ABSTRACT
Objective: To analyze the frequency of tuberculosis and of the other principal opportunistic infections defining acquired immunodeficiency syndrome at the time such cases were reported in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Methods: Analysis of the data compiled in the Rio de Janeiro Municipal Program for the Surveillance of Sexually Transmitted Diseases and Acquired Immunodeficiency Syndrome database from 1993 to 2002. Results: The expanded definition of a case of acquired immunodeficiency syndrome, implemented in 1998, resulted in a substantial increase in the number of reported cases of acquired immunodeficiency syndrome, especially of those defined by immunologic criteria. Among the cases of acquired immunodeficiency syndrome defined only by disease, esophageal candidiasis, in its various forms, remained the most common opportunistic infection present at the time the cases of acquired immunodeficiency syndrome were reported. Although Pneumocystis carinii pneumonia was the second leading opportunistic infection in most of the years evaluated, it was surpassed by tuberculosis in 2001. Conclusion: Despite the decreased numbers of cases of acquired immunodeficiency syndrome defined by disease, tuberculosis remains a significant acquired immunodeficiency syndrome-defining event, currently more common than P. carinii pneumonia and toxoplasmosis. This is probably due to the high rate of tuberculosis prevalence in the city.
Keywords:
Tuberculosis; Acquired immunodeficiency syndrome; AIDS-related opportunistic infections
RESUMO
Objetivo: Analisar a freqüência da tuberculose e das outras principais doenças oportunistas definidoras de síndrome da imunodeficiência adquirida, no momento em que estes casos são notificados, no Município do Rio de Janeiro. Métodos: Análise do banco de dados do Sistema de Vigilância Epidemiológica do Programa de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida da Cidade do Rio de Janeiro, no período de 1993 a 2002. Resultados: A expansão da definição de casos de síndrome da imunodeficiência adquirida ocorrida em 1998 criou um aumento substancial no número de casos notificados de síndrome da imunodeficiência adquirida, principalmente por aqueles que passaram a ser definidos pelo critério imunológico. Dentre os casos de síndrome da imunodeficiência adquirida que foram definidos apenas por doença, a candidíase em suas diversas formas manteve-se como a doença oportunista de maior freqüência no momento da notificação. Embora a pneumonia por Pneumocystis carinii se apresentasse como a segunda doença mais freqüente na maioria dos anos observados, a partir de 2001, a tuberculose ultrapassou-a em freqüência, tornando-se a segunda doença mais freqüente no momento da notificação dos casos de síndrome da imunodeficiência adquirida. Conclusão: Apesar da diminuição do número de casos de síndrome da imunodeficiência adquirida definidos por doença, a tuberculose manteve-se como um importante evento definidor dessa síndrome, sendo atualmente de ocorrência mais freqüente do que a pneumonia por Pneumocystis carinii e a toxoplasmose, provavelmente por sua alta taxa de prevalência na cidade.
Palavras-chave:
Tuberculose; Síndrome da imunodeficiência adquirida; Infecções oportunistas relacionadas com a AIDS
INTRODUÇÃOO emprego da terapia anti-retroviral (ARV) de alta potência está associado a uma diminuição na incidência da maioria das doenças oportunistas (DO).(1-2) No Brasil, a medicação ARV é fornecida gratuitamente para pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou para aqueles com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), de acordo com critérios de tratamento preconizados pelo Ministério da Saúde e adotados em todo o território nacional.(3) Desde 1982, mais de 28.000 casos de AIDS foram notificados ao Sistema de Vigilância Epidemiológica do Município do Rio de Janeiro.(4) Desde 1992 disponibilizou-se a zidovudina para a rede pública e, a partir de 1994, outros inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos também se tornaram disponíveis. No final de 1996, os medicamentos inibidores da protease foram adicionados ao arsenal de tratamento ARV, acarretando um importante impacto na expectativa de vida dos portadores de HIV/AIDS.(5-6) No início do ano de 2004 cerca de 22.000 indivíduos recebiam tratamento ARV em 54 serviços públicos de saúde na Cidade do Rio de Janeiro.
Pessoas infectadas pelo HIV são particularmente suscetíveis à tuberculose (TB), tanto por reativação de uma infecção latente quanto por rápida progressão de uma infecção recente para doença ativa.(7) A tuberculose permanece como um importante problema de saúde pública no Brasil, e em particular no Rio de Janeiro, segunda maior cidade do país, com uma população de 5,8 milhões de habitantes.(8) Entre 1995 e 2002 cerca de 6.500 casos novos de TB foram notificados ao sistema de vigilância epidemiológica desse município, a cada ano.(9) Isso corresponde a uma taxa de incidência média de 120/100.000 habitantes, valor aproximadamente 2,5 vezes maior que a taxa de incidência nacional.(10) Apesar da disponibilidade de assistência e de medicação gratuita aos pacientes e seus contatos, as taxas de cura ainda permanecem baixas, com uma média de 70% nos últimos cinco anos.(9)
Embora seja um retrato do momento do diagnóstico de AIDS, a análise das freqüências com que as DO surgem ao longo dos anos é útil tanto para o planejamento de ações dos programas como também na sinalização para possíveis eventos passíveis de prevenção encontrados nas pessoas com sorologia positiva para o HIV.
O objetivo deste trabalho foi analisar a freqüência da TB e das principais DO entre os casos de AIDS notificados no período entre 1993 e 2002, no Município do Rio de Janeiro, no momento de notificação dos casos dessa síndrome.
MÉTODOS As informações foram obtidas através da análise do Sistema de Informação de Agravos de Notificação - AIDS e, portanto, têm como fonte a notificação de casos de AIDS através das respectivas fichas. A base do sistema de informação é a Ficha Individual de Investigação, enviada mensalmente pelas unidades de saúde ao nível central da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Foram incluídos todos os casos de AIDS de pacientes com idade de treze anos ou mais notificados no período compreendido entre janeiro de 1993 e dezembro de 2002.
Os casos de AIDS foram definidos de acordo com a definição de 1998 e posteriores revisões de 2002 e de 2004 do Ministério da Saúde.(3)
De acordo com a definição vigente, para ser considerado caso de AIDS, o indivíduo com sorologia positiva para o HIV deve: apresentar um escore de dez pontos no Critério Rio de Janeiro/Caracas; e/ou apresentar qualquer evento relacionado no Critério do Centers for Disease Control and Prevention Adaptado; ou ter AIDS ou referência à infecção pelo HIV como causa básica ou associada no atestado de óbito.
De acordo com a nova definição, todos os indivíduos com sorologia
positiva para o HIV com contagem de linfócitos T CD4+ menor do que 350 células/mm3 passaram a ser notificados ao sistema de vigilância epidemiológica, independentemente de apresentarem alguma doença associada (Critério Centers for Disease Control and Prevention Adaptado).
Com o objetivo de manter a comparabilidade através dos anos, estratificamos os casos de AIDS por critério de definição: casos notificados com base apenas no critério imunológico (contagem de linfócitos T CD4+ < 350/mm3); casos notificados com base na ocorrência de DO.
Foi descrita a tendência temporal das principais doenças definidoras de AIDS ao longo desses dez anos, assim como foram relatadas as características dos casos de AIDS que tiveram a TB como doença definidora.
Os dados foram analisados através dos programas Epi-Info versão 6.04 e SPSS versão 11.5.
RESULTADOSDe janeiro de 1993 a dezembro de 2002, 22.976 casos de AIDS foram notificados à Vigilância Epidemiológica do Programa de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida do Município do Rio de Janeiro. Desse total, as cinco condições mais freqüentes que definiram os casos como AIDS, no momento em que estes foram notificados ao Sistema de Informação de Agravos de
Notificação podem ser vistas na Figura 1 e na Tabela 1. A partir de 1996 observamos um declínio de todas as doenças definidoras aí incluídas, mostrando a redução da morbidade relacionada à infecção pelo HIV após a introdução da terapia ARV de alta potência. Por fim, observa-se o aumento do número de casos notificados pelo critério imunológico, a partir de sua introdução em 1998.
Na Figura 2 foram retirados os casos de AIDS que foram notificados apenas pelo critério imunológico, mostrando, assim, a proporção de ocorrência das quatro DO mais freqüentes entre os casos de AIDS que foram definidos apenas por doença. A candidíase esofagiana manteve-se como a DO que mais freqüentemente ocorreu no momento da notificação, no período estudado. Embora a pneumonia por Pneumocystis carinii se apresentasse como a segunda doença mais freqüente ao longo dos primeiros anos analisados, a partir de 2001 a TB ultrapassou-a em freqüência, tornando-se a segunda doença mais freqüentemente observada no momento em que os casos de AIDS foram notificados.
Do total de casos de AIDS notificados no período estudado, 2.842 tinham a TB como doença associada no momento da notificação (12,4%). Dentre eles, 77% eram do sexo masculino e 23% do sexo feminino, mostrando um perfil semelhante àquele encontrado entre os casos de TB notificados ao Sistema de Vigilância Epidemiológica do Programa de Controle da Tuberculose do Rio de Janeiro, em que 65% dos casos são do sexo masculino e 35% do feminino (Figura 3).
A média de idade desse grupo manteve-se estável durante o período observado, mostrando que aproximadamente 90% dos casos de AIDS que tinham TB como doença associada encontravam-se na faixa etária entre 20 e 49 anos.
A Figura 4 representa a evolução da categoria de exposição ao HIV entre os casos de AIDS associados à TB, refletindo a importância atual da exposição heterossexual, observada, principalmente, a partir de 1997.
DISCUSSÃOApesar da diminuição da freqüência das DOs a partir de 1996, a TB mantém-se como um importante evento definidor de AIDS no Rio de Janeiro, sendo atualmente mais comum do que a pneumonia por Pneumocystis carinii e a toxoplasmose, fato este provavelmente relacionado à sua alta taxa de prevalência na cidade e ocorrência em níveis de imunodeficiência menos grave.
Os portadores do HIV apresentam um risco maior de desenvolver TB do que a população em geral.(11) Por ser um organismo com alto poder de virulência, Mycobacterium tuberculosis é, com freqüência, a primeira infecção oportunista que surge nos indivíduos com sorologia positiva para o HIV, acometendo indivíduos com níveis de CD4 mais altos do que aqueles usualmente observados para outras infecções oportunistas.
Com isso, o diagnóstico de TB pode ser o primeiro indicador de que uma pessoa esteja infectada pelo HIV.(12)
A redução da ocorrência das DO após a introdução da terapia ARV de alta potência aqui constatada foi um fenômeno também observado em outros países com acesso aos ARV,(13) estando relacionada à redução da mortalidade por AIDS no Município do Rio de Janeiro e no país.(14-15)
Essa redução teria como reflexo a diminuição dos casos de AIDS notificados exclusivamente pelo critério de DO. No entanto, o critério imunológico, introduzido em 1998, contribuiu para manter o número de notificações anuais no mesmo nível, evitando uma percepção errônea da dimensão da epidemia de AIDS no Brasil. É importante observar que os casos notificados apenas pelo critério imunológico provavelmente tiveram mais chance de diagnóstico precoce e, por isso, maior possibilidade de serem evitadas as infecções oportunistas pelo emprego das diferentes profilaxias existentes, beneficiando-se os pacientes da terapia ARV introduzida antes da imunodeficiência se instalar.(3) Atenção especial deve ser dada ao fato de a TB estar aumentando sua participação entre os casos notificados por doença, apesar de se dispor de medidas de quimioprofilaxia sabidamente eficazes.
Um estudo de prevalência realizado no Município do Rio de Janeiro em 1996 revelou que 10% dos pacientes com TB tratados nas unidades básicas de saúde estavam infectados pelo HIV. Esta taxa atingiu 15% a 35% quando foram considerados os casos notificados por hospitais.(16)
Pela freqüente associação de TB com infecção pelo HIV, é recomendada a adoção da testagem para todos os pacientes com TB, sendo esta, inclusive, uma recomendação oficial.(17) O aconselhamento e a testagem implicam inúmeros benefícios aos pacientes, como o diagnóstico precoce de infecção pelo HIV, que permite a introdução de terapia ARV e melhora a abordagem do paciente soropositivo, além da redução da transmissão do HIV por ações de prevenção associadas ao aconselhamento.
No Rio de Janeiro, ao longo dos últimos seis anos, observou-se significativo aumento na oferta de testes para o HIV aos pacientes com TB, embora o tempo para obtenção dos resultados permaneça longo. Em 1995, 21% dos pacientes portadores de TB realizaram o teste para o HIV enquanto que, em 2002, esta percentagem aumentou para 59%. Entre aqueles que realizaram o teste para o HIV nos últimos seis anos, 26,6% apresentaram resultado positivo. Entretanto, para 49% dos pacientes testados o resultado não estava disponível no momento da notificação do caso de TB.(9)
Diante deste quadro, todos os profissionais de saúde que lidam com pacientes com TB devem estar preparados para fazer o aconselhamento e oferecer o teste para o HIV. Da mesma forma, os indivíduos infectados pelo HIV devem ser rotineiramente submetidos ao teste tuberculínico e, se positivos com área de induração igual ou superior a 5 mm, deve ser realizada a profilaxia com isoniazida, como recomendado pelas normas publicadas pelo Ministério da Saúde.(17)
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* Trabalho realizado na Gerência de Pneumologia Sanitária da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro - SMS/RJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
1. Médica da Coordenação de Doenças Transmissíveis, Gerência de Pneumologia Sanitária, Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro - SMS-RJ/CDT/GPS - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
2. Médica e Assistente da Coordenação de Doenças Transmissíveis, Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro - SMS-RJ/CDT - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
3. Médica e Gerente do Programa de DST-AIDS, Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro - SMS-RJ/CDT/GDST-AIDS - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
4. Pesquisador do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde (DEMQS) da Fundação Osvaldo Cruz - FIOCRUZ; Médico da Coordenação de Doenças Transmissíveis, Gerência de Pneumologia Sanitária, Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro - SMS-RJ/CDT/GPS - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
5. Médica e Coordenadora da Coordenação de Doenças Transmissíveis, Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro - SMS-RJ/CDT; Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
6. Médica e Gerente de Pneumologia Sanitária, Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro - SMS-RJ/CDT/GPS; Médica do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) da Fundação Osvaldo Cruz - FIOCRUZ. - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Elizabeth Cristina Coelho Soares. Rua Afonso Cavalcanti, 455, sala 856, Cidade Nova - CEP: 20211-110, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Tel: 55 21 2503 2234. Email: eccsoares@rio.rj.gov.br
Recebido para publicação em 16/1/05. Aprovado, após revisão, em 29/11/05.