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Artigo Original

Complicações respiratórias no pós-operatório de cirurgias eletivas e de urgência e emergência em um Hospital Universitário

Postoperative respiratory complications from elective and urgent/emergency surgery performed at a university hospital

Luiz Joia Neto, João Carlos Thomson, Jefferson Rosa Cardoso

ABSTRACT

Background: Respiratory complications have been the focus of studies aiming to identify methods of reducing postoperative morbidity/mortality and controlling the cost of treatment. Objectives: To estimate the incidence of the respiratory complications in patients submitted to elective or urgent/emergency surgical procedures and determine any correlations between respiratory complications and potential risk factors. Method: A retrospective cohort study of patients submitted to elective or urgent/emergency surgery at a university hospital during 2001. The sample was restricted to patients hospitalized for at least 24 hours following surgery. Data were collected from patient charts and according to protocol. Results: Of the 5075 patients submitted to elective or urgent/emergency surgery during the year 2001, 1345 (25.5%) were included in the study. There was no statistically significant difference between elective surgery and urgent/emergency surgery in terms of respiratory complications. The incidence of respiratory complications was 11.7%. The most frequent complication (at 52.5%) was pneumonia. Overall mortality was 7.2% and 27.8% of deaths were related to respiratory complications. Conclusion: The incidence of postoperative respiratory complications was 11.7% (11.3% in elective surgery and 12.3% in urgent/emergency surgery). Pneumonia was the most frequent complication. The risk factors that correlated with respiratory complications were previous lung disease, use of a nasogastric tube, admission to the intensive care unit, endotracheal intubation and tracheostomy.

Keywords: Key words: Postoperative complications. Lung diseases/complications. Risk factors. Cohort studies 

RESUMO

Introdução: As complicações respiratórias têm sido foco de estudos por aumentarem a morbidade e a mortalidade no pós-operatório e o custo do tratamento. Objetivo: Estimar a incidência das complicações respiratórias em pacientes submetidos aos procedimentos cirúrgicos eletivos e de urgência/emergência e associá-las aos seus possíveis fatores de risco. Método: Estudo de coorte retrospectivo de pacientes submetidos à cirurgia eletiva ou de urgência/emergência em hospital universitário durante o ano de 2001. A amostra foi restrita aos pacientes que permaneceram por no mínimo 24 horas internados após a cirurgia. Os dados foram coletados a partir dos prontuários, conforme protocolo. Resultados: Dos 5.075 pacientes submetidos à cirurgia eletiva ou de urgência/emergência durante o ano de 2001, foram estudados 1.345 (26,5%). Não houve diferença estatisticamente significativa entre as cirurgias eletivas e as de urgência/emergência quanto à associação de complicações respiratórias. A incidência de complicações respiratórias foi de 11,7%. A pneumonia foi a complicação mais freqüente (52,5%). A mortalidade global foi de 7,2% e 27,8% delas estavam associadas a complicações respiratórias. Conclusão: A incidência de complicações respiratórias foi de 11,7% (11,3% nas cirurgias eletivas e 12,3% nas urgência/emergências). A pneumonia foi a complicação mais freqüente. Os fatores de risco associados às complicações respiratórias foram: doença pulmonar prévia, uso de sonda nasogástrica, internação na unidade de terapia intensiva e uso de tubo endotraqueal ou traqueostomia.

Palavras-chave: Descritores: Complicações pós-operatórias. Pneumopatias/complicações. Fatores de risco. Estudos de coortes.

INTRODUÇÃO

Apesar de toda a evolução científica e tecnológica, as complicações relacionadas às doenças e aos seus respectivos tratamentos ainda se fazem presentes e proporcionam grandes preocupações. No que diz respeito ao tratamento cirúrgico, as complicações pós-operatórias são definidas como uma segunda doença, inesperada, que ocorre até trinta dias após o procedimento, ou a exacerbação de uma mesma doença preexistente em decorrência da cirurgia(1). Embora haja possibilidade de outras complicações, as do trato respiratório são as mais freqüentes, e contribuem, assim, para a morbidade e mortalidade peri-operatórias(2).

Estudos demonstram que o risco cardíaco é intensamente investigado no pré-operatório, quando comparado ao risco pulmonar. Mas a associação de complicações respiratórias pós-operatórias (CRP) em cirurgias do abdome superior é maior que a de complicações cardiológicas(1,3-6).

Em uma revisão sistemática da literatura sobre o assunto, as cirurgias de tórax e abdome superior foram as grandes responsáveis pelas complicações pulmonares. Nesta revisão, estima-se que haja uma redução de 50% a 60% da capacidade vital e de 30% da capacidade funcional residual, causadas por disfunção do diafragma, dor pós-operatória e colapso alveolar(7).

A observação clínica tem indicado a necessidade de uma análise criteriosa dos possíveis fatores de risco para complicações no paciente operado. Em um estudo recente foi observado que as complicações são determinadas pela combinação de três fatores: quantidade e tipo de contaminação do sítio cirúrgico, técnicas cirúrgica e anestésica empregadas, e resistência individual do paciente. Sua conclusão foi que 30% das infecções hospitalares são evitáveis(8). Contudo, os estudos realizados trazem resultados conflitantes e distintos. A literatura tem demonstrado que a incidência de CRP pode variar de 10% a 81%, devido às diferenças nos conceitos, nos delineamentos e nas amostras selecionadas(4). Entre as CRP, a atelectasia é a complicação mais freqüente nos serviços onde se realizam exames radiológicos de rotina no período pós-operatório(1), e a pneumonia é a principal causa de óbito nos serviços de cirurgia(3).

Este estudo visa a determinar a incidência das CRP em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos (eletivos e de urgência/emergência) realizados no Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina, que atende exclusivamente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e mantém treinamento de residentes nas especialidades de cirurgia, e associá-la aos possíveis fatores de risco.

MÉTODO

Este estudo, realizado no Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina, foi caracterizado como uma coorte retrospectiva. Dos 5.075 pacientes submetidos à cirurgia eletiva e de urgência/emergência no ano de 2001, 1.345 (26,5%) preencheram o critério de inclusão, que foi a permanência mínima de 24 horas de internação no pós-operatório. Os prontuários foram analisados conforme listagem mensal dos procedimentos realizados no centro cirúrgico, fornecida pelo serviço de arquivo médico e estatística do hospital. Foi utilizada uma ficha padronizada para a coleta dos dados. O estudo foi aprovado pela Comissão de Bioética da Universidade Estadual de Londrina, conforme resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Dos 1.345 pacientes, 738 (54,9%) eram do sexo feminino e 607 (45,1%) do masculino, com idade variando entre um dia e 96 anos (mediana de 38 anos, 1º e 3º quartil de 24 e 75 anos). Diabetes tipos I e II estavam presentes em 124 pacientes (9,2%), 75 possuíam doença pulmonar prévia (5,6%), 297 relataram ser fumantes (22,1%) e 205 tinham diagnóstico de algum tipo de neoplasia (15,2%). A cirurgia de urgência/emergência foi realizada em 586 pacientes (44%) e a eletiva em 759 (56%). Desses procedimentos, 86 foram no tórax (6,4%), 526 no abdome (39,1%) e 733 em outras regiões (54,5%). O tempo de cirurgia variou de 10 a 730 minutos (mediana de 98 minutos, 1º e 3º quartil de 60 e 160 minutos). O tempo de internação antes da cirurgia variou de zero a 226 dias, com a mediana de 6 dias e 1o e 3 º quartil de 2 e 16 dias respectivamente. O óbito ocorreu em 97 pacientes (7,2%), sendo que 27 deles foram relacionados às CRP (27,8%).

As CRP foram definidas como desfecho clínico primário, e foram consideradas doenças que acometem a parede torácica, a pleura, a cavidade pleural e o pulmão, tais como: pneumonia, tromboembolismo pulmonar, derrame pleural, empiema pleural, abscesso pulmonar, insuficiência respiratória aguda de outras etiologias e atelectasia.

Os fatores de risco estudados foram divididos em fatores de risco clínicos: gênero, idade (1 a 11 anos, 12 a 18 anos, 19 a 65 anos e acima de 65 anos), co-morbidades (tabagismo, doença pulmonar crônica prévia, diabetes, neoplasia) e classificação da American Society of
Anesthesiologists.; fatores de risco cirúrgicos: técnica anestésica (bloqueio, geral), tipo de cirurgia (eletiva e de urgência/emergência), local da incisão (tórax, abdome e outros seguimentos), tempo de cirurgia, re-operação (sim ou não) e procedimentos invasivos (utilização de sonda nasogástrica e tubo endotraqueal); e evolução clínica: tempo de internação pré-operatória e necessidade de internação em unidade de terapia intensiva (sim ou não).

Para a associação entre os fatores de risco e as complicações respiratórias foi utilizada uma análise univariada por meio do teste do qui-quadrado. Para medir o efeito da exposição das variáveis explicativas sobre o desfecho primário (CRP) foi utilizado o teste de regressão logística (método Stepwise) e sua magnitude foi calculada por meio do
Odds Ratio (OR) com intervalo de confiança de 95%. Neste procedimento, os resultados mais significantes (teste F) das associações dos fatores de risco foram selecionados para o modelo inicial. Assim, foi verificado se a adição de um determinado fator de risco aumentaria a habilidade do modelo em predizer o risco de uma ocorrência de CRP. Caso a adição de um fator de risco aumentasse a predição, este permanecia no modelo, e caso contrário, era rejeitado. A significância estatística foi estipulada em 5% (p < 0,05). Para a análise dos dados foi usado o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 11.5 para Windows.

RESULTADOS

Dos casos analisados (n = 1.345), 158 apresentaram uma ou mais CRP (11,7%), sendo 91 do sexo masculino (15%) e 67 do feminino (9,1%). A pneumonia foi a CRP mais freqüente: 123 casos (52,5) (Tabela 1). A incidência de CRP foi maior nas faixas de idade entre um dia e onze anos, com 26 casos (16,6%) e acima dos 65 anos, com 55 casos (23,3%).


Quanto à análise univariada dos fatores de risco clínicos, somente a neoplasia não apresentou significância estatística (Tabela 2). Apresentaram mais de uma co-morbidade 149 pacientes e destes, 40 desenvolveram CRP (26,8%). A classificação do estado físico adotada pela American Society of Anesthesiologists foi realizada em 860 pacientes (69,9%) e dos 102 pacientes que apresentaram CRP (11,9%), 32 eram classe III (30,2%) e 17 classe IV (60,7%).




Entre os fatores de risco cirúrgicos, o tipo de cirurgia (eletiva ou de urgência/emergência) não apresentou diferença estatisticamente significativa e não participou do modelo. A anestesia geral foi aplicada em 715 pacientes (53,15%), e 137 tiveram CRP (19,2%). O bloqueio regional foi utilizado em 630 pacientes (46,85%) e a CRP manifestou-se em 21 deles (1,3%). A incisão no tórax foi realizada em 86 pacientes (6,3%) e ocorreu CRP em 19 deles (22,1%). Incisões no abdome foram realizadas em 526 pacientes (39,1%), com uma freqüência de CRP de 10,3% (54 pacientes). Duzentos pacientes (14,86%) foram re-operados e 64 destes tiveram CRP (32%). A sonda nasogástrica foi utilizada em 230 pacientes (17,1%) e a CRP manifestou-se em 113 deles (49,1%). Duzentos e quarenta pacientes necessitaram de internação em unidade de terapia intensiva (49,6%) e destes, 147 foram submetidos a intubação endotraqueal (61,25%) e 100 desenvolveram CRP (68%) (Tabelas 3 e 4).




Os resultados estatisticamente significativos das associações dos fatores de risco da análise univariada foram selecionados para o modelo usado na análise multivariada. Participaram desse modelo as seguintes variáveis: idade, sexo, presença de diabetes, doença pulmonar prévia, tabagismo, classificação da American Society of Anesthesiologists, tipo de anestesia, local da incisão, tempo de cirurgia, presença de re-operação, uso de sonda nasogástrica, de tubo endotraqueal, tempo de internação pré-operatória e necessidade de internação em unidade de terapia intensiva. O modelo final de regressão logística identificou as variáveis doença pulmonar prévia, uso de sonda nasogástrica, necessidade de internação na unidade de terapia intensiva e uso de tubo endotraqueal como fatores de risco que predizem a ocorrência da CRP (Tabela 5).




A distribuição da amostra segundo o gênero mostrou que a incidência de CRP foi maior no sexo masculino (15%) que no feminino (9,1%). A CRP que predominou entre os homens foi a pneumonia, com uma incidência de 11,8%.

DISCUSSÃO

A predominância de CRP nos homens não encontra uma explicação clínica convincente, pois não se pode afirmar a existência de uma associação entre gênero e CRP(2).

As crianças, assim como os idosos, são mais suscetíveis às infecções.

As crianças pela falta de maturidade do sistema imunológico e, também porque, em geral, neste grupo, as cirurgias são decorrentes de doenças que envolvem malformações congênitas com comprometimento de vários órgãos, o que compromete de modo mais significativo o estado geral destes pacientes. Além disso, temos fatores como prematuridade, baixo peso ao nascer, desnutrição e as doenças do aparelho respiratório, principal causa de internação de crianças menores de cinco anos (9). Já nos idosos, é necessário considerar a senescência que aumenta a morbidade e a mortalidade, devido a redução da área pulmonar de troca gasosa. Conseqüentemente, ocorre retração elástica pulmonar e diminuição da complacência do sistema respiratório e da força muscular (2). As faixas etárias que compreendem as idades entre um dia e 11 anos e acima de 65 anos apresentaram uma incidência de CRP de 16 e 23,3% respectivamente. A literatura aponta para um risco maior de complicação na faixa etária acima de 50 anos (1-10).

Neste estudo, os tabagistas apresentaram 15,8% de CRP, embora este resultado não tenha apresentado significância estatística quando comparado às demais co-morbidades estudadas. Salienta-se a existência de uma associação importante entre o tabagismo e as complicações respiratórias pós-operatórias. Alguns autores acreditam que a relação do tabagismo com as CRP possa ser indireta, uma vez que os sintomas respiratórios são três a quatro vezes maiores nos fumantes que nos não fumantes. Assim, a abstinência do cigarro no período pré-operatório, principalmente por mais de oito semanas, reduz a freqüência e a intensidade dos sintomas e leva a uma menor incidência de CRP(1).

Nesta casuística, porém, somente a doença pulmonar prévia teve uma associação significativa com as CRP: 41/75 destes pacientes (54,7%) apresentaram algum tipo de CRP. O pneumopata crônico é caracterizado clinicamente por apresentar tosse produtiva e/ou dispnéia aos esforços de forma progressiva, e, funcionalmente, pela presença de obstrução parcialmente reversível, geralmente evolutiva. O aumento da produção de escarro está relacionado à infecção bacteriana(5). Este fato pode explicar a alta incidência de CRP nos pacientes com doença pulmonar(1,3,4,6-8,10-13,17).

Apresentaram duas ou mais co-morbidades 149 pacientes (11%) e, destes, 40 desenvolveram CRP (26,8%). Estes dados analisados isoladamente demonstraram uma associação significativa, ratificando a hipótese de que a associação de vários fatores de risco aumenta a probabilidade de CRP(4).

A classificação da American Society of Anesthesiologists é o melhor índice prognóstico disponível de mortalidade não cardíaca e serve para estimar o risco de complicações intra-operatórias e pós-operatórias(14). Neste estudo, dos pacientes classificados de acordo com a American

Society of Anesthesiologists, 102/860 apresentaram complicações respiratórias (11,9%) e, dos não classificados, 56/485 desenvolveram-nas (11,5%). A diferença entre o grupo de pacientes classificados e o grupo de pacientes não-classificados não foi significativa(10). Porém, ao se estudar, individualmente, as categorias da classificação, observou-se uma diferença significativa entre elas. Dos 106/860 pacientes da classe III (12,32%), 32/106 desenvolveram CRP (30,06%). Dos 28/860 pacientes da classe IV (3,2%), 17/28 desenvolveram CRP (60,7%). Este resultado demonstra que quanto maior for o comprometimento do estado clínico do paciente (classificação classe IV), maior a incidência de CRP.

A análise da técnica anestésica utilizada em relação à CRP mostrou que os pacientes submetidos à anestesia geral apresentaram maior incidência de CRP (19,2%) quando comparados aos pacientes submetidos aos bloqueios regionais(1,4,6,7,12,13,15,16). Salientamos que a anestesia geral está associada às complicações respiratórias por necessitar de intubação endotraqueal, por provocar relaxamento muscular, que pode provocar a aspiração brônquica, e por utilizar a assistência ventilatória e deprimir o sistema nervoso central, reduzindo o reflexo da tosse. Já os pacientes anestesiados pela técnica peridural, por se tratar de um bloqueio regional, sem interferência com a dinâmica respiratória, não desenvolveram CRP(12).

Ao se analisar o procedimento cirúrgico e suas possíveis complicações, um dos pontos controversos é a possibilidade de diferenças significativas entre as complicações no caso de cirurgias eletivas e de urgência/emergência. Alguns estudos demonstram a existência destas diferenças na incidência de CRP, pois os pacientes submetidos aos procedimentos eletivos encontraram-se mais bem preparados do ponto de vista clínico(1). Neste estudo, foi encontrado um resultado divergente da maioria dos autores quanto à incidência de CRP, pois não houve diferenças estatisticamente significativas entre os pacientes submetidos às cirurgias eletivas e os submetidos às cirurgias de urgência/emergência.

As incisões no abdome superior e tórax apresentaram maior incidência de complicações. Isto se deve ao fato de estas vias de acesso reduzirem em 50% a 60% a capacidade vital, e em 30% a capacidade funcional residual, por disfunção do diafragma. Isso ocorre devido à inibição reflexa do nervo frênico pela manipulação visceral, associada à dor pós-operatória e ao colapso alveolar(1,3,6,7,11,12,15,17-19). No presente estudo, 54/526 cirurgias com incisão no abdome superior (10,3%) e 19/86 cirurgias com incisão torácica (22,1%) apresentaram CRP.

A literatura refere que o tempo de cirurgia entre 210 e 360 minutos determina uma maior incidência de CRP(1,3,4,6,15). Neste trabalho, foram observados que os procedimentos acima de 180 minutos apresentam 15,3% de CRP. Pode-se afirmar que quanto mais prolongado o procedimento, maior a possibilidade de desenvolvimento de CRP. Isto se deve à associação de vários fatores de risco, como a exposição prolongada à anestesia geral e seus efeitos deletérios sobre a função respiratória, a incisão no abdome superior ou tórax, assim como os procedimentos invasivos, tais como o uso de drenos, de sondas e a manipulação dos pacientes que necessitam de cuidados intensivos no período pós-operatório.

A análise do total de cirurgias realizadas demonstrou que 200/1.345 pacientes foram re-operados. Apesar de a literatura não abordar este item como fator de risco de possíveis CRP, os resultados deste estudo levaram a considerar essa possibilidade. Foi observado que 32% dos pacientes re-operados desenvolveram CRP. Este resultado é significativo quando se compararam os pacientes re-operados com os não re-operados (8,2%). Ao incluir a re-operação como fator de risco, levou-se em consideração a re-exposição dos pacientes ao jejum prolongado antes e depois da cirurgia, estresse cirúrgico, anestesia (principalmente a geral), queda da imunidade, repouso prolongado, dor, procedimentos invasivos e hospitalização prolongada.

O tempo de internação é um fator importante do ponto de vista social e econômico, mas, também, uma condição de má evolução do paciente, decorrente de infecções, problemas circulatórios, respiratórios e iatrogênicos, entre outros fatores. Quando se analisa o tempo de internação pré-operatório, observa-se que sua mediana foi de seis dias. Isto pode levar à colonização do paciente por bactérias resistentes aos antibióticos, as quais certamente desenvolveriam infecção no período pós-operatório. A internação prévia dos pacientes cirúrgicos, por mais de três dias, dobra a incidência de infecção na ferida cirúrgica(8). Alguns autores relatam que a pneumonia hospitalar é considerada a segunda infecção mais freqüente entre as infecções hospitalares, e chega a acometer 18% dos pacientes submetidos a cirurgia(10,13).
Dos 1.345 pacientes estudados, 158 desenvolveram algum tipo de CRP (11,7%). Destes, 55 apresentaram duas ou mais CRP (4,1%), e a associação mais comum foi a de pneumonia com insuficiência respiratória (34,5%). A pneumonia esteve presente em 52,5% dos casos, mostrando-se ser a CRP mais freqüente. Segundo a literatura, em adultos submetidos à cirurgia geral, a incidência de pneumonia varia de 18%(10,13) a 68%(17). Nos pacientes submetidos à cirurgia geral com idade acima de 65 anos, a incidência de pneumonia foi de 56%(1).

A mortalidade global em pacientes operados varia de 7% a 8% e sua associação com pneumonia varia de 10% a 28%(1,3,4,10). Neste estudo, a pneumonia esteve presente em 22/97 pacientes (22,6%) e a insuficiência respiratória em 11/97 pacientes (11,3%) que foram a óbito.
O modelo final da regressão logística identificou quatro fatores de risco associados à CRP: doença pulmonar prévia; uso de sonda nasogástrica; internação na unidade de terapia intensiva e uso de tubo endotraqueal(12). Esta análise demonstra uma relação óbvia entre esses fatores(1-3,12,13,16,17,20). Um pneumopata que necessite de cirurgia no andar superior do abdome ou no tórax será submetido à anestesia geral e, provavelmente, fará seu pós-operatório na unidade de terapia intensiva e poderá também utilizar suporte ventilatório, necessitar de tubo endotraqueal e, posteriormente, traqueostomia. Como já se sabe, grande parte dos pneumopatas são desnutridos e o uso de suporte nutricional é fundamental nestes casos. O menos invasivo e mais fisiológico é a dieta enteral por sonda nasogástrica. E assim se consolida o ciclo de fatores de risco para CRP.

Contudo, durante a análise univariada, todos os fatores de risco citados pela literatura estiveram presentes. Este fato nos leva a concluir que a CRP está associada ao estado geral do paciente, ao tipo de procedimento realizado e ao seu tempo de duração, à técnica anestésica e à sua duração, à necessidade de procedimentos invasivos e aos cuidados intensivos de suporte à vida. Sendo assim, pacientes com estado geral debilitado, com doença pulmonar prévia, e que necessitem de tratamento cirúrgico de grande porte e cuidados intensivos no pós-operatório são sérios candidatos à CRP.

A incidência global de CRP foi de 11,7%. Nas cirurgias eletivas, a incidência de CRP foi de 11,3% e nas cirurgias de urgência/emergência de 12,3%. Entre as CRP ocorridas, a pneumonia foi a mais freqüente, com uma incidência de 52,5%. As demais CRP foram a insuficiência respiratória (25,6%), o derrame pleural (9,4%), o tromboembolismo pulmonar (5,5%), a atelectasia (4,8%), o empiema pleural (1,3%) e o abscesso pulmonar (0,9%). Os fatores de risco associados às CRP foram a doença pulmonar prévia, o uso de sonda nasogástrica, a internação na unidade de terapia intensiva e o uso de tubo endotraqueal.

AGRADECIMENTOS

Aos acadêmicos de medicina André Marques Mansano, Annelise Perre, Ellen Bertoldi, Gizela Turkiewicz, José Perandré Neto, Paula Tapia Gomes Pereira.

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* Trabalho realizado no o Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina, Paraná.
Endereço para correspondência: Luiz Joia Neto. Rua José Nogueira Franco 244. Londrina-Pr. CEP: 860470-420 Tel: 55-43 3342 5088.
E-mail: luiz.joia@bol.com.br
Recebido para publicação, em 27/1/04. Aprovado após revisão, em 13/9/04.

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