Em fevereiro de 1953, Logan publica no Lancet um artigo clássico, no qual relata o aumento da mortalidade ocorrido em Londres no mês de dezembro de 1952, durante um episódio de intensa concentração de poluentes atmosféricos.(1) Este artigo teve o poder de iniciar a definição de padrões de qualidade do ar. Ao final dos anos 80, Pope et al. publicam um artigo seminal, no qual sugerem que os padrões de qualidade do ar recomendados talvez não fossem suficientes para proteger a saúde dos segmentos mais suscetíveis da população, tais como crianças, idosos e indivíduos portadores de doenças cardiovasculares.(2) Em 2002, surge a publicação no Journal of the American Medical Association, na qual é demonstrado que a exposição crônica aos poluentes atmosféricos reduz de forma significativa a expectativa de vida por excesso de câncer de pulmão, doença pulmonar obstrutiva crônica e doenças cardiovasculares.(3) No final de 2006, a Organização Mundial de Saúde torna bem mais restritivos seus padrões de qualidade do ar, por reconhecer que a poluição do ar é responsável por mais de dois milhões de mortes por ano em todo o mundo.
A legislação ambiental de nosso país é antiquada no tocante à qualidade do ar dos grandes centros urbanos, e bastante moderna no sentido de preservar áreas remotas. Nossos padrões de qualidade do ar traduzem o conhecimento disponível no início dos anos 1990, quando menos de 10%dos trabalhos sobre poluição do ar e saúde humana haviam sido publicados. É como se houvesse uma dissociação entre a saúde humana e a política ambiental. Embora reconheça como vital a preservação dos nossos patrimônios naturais, me parece inconcebível aceitar que a saúde humana não seja também um tópico prioritário. Diversos estudos realizados no Brasil relacionaram poluição do ar com excessos de morbidade e mortalidade. Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Mascarenhas et al.(4) mostram resultados que indicam a ocorrência de associação entre níveis elevados de poluição atmosférica causada pela queima da biomassa com maior número de atendimentos de urgência por doenças respiratórias na cidade de Rio Branco, no Acre. Enquanto isso, ocorre um aumento sem precedentes da frota automotiva brasileira, nota-se a ausência de uma política consistente de melhoria do transporte coletivo, tem-se a manutenção de um combustível de baixa qualidade e proliferam as queimadas da cana em vários pontos do país. Creio ser nosso dever alertar para as conseqüências desta situação para a saúde humana, procurando criar as condições para que decisões sobre temas relacionados às emissões de poluentes atmosféricos levem em consideração a saúde da população.
Os efeitos adversos dos poluentes atmosféricos manifestam-se com maior intensidade em crianças, idosos, indivíduos portadores de doenças respiratórias e cardiovasculares crônicas e, especialmente, nos segmentos mais desfavorecidos do ponto de vista sócio-econômico. Esta é uma situação na qual os que mais sofrem são aqueles que menos contribuem para a emissão de poluentes, caracterizando um contexto de injustiça ambiental, para a qual não existe justificativa ética ou moral.
Convido os pneumologistas a refletirem sobre o tema, que afeta tanto a vida de seus pacientes. Somente com o envolvimento daqueles que conhecem o tamanho das necessidades dos pacientes portadores de doenças respiratórias, no tocante ao direito a uma vida digna, podemos ajudar a defender aqueles que não têm a capacidade de fazê-lo por si próprios.
Referências
1. Logan WP. Mortality in the London fog incident, 1952. Lancet. 1953;1(7):336-8.
2. Pope e CA 3rd. Respiratory disease associated with community air pollution and a steel mill, Utah Valley. Am J Public Health. 1989;79(5):623-8.
3. Pope CA 3rd, Burnett RT, Thun MJ, Calle EE, Krewski D, Ito K, et al. Lung cancer, cardiopulmonary mortality, and long term exposure to fine particulate air pollution. JAMA. 2002;287(9):1132-41.
4. Mascarenhas MDM, Vieira LC, Lanzieri TM, Leal AP, Duarte AF, Hatch DL. Poluição atmosférica devida a queima de biomassa florestal e atendimentos de emergência por doença respiratória em Rio Branco, Brasil-Setembro, 2005. J Bras Pneumol. 2008;34(1):42-46 .