Existem fortes evidências de que a sensibilização a alérgenos do interior do domicílio, como os derivados de ácaros, baratas, gato, cachorro e fungos, têm papel causal importante na asma. Há uma relação dose resposta bem estabelecida entre exposição intradomiciliar a alérgenos derivados de ácaros e de baratas, e sensibilização. Exposição a níveis elevados de alérgeno de ácaro no primeiro ano de vida levou a risco aumentado de asma aos 11 anos de idade, e presença de níveis elevados desse alérgeno na cama foi associada a maior gravidade da asma em crianças. Em comunidades com altos níveis de exposição a alérgenos de ácaros e baratas, como em nosso meio, a sensibilização a esses elementos é dominante(1,2). A combinação de exposição e sensibilização a alérgenos de barata é importante fator de risco para visitas a serviços de emergência e hospitalização por asma. Em outros locais, como por exemplo a cidade de Los Alamos, Estados Unidos, situada a 2.194 m acima do nível do mar, com baixos índices pluviométricos e clima muito seco, sensibilização a gato e cachorro esteve fortemente associada a hiperreatividade brônquica sintomática; em Tucson, Arizona, alergia ao fungo Alternaria é fator de risco para chiado persistente. Nesses locais, alérgenos derivados de ácaros não são causas importantes de asma.
Estudos realizados em várias cidades do Brasil, incluindo São Paulo, Ribeirão Preto, Uberlândia, Curitiba, Fortaleza, revelaram que a exposição a alérgenos de ácaros é elevada, comparável àquela observada em cidades da costa leste dos Estados Unidos, Inglaterra e Austrália. Em nosso meio, os níveis médios de alérgenos de ácaros, particularmente aqueles observados em amostras de poeira de cama, são superiores a níveis considerados de risco para sensibilização, e para desenvolvimento de sintomas em indivíduos sensibilizados. Alérgenos de barata são encontrados em níveis moderados em nossos domicílios. Por outro lado, observamos que níveis de alérgenos de gato e cachorro são baixos em amostras de poeira domiciliar(3).
O controle ambiental, com o objetivo de minimizar a exposição a alérgenos, persiste como um componente fundamental do tratamento de pacientes alérgicos que apresentam asma. É uma estratégia de tratamento que pode ser mantida facilmente sem efeitos adversos, e que pode levar a melhora de sintomas e da hiperreatividade brônquica e a diminuição da necessidade de tratamento medicamentoso(4). Embora evidências indiquem que medidas de controle ambiental são eficazes para pacientes com asma, há estudos que falharam em demonstrar um efeito significante dessa estratégia. Quais seriam as causas para esses insucessos? Vários aspectos devem ser considerados. Para que essa estratégia tenha sucesso, é fundamental que se defina a sensibilização específica de cada paciente, através de testes cutâneos de hipersensibilidade imediata ou medida de anticorpos IgE específicos no soro, e as recomendações devem ser focalizadas no perfil de sensibilidade individual de cada paciente. O controle ambiental requer educação e um plano completo para diminuição da exposição alergênica no domicílio, e medidas isoladas têm menor probabilidade de ser eficazes. Para ácaros, as medidas físicas incluindo colocação de capas impermeáveis a ácaros em colchão e travesseiro, remoção de carpetes e tapetes, limpeza do chão e móveis com pano úmido e uso freqüente de aspirador de pó, têm se mostrado superiores ao uso de acaricidas como benzoato de benzila ou ácido tânico. Para o controle de baratas é recomendado o extermínio profissional dos insetos, com tratamento de todos os cômodos da casa, associado a limpeza rigorosa, pois os alérgenos de barata tendem a se acumular no ambiente por vários meses após o extermínio do inseto. Medidas destinadas a minimizar a disponibilidade de água e alimento para baratas particularmente na cozinha devem ser encorajadas e incluem: acondicionar alimentos em recipientes fechados e evitar permanência de lixo, louças sujas, água ou alimentos para animais de estimação na cozinha.
Um outro aspecto importante é o papel da exposição alergênica em ambientes fora do domicílio. Recentemente, na cidade de São Paulo, foi demonstrado que berçários e creches, onde as crianças dormem parte do dia e têm contato com colchões e cobertores, foram fontes importantes de exposição a alérgenos de ácaros. Por outro lado, exposição a níveis elevados de alérgeno de barata foi observada em escolas de primeiro grau(5). Níveis significantes de alérgenos de ácaros e gato também foram encontrados em veículos de transporte públicos como ônibus e táxis, que podem constituir um importante reservatório de alérgenos no ambiente(6).
Nesse número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Melo e colaboradores inspecionaram domicílios de crianças e adolescentes asmáticos vivendo no município de Camaragibe, Pernambuco, assistidos por um programa eficiente de saúde da família reconhecido pela UNICEF, numa área em que aproximadamente um quinto das crianças e adolescentes apresenta asma)7). Os autores avaliaram que havia um controle ambiental adequado em 67% dos domicílios de pacientes com asma. Embora não tenha havido correlação significante entre controle ambiental adequado e menor freqüência de crises de asma, 77,6% de todos os pacientes apresentaram freqüência de 1 a 3 crises por ano. Fatores incluindo avaliação dos pacientes por: sintomas no período entre as crises, provas de função pulmonar, hiper-reatividade brônquica, quantificação da exposição alergênica (particularmente níveis de alérgenos de ácaros na cama e quarto), uso de capas anti-ácaros em colchão além de travesseiro, uso de medicamentos para o tratamento da asma, tempo decorrente desde a orientação ambiental até o presente estudo, seriam importantes para uma melhor apreciação do papel do controle ambiental nesse grupo de asmáticos. Entretanto, os resultados desse estudo são importantes por demonstrar alta taxa de adesão a orientações a pacientes asmáticos na "vida real".
Estratégias alternativas têm focalizado na manipulação do ambiente de indivíduos de alto risco, como uma tentativa de diminuir a prevalência de asma em crianças. No momento, seis estudos controlados de prevenção primária de asma estão em andamento, e os resultados relatados de medidas de controle ambiental têm variado em diferentes países(8). O estudo de seguimento mais longo é o de Isle of Wight. Medidas rigorosas de controle ambiental instituídas ao nascimento para reduzir exposição a ácaros, e dieta para prevenir sensibilização alimentar, resultaram numa redução significante de chiado atual, tosse noturna e asma sintomática, além de redução da sensibilização a alérgenos, particularmente ácaros, na idade de 8 anos. Resultados do Canadian Primary Prevention Study em bebês de alto risco foram relatados com a idade de 2 anos, mostrando que a intervenção composta de controle ambiental para ácaros, animais de estimação e tabagismo passivo, além de dieta, resultou em redução de asma no grupo de intervenção. Resultados iniciais de outros coortes também parecem promissores, entretanto um seguimento mais longo será necessário para que conclusões mais definitivas sejam estabelecidas.
Em conclusão, o controle ambiental para reduzir a exposição a alérgenos domiciliares é um elemento importante no tratamento das doenças alérgicas. Portanto, uma vez tendo ocorrido a sensibilização, são apropriadas recomendações para diminuir a exposição alergênica no ambiente ao(s) alérgeno(s) específico(s). Resultados de vários estudos têm fornecido fortes evidências a favor da importância do controle ambiental. Entretanto, estratégias para otimizar a redução dos níveis de alérgenos nos domicílios e em locais públicos precisam ser melhor avaliadas.
Luisa Karla Arruda
Profa. Dra. Divisão de Imunologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo
Referências
1. Santos AB, Chapman MD, Aalberse RC, Vailes LD, Ferriani VP, Oliver C, Rizzo MC, Naspitz CK, Arruda LK. Cockroach Allergens and Asthma in Brazil: Identification of Tropomyosin as a Major Allergen with Potential Cross-reactivity with Mite and Shrimp Allergens. J Allergy Clin Immunol 1999, 104:329-37
2. Camara AA, Silva JM, Ferriani VP, Tobias KR, Macedo IS, Padovani MA, Harsi CM, Cardoso MR, Chapman MD, Arruda E, Platts-Mills TA, Arruda LK. Risk factors for acute wheezing among children in a subtropical environment: role of respiratory viruses, IgE antibodies and allergen exposure. J Allergy Clin Immunol 2004; 113:551-7
3. Tobias KR, Ferriani VP, Chapman MD, Arruda LK. Exposure to indoor allergens in homes of patients with asthma and/or rhinitis in southeast Brazil: effect of mattress and pillow covers on mite allergen levels. Int Arch Allergy Immunol 2004;133:365-70
4. Platts-Mills TA. Allergen avoidance. J Allergy Clin Immunol 2004;113:388-91
5. Rullo VE, Rizzo MC, Arruda LK, Sole D, Naspitz CK. Daycare centers and schools as sources of exposure to mites, cockroach, and endotoxin in the city of São Paulo, Brazil. J Allergy Clin Immunol 2002; 110: 582-8.
6. Pereira FL, Silva DA, Sopelete MC, Sung SS, Taketomi EA. Mite and cat allergen exposure in Brazilian public transport vehicles. Ann Allergy Asthma Immunol 2004;93:179-84.
7. Melo RM, Lima LS, Sarinho ESC. Associação entre controle ambiental domiciliar e exacerbação de asma em crianças e adolescentes do município de Camaragibe, Pernambuco. J Bras Pneumol 2005; 5-12.
8. Simpson A and Custovic A. Allergen avoidance in the primary prevention of asthma. Curr Opin Allergy Clin Immunol 2004; 4:45-51.