ABSTRACT
Objective: To evaluate the accuracy of bacteriological methods and of polymerase chain reaction (with primers specific for IS6110 of the Mycobacterium tuberculosis complex) in testing sputum samples from indigenous (Amerindian) and non-indigenous patients. Methods: A total of 214 sputum samples (154 from indigenous patients and 60 from non-indigenous patients) were analyzed in order to determine the accuracy of smear microscopy (direct and concentrated versions) for acid-fast bacilli, culture, and polymerase chain reaction. Results: Both microscopy methods presented low sensitivity in comparison with culture and polymerase chain reaction. Specificity ranged from 91% to 100%, the concentrated acid-fast smear technique being the least specific. Nontuberculous mycobacteria were isolated three times more frequently in samples from indigenous patients than in those from non-indigenous patients. False-positive and false-negative polymerase chain reaction results were more common in the indigenous population. Conclusion: Positivity and isolation of nontuberculous mycobacteria in the acid-fast smear in conjunction with polymerase chain reaction positivity raise the following hypotheses: nontuberculous mycobacteria species with DNA regions homologous to, or even still possessing, the M. tuberculosis IS6110 exist in the Amazon; colonization of the oropharynx or of a tuberculous lesion accelerates the growth of the nontuberculous mycobacteria present in the sputum samples, making it impossible to isolate M. tuberculosis; A history of tuberculosis results in positivity for M. tuberculosis DNA. The absence of bacteriological positivity in the presence of polymerase chain reaction positivity raises questions regarding the inherent technical characteristics of the bacteriological methods or regarding patient history of tuberculosis.
Keywords:
Tuberculosis, pulmonary/diagnosis; Mycobacterium tuberculosis, Polymerase chain reaction/methods; Indians, south american
RESUMO
Objetivo: Avaliar a acurácia dos métodos bacteriológicos e da reação em cadeia da polimerase com oligonucleotídeos específicos para a IS6110 do complexo Mycobacterium tuberculosis, em amostras de escarro de indígenas e não indígenas. Métodos: Analisaram-se 214 amostras de escarro (154 de indígenas e 60 de não indígenas) quanto à acurácia da baciloscopia direta e pós-concentração, cultivo e reação em cadeia da polimerase. Resultados: Ambos os métodos baciloscópicos, quando comparados com o cultivo ou a reação em cadeia da polimerase foram de baixa sensibilidade. A especificidade variou de 91% a 100%, sendo a baciloscopia pós-concentração menos específica. Nas amostras indígenas constataram-se três vezes mais isolamentos de micobactérias não tuberculosas do que nas não indígenas. Resultados da reação em cadeia da polimerase aparentemente falsos-positivos e negativos foram encontrados com maior freqüência na população indígena. Conclusão: Baciloscopias positivas para bacilos álcool-acidorresistentes com isolamento de micobactérias não tuberculosas e reação em cadeia da polimerase positiva estabelecem as hipóteses de: existência na Amazônia de espécies de micobactérias não tuberculosas com regiões do DNA homólogas à IS6110 ou ainda que possuam a IS6110, até então só descrita no complexo M. tuberculosis; impossibilidade de isolamento do M. tuberculosis pelo crescimento mais rápido de micobactérias não tuberculosas presentes nas amostras de escarro, por colonização da orofaringe ou da lesão tuberculosa; presença de DNA de M. tuberculosis devida a antecedente de tuberculose. A ausência de positividade em resultados bacteriológicos com reação em cadeia da polimerase positiva sugere questões técnicas inerentes aos métodos bacteriológicos ou precedentes de tuberculose.
Palavras-chave:
Tuberculose pulmonar/diagnóstico; Mycobacterium tuberculosis, Reação em cadeia da polimerase/métodos; Índios sul-americanos
INTRODUÇÃONo Brasil, a tuberculose (Tb) ainda permanece como um grave problema de saúde pública. Em 2002, foram registrados 7.061 casos novos de Tb na Região Norte, refletindo uma incidência de 52,29/100.000. A média nacional no referido ano foi de 48/100.000. No Estado do Amazonas foram registrados 2.194 casos, uma incidência de 74,08/100.000, a maior da Região Norte.(1)
Uma situação mais grave é verificada na população indígena da região do Rio Cauaburis (Alto Rio Negro/Estado do Amazonas), onde vivem 1.455 índios da etnia yanomami. Em 2002, de acordo com os dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro pelo Desenvolvimento Sanitário, 21 yanomamis foram tratados para Tb, o que representou uma incidência de 1.443,3/100.000. Destes, 17 tinham formas pulmonares e 4 extrapulmonares da doença. Dentre os casos pulmonares, em apenas 4 foram detectados bacilos álcool-acidorresistentes no escarro pelo método da baciloscopia (23,5%). Os demais foram diagnosticados, presuntivamente, pela forte sintomatologia pulmonar ou presença de lesões na pele indicativas de Tb cutânea.
Esses resultados refletem a baixa concentração bacilar nas secreções pulmonares dos indígenas, o que já havia sido relatado por alguns autores(2) que realizaram baciloscopia pós-concentração e cultivo em aldeias yanomamis da região do Marauia. Entretanto, a eficácia do cultivo permaneceu desconhecida pela não realização de outro método de alta sensibilidade e especificidade para análise comparativa.
Atualmente, entre os novos métodos laboratoriais para diagnóstico da Tb, destaca-se a reação em cadeia da polimerase (PCR). Essa técnica fornece resultado em um período de tempo semelhante ao da baciloscopia, exige concentrações bacilares semelhantes às do cultivo e é capaz de definir a etiologia do agente causal.(3-4) Mediante estes conhecimentos, o presente estudo teve como objetivo avaliar a PCR com oligonucleotídeos para a seqüência IS6110 do complexo Mycobacterium tuberculosis, em amostras de escarro de indígenas yanomamis da região do Rio Cauaburis e de pacientes não indígenas residentes na cidade de Manaus (AM), sendo todos sintomáticos respiratórios com suspeita de Tb pulmonar.
MÉTODOSNo ano de 2002, foram coletadas as secreções pulmonares de 60 pacientes não indígenas e 158 indígenas, sintomáticos respiratórios com suspeita de Tb pulmonar e residentes no Estado do Amazonas. Uma amostra de escarro espontâneo de cada paciente foi coletada e processada para o diagnóstico de Tb por métodos bacteriológicos e pela PCR.
Das amostras de indígenas, 110 foram coletadas na Casa do Índio, situada na periferia da cidade de Manaus e processadas no mesmo dia.
As demais 48 foram coletadas na aldeia e acrescidas de solução de cloreto de cetilpiridínio (solução descontaminante) logo após o ato de coleta, como indicado por David et al.(5) Estas foram processadas após cinco dias de transporte, período esse necessário para a locomoção da aldeia indígena até a cidade de Manaus.
Como controle negativo das análises pela PCR, foram também incluídas vinte amostras de escarro espontâneo de pacientes portadores de viroses respiratórias, atendidos no Ambulatório Araújo Lima da Universidade Federal do Amazonas, no ano de 2004. Nestes casos, o diagnóstico de Tb foi excluído pela submissão das amostras aos métodos bacteriológicos (baciloscopia e cultivo para micobactérias) e pelo seguimento clínico de no mínimo seis meses.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e ratificado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
As 48 amostras oriundas de indígenas e transportadas em solução de cloreto de cetilpiridínio foram homogeneizadas e 0,2 mL de cada amostra foi distendido em lâmina de microscopia para a realização da baciloscopia direta. O restante de cada amostra foi centrifugado a 3.500 x g durante quinze minutos. O sobrenadante foi desprezado e ao sedimento adicionaram-se 2 mL de água estéril. O pH da suspensão foi ajustado com solução estéril de ácido clorídrico a 4%, com o auxilio do indicador azul de bromotimol. Da suspensão retiraram-se duas gotas que foram depositadas separadamente em lâmina de microscopia, constituindo a baciloscopia pós-concentração. Com o restante da suspensão realizou-se a semeadura em meio de cultivo de Löwenstein-Jensen e uma alíquota de aproximadamente 1 mL foi armazenada a -20ºC, para a realização da PCR.
Todas as demais amostras foram processadas pelas técnicas de baciloscopia direta,(6) baciloscopia pós-concentração e cultivo para micobactérias utilizando hidróxido de sódio como descontaminante e semeadura em meio de Löwenstein-Jensen.(7) Alíquotas de 1 mL das amostras de escarro descontaminadas e neutralizadas foram armazenadas a -20ºC para posterior realização da PCR. Os cultivos sem crescimento micobacteriano foram considerados negativos após o período de dois meses e os com crescimento positivo para bacilos álcool-acidorresistentes foram subcultivados para realização dos testes de fenotipagem. As cepas micobacterianas foram primariamente submetidas aos testes de velocidade de crescimento e produção de pigmentos. Todas as cepas não cromogênicas e de crescimento lento que nas provas bioquímicas produziram niacina e reduziram fortemente o nitrato a nitrito foram identificadas como cepas de M. tuberculosis.(8) As demais foram consideradas como micobactérias não tuberculosas (MNT).
As amostras de escarro, descontaminadas e armazenadas a -20ºC, assim como as cepas de M. tuberculosis isoladas das mesmas, tiveram os DNA extraídos de acordo com o preconizado por Ogusku e Salem.(9) Em cada sessão foram incluídos controles negativos de extração de DNA para se descartar a possibilidade de contaminação cruzada entre as amostras.
Para a realização da PCR foram utilizados os oligonucleotídeos 5´- CTC GTC CAG CGC CGC TTC GG - 3´ e 5´- CCT GCG AGC GTA GGC GTC GG - 3´, específicos para a amplificação de um fragmento de 123 pares de base da seqüência de inserção IS6110 do complexo M. tuberculosis.(10) Para um volume final de 50 mL contendo os reagentes (Invitrogen) 20 mM Tris-HCl pH 8,4, 50 mM KCl, 1,5 mM MgCl2, 200 mM de cada dNTP, 0,1 mM de cada oligonucleotídeo e 2U de Platinum® Taq DNA Polimerase, foram adicionados 20 mL do DNA extraído. Os parâmetros de amplificação consistiram de um ciclo a 94ºC por 4', 35 ciclos a 94ºC por 1', 66ºC por 1', 72ºC por 1' e um ciclo final a 72ºC por 7', em termociclador GeneAmp® PCR System 2400 (Applied Biosystems).
Para cada sessão de PCR foi incorporado um controle positivo contendo DNA de M. tuberculosis H37Rv, um controle negativo com água Milli-Q estéril e os controles negativos de extração de DNA.
A verificação da eficácia da extração e integridade do DNA ou da presença de inibidores da Taq DNA Polimerase foi realizada por amplificações com oligonucleotídeos b-actina 5' (5' - AGC GGG AAA TCG TGC GTG - 3') e b-actina 3' (5' - CAG GGT ACA TGG TGG TGC - 3'), que amplificam um segmento de DNA de 304 pares de base da b-actina humana.(11) A amplificação consistiu de um ciclo inicial de 94ºC por 4', 35 ciclos de 94ºC por 1', 57ºC por 1', 72ºC por 1' e um ciclo final de 72ºC por 7'. Os reagentes nas respectivas concentrações foram os mesmos descritos para amplificação da IS6110, com exceção dos oligonucleotídeos.
Os produtos amplificados foram submetidos à eletroforese em gel de agarose a 1,5%, corados com brometo de etídeo, visualizados em transiluminador de luz ultravioleta e fotodocumentados no sistema Eagle Eye® II (Stratagene).
Os resultados da baciloscopia, cultivo e PCR foram comparados entre si, sendo o cultivo ou a PCR o padrão ouro. Para a determinação da sensibilidade e especificidade foi utilizada a tabela 2 x 2. Para verificação de concordância entre os métodos diagnósticos calculou-se o índice Kappa pelo software BioEstat 2.0(12) e a interpretação foi estabelecida conforme as recomendações de Pereira.(13)
RESULTADOSTodas as 20 amostras de escarro oriundas de indivíduos sem suspeita de Tb foram negativas nos exames bacteriológicos (baciloscopia e cultivo) e na PCR para IS6110, o que indicou 100% de co-negatividade na ausência de micobactérias.
Das 218 amostras de pacientes com suspeita de Tb, quatro foram eliminadas do estudo devido à contaminação de todos os tubos de cultivo semeados. As freqüências de positividade de cada método conforme as origens étnicas das populações estudadas estão apresentadas na Tabela 1 e os resultados da PCR, nas 214 amostras analisadas, em relação aos métodos bacteriológicos estão demonstrados na Tabela 2.
Os resultados da análise de acurácia (sensibilidade e especificidade) entre os métodos bacteriológicos e destes com a PCR estão apresentados na Tabela 3. Para o estabelecimento da acurácia entre a PCR e cultivo positivo para M. tuberculosis, os quantitativos de amostras com MNT foram considerados como negativos. Na análise da PCR em relação ao isolamento total de micobactérias, os cultivos positivos para M. tuberculosis foram somados aos de MNT.
Os valores de concordância entre os resultados da PCR e o cultivo positivo para M. tuberculosis pelo índice de Kappa foram de 0,79 e 0,25 em amostras de pacientes não indígenas e indígenas, respectivamente.
DISCUSSÃOQuando se analisam amostras de populações indígenas deve-se ter em conta seus hábitos e costumes. Em sua maioria, os índios modificam seus nomes no decorrer do tempo e vivem em ambientes fechados, na busca de proteção para doenças transmitidas por insetos.
Conseqüentemente agravam a transmissão daquelas de contaminação direta, entre elas a Tb. Têm o hábito de mastigar partes de vegetais da floresta amazônica, que por suposição propiciam a introdução na cavidade oral de uma microbiota ambiental desconhecida da ciência.
Nesse sentido é possível sugerir que o encontro de MNT em proporção três vezes maior do que na população não indígena (Tabela 1) seja devido a esse hábito (11% e 3,3%, respectivamente).
Em relação aos resultados dos testes diagnósticos para Tb, a ausência de baciloscopia direta positiva para bacilos álcool-acidorresistentes em indígenas (Tabela 1) confirma a baixa sensibilidade desta técnica na referida população, seja ela executada na própria área indígena(2) ou mesmo quando as amostras clínicas são transportadas para laboratório especializado,(14) como no presente estudo.
Na análise da baciloscopia em relação ao isolamento de M. tuberculosis na população não indígena, constatou-se que das 38 amostras contendo M. tuberculosis, apenas 14 tiveram baciloscopia direta positiva. O fato indica que em apenas 36,8% da amostragem estudada foi possível se estabelecer o diagnóstico de Tb pela baciloscopia direta, e em 44,7% pela baciloscopia pós-concentração (Tabela 3).
A baixa sensibilidade da baciloscopia nas amostras estudadas foi similar àquela observada entre pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana,(15) e inferior à média encontrada nos dados do Programa de Controle da Tuberculose do Estado do Amazonas nos últimos cinco anos, em que em 63% dos casos novos pulmonares a baciloscopia direta tem sido positiva quando realizada.(16) A análise destes resultados é de importância, pois a baciloscopia direta, realizada independentemente do cultivo, é incentivada pelo Ministério da Saúde como método diagnóstico laboratorial da Tb para todo o Brasil. Essa baixa sensibilidade da baciloscopia no diagnóstico da Tb sugere que o cultivo para micobactérias deva ser utilizado na rotina de diagnóstico, de modo semelhante ao disposto no II Consenso Brasileiro de Tuberculose e incorporado pelo Ministério da Saúde do Brasil para pacientes com sorologia positiva para o vírus da imunodeficiência humana.(17)
Verifica-se, na Tabela 2, que houve baciloscopias direta e pós-concentração positivas para bacilos álcool-acidorresistentes com isolamento de MNT em ambas as populações estudadas, sendo que a falsa-positividade na direta só foi encontrada em pacientes não indígenas. Este fato já havia sido relatado(7) e exposto como uma possível colonização orofaringiana por MNT. No presente trabalho este resultado propicia a agregação de hipóteses complementares, visto que dentre as 5 amostras com baciloscopia positiva (1 na direta e 4 na pós-concentração) e isolamento de MNT, em 2 ocorreu amplificação na PCR para IS6110, sendo 1 de origem não indígena e 1 de origem indígena.
Estas hipóteses seriam: existência na Amazônia de espécies de MNT contendo a IS6110, até então só descrita para o complexo M. tuberculosis, ou ainda uma homologia entre o DNA destas MNT e a IS6110, semelhante ao exposto por outros autores;(18-19) impossibilidade de isolamento do M. tuberculosis devido ao crescimento mais rápido da MNT presente nas amostras de escarro (isoladas mais de 200 colônias em cada tubo semeado), seja por uma colonização da orofaringe(7) ou oportunismo e colonização da lesão tuberculosa por MNT; e presença de DNA de M. tuberculosis devida a antecedente de Tb.(20-22) No presente estudo, o paciente não indígena tinha antecedente de Tb, enquanto que no caso do indígena não havia relato de doença nos últimos cinco anos e desconhecimento dos anos anteriores.
Na Tabela 2 também se constata que 5 amostras de pacientes não indígenas e 1 de indígena propiciaram isolamento de M. tuberculosis com PCR negativas, o que representou 13,6% de resultados falso-negativos pela PCR no grupo estudado. Este resultado é superior aos 5,6% encontrados por outros autores,(9) cujas análises também foram realizadas em população residente no Estado do Amazonas, com a utilização da mesma técnica adotada no presente estudo.
Conseqüentemente, a variação percentual não depende da técnica adotada e nem da inexistência da seqüência IS6110, pois a análise da PCR nas cepas forneceu 100% de resultados positivos. É coerente pressupor que a menor sensibilidade da PCR no presente estudo se deva à qualidade da amostra em relação a possível interferência do quantitativo de DNA humano(23) ou da microbiota do trato respiratório, extraídos conjuntamente para realização da PCR em amostras clínicas.
A especificidade inferior a 100% entre a PCR e o isolamento de M. tuberculosis nos dois grupos estudados (Tabela 3) é devida à existência de PCR positiva em amostras das quais foram isoladas MNT. Na população não indígena o fato ocorreu em apenas uma amostra que, devido à positividade na baciloscopia pós-concentrada, já foi apresentada e discutida anteriormente. Na população indígena, dos 5 casos encontrados apenas 1 tinha baciloscopia pós-concentração positiva (discutida anteriormente) e 4 foram baciloscopias negativas. Nestes 4 casos foram isoladas no máximo três colônias em todos os tubos semeados e não há registro de antecedente de Tb nos últimos cinco anos. Os dados excluem as hipóteses de impossibilidade de isolamento do M. tuberculosis devida ao crescimento mais rápido da MNT e fortalecem a de existência, na Amazônia, de espécies de micobactérias ambientais com regiões homólogas à IS6110 do M. tuberculosis ou a relacionada com a presença de DNA de M. tuberculosis devida a antecedente de Tb. Infelizmente não foi possível realizar a PCR nas cepas de MNT, por terem sido descartadas após identificação como não pertencentes ao complexo M. tuberculosis. Constatou-se que, dos 4 casos relatados, apenas 1 tinha antecedente de Tb.
O encontro, apenas na população indígena, de 18 amostras de pacientes com resultados bacterio-lógicos negativos para micobactérias e PCR positiva predispõe para a sua não aplicabilidade na referida população, pois apenas em 4 pacientes havia o relato de antecedente de Tb nos últimos cinco anos. É possível que nos demais 14 casos tenha havido antecedente da doença, dado este de impossível obtenção devido à contínua troca de nomes e ausência de registro do fato, o que impossibilita a procura de antecedente de Tb nos cadastros dos programas de controle da tuberculose. Deve ser ressaltado que o estudo foi transversal e direcionado apenas para a análise bacterio-lógica e molecular da amostra clínica. Conseqüentemente analisa a falsa positividade da PCR em amostra de escarro, não considerando achados clínicos e radiológicos de períodos passados ou presente, achados estes que poderiam reduzir a proporção de resultados falso-positivos da PCR.(24) Também é possível que a ausência de isolamento de micobactérias esteja relacionada com questões técnicas, entre elas a inviabilidade de crescimento dos poucos bacilos devida ao contato com a solução de hidróxido de sódio, utilizada no presente estudo como descontaminante das amostras.(25)
Como conseqüência de maior ocorrência de MNT nas amostras de pacientes indígenas, o valor de concordância entre os resultados da PCR e o cultivo positivo para M. tuberculosis foi bastante inferior (0,25) ao obtido nas amostras de pacientes não indígenas (0,79).
Conseqüentemente, para que a análise representasse um achado incontestável, teria obrigatoriamente que estar agregada a uma análise de evolução clínica e achados radiológicos para afastar ou não a presença de Tb ativa.
É importante enfatizar que a contaminação cruzada de DNA foi excluída como hipótese de PCR falso-positivo devido ao uso de materiais descartáveis, em todas as etapas dos procedimentos, e ao fato de todos os controles negativos de extração de DNA das amostras de escarro não terem apresentado positividade na PCR para IS6110.
Ter respostas para alguns dos resultados da PCR encontrados na população indígena requer pesquisa mais aprimorada, com destaque para: análise de amostras de pacientes sintomáticos respiratórios com ou sem suspeita de Tb e com registro de doenças pregressas; análise das imagens no radiograma torácico e seguimento clínico para confirmar ou afastar Tb em atividade; uso de metodologias de cultivo com descontaminantes menos drásticos à viabilidade do bacilo e com meios de cultivo mais propícios ao desenvolvimento de micobactérias; identificação e análise por PCR de todas as cepas de MNT isoladas de amostras indígenas; e realização da PCR com primers para a seqüência 65 kDa, visto alguns autores(9) terem demonstrado que os mesmos possuem sensibilidade semelhante à dos que amplificam o fragmento de 123 pares de base do alvo IS6110.
AGRADECIMENTOSAgradecemos ao Programa de Controle da Tuberculose do Estado do Amazonas, da Secretaria de Estado da Saúde, pela permissão de acesso aos seus dados. Aos responsáveis pela Casa do Índio, da Fundação Nacional do Índio, e Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sanitário, pelo auxílio na coleta das amostras clínicas. Ao Dr. Afrânio Lineu Kritski, pela revisão crítica deste artigo.
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* Trabalho realizado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia -UFAM - Manaus (AM) Brasil.
1. Farmacêutica-Bioquímica do Hospital Universitário Getúlio Vargas - HUGV - Manaus (AM) Brasil.
2. Pesquisador Assistente do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA - Manaus (AM) Brasil.
3. Médico do Instituto Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável - IBDS - São Gabriel da Cachoeira (AM) Brasil.
4. Professora Adjunta da Universidade Federal do Amazonas - UFAM - Manaus (AM) Brasil.
5. Pesquisadora Titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA - Manaus (AM) Brasil.
Endereço para correspondência: Julia Ignez Salem. Av. André Araújo, 2.936 - CEP 69060-001, Manaus, Amazonas, Brasil.
Tel: 55 92 3643-3058. E-mail: salem@inpa.gov.br
Recebido para publicação em 12/9/05. Aprovado, após revisão, em 19/10/05.