Ao Editor:Bolhas enfisematosas são definidas como vesículas maiores que 1 cm, cheias de ar e funcionalmente inertes, revestidas por uma parede externa fina, translúcida ou opalescente, com espessura menor que 1 mm, e constituída principalmente pela pleura visceral.(1) Sob condições de baixa pressão, as bolhas pulmonares podem sofrer expansão, levando à compressão mediastinal, ou mesmo se romper e causar pneumotórax hipertensivo, hemorragia maciça ou embolia gasosa, caracterizando um tipo pouco comum de barotrauma.(2)
O exemplo mais difundido de barotrauma é a embolia gasosa que ocorre em mergulhadores que retornam rapidamente à superfície após mergulhos em grandes profundidades, sendo raros os casos de barotrauma durante viagens aéreas. Por esse motivo, relatamos o caso de um paciente do sexo masculino, 62 anos de idade, que apresentou insuficiência respiratória aguda durante viagem aérea, devido à distensão de uma bolha pulmonar.
O paciente foi admitido em um serviço de pronto-atendimento com quadro de dor torácica de forte intensidade associada à dispneia de início súbito durante uma viagem aérea. O eletrocardiograma e a dosagem de enzimas cardíacas realizadas imediatamente após sua chegada foram normais. A radiografia de tórax demonstrou uma área de hipertransparência arredondada, em terço médio do pulmão esquerdo, comprimindo o parênquima pulmonar (Figura 1). A TC axial de tórax confirmou a presença da área de hipertransparência ocupando todo o segmento anterior do lobo superior esquerdo, medindo 12,2 × 9,0 cm, contendo uma fina camada líquida em seu interior. Não foram identificadas outras alterações. O paciente foi submetido à toracotomia esquerda, com intubação seletiva do pulmão, sendo encontrada uma bolha pulmonar, localizada no lobo superior, ocupando toda a face mediastinal do pulmão. Foi realizada ressecção e sutura com grampeador mecânico de toda a área comprometida e pleurodese abrasiva. Não foi observada nenhuma outra alteração macroscópica durante o ato operatório. Após o término da cirurgia, o paciente foi transferido para a UTI, acordado e extubado. Evoluiu bem no pós-operatório, com a retirada do dreno pleural no quinto dia. A radiografia de tórax de controle mostrou pulmão esquerdo reexpandido, com áreas de hipotransparência em seu terço médio, as quais foram atribuídas ao edema e ao hematoma no local da sutura. O exame histopatológico da peça cirúrgica foi compatível com malformação adenomatoide cística.
A malformação adenomatoide cística pulmonar geralmente é assintomática em adultos, sendo diagnosticada incidentalmente.(3) Alterações na pressão atmosférica podem levar à ruptura das bolhas pulmonares previamente assintomáticas. Esse fato pode ser explicado pela Lei de Boyle, segundo a qual o volume de uma massa de gás é inversamente proporcional à pressão exercida sobre ela.(4,5)
Em vôos comerciais, a pressão dentro da cabine de passageiros varia conforme a altitude alcançada. A cerca de 9.000 m de altitude, o avião é pressurizado para manter uma pressão interna equivalente a 2.400 m. Durante a subida, esta alteração resulta em uma queda de pressão de 760 mmHg (nível do mar) para 564 mmHg, atingida cerca de 20 min após a decolagem. A queda da pressão atmosférica nessa situação pode causar a expansão da bolha com compressão mediastinal, tal como aconteceu com este paciente, ou um aumento da pressão dentro da bolha acima de pressão de ruptura do pulmão, resultando em embolia sistêmica.(2) No presente caso, o paciente era assintomático, mas tinha conhecimento da presença da bolha pulmonar e realizava acompanhamento médico periódico. No entanto, nunca havia sido alertado para a possibilidade de barotrauma.
A abordagem cirúrgica das bolhas pulmonares é indicada em pacientes que apresentam complicações, tais como ruptura, pneumotórax, sangramento ou infecção. Nos casos de bolha pulmonar não complicada, a ressecção fica reservada aos pacientes sintomáticos e àqueles cujas bolhas ocupem uma área maior que 30% do hemitórax ou apresentem crescimento progressivo.(6) A ressecção videotoracoscópica das bolhas pulmonares apresenta boa eficácia e segurança quando indicada corretamente.(7) Uma alternativa menos invasiva e que evita complicações decorrentes da anestesia geral é a drenagem simples de tórax com anestesia local.(8) Independentemente da técnica utilizada, o tratamento de escolha para as malformações congênitas císticas e lesões pulmonares com achados radiológicos inconclusivos ainda é a ressecção cirúrgica, a fim de se realizar o estudo histológico e prevenir infecções ou a transformação neoplásica.(9) No presente caso, o paciente apresentou dor torácica e dispneia súbitas devido à expansão da bolha pulmonar localizada em lobo superior do pulmão esquerdo, confirmada pela radiografia de tórax. Segundo o paciente, a bolha não apresentava tamanha extensão nos exames de imagem anteriores. O tratamento escolhido foi a ressecção da bolha pulmonar por meio de toracotomia e sutura com grampeador mecânico associadas a pleurodese abrasiva.
A doença bolhosa pulmonar tem características de benignidade e, geralmente, não apresenta complicações. A variação pressórica da atmosfera determina alterações orgânicas que podem ser mais evidentes em cavidades pré-existentes, tais como as cavidades císticas pulmonares. Os pacientes portadores de lesões bolhosas devem ser avisados da possibilidade de distensão das mesmas em situações de variações pressóricas acentuadas, tais como em viagens aéreas ou mergulhos.
Fernando Luiz Westphal
Coordenador de Ensino e Pesquisa, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Faculdade de Medicina,
Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil
Luís Carlos de Lima
Cirurgião Chefe,
Serviço de Cirurgia Torácica,
Hospital Universitário Getúlio Vargas, Faculdade de Medicina,
Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil
José Corrêa Lima Netto
Médico Assistente,
Serviço de Cirurgia Torácica,
Hospital Universitário Getúlio Vargas, Faculdade de Medicina,
Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil
Márcia dos Santos da Silva
Médica Residente em Otorrinolaringologia,
Faculdade de Medicina,
Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil
Ingrid Loureiro de Queiroz Lima
Médica Residente em Clínica Médica, Faculdade de Medicina,
Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil
Danielle Cristine Westphal
Acadêmica de Medicina,
Faculdade de Medicina,
Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) BrasilReferências1. Klingman RR, Angelillo VA, DeMeester TR. Cystic and bullous lung disease. Ann Thorac Surg. 1991;52(3):576-80. http://dx.doi.org/10.1016/0003-4975(91)90939-N
2. Neidhart P, Suter PM. Pulmonary bulla and sudden death in a young aeroplane passenger. Intensive Care Med. 1985;11(1):45-7. PMid:3968301. http://dx.doi.org/10.1007/BF00256066
3. Nai GA, Zelandi Filho C, Viero RM, Defaveri J. Malformação congênita adenomatóide cística do pulmão: relato de quatro casos. J Pneumol. 1998;24(5):335-8.
4. Belcher E, Lawson MH, Nicholson AG, Davison A, Goldstraw P. Congenital cystic adenomatoid malformation presenting as in-flight systemic air embolisation. Eur Respir J. 2007;30(4):801-4. PMid:17906087. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00153906
5. Mellem H, Emhjellen S, Horgen O. Pulmonary barotrauma and arterial gas embolism caused by an emphysematous bulla in a SCUBA diver. Aviat Space Environ Med. 1990;61(6):559-62. PMid:2369396.
6. Menconi GF, Melfi FM, Mussi A, Palla A, Ambrogi MC, Angeletti CA. Treatment by VATS of giant bullous emphysema: results. Eur J Cardiothorac Surg. 1998;13(1):66-70. http://dx.doi.org/10.1016/S1010-7940(97)00294-7
7. Lin KC, Luh SP. Video-assisted thoracoscopic surgery in the treatment of patients with bullous emphysema. Int J Gen Med. 2010;3:215-20. PMid:20830196. PMCid:2934603.
8. Saad Júnior R, Mansano MD, Botter M, Giannini JA, Dorgan Neto V. Tratamento operatório de bolhas no enfisema bolhoso: uma simples drenagem. J Pneumol. 2000;26(3):113-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-35862000000300003
9. Morelli L, Piscioli I, Licci S, Donato S, Catalucci A, Del Nonno F. Pulmonary congenital cystic adenomatoid malformation, type I, presenting as a single cyst of the middle lobe in an adult: case report. Diagn Pathol. 2007;2:17. PMid:17555585. PMCid:1892770. http://dx.doi.org/10.1186/1746-1596-2-17