A DPOC é uma das maiores causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo, causando comprometimento importante na qualidade de vida e enorme dispêndio de recursos devido ao aumento de gastos ambulatoriais e hospitalares. Uma das principais características da doença é a presença de dispneia aos esforços, sendo essa cada vez mais limitante com o avançar da doença. A intolerância aos esforços na DPOC é multifatorial, envolvendo de forma integrada os sistemas respiratório, cardiovascular e músculo-esquelético, com a presença de limitação ventilatória (devido à reduzida capacidade ventilatória mecânica), disfunção da musculatura ventilatória, hiperinsuflação pulmonar, anormalidades metabólicas e das trocas gasosas, disfunção muscular periférica e anormalidades cardiovasculares.(1) Todos esses fatores culminam para dispneia e/ou fadigabilidade em baixas intensidades de esforço, limitando, assim, as atividades na vida diária.
Vários testes para a avaliação de pacientes com DPOC durante o exercício já estão disponíveis, e sua importância prognóstica já foi demonstrada, como a inclusão do teste de caminhada de seis minutos no índice conhecido como BODE (Body mass index, airway Obstruction, Dyspnea, and Exercise capacity; índice de massa corpórea, grau de obstrução ao fluxo aéreo, dispneia e capacidade de exercício). Entretanto, a distância no teste de caminhada de seis minutos é apenas um indicador da capacidade funcional, já que não avalia os mecanismos de limitação ao exercício. O teste de exercício cardiopulmonar (TECP), por outro lado, é o procedimento que pode fornecer as informações mais úteis quanto aos múltiplos fatores limitantes.(1) Tradicionalmente, a variável mais valorizada tem sido o consumo de oxigênio (V'O2) obtido no pico de um TECP incremental. Entretanto, pelo seu caráter altamente dependente de esforço e pelo significado inespecífico quanto aos determinantes da intolerância ao esforço, outras variáveis, principalmente aquelas obtidas durante o teste (ou seja, variáveis submáximas), foram sendo progressivamente incorporadas na avaliação clínica do TECP.
Nesse contexto, Baba et al. propuseram, em 1996,(2) o uso da inclinação da relação linearizada entre o V'O2 (y) e o logaritmo da ventilação minuto (x) como um indicador, denominado oxygen uptake efficiency slope (OUES, inclinação da eficiência do consumo de oxigênio), ou seja, quanto mais íngreme essa relação, maior seria a eficiência pulmonar na captação de oxigênio. Ao menos teoricamente, a OUES envolveria a integração de múltiplos sistemas durante o exercício, sendo influenciada pela oferta e utilização de oxigênio, pela massa muscular envolvida e pela resposta ventilatória ao esforço. Essa última, como sabemos, depende da demanda metabólica - produção de dióxido de carbono (V'CO2) e acidose lática - da eficiência ventilatória - fração do volume corrente desperdiçado no espaço morto - e de fatores que influenciam o comando ventilatório - hipoxemia e ponto de regulação central do dióxido de carbono. Dessa forma, a OUES seria influenciada por vários sistemas, podendo constituir um marcador indireto da reserva cardiorrespiratória.(2,3) A OUES tem sido estudada especialmente em pacientes com disfunção cardiocirculatória, já tendo sido demonstrado sua importância como fator prognóstico na insuficiência cardíaca crônica (ICC).(4) Todavia, vale ressaltar que, por mais que seja considerada uma variável submáxima, a OUES é influenciada pela intensidade do exercício, devendo seu valor ser valorizado principalmente quando o paciente com ICC tenha se exercitado suficientemente, como indicado por uma relação V'CO2/V'O2 > 1,0(3)
No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Müller et al.(5) investigaram a influência da força muscular periférica e respiratória, assim como o possível comprometimento cardiovascular, na potencial redução da OUES em pacientes portadores de DPOC leve a moderada. Tal abordagem faz sentido dentro do conceito atual de que tais pacientes apresentam diversas comorbidades, inclusive disfunção cardiocirculatória associada.(6,7) Da mesma forma, pode haver alterações nutricionais, perda de peso e disfunção muscular esquelética, particularmente nas fases mais avançadas da doença.(8) No estudo em questão, entretanto, os autores encontraram a OUES dentro da faixa prevista para indivíduos normais, o que sugere uma preservação da reserva cardiorrespiratória na população estudada. De fato, os pacientes avaliados apresentaram sua capacidade aeróbia relativamente preservada, limiar anaeróbio dentro do esperado, sem comprometimento cardiocirculatório e, na maioria dos casos, sem sinais de limitação ventilatória, ou seja, os fatores que poderiam impactar na eficiência da captação do oxigênio estavam ausentes ou pouco alterados. Além disso, a força muscular periférica e respiratória encontrava-se relativamente preservada. Tais achados contrastam com aqueles descritos por Terziyski et al.(9) e, em particular, por Tzani et al.(10) em pacientes com doença mais avançada, nos quais a OUES estava efetivamente reduzida.
Dessa forma, a análise conjunta dos resultados do presente estudo(5) com aqueles acima citados(9,10) permite a interpretação geral de que a avaliação da OUES parece ter maior relevância na população com DPOC mais grave, na qual a concomitância de limitação ventilatória e cardiocirculatória é mais comum ou, possivelmente, mesmo nos pacientes com DPOC leve que apresentem doença cardiovascular subjacente. Nesta mesma linha, espera-se que a redução da OUES, em conjunto com outras variáveis do TECP, possa ajudar na avaliação prognóstica dessa população, particularmente ao considerarmos o papel central das comorbidades cardiovasculares na mortalidade de pacientes com DPOC. Tais questões ainda permanecem em aberto e mais estudos como o de Müller et al.(5) certamente trarão contribuições úteis para a real incorporação do TECP na avaliação clínica de pacientes com DPOC.
Eloara Vieira Machado Ferreira
Pneumologista,
Grupo de Circulação Pulmonar/Serviço de Função Pulmonar e
Fisiologia Clínica do Exercício,
Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil
Referências
1. ERS Task Force, Palange P, Ward SA, Carlsen KH, Casaburi R, Gallagher CG, et al. Recommendations on the use of exercise testing in clinical practice. Eur Respir J. 2007;29(1):185-209. PMid:17197484.
2. Baba R, Nagashima M, Goto M, Nagano Y, Yokota M, Tauchi N, et al. Oxygen uptake efficiency slope: a new index of cardiorespiratory functional reserve derived from the relation between oxygen uptake and minute ventilation during incremental exercise. J Am Coll Cardiol. 1996;28(6):1567-72. http://dx.doi.org/10.1016/S0735-1097(96)00412-3
3. Hollenberg M, Tager IB. Oxygen uptake efficiency slope: an index of exercise performance and cardiopulmonary reserve requiring only submaximal exercise. J Am Coll Cardiol. 2000;36(1):194-201. http://dx.doi.org/10.1016/S0735-1097(00)00691-4
4. Davies LC, Wensel R, Georgiadou P, Cicoira M, Coats AJ, Piepoli MF, et al. Enhanced prognostic value from cardiopulmonary testing in chronic heart failure by non-linear analysis: oxygen uptake efficiency slope. Eur Heart J. 2006;27(6):684-90. PMid:16338939. http://dx.doi.org/10.1093/eurheartj/ehi672
5. Mueller PT, Viegas CA, Patusco LA. Muscle strength as a determinant of oxygen uptake efficiency and maximal metabolic response in patients with mild-to-moderate COPD. J Bras Pneumol. 2012;38(5):541-549.
6. Barnes PJ, Celli BR. Systemic manifestations and comorbidities of COPD. Eur Respir J. 2009;33(5):1165-85. PMid:19407051. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00128008
7. Miranda EF, Malaguti C, Corso SD. Peripheral muscle dysfunction in COPD: lower limbs versus upper limbs. J Bras Pneumol. 2011;37(3):380-8. PMid:21755195. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132011000300016
8. Borghi-Silva A, Oliveira CC, Carrascosa C, Maia J, Berton DC, Queiroga F Jr, et al. Respiratory muscle unloading improves leg muscle oxygenation during exercise in patients with COPD. Thorax. 2008;63(10):910-5. PMid:18492743. http://dx.doi.org/10.1136/thx.2007.090167
9. Terziyski KV, Marinov BI, Aliman OI, St Kostianev S. Oxygen uptake efficiency slope and chronotropic incompetence in chronic heart failure and chronic obstructive pulmonary disease [abstract]. Folia Med (Plovdiv). 2009;51(4):18-24.
10. Tzani P, Aiello M, Elia D, Boracchia L, Marangio E, Olivieri D, et al. Dynamic hyperinflation is associated with a poor cardiovascular response to exercise in COPD patients. Respir Res. 2011;12:150. PMid:22074289 PMCid:3225311. http://dx.doi.org/10.1186/1465-9921-12-150