mcg. Cabe salientar que 197 atendimentos tiveram suas doses entre 100 e 249 mcg, em consonância com a recomendação do fabricante,(21) que é de 0,1 a 0,25 mg para crianças menores de seis anos. Apesar de ser recomendado(1) na associação ao ß2-agonista em crises graves, o brometo de ipratrópio foi utilizado em 170 crianças com crises moderada e leve e 3 crianças com crises grave e muito grave deixaram de recebê-lo.
Um estudo publicado em 1998,(22) envolvendo 434 crianças, concluiu que a adição do brometo de ipratrópio em crises graves reduz significativamente a necessidade de hospitalização de 53% para 38%. Porém, uma revisão sistemática de quatro estudos com crianças e adolescentes publicada no mesmo ano(23) não identificou nenhum benefício do brometo de ipratrópio em crises moderada e leve. Cabe salientar que o custo do brometo de ipratrópio no Brasil é cerca de dez vezes maior que o do fenoterol(24) e, portanto, sua utilização em crises moderada e leve deve ser criteriosa, considerando a otimização do uso de fármacos e sua implicação nos custos hospitalares.
O corticosteróide disponível no serviço foi a dexametasona suspensão ou para uso injetável. A via de administração para os corticosteróides (Tabela 2), não foi a preconizada(1-4) em 60 (44,1%) dos 136 atendimentos em que a droga foi utilizada. Foi responsável por este número a administração por via intramuscular, não recomendada habitualmente para uso em crianças, pois os corticosteróides com liberação prolongada quando administrados por via intramuscular apresentam uma absorção errática e uma grande variabilidade individual.(25-26) Na realidade apenas 7 crianças apresentavam vômitos, que justificavam a utilização da via intramuscular, os demais atendimentos onde a droga foi utilizada poderia ter sido administrada por via oral conforme orientação do consenso e minimizando o número de procedimentos invasivos, os custos com materiais e o número de horas de enfermagem.
A análise relativa às doses administradas de dexametasona ficou prejudicada por terem sido calculadas doses equivalentes à preconizada para corticosteróides de meia vida considerada
intermediária.(25)
As doses utilizadas em pediatria são em geral baseadas em estudos clínicos realizados com adultos, justificados por restrições éticas envolvendo pesquisa clínica com crianças. Estes estudos são a base farmacoterapêutica para a estimativa de doses pediátricas, sendo comum que doses preconizadas possam ser modificadas de acordo com a prática clínica. Alguns autores ingleses afirmam que a própria definição da palavra criança pode ser um dificultador da estimativa das doses terapêuticas, pois este termo contemplaria desde o neonato até o adolescente. Portanto, na tentativa de nortear as prescrições na prática clínica o Licensing Medicines for Children, em 1996, baseado em estudos conduzidos pela British Paediatric Association e Association of the British Pharmaceutical Industry, delimitou intervalos de idade que devem ser considerados, bem como a relação entre idade e peso e, em alguns casos, a área corporal.(27)
O procedimento utilizado para a terapia de nebulização esteve de acordo com o preconizado(1) em 33 atendimentos (13,4%) (Tabela 2). Deve ser realizado com uso de oxigênio a fluxo mínimo de 6 L/min e em intervalos de vinte minutos na primeira hora de atendimento.(1) Seu uso foi observado somente em 83 nebulizações para administração de ß2-agonista associado ou não ao anticolinérgico (33,7%), embora o serviço dispusesse de recursos para utilização de oxigênio em todos os procedimentos. Observou-se que tanto o oxigênio como o fluxo de oxigênio de 6 L/min só foram utilizados quando sua prescrição foi registrada na ficha de atendimento.
Ressalta-se a importância da utilização de oxigênio na terapia de nebulização com o objetivo de proteger os pacientes dos possíveis efeitos deletérios da combinação de hipoxemia e uso de ß2-agonista com manifestações diretas sobre o sistema cardiovascular.(28) O fluxo de oxigênio deve estar entre 6 e 9 L/min, caso contrário não será conseguida a forma de aerossol da solução nebulizável com partículas entre 2 e 4 µm.(29)
Os 33 atendimentos que cumpriram o protocolo de três nebulizações na primeira hora com intervalos de 20 minutos (13,4%) tiveram este procedimento prescrito de forma adequada. Os demais procedimentos, 213 (86,6%), obedeceram a intervalos de nebulizações variadas.
Observa-se na Tabela 3 que nas apresentações de menor gravidade tanto em relação à classificação da asma quanto à intensidade da crise, representadas respectivamente por 101 atendimentos de asma intermitente (41,1%) e 155 de crises moderadas e leves (63%), em que o tempo de permanência não esteve de acordo com o preconizado no III CBMA, o resultado foi especialmente determinado pela não observação da criança por no mínimo uma hora após uma boa resposta ao tratamento instituído.
Esta alta "precoce" do serviço de emergência pode ocasionar retornos freqüentes ao serviço ou ainda uma "desvalorização" da família em relação à crise da criança, dificultando a identificação de sinais de piora em casa.
Nas situações clínicas mais graves os parâmetros do III CBMA foram observados com maior freqüência e este dado refletiu-se em 51 (20,7%) e 28 (11,4%) atendimentos de pacientes com asma persistente moderada ou grave, e crises graves e muito graves, respectivamente, em que o tempo de permanência esteve de acordo com o III CBMA e cujos valores foram estatisticamente significativos (Tabela 3).
O uso de corticosteróide na primeira hora de atendimento mostrou uma associação com o tempo de permanência, pois o uso de corticosteróide na emergência possivelmente está relacionado a crises mais graves, em que os resultados com relação à observação das condutas propostas pelo consenso foram melhores (Tabela 3). Este resultado foi estatisticamente comprovado, com p = 0,004.
Um estudo recente(30) relata resultados da implantação de um protocolo de atendimento em emergência a adultos com crise asmática. Apesar do efeito positivo no atendimento aos pacientes, levando a uma maior utilização do pico de fluxo expiratório e oxímetro de pulso, maior número de prescrições de três nebulizações na primeira hora de atendimento e maior uso de corticosteróide por via oral, não se observou efeito significativo sobre tempo de permanência, taxas de internação e alta da emergência.
Devem-se salientar deficiências do serviço que poderiam ter comprometido o estabelecimento de condutas preconizadas pelo III CBMA, como: ausência de oxímetro de pulso para avaliação objetiva do tratamento e não disponibilidade do corticosteróide preconizado.
Os serviços de emergência contam em seus quadros funcionais com equipes multidisciplinares, das quais não fazem parte, necessariamente, especialistas. Nesses serviços a adoção de diretrizes de atendimento pode ser um agente facilitador para o trabalho em uma rotina em que freqüentemente estão presentes sobrecarga de trabalho, necessidade de rápida tomada de decisões, falta de padronização de condutas e dificuldade de comunicação entre os diversos membros da equipe.
Protocolos sistemáticos de atendimento da crise asmática na emergência podem colaborar no processo de educação permanente, visando à melhoria na qualidade da assistência. Deve-se ainda considerar que o tempo economizado na tomada de algumas decisões pode ser importante para o atendimento ao paciente de forma holística, humanizada, contemplando algumas ações educativas que podem colaborar para um menor número de visitas ao serviço de emergência, que muitas vezes é a porta de entrada ou único acesso do paciente asmático ao serviço de saúde.(14)
Os atendimentos de crianças com crises moderadas e leves tiveram um tempo de permanência abaixo do preconizado no III CBMA, ou seja, não foi observado o tempo mínimo de uma hora após uma boa resposta ao tratamento que permitisse considerar o quadro estável, possibilitando a alta.
Em conclusão, as condutas preconizadas pelo III CBMA encontraram barreiras diversas para sua aplicação, como a pouca familiaridade da equipe multidisciplinar com suas diretrizes, e ausência de recursos materiais e terapêuticos (oxímetro de pulso e corticosteróide de liberação intermediária).
É recomendável uma maior divulgação do III CBMA em meios acadêmicos, serviços de educação permanente e emergências, pela magnitude que estes setores apresentam na veiculação de informações a equipes multidisciplinares e à população em geral. A democratização destas informações pode levar à otimização de recursos, como a aquisição pelos serviços dos medicamentos preconizados e disponibilização de oxímetro de pulso e medidor de pico de fluxo expiratório, o que pode refletir na qualidade da assistência.
AgradecimentosAgradecemos a CAPES pelo apoio. À Profa. Dra. Marília de Carvalho Lima pelo auxílio na análise estatística e à Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Camaragibe.
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* Trabalho realizado na Unidade de Atendimento de Emergência Adulto e Pediátrica da Prefeitura Municipal de Camaragibe - Camaragibe (PE) Brasil.
1. Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Recife (PE) Brasil.
2. Doutora em Ciências Pneumológicas pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
3. Doutor em Farmacologia pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Almir Gonçalves Wanderley. Universidade Federal de Pernambuco. Departamento de Fisiologia e Farmacologia. Av. Prof. Moraes Rego, s/n, CEP 50670-901, Recife, PE, Brasil. Tel 55 81 2126-8530 Ramal 33. E-mail: almirgw@globo.com
Recebido para publicação em 29/11/05. Aprovado, após revisão, em 17/5/06.