ABSTRACT
Hard metal pneumoconiosis, first described in 1964, is a diffuse disease caused by the inhalation of cobalt particles. The disease can manifest as occupational asthma, interstitial disease or allergic alveolitis. We report the case of a young male, working as a tool sharpener, who presented with dry cough and progressive dyspnea for one year, as well as with spontaneous bilateral pneumothorax at admission. The diagnosis was confirmed by open lung biopsy.
Keywords:
Lung diseases, interstitial; Pneumoconiosis; Pneumothorax.
RESUMO
A pneumoconiose por metal duro, descrita pela primeira vez em 1964, é uma doença difusa causada por inalação de partículas de cobalto. A doença pode se manifestar de três formas diferentes: asma ocupacional, doença intersticial e alveolite alérgica. Relata-se um caso de um jovem do sexo masculino, afiador de ferramentas, com quadro de tosse seca e dispnéia progressiva há um ano, apresentando-se à admissão com pneumotórax espontâneo bilateral. O diagnóstico foi confirmado através de biópsia pulmonar a céu aberto.
Palavras-chave:
Doenças pulmonares intersticiais; Pneumoconiose; Pneumotórax.
IntroduçãoA pneumoconiose por metal duro é uma doença difusa causada por inalação de partículas de cobalto.(1) O metal duro é uma liga de cobalto e carbonato de tungstênio, ocasionalmente adicionada a pequenas quantidades de outros metais, como titânio, tântalo, níquel e cromo. Os demais metais que não o cobalto são considerados inertes, não ocasionando lesão pulmonar.(2)
A exposição ao metal duro pode gerar quadros de asma ocupacional e de pneumopatia difusa.(2) Ocupações relacionadas à fabricação e ao refino desse metal, assim como a utilização de discos revestidos de cobalto para o polimento de diamantes e a afiação de ferramentas estão relacionadas a essas doenças.(3)
No presente relato, apresentamos o caso de um afiador de ferramentas com quadro de doença pulmonar difusa que evoluiu para pneumotórax espontâneo secundário bilateral.
Relato de casoPaciente do sexo masculino, 27 anos, procurou o Serviço de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás em Goiânia, GO, referindo tosse seca e dispneia progressiva há 1 ano, que piorou nas duas semanas precedentes, apresentando-se aos pequenos esforços. O paciente relatava emagrecimento de 10 kg em seis meses. Negava pneumopatias prévias. Tinha antecedente de tabagismo ocasional por 2 anos, tendo cessado o hábito há 5 anos. Há 8 anos trabalhava oito horas por dia, sem uso de equipamento de proteção individual, como afiador de ferramentas compostas por metal duro (serras, serrotes e facas), utilizando um rebolo de diamantado sintético, em ambiente fechado, de aproximadamente 5,5 m2, sendo o único trabalhador naquele ambiente.
Ao exame físico, apresentava-se emagrecido, dispneico, com frêmito toracovocal diminuído difusamente em ambos os hemitórax, principalmente nos ápices, onde se observava timpanismo; SpO2 = 86% em ar ambiente; e sem outras alterações.
A radiografia de tórax realizada um mês antes da admissão evidenciou pneumotórax bilateral (Figura 1). A TCAR demonstrou pneumotórax bilateral, enfisema parasseptal em ápices, com algumas bolhas de permeio, opacidade em vidro fosco difusa com micronódulos perilinfáticos e linfonodos mediastinais com halo calcificado (Figura 2).
O paciente foi submetido à drenagem torácica fechada bilateral com re-expansão total do pulmão esquerdo e parcial à direita, onde persistia uma fístula broncopleural de médio débito. Na mesma internação, foi realizada a sutura da fístula e pleurectomia parietal à direita, pleurodese química com tetraciclina à esquerda e biópsia pulmonar a céu aberto (lobo médio).
Os achados anatomopatológicos evidenciaram fibrose intersticial pulmonar, predominantemente peribrônquica e perisseptal contendo numerosas células gigantes, histiócitos alveolares e áreas de faveolamento (Figura 3). Tecido pleural com proliferação de tecido de granulação, fibrose, infiltrado linfo-histioplasmocitário, contendo alguns neutrófilos de permeio e deposição de fibrina na superfície.
Baseado na história profissional, nos exame de imagem e no exame anatomopatológico, foi feito o diagnóstico de pneumoconiose por metal duro.
Foi instituída corticoterapia sistêmica, a princípio com metilprednisolona, sendo posteriormente introduzida prednisona.
Na evolução, o paciente ainda apresentou episódios repetidos de pneumotórax bilateral, com necessidade de novas drenagens e pleurodeses. Obteve alta hospitalar em uso de prednisona (10 mg/dia) e oxigenoterapia domiciliar.
A prova de função pulmonar realizada seis meses após a alta hospitalar evidenciou distúrbio restritivo acentuado (CV = 34% do predito), com prova broncodilatadora negativa, e redução moderada da DLCO (60% do predito).
Atualmente, após 1 ano do diagnóstico, o paciente mantém o uso de prednisona (10 mg/dia), apresentando tosse seca ocasional e dispneia aos médios esforços, com SpO2 = 93% em repouso.
DiscussãoA pneumoconiose por exposição a metal duro foi primeiramente descrita por Liebow e Carrington em 1969, sendo incluída entre as pneumonias intersticiais idiopáticas. Em 2001, a American Thoracic Society e a European Respiratory Society reconheceram essa entidade como uma pneumoconiose devido à inalação de cobalto ou de uma liga do cobalto e outros metais pesados, sendo, então, excluída da classificação original.(4) Outras denominações dessa entidade são pneumoconiose do metal pesado, pulmão do metal pesado, pneumonite de células gigantes e pulmão do cobalto.
O metal duro é uma liga de carboneto de tungstênio, cobalto e pequenas quantidades de outros metais, como titânio e tântalo.(3,4) Devido à sua dureza e à resistência a altas temperaturas, ele é usado no polimento de diamantes, na galvanização de armamentos, na perfuração de poços de petróleo e no corte de ferramentas.(5,6)
Apesar de haver outros componentes na liga de metal duro, o cobalto é o responsável por induzir doença pulmonar.(5) Alguns autores afirmam que a doença intersticial se desenvolve apenas quando a exposição ao cobalto ocorre em associação com a exposição ao carbonato de tungstênio ou ao pó de diamante.(1) Um pequeno número dos trabalhadores expostos desenvolve a doença, geralmente após 10-12 anos de exposição, mas pode ocorrer precocemente.(4)
São reconhecidas, atualmente, três entidades patológicas relacionadas à inalação de poeiras de metais duros: asma ocupacional; doença pulmonar intersticial, que ocorre em duas variedades - forma não específica e pneumonite intra-alveolar de células gigantes - e uma alveolite do tipo alérgica ou pneumonite de hipersensibilidade. Essa última ocorre na fase aguda da exposição, sendo considerada uma fase inflamatória precoce e reversível da fibrose, mas que pode evoluir para fibrose com a exposição prolongada.(2,4,5,7,8)
O quadro clínico da pneumonia de células gigantes inclui dispneia aos esforços, hipoxemia, tosse, perda de peso, fadiga, sibilância e estertores no final da inspiração.(8) Com a progressão da fibrose, podem ser encontrados baqueteamento digital, cianose, sinais de falência cardíaca direita, hipertensão pulmonar e cor pulmonale.(6,8) Pneumotórax foi reportado em um caso.(9)
A função pulmonar pode mostrar um padrão restritivo, com redução dos volumes pulmonares. Ocasionalmente, pode ser encontrado um padrão obstrutivo.(4,6) A DLCO tende a ser reduzida na mesma proporção da diminuição da CPT.(7,8)
A radiografia de tórax pode ser normal ou com discretos infiltrados nodulares ou reticulonodulares. A TCAR é mais sensível na detecção de alterações, evidenciando opacidades em vidro fosco e opacidades lineares irregulares, além de distorção do parênquima, bronquiectasias de tração, bronquiolectasias e reticulação.(4,5) Outros achados isolados incluem cistos largos, periféricos, que podem representar faveolamento, além de nódulos centrolobulares e enfisema.(8)
Se não houver contraindicação, devem ser realizados lavado brônquico e biópsia transbrônquica para confirmar o diagnóstico. Se a amostra da biópsia transbrônquica for insuficiente ou o exame for inconclusivo, deve ser realizada biópsia pulmonar a céu aberto. Caso haja presença de células gigantes multinucleadas no lavado broncoalveolar associada a um quadro clínico e radiológico compatíveis, não há indicação para a biópsia.(7)
O padrão histopatológico consiste em infiltrado de células mononucleares, predominantemente em regiões do interstício peribronquiolar, e acúmulo de macrófagos e células gigantes multinucleadas no interior dos alvéolos,(7,8) com espessamento das paredes alveolares.(7) Com a progressão da doença, o faveolamento pode estar presente. O cobalto, pela sua alta solubilidade nos tecidos, é dificilmente encontrado em espécimes de biópsia.(1)
O tratamento da pneumopatia por exposição a metal duro envolve o afastamento completo da exposição e corticoterapia em doses altas. Quando já existe fibrose pulmonar extensa, não há significativa resposta ao tratamento.
O caso relatado apresentou a particularidade da presença de pneumotórax bilateral e recorrente, com a necessidade de intervenções repetidas. Essa é uma apresentação rara(9) e que dificultou o manejo do caso, tendo sido provavelmente agravado pelo uso de corticoides, que pode ter comprometido o resultado da pleurodese.
Referências1. Davis GS. Mineral-Induced Lung Disease in Modern Industry. Part 2: Sensitizing Metals. Clin Pulm Med. 2006;13(2):103-10.
2. Capitani EM, Algranti E. Outras Pneumoconioses.
J Bras Pneumol. 2006;32(Suppl 2): S72-S77.
3. Davison AG, Haslam PL, Corrin B, Coutts II, Dewar A, Riding WD, et al. Interstitial lung disease and asthma in hard-metal workers: bronchoalveolar lavage, ultrastructural, and analytical findings and results of bronchial provocation tests. Thorax 1983;38(2):19-28.
4. Dunlop P, Müller NL, Wilson J, Flint J, Churg A. Hard metal lung disease: high resolution CT and histologic correlation of the initial findings and demonstration of interval improvement.. J Thorac Imaging. 2005;20(4):301-4.
5. Gotway MB, Golden JA, Warnock M, Koth LL, Webb R, Reddy GP, et al. Hard metal interstitial lung disease: high-resolution computed tomography appearance. J Thorac Imaging. 2002;17(4):314-8.
6. Maier LA. Clinical approach to chronic beryllium disease and other nonpneumoconiotic interstitial lung diseases. J Thorac Imaging. 2002;17(4):273-84.
7. Cugell DW. Cobalt-Related Lung Diseases. Clin Pulm Med. 1998; 5(3): 158-64.
8. Enriquez LS, Mohammed TL, Johnson GL, Lefor MJ, Beasley MB. Hard metal pneumoconiosis: a case of giant-cell interstitial pneumonitis in a machinist. Respir Care. 2007;52(2):196-9.
9. Wahbi ZK, Arnold AG, Taylor AJ. Hard metal lung disease and pneumothorax. Respir Med. 1997;91(2):103-5.
Trabalho realizado no Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia (GO) Brasil.
Endereço para correspondência: Maria Auxiliadora Carmo Moreira. Primeira Avenida s/n, Setor Universitário, CEP 74605-020, Goiânia, GO, Brasil.
Tel 55 62 269-8385. E-mail: helpuol@uol.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 31/8/2009. Aprovado, após revisão, em 18/12/2009.
Sobre os autoresMaria Auxiliadora Carmo Moreira
Chefe do Serviço de Pneumologia. Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia (GO) Brasil.
Amanda da Rocha Oliveira Cardoso
Médica Residente de Pneumologia. Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia (GO) Brasil.
Daniela Graner Schuwartz Tannus Silva
Médica do Serviço de Pneumologia. Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia (GO) Brasil.
Maria Conceição de Castro Antonelli Monteiro de Queiroz
Médica do Serviço de Pneumologia. Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia (GO) Brasil.
Albino Alegro Oliveira
Médico. Departamento de Cirurgia Cardiotorácica, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia (GO) Brasil.
Tiago Marinho Almeida Noleto
Estudante de Medicina. Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Goiás, Goiânia (GO) Brasil.