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Meta-análise

Trinta anos de irradiação craniana profilática em pacientes com câncer de pulmão de pequenas células: uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados

Thirty years of prophylactic cranial irradiation in patients with small cell lung cancer: a meta-analysis of randomized clinical trials

Gustavo Arruda Viani, André Campiolo Boin, Veridiana Yuri Ikeda, Bruno Silveira Vianna, Rondinelli Salvador Silva, Fernando Santanella

ABSTRACT

Objective: To determine the role of prophylactic cranial irradiation (PCI) in patients with small cell lung cancer (SCLC). Methods: We searched various databases, selecting randomized clinical trials published in journals or conference proceedings within the last 30 years and investigating the role of PCI in the mortality of patients with SCLC, submitted to PCI or not. Results: Sixteen randomized clinical trials, collectively involving 1,983 patients, were considered eligible for inclusion. Of those 1,983 patients, 1,021 were submitted to PCI and 962 were not. Overall mortality was 4.4% lower in the patients submitted to PCI than in those who were not (OR = 0.73; 95% CI: 0.57-0.97; p = 0.01), especially among the patients showing a complete response after induction chemotherapy (OR = 0.68; 95% CI: 0.50-0.93; p = 0.02) and in those submitted to PCI after that treatment (OR = 0.68; 95% CI: 0.49-0.94; p = 0.03). That decrease did not correlate with the stage of the disease: limited disease (OR = 0.73; 95% CI: 0.55-0.97; p = 0.03); and extensive disease (OR = 0.48; 95% CI: 0.26-0.87; p = 0.02). Conclusions: Our findings suggest that PCI decreases mortality in patients with SCLC, especially in those showing a complete response after induction chemotherapy and in those submitted to PCI after that treatment, regardless of the stage of the disease.

Keywords: Small cell lung carcinoma; Radiotherapy; Survival analysis.

RESUMO

Objetivo: Determinar o papel da irradiação craniana profilática (ICP) em pacientes com câncer de pulmão de pequenas células (CPPC). Métodos: Foi realizada uma pesquisa para selecionar estudos em várias bases de dados, com os seguintes critérios de inclusão: ensaios clínicos randomizados, publicados em periódicos ou em anais de congressos nos últimos 30 anos, avaliando o papel da ICP sobre a mortalidade em pacientes com CPPC que receberam ICP ou não. Resultados: Foram considerados elegíveis 16 estudos clínicos randomizados, os quais envolveram 1.983 pacientes. Entre esses, 1.021 foram submetidos a ICP e 962 não foram submetidos a ICP. Houve uma redução absoluta na mortalidade de 4,4% nos pacientes submetidos a ICP quando comparados com o grupo controle (OR = 0,73; IC95%: 0,57-0,97; p = 0,01), principalmente naqueles com resposta completa à quimioterapia de indução (OR = 0,68; IC95%: 0,50-0,93; p = 0.02) e que foram submetidos a ICP ao término desse tratamento (OR = 0,68; IC95%: 0,49-0,94; p = 0.03). A diminuição da mortalidade não se correlacionou com o estádio da doença: doença limitada (OR = 0,73; IC95%: 0,55-0,97; p = 0,03) e doença extensa (OR = 0,48; IC95%: 0,26-0,87; p = 0,02). Conclusões: Nossos achados sugerem que a ICP reduz a mortalidade em pacientes com CPPC, principalmente naqueles com resposta a quimioterapia de indução e que sejam submetidos a ICP ao término desse tratamento, independentemente do estadiamento da doença.

Palavras-chave: Carcinoma de pequenas células do pulmão; Radioterapia; Análise de sobrevida.

Introdução

O câncer de pulmão é a principal causa de morte por câncer nos EUA, sendo responsável por aproximadamente 31% e 26% de todas as mortes por câncer em homens e em mulheres, respectivamente.(1) No Brasil, a estimativa para o ano de 2010 era de que 27.630 pessoas seriam atingidas, sendo 17.800 homens e 9.830 mulheres.(2) Na prática clínica, os carcinomas de pulmão são classificados em câncer de pulmão de pequenas células (CPPC) e câncer de pulmão não pequenas células. O CPPC corresponde a 13-20% de todos os tipos de câncer de pulmão, tendo grande relação com o tabagismo.(3) Com relação à terapêutica do CPPC, os resultados deixam a desejar. Os regimes quimioterápicos baseados em cisplatina ainda são o melhor tratamento para esses tumores em estádio extenso, aumentando a sobrevida sem um aumento significativo da toxicidade.(3) Entretanto, apesar da alta taxa de resposta inicial ao tratamento quimioterápico (60-70% de resposta à quimioterapia nos casos de doença extensa), a sobrevida média está em torno de 10 meses.(3) Isso se deve ao fato de que, mesmo com altas taxas de resposta, as recidivas são comuns, bem como as metástases. Nos pacientes que alcançam a remissão completa, metástases cerebrais ocorrem em 50-60% dos casos após dois anos, e, em 20-30% desses, o cérebro será o único sítio aparente de recidiva. Baseados nesses dados, diversos ensaios clínicos randomizados (ECRs) têm investigado o papel da irradiação craniana profilática (ICP) em pacientes com CPPC, seja com doença extensa, seja com doença limitada.(4-19) Uma meta-análise publicada em 1999, que incluiu 7 ECRs com 987 pacientes com CPPC e resposta completa a quimioterapia, evidenciou um aumento de 5,4% na sobrevida em três anos naqueles pacientes submetidos à ICP.(20) No entanto, desde a sua publicação, diversos ECRs têm sido publicados e dúvidas ainda persistem a respeito das indicações de ICP, tanto em pacientes com doença extensa quanto nos doentes com doença limitada e sem resposta completa a quimioterapia. Além disso, há incertezas quanto à melhor dose de ICP e a toxicidade relacionada ao tratamento. Dessa forma, o objetivo primário de nossa meta-análise foi avaliar o papel da ICP na mortalidade em pacientes com CPPC, com o objetivo secundário de analisar o impacto da resposta à quimioterapia, da extensão da doença e da dose de ICP sobre a mortalidade nesses pacientes.

Métodos

Os critérios de inclusão para os estudos utilizados na presente meta-análise são descritos a seguir:

Foram incluídos ECRs ou revisões sistemáticas de ECRs, publicados na íntegra em periódicos ou em outras publicações (anais de congressos), com pacientes com CPPC submetidos a tratamento de indução (quimioterapia/radioterapia), comparando aqueles submetidos a ICP com aqueles não submetidos a ICP, independentemente do estádio da doença (limitada ou extensa) e da resposta ao regime quimioterápico.

As intervenções estudadas foram o uso de IPC ou a observação da população do estudo.

O desfecho primário avaliado na presente meta-análise foi a influência da ICP na redução da mortalidade geral. Como desfechos secundários, avaliamos essa influência em termos das doses totais de ICP (< 20 Gy; 20-25 Gy; 25-30 Gy; e > 30 Gy), da resposta completa ao tratamento de indução ou não, e do estádio da doença (extensa ou limitada).
A estratégia de busca para a seleção de artigos é descrita a seguir. Foram consultadas as bases de dados Medline (Ovid) e CancerLit (Ovid) - artigos publicados entre janeiro de 1996 e dezembro de 2010 - assim como Cochrane Library (Issue 2, 2010). Foram utilizados os seguintes descritores: "prophylactic"[All Fields] AND ("skull"[MeSH Terms] OR "skull"[All Fields] OR "cranial"[All Fields]) AND ("radiotherapy"[Subheading] OR "radiotherapy"[All Fields] OR "radiotherapy"[MeSH Terms]) AND ("lung neoplasms"[MeSH Terms] OR ("lung"[All Fields] AND "neoplasms"[All Fields]) OR "lung neoplasms"[All Fields] OR ("lung"[All Fields] AND "cancer"[All Fields]) OR "lung cancer"[All Fields]) AND ("Small"[Journal] OR "small"[All Fields]) AND "cell"[All Fields] OR "cells"[MeSH Terms] OR "cells"[All Fields]). Esses termos foram então combinados com os seguintes formatos de artigos: diretrizes, revisões sistemáticas, meta-análises, revisões, ECRs e ECRs controlados. Além disso, foram pesquisados os ensaios clínicos no banco de dados The Physician Data Query (http://www.cancer.gov/clinicaltrials/search), assim como os anais de congressos da American Society of Clinical Oncology, da American Society for Therapeutic Radiology and Oncology (de 1992 a 2010), da European Society of Therapeutic Radiology and Oncology (de 2000 a 2010) e da European Society for Medical Oncology (de 1998 a 2010), buscando-se resumos relevantes. Os artigos relevantes e os resumos foram selecionados e revistos por dois pesquisadores, e a lista de referências dessas fontes foram pesquisadas para estudos adicionais. Os ECRs identificados pela estratégia de busca foram analisados para determinar se eles respeitavam os critérios de inclusão.

A análise dos dados coletados foi feita com o programa Review Manager, versão 5.0 (RevMan 5; Cochrane Collaboration, Oxford, Reino Unido). Todas as análises foram feitas com base na intenção de tratamento dos pacientes, ou seja, adotamos um método pelo qual todos os pacientes designados para um grupo de tratamento foram incluídos na análise estatística de acordo com a randomização, independentemente de terem recebido tratamento ou de terem sido excluídos da análise pelos investigadores. Para as variáveis categóricas, as estimativas de risco relativo e respectivos IC95% foram calculados usando o software RevMan 5, de acordo com o método de Peto.(21) Os resultados para heterogeneidade foram testados e foram considerados significativos para um valor de p < 0,05, de acordo com os métodos desenvolvidos por DerSimonian  Laird.(22) O modelo de efeitos fixos foi utilizado quando não havia evidência de heterogeneidade entre os estudos; se houvesse evidência de heterogeneidade, o modelo de efeito randômico foi usado para a meta-análise. Para cada ensaio, foram calculados OR e IC95%, apresentados em representações gráficas de tipo forest plot. Quando possível, a análise foi feita separadamente para cada grupo, definidos como ICP e observação em cada um dos dois braços. As análises de subgrupo para cada resultado foram feitas recalculando-se OR e IC95% para cada uma das seguintes comparações: resposta ou não à quimioterapia; doença extensa ou limitada; e entre os diferentes períodos de inicio da ICP em relação à quimioterapia. Nós avaliamos a heterogeneidade entre os estudos utilizando a estatística I2. Essa estatística descreve a proporção da variação total entre os estudos que são decorrentes da heterogeneidade e não do acaso. A interpretação do I2 depende da magnitude e da direção dos efeitos, bem como da força da evidência para a heterogeneidade (isto é, o valor de p pelo teste do qui-quadrado ou o IC95% para I2). Para a detecção de viés de publicação, nós utilizamos o método gráfico do tipo funnel plot. Por esse método, uma assimetria no gráfico representa a presença de viés, principalmente devido à presença de estudos com amostras pequenas, que são tendenciosos ao mostrarem grandes valores de OR, e também devido ao fato de que esses tipos de estudos, sem resultados significantes, são menos prováveis de serem publicados.

Resultados

Um total de 16 ECRs,(4-19) publicados entre 1977 e 2007, foram considerados elegíveis para a inclusão no presente estudo. Suas principais características estão resumidas na Tabela 1. O número total de pacientes elegíveis incluídos foi de 1.983, com 1.021 pacientes randomizados para o grupo ICP e 962 pacientes para o grupo controle. Em 7 estudos (894 pacientes),(4,5,7,11,15) foi avaliado o papel da ICP em pacientes que tiveram uma resposta completa após a quimioterapia de indução. Em 5 estudos,(6,9,12-14) foi avaliado o papel da ICP administrada no início da quimioterapia de indução em pacientes considerados como livres de metástases cerebrais. Em 7 estudos (894 pacientes),(4,5,7,11,15) foi avaliado o papel da ICP em pacientes que a receberam durante a quimioterapia de indução. Em 2 estudos,(6,8) a ICP foi dada como tratamento de consolidação no final da quimioterapia, antes da avaliação da resposta. Em 10 estudos,(4-6,11,12,14,15) foram incluídos pacientes independentemente do estadiamento da doença (local ou extensa).(6-9,13) Por outro lado, em 6 estudos, foram incluídos somente pacientes com doença limitada, enquanto, em apenas 1 estudo, foram incluídos somente aqueles com doença extensa.(16)



Mortalidade geral

Todos os 16 estudos reportaram os resultados sobre mortalidade em um ano, resultando em 1.983 pacientes (1.021 submetidos a ICP e 962 sem ICP). Combinando-se os dados dos 16 estudos, a ICP foi associada com uma redução significativa na mortalidade geral dos pacientes com CPPC, quando comparados com os pacientes sem ICP (OR = 0,73; IC95%: 0,57-0,97; p = 0,01), com uma redução absoluta na mortalidade de 4,4%, ou seja, para cada 25 pacientes tratados, evita-se uma morte (Figura 1). Não houve heterogeneidade através dos estudos (p = 0,3), demonstrando que os resultados são válidos.



Mortalidade e a resposta à quimioterapia

Uma análise de subgrupo foi realizada para se avaliar o impacto da resposta à quimioterapia sobre a mortalidade. Desse modo, os resultados foram estratificados de acordo com a avaliação da resposta a quimioterapia, gerando dois grupos: aquele com resposta completa à quimioterapia e aquele sem resposta à quimioterapia. A análise de subgrupos identificou que os pacientes com resposta à quimioterapia (1.320 pacientes em 9 estudos) se beneficiaram do uso da ICP (OR = 0,68; IC95%: 0,50-0,93; p = 0,02), com uma redução absoluta na mortalidade de 5%, ou seja, para cada 20 pacientes tratados, evita-se uma morte (Figura 2). Por outro lado, não houve qualquer benefício da ICP para os pacientes sem resposta a quimioterapia (663 pacientes em 7 estudos; OR = 0,81; IC95%: 0,56-1,19; p = 0,29). Não houve heterogeneidade através dos estudos (p = 0,57), demonstrando que os resultados são válidos.



Mortalidade e estádio da doença

Uma análise de subgrupo foi realizada para avaliar o impacto da extensão da doença sobre a mortalidade. Para isso, os resultados foram estratificados de acordo com o estádio do CPPC, gerando dois grupos: doença limitada e doença extensa. A análise de subgrupos identificou que os pacientes com doença limitada (1.305 pacientes em 12 estudos) se beneficiaram do uso da ICP (OR = 0,73; IC95%: 0,55-0,97; p = 0,03), com uma redução absoluta na mortalidade de 4%, ou seja, para cada 25 pacientes tratados, evita-se uma morte em um ano (Figura 3). Para a doença extensa, também houve beneficio do uso de ICP (423 pacientes em 8 estudos; OR = 0,48; IC95%: 0,26-0,87; p = 0,02), com uma redução absoluta na mortalidade de 8%, ou seja, para cada 12 pacientes tratados, evita-se uma morte em um ano (Figura 3). Não houve heterogeneidade através dos estudos (p = 0,83), demonstrando que os resultados são válidos.



Mortalidade e tempo para a realização da ICP

Na análise de subgrupo para a avaliação do tempo para a realização da ICP em relação ao tratamento de indução, foram criados dois grupos: ICP realizada no início do tratamento de indução (quimioterapia/radioterapia) e ICP após o tratamento de indução. A análise de subgrupos identificou que o grupo ICP realizada após o tratamento de indução (1.320 pacientes em 9 estudos) se beneficiou do uso da ICP (OR = 0,68; IC95%: 0,49-0,94; p = 0,03), com uma redução absoluta na mortalidade de 5%, ou seja, para cada 20 pacientes tratados, evita-se uma morte (Figura 4). Por outro lado, não houve qualquer benefício de ICP para o grupo ICP no início do tratamento de indução (663 em 7 estudos; OR = 0,81; IC95%: 0,56-1,19; p = 0.29). Não houve heterogeneidade através dos estudos (p = 0,57), demonstrando que os resultados são válidos.



Mortalidade e dose de ICP

Na análise de subgrupo para a avaliação das diferentes doses e a mortalidade geral, foram criados quatro grupos com base nos níveis de dose: < 20 Gy; de 20-25 Gy; de 25-30 Gy; e > 30 Gy. Com essa estratificação, não houve beneficio para a redução de mortalidade em nenhum dos subgrupos, evidenciando que não houve uma relação entre o aumento de dose com a redução da mortalidade (OR = 0,81; IC95%: 0,56-1,19; p = 0.29).

Discussão

No final da década de 1970, os ECRs comparando o tratamento de pacientes com CPPC em remissão completa, com e sem ICP, consistentemente revelaram uma diminuição significativa na incidência de metástases cerebrais e sem o aumento de complicações neurológicas evidentes nos pacientes tratados com ICP.(6,8-10,12) Entretanto, os resultados permaneceram inconclusivos em relação ao beneficio da ICP sobre a sobrevida global até a década de 1990, quando, em 1999, com o objetivo de orientar e guiar as recomendações para a prática clínica em pacientes com CPPC, uma meta-análise foi realizada, a qual incluiu 7 ECRs, com 987 pacientes.(20) Os critérios para inclusão dos ensaios clínicos naquela meta-análise foram limitados (pacientes que haviam sido tratados com quimioterapia sistêmica, com ou sem radioterapia torácica, resposta clínica completa e que foram posteriormente randomizados para receber ou não ICP). O novo e importante achado oriundo daquela meta-análise foi a melhora significativa na sobrevida global e na sobrevida livre de doença para os pacientes submetidos à ICP. Entretanto, desde a publicação daquela meta-análise, dúvidas ainda persistem quanto ao tempo ideal do início da ICP em relação à quimioterapia, se realmente há benefícios no uso da ICP para pacientes com doença extensa e qual a dose de radioterapia é mais efetiva. Dessa forma, o objetivo primário de nossa meta-análise foi tentar avaliar quais subgrupos de pacientes com CPPC mais se beneficiam do uso da ICP. Avaliando 1.983 pacientes incluídos em 16 ECRs, nossos dados demonstram que a ICP reduz a mortalidade por CPPC em aproximadamente 4%, principalmente nos pacientes com resposta completa a quimioterapia e com a realização da ICP ao término da quimioterapia de indução, independentemente do estádio da doença. Esses resultados são semelhantes àqueles da meta-análise publicada em 1999, na qual o benefício da ICP foi de 5,4%.(20) No entanto, a presente meta-análise difere da anterior devido à inclusão de ECRs com pacientes com doença extensa e sem resposta à quimioterapia.

Em uma segunda meta-análise, publicada em 2001, Meert et al.(23) avaliaram o benefício da ICP em pacientes com CPPC oriundos de 12 ECRs (total de 1.547 pacientes). Os critérios de inclusão naquela meta-análise foram similares aos nossos, permitindo a inclusão de ECRs com pacientes com doença extensa, com ou sem resposta completa a quimioterapia. Entretanto, Meert et al.(23) não conseguiram evidenciar qualquer beneficio para a sobrevida global nos pacientes com doença extensa ou naqueles que não tinham sido submetidos à tomografia de crânio antes da randomização. Além disso, outro resultado obtido em nossa meta-análise - e não observado nas meta-análises anteriores - foi a redução da mortalidade para os pacientes que receberam ICP após a quimioterapia de indução. Para nós, esse resultado deve ser interpretado com cautela, já que, em nenhum momento, ele reflete o tempo, em meses ou em dias, no qual a ICP deva ser feita, mas sim, provavelmente, isso reflete a seleção de pacientes com boas taxas de resposta ao tratamento inicial, os quais se beneficiarão do tratamento. Consequentemente, esse dado realmente confirma a resposta à quimioterapia de indução, parcial ou completa, como um marcador prognóstico importante para a seleção e a orientação do tratamento. Além disso, tal resultado levanta a hipótese de que pacientes com qualquer resposta a quimioterapia de indução podem se beneficiar da ICP em termos de mortalidade, pois foram incluídos os pacientes com qualquer resposta à quimioterapia de indução. Em relação à dose da ICP, evidências indiretas, oriundas da meta-análise citada anteriormente,(20) apoiam que doses elevadas de ICP reduzem a incidência de metástases cerebrais. A análise da dose naquele estudo foi feita através da estratificação da ICP em quatro níveis de dose (8 Gy; 24-25 Gy; 30 Gy; e 36-40 Gy).(20) Uma tendência estatisticamente significativa para um melhor controle das metástases cerebrais foi observada com doses totais crescentes de radiação. Recentemente, a dose de radiação da ICP foi diretamente avaliada em um ensaio clínico multicêntrico de fase III, no qual 720 pacientes com CPPC em estádio limitado e com resposta completa ao tratamento inicial foram aleatoriamente randomizados para ICP com dose de 25 Gy em 10 frações ou de 36 Gy (administradas em 18 frações de 2 Gy ao dia ou em 24 frações de 1,5 Gy, administradas duas vezes ao dia).(24) Entre os pacientes randomizados para o braço de tratamento com 36 Gy, 78% receberam a ICP uma vez por dia. Em dois anos, as taxas de incidência de metástases cerebrais foram de 23% e de 29% para as doses de 36 Gy e 25 Gy, respectivamente. Essa diferença não foi estatisticamente significativa (hazard ratio [HR] = 0,80; IC95%: 0,57-1,11). No entanto, a dose de 36 Gy foi associada com uma taxa significativamente mais baixa de sobrevida em dois anos (37% vs. 42%; HR = 1,20; IC95%: 1,00-1,44). Até o momento, não há nenhuma explicação óbvia para o aumento da mortalidade no grupo tratado com doses mais elevadas de ICP naquele estudo.(24) Em nosso estudo, ao avaliarmos a dose de ICP, não encontramos nenhuma diferença estatisticamente significativa na mortalidade entre os estudos que usaram os diferentes níveis de dose estudados. Entretanto, esses resultados não foram avaliados em relação à resposta à quimioterapia ou ao estádio da doença, o que possivelmente pode mascarar qualquer efeito do aumento da dose sobre a mortalidade.

Em conclusão, a presente meta-análise sugere que a ICP reduz a mortalidade em pacientes com CPPC, principalmente naqueles com resposta à quimioterapia de indução e submetidos a ICP ao término desse tratamento, independentemente do estadiamento da doença. Dessa forma, esses dados levantam a hipótese de que pacientes com qualquer tipo de resposta à quimioterapia de indução possam se beneficiar da ICP e não apenas os pacientes com resposta completa, como indicado em meta-análises prévias. Consequentemente, a ICP deveria ser dada como tratamento padrão em futuros estudos envolvendo esse tipo de pacientes.

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Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Marília - FAMEMA - Marília (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Gustavo Arruda Viani. Avenida Marília Cecília Alves, 192, CEP 17516-660, Marília, SP, Brasil.
Tel. 55 14 3454-2065. Fax: 55 14 3402-1744. E-mail: gusviani@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 19/9/2011. Aprovado, após revisão, em 22/2/2012.


Sobre os autores

Gustavo Arruda Viani
Professor Assistente. Departamento de Radioterapia e Oncologia, Faculdade de Medicina de Marília - FAMEMA - Marília (SP) Brasil.

André Campiolo Boin
Acadêmico de Medicina. Faculdade de Medicina de Marília - FAMEMA - Marília (SP) Brasil.

Veridiana Yuri Ikeda
Acadêmica de Medicina. Faculdade de Medicina de Marília - FAMEMA - Marília (SP) Brasil.

Bruno Silveira Vianna
Acadêmico de Medicina. Faculdade de Medicina de Marília - FAMEMA - Marília (SP) Brasil.

Rondinelli Salvador Silva
Acadêmico de Medicina. Faculdade de Medicina de Marília - FAMEMA - Marília (SP) Brasil.

Fernando Santanella
Médico Residente em Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Marília - FAMEMA - Marília (SP) Brasil.

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