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Rinite, sinusite e asma: indissociáveis?

Rhinitis, Sinusitis and Asthma: hard to dissociate?

Cássio da Cunha Ibiapina, Emanuel Savio Cavalcantio Sarinho, Álvaro Augusto Souza da Cruz Filho, Paulo Augusto Moreira Camargos

ABSTRACT

The objective of this study was to review the literature and to discuss epidemiological and physiopathological aspects and therapeutical implications of an unified approach to allergic rhinosinusitis and asthma. The bibliographic survey was based on the information provided by the following databases: Medline, MD Consult, Highwire, Medscape, LILACS and through direct search over thirty years, using the terms allergic rhinitis and asthma. Fifty-five original articles were selected in the no systematically review addressing the issue of clinical association between allergic rhinusinusitis and asthma. It is noteworthy that in the late years, with the use of specific topical medications for the lower airways or else, to the upper airways, the therapeutical approach has been distinct. However, numerous epidemiological surveys, immunopatological and clinical studies demonstrate the inter-relationship between asthma and allergic rhinossinusitis, characterized by: i) allergic rhinitis is associated to asthma and constitute an independent risk factor for its occurrence; ii) the immunopathological characteristics of allergic rhinitis and asthma are similar; iii) allergic rhinitis and asthma are manifestations of a systemic disease; iv) control of rhinitis favors asthma control. taking into consideration the close inter-relationship between allergic rhinitis and asthma, the approach to diagnosis, treatment and prophylaxis of these illnesses should be integrated. Therapeutical options that allow for the simultaneous control of asthma and allergic rhinitis offer advantages related both to costs and tolerability.

Keywords: Asthma/epidemiology; Asthma/physiopathology; Asthma/drug therapy; Sinusitis/epidemiology; Sinusitis/drug therapy; Sinusitis/physiopathology; Rhinitis, allergic, perennial

RESUMO

Este estudo tem como objetivo rever a literatura ressaltando aspectos epidemiológicos e fisiopatológicos relacionados à abordagem unificada de rinossinusite alérgica e da asma, com as respectivas implicações terapêuticas. O levantamento bibliográfico foi realizado a partir das informações disponibilizadas pelas bases de dados Medline, MD Consult, Highwire, Medscape, LILACS e por pesquisa direta, dos últimos trinta anos, utilizando-se os termos allergic rhinitis e asthma. Foram selecionados 55 artigos originais em revisão não sistemática abordando a questão da associação clínica entre rinossinusite alérgica e asma. Verifica-se que nos últimos anos, com o uso de medicamentos tópicos, para as vias aéreas superiores ou para as vias aéreas inferiores, a abordagem terapêutica tem sido distinta. Entretanto, inúmeros inquéritos epidemiológicos, estudos de imunopatologia e clínicos demonstram a inter-relação entre asma e rinossinusite alérgica evidenciados por: i) a rinite alérgica encontra-se associada à asma e constitui-se em fator de risco independente para o seu aparecimento; ii)as características imunopatológicas da rinite alérgica e da asma são semelhantes; iii)a rinite alérgica e a asma são manifestações de uma enfermidade sistêmica; iv)o controle da rinite favorece o controle da asma. A estreita associação entre a rinite alérgica e a asma requer a integração das abordagens diagnóstica, terapêutica e profilática dessas enfermidades. Opções terapêuticas que permitam o controle simultâneo de ambas oferecem vantagens relacionadas ao custo e à tolerabilidade.

Palavras-chave: Asma/epidemiologia; Asma/fisiopatologia; Asma/quimioterapia; Sinusite/epidemiologia; Sinusite/fisiopatologia; Sinusite/quimioterapia; Rinite alérgica perene

INTRODUÇÃO

Apesar de a associação clínica entre rinite alérgica e asma ser reconhecida há séculos, nos últimos anos, com o aumento do uso de substâncias inalatórias específicas para as vias aéreas superiores e para as vias aéreas inferiores, as abordagens terapêuticas das vias aéreas superiores e das inferiores têm sido distintas. A introdução, na literatura, de termos como "rinobronquite alérgica" e "doença única das vias aéreas" pode facilitar a assimilação do conceito de inflamação alérgica contígua das vias aéreas ou, pelo menos, alertar os profissionais que cuidam exclusivamente das vias aéreas inferiores para considerarem, como necessária, também a abordagem das vias aérea superiores, e vice-versa.(1)

Com o aumento do número de estudos epidemiológicos sobre a coexistência de rinite alérgica e asma, vem sendo amplamente discutida a importância das infecções das vias aéreas superiores como fator de exacerbação da asma e da presença de rinite como um fator de risco para as sinusites.(2)

Apesar da distribuição geográfica e da associação epidemiológica de asma, rinite ou sinusite diferirem, a coexistência de asma e rinite e/ou sinusite é observada desde Galeno.(3) Tal fato tem sido interpretado de duas maneiras: como duas entidades distintas; ou como expressão de uma mesma doença que acomete, simultaneamente, o trato respiratório superior e inferior, provavelmente em decorrência de fatores de risco e patogênese comuns, o que parece ser mais evidente.

Baseando-se nestas evidências, especialistas de diversos países, juntamente com a Organização Mundial de Saúde, elaboraram um documento sobre a rinossinusite alérgica e seu impacto na asma, denominado Allergic Rhinitis and Its Impact on Asthma (ARIA). Esse documento tem como objetivos: atualizar os conhecimentos sobre a rinite alérgica; destacar o impacto da rinite alérgica sobre a asma; fornecer resultados, baseados em evidências, sobre os métodos diagnósticos e tratamentos disponíveis; avaliar a magnitude do problema em países em desenvolvimento; e implementar linhas de tratamento.(4-5)

Nesse contexto, objetiva-se neste artigo revisar os aspectos epidemiológicos e fisiopatológicos e as implicações terapêuticas relacionados a essa abordagem unificada de rinossinusite alérgica e asma.

MÉTODOS

Foi realizada uma revisão não sistemática da literatura, abrangendo os últimos 30 anos, a partir de informações disponibilizadas, entre outras fontes, pelas bases de dados Medline, MD Consult, Highwire, Medscape, LILACS e por pesquisa direta, utilizando-se os termos allergic rhinitis e asthma.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Evidências da associação entre as doenças do trato respiratório: a teoria da via aérea única

Epidemiologia
Numerosos estudos documentam a coexistência da rinite alérgica e da asma.(1-5) Estima-se que 60% a 78% dos asmáticos sejam portadores de rinite alérgica.(1-5) Adicionalmente, esta última tem sido reconhecida como fator de risco para o desenvolvimento de asma em cerca de 20% a 38% dos casos.(6) Essas percentagens estão provavelmente abaixo da freqüência real, pois os resultados recentes têm sido obtidos através de questionários aplicados em pacientes asmáticos.

Alguns autores, em um estudo realizado em 475 adolescentes e adultos asmáticos, encontraram prevalência elevada de rinite alérgica e a partir daí sugeriram a denominação "síndrome da doença única das vias aéreas".(7-8)

De forma complementar, o International Study on Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) mostrou que, em escala mundial, a prevalência de sintomas associados à rinossinusite variou de 0,8% a 14,9% entre crianças de seis a sete anos e de 1,4% a 39,7%, entre as idades de treze a catorze anos.(9) O mesmo estudo revelou, ainda, que a co-morbidade entre asma e rinite pode alcançar 80%.(9) Salientava ainda que pacientes com asma, freqüentemente, apresentam sintomas nasais de mais difícil controle que a própria asma.(9) Existem dificuldades no estudo da inter-relação entre as doenças do trato respiratório superior e do inferior devido às limitações dos recursos propedêuticos laboratoriais para diagnosticá-las. Entretanto, os estudos epidemiológicos têm contribuído para a definição da relação entre sinusite, rinite e asma, ao verificar possíveis fatores de risco, história natural e prognóstico destas afecções.(3)

A sinusite está comumente associada à asma e as evidências sugerem uma relação de causa e efeito, isto é, que a rinossinusite pode desencadear ou exacerbar a asma. Cerca de 30% a 70% dos pacientes com asma apresentaram sinusite pelo menos uma vez, enquanto que 34% dos pacientes que tiveram sinusite têm asma.(3) Entretanto, a relação entre estas entidades ainda não está definida, pela inexistência de observações feitas a partir de estudos adequadamente controlados.(3)

Em um estudo multicêntrico, realizado em 31 países da Europa, EUA e Oceania, com 90.478 adultos entre 20 e 44 anos, foi analisada a presença de sintomas de asma e rinossinusite. Do total, 10.210 pessoas participaram de estudo clínico posterior para identificar indivíduos com asma e rinossinusite. Ao final, tanto o inquérito epidemiológico quanto o quadro clínico demonstraram que a rinossinusite é o fator preditivo isolado mais importante no aparecimento da asma.(10-11)

Através de um estudo prospectivo buscou-se testar a hipótese de rinite como fator de risco para asma em adultos, sendo acompanhados 173 pacientes, durante vinte anos, os quais negavam asma antes do início da pesquisa. Aqueles que apresentaram a doença após vinte anos de idade foram comparados com 2.177 controles. Os resultados demonstraram que a rinite alérgica aumentou em quatro vezes o risco de aparecimento de asma no adulto.(12-13)

Patogênese da "síndrome alérgica respiratória única"
Desde o século XIX, a relação entre as vias aéreas superiores e as inferiores vem sendo descrita. Em 1870, Kratchmer, em um estudo experimental, observou que a irritação química da mucosa nasal de gatos e coelhos resultou em broncoconstrição.(14)

Alguns autores estudaram os mecanismos inflamatórios das vias aéreas superiores e inferiores de dezesseis pacientes com rinite alérgica específica ao pólen, submetidos à provocação brônquica. Observou-se diminuição dos parâmetros dos testes de função pulmonar e de função nasal, bem como um aumento do número de eosinófilos nas mucosas nasal e brônquica após provocação brônquica nos não asmáticos.(15)
Concluíram que houve uma resposta inflamatória em todo o trato respiratório nestes últimos pacientes, ao passo que nos pacientes do grupo controle, sem asma ou rinite, estas alterações não foram observadas.(15)

Este mesmo grupo estudou, ainda, um grupo de pacientes sem asma, mas com rinite alérgica e submeteu-os à provocação nasal com antígeno. Detectaram um aumento de eosinófilos e de moléculas de adesão nas mucosas nasal e brônquica após o teste de rinoprovocação. Estes achados reforçam a hipótese de que o contato com um antígeno pelo trato respiratório superior provoca inflamação em toda a via aérea.(16)

Posteriormente, o mesmo grupo detectou, em pacientes adultos sem asma e com rinite alérgica submetidos à broncoprovocação segmentar, redução de mastócitos nas mucosas nasal e brônquica. Já na corrente sangüínea, constatou-se diminuição do número de basófilos, provavelmente pela migração destas células para as mucosas nasais e brônquicas, onde sofreram degranulação.(17)

Outros autores também demonstraram a relação entre rinite alérgica e asma em 27 pacientes adultos, dos quais nove apresentavam ambas as doenças, oito eram asmáticos sem quadro de rinossinusite e dez controles, através de biópsias, nasais e brônquicas, e da avaliação da presença e contagem de eosinófilos. Foi encontrada a mesma quantidade destas células nos pacientes asmáticos com ou sem diagnóstico de rinossinusite, mas em número significativamente maior do que entre os pacientes do grupo controle. Estes resultados sugerem que asma e rinite constituem a mesma doença.(18)

Em outro estudo observou-se, em pacientes com asma grave, uma relação direta entre grau de sinusite crônica à tomografia, grau de inflamação das vias aéreas baixas e eosinofilia, resultados estes que sugerem o caráter sistêmico da asma e não apenas uma afecção limitada ao trato respiratório.(19)

Baseando-se em vários estudos, um autor conceituou a doença inflamatória alérgica crônica das vias aéreas como sendo uma doença de amplo espectro de gravidade, capaz de induzir tanto a asma quanto a rinossinusite. Os casos mais leves seriam representados apenas pelas rinossinusites e os mais graves pelas rinossinusites associadas à asma.(20) Por questões anatômicas, o primeiro alvo para os alérgenos e irritantes químicos do ambiente é a via aérea superior. Após o acometimento de todo o trato respiratório, rinite e asma seguiriam cursos paralelos. Para testar a hipótese de que a asma e a rinossinusite são manifestações de uma só doença, o pesquisador postulou que sejam avaliadas as seguintes premissas: rinite alérgica coexiste com asma alérgica; rinite alérgica deve ser um fator predisponente para asma; os pacientes com asma e rinite devem apresentar rinite mais grave que os pacientes que apresentam rinite isolada; e, finalmente, entre os asmáticos que apresentam rinite, o quadro asmático é mais grave naqueles indivíduos com rinite mais acentuada.(21-22)

O papel do ambiente
A exposição a alérgenos produz uma broncoconstrição aguda em pacientes suscetíveis, que pode ser seguida por uma resposta asmática tardia, algumas horas após o contato, produzindo hiperresponsividade não específica das vias aéreas nasal e brônquica, por alguns dias, e mesmo por semanas. A exposição contínua a pequenas quantidades de alérgenos presentes na poeira doméstica pode produzir resposta inflamatória crônica, resultando em hiperresponsividade brônquica em longo prazo. O papel dos alérgenos da poeira doméstica como agentes desencadeadores das exacerbações na asma é bem conhecido, com destaque para o D. pteronyssinus como o principal alérgeno da poeira domiciliar. Em um estudo randomizado controlado, verificou-se durante oito semanas o efeito benéfico na hiperresponsividade das vias aéreas de medidas rigorosas de controle ambiental contra alérgenos da poeira domiciliar (foi realizada inclusive aplicação de nitrogênio líquido no quarto dos pacientes). É importante ressaltar que todos os pacientes do estudo apresentavam teste alérgico prévio positivo para D. pteronyssinus. O grupo que evitou o contato com a poeira apresentou melhora no escore de sintomas, maior número de horas diárias livres de sibilância e incrementos do pico do fluxo expiratório e da PD20. Estes resultados demonstram que medidas de controle do contato com poeira doméstica, combinadas com uma aplicação inicial de nitrogênio líquido no quarto dos pacientes, reduziram a hiperresponsividade das vias aéreas e facilitaram o controle da doença. Embora o uso de nitrogênio líquido seja impraticável fora do âmbito da pesquisa, os pesquisadores salientaram que o uso de acaricidas químicos pode se constituir numa solução prática para o controle de alérgenos domésticos no futuro.(2)

Por outro lado, em uma recente revisão sistemática da literatura, concluiu-se que a definição das medidas de controle ambiental recomendáveis para o controle da asma ainda requer investigação.(24-25)

Em nosso meio, alguns autores avaliaram domicílios de crianças e adolescentes asmáticos do município de Camaragibe (PE), em relação ao controle ambiental. As orientações foram seguidas por 67% dos pacientes com asma. No entanto não houve correlação significativa entre controle ambiental adequado e menor freqüência de crises de asma. Um dado importante apresentado foi a alta taxa de adesão às orientações. Os autores atribuem a este fato a não existência de associação significativa entre controle ambiente e menor freqüência de crises neste estudo aberto.(26)

Semelhanças e diferenças entre as mucosas nasal e brônquica na asma e na rinite
Sabe-se que as mucosas nasal e brônquica apresentam similaridades e diferenças morfológicas. Em indivíduos saudáveis as mucosas nasal e brônquica apresentam estrutura similar, a primeira com grande suprimento de capilares subepiteliais, sistemas arteriais e sinusóides venosos cavernosos, ao passo que a musculatura lisa encontra-se presente da traquéia aos bronquíolos.(24)

Quanto à embriologia, o nariz tem origem ectodérmica e os brônquios, endodérmica. Fisiologicamente, as células epiteliais nasais e brônquicas são diferenciáveis pela coesão. A inflamação da mucosa tanto na asma como na rinite é constituída por infiltrado inflamatório similar, mas a magnitude é diferente: a inflamação eosinofílica nasal é universal em pacientes asmáticos, independentemente de apresentação clínica com ou sem sintomas nasais.(24-27)

O remodelamento das vias aéreas
Remodelamento significa tanto modelar novamente de forma diferente da original, quanto reconstruir. Pode ser encontrado em tecidos inflamados tanto na mucosa nasal quanto na mucosa brônquica de pacientes com asma e rinite alérgica.(27) É considerado um fator importante na patogênese da obstrução ao fluxo aéreo e da hiperresponsividade brônquica em pacientes asmáticos(28-29) e é detectado em extensão muito menor no nariz dos portadores de rinite que nos brônquios dos asmáticos.

O reconhecimento do remodelamento brônquico como componente essencial da asma foi sugerido em 1992, e é um processo complexo envolvendo fatores da inflamação brônquica, resultando em alterações estruturais (espessamento da parede brônquica) ou funcionais (obstrução irreversível ao fluxo aéreo). Os principais componentes do remodelamento brônquico da asma são: alteração do depósito/degradação de componentes da matriz extracelular, neovascularização da submucosa, hipertrofia e hiperplasia do músculo liso, hiperplasia de glândulas mucosas, hiperplasia de células caliciformes e alterações do epitélio brônquico.(30)

Alguns autores demonstraram que o remodelamento das vias aéreas inferiores pode ser detectado tanto nos pacientes com rinite isolada, quanto nos pacientes com rinite e asma. Novos estudos são necessários para caracterizar este processo na mucosa nasal.(31-32)

Imunopatologia e o envolvimento da medula óssea como explicação para a doença única das vias aéreas
Na asma, a inflamação brônquica é mediada principalmente pelo linfócito T helper 2 (Th2) que secreta citocinas, envolvidas na inflamação alérgica, além de estimuladores de linfócito B, que são responsáveis pela produção de IgE, e de outros anticorpos. Os linfócitos T helper 1 (Th1) produzem predominantemente interferon gama e interleucina 2. As citocinas Th1 inibem as células Th2 e vice-versa e o desequilíbrio neste balanço de compostos pode explicar a fisiopatologia da asma. Existem evidências experimentais de que, quando os linfócitos Th2 estão livres da influência restritiva do interferon gama, eles provocam inflamação nas vias aéreas.(33-34) Recentemente, alguns autores pesquisaram o T-bet, um fator de transcrição, indutor da diferenciação de células T helper em Th1, e importante para a produção de interferon gama. O T-bet não foi encontrado em linfócitos interbronquiais de pacientes com asma, mas foi detectado nos pacientes controles.(34) Este achado sugere um papel modulador do interferon gama na asma e é coerente com a hipótese de que um desequilíbrio entre Th1 e Th2 possa contribuir para o aparecimento da asma.(35)

Alguns autores quantificaram, através de biópsias brônquicas em oito pacientes adultos com rinite sazonal, os valores citológicos e de citocinas durante e após a estação polínica. Identificaram concentrações maiores de interleucina-5, de linfócitos e de eosinófilos nos brônquios dos pacientes com rinite alérgica durante a estação associada à rinite. Os autores ainda especularam que a rinite pode constituir um fator de risco para o desenvolvimento de asma em indivíduos predispostos.(36)

Embora haja evidências epidemiológicas, neurofisiológicas e clínicas da relação entre rinite alérgica e asma, os mecanismos hoje conhecidos não explicam o recrutamento celular por uma mesma via, tanto para o trato respiratório superior quanto para o inferior. Um estudo destaca o papel da medula óssea no fornecimento de células inflamatórias às vias aéreas superiores e inferiores.(37)

Vários estudos clínicos em pacientes portadores de rinite alérgica, com ou sem asma, eczema atópico ou pólipos nasais, têm demonstrado uma estimulação de progenitores de basófilos/eosinófilos no sangue periférico, com flutuações relacionadas à sintomatologia, exposição alérgica sazonal e extensão da atopia. Há evidências da capacidade das vias respiratórias superiores inflamadas de pacientes com rinite alérgica ou pólipos nasais em produzir fatores de crescimento hematopoiéticos que direcionam a diferenciação e maturação de basófilos/eosinófilos e de progenitores de mastócitos. Ou seja, a mucosa das vias aéreas é capaz de promover a diferenciação de progenitores de células inflamatórias encontrados na circulação.(37-38)

Em um estudo observou-se, em modelos caninos, expressão dos progenitores mielóides como resposta medular à provocação brônquica que é acompanhada pelo aparecimento de células em divisão, tanto no sangue quanto no lavado broncoalveolar, sugerindo uma ligação direta entre pulmão e medula óssea nos processos inflamatórios alérgicos das vias aéreas. Esta resposta medular pode ser bloqueada pelo tratamento prévio com esteróides inalados e sugere um efeito sistêmico dos corticóides tópicos no processo de recrutamento celular para as vias aéreas. Recentemente, estes achados foram confirmados no homem.
Detectou-se, ainda, que progenitores de basófilos/eosinófilos apresentam receptores para interleucina-5, um fator de crescimento hematopoético que pode ser sinalizador para a produção medular de progenitores. Em um futuro próximo, terapias específicas para a medula óssea deverão ser consideradas no tratamento da inflamação crônica, tanto na rinite quanto na asma.(37-38) O autor ressalta que tanto a asma quanto a rinite são partes de um mesmo processo sistêmico, no qual a medula óssea contribui ativamente, interagindo com sinais hematopoéticos tissulares, que sustentam a inflamação crônica nas vias aéreas. Eosinófilos e seus progenitores podem adquirir fenótipo auto-estimulador, produzindo o próprio fator de crescimento e perpetuando o processo inflamatório na asma e na rinite.(37)

Imunoterapia
O manejo de doenças alérgicas é baseado em princípios gerais de controle ambiental, terapia farmacológica, imunoterapia e educação do paciente. Um estudo recente apresenta a imunoterapia específica (ITE) e o anticorpo monoclonal anti-IgE como tratamentos promissores para rinite alérgica e asma, com benefícios em longo prazo, se doses adequadas de alérgenos padronizados forem administradas. Existem, no entanto, problemas associados à ITE, particularmente o risco de reações anafiláticas. Além disso, o efeito clínico pode ser incompleto no primeiro ano de tratamento, especialmente em pacientes polissensibilizados.(38)

O anticorpo monoclonal anti-IgE induz a redução dos níveis de IgE livre sérica em humanos e reduz os sintomas mediados por esta imunoglobulina, independentemente da especificidade alérgica da IgE envolvida. Já foi documentada a eficácia do anti-IgE em reduzir a gravidade dos sintomas de rinite alérgica sazonal e da asma, desde que o anti-IgE seja administrado por injeções subcutâneas a cada duas a quatro semanas.(37) Há estudos relatando a redução do uso de anti-histamínicos para rinite e corticóides inalados para asma quando do uso da anti-IgE. Em estudo randomizado, duplo cego, realizado com crianças e adolescentes portadores de rinite alérgica sazonal, observou-se redução adicional de 48% da sintomatologia quando se usou ITE associada a IgE, em comparação com pacientes que usaram somente ITE. O efeito aditivo da imunoterapia combinada com anti-IgE reflete a complementaridade dos diferentes modos de ação destes produtos imunobiológicos. Enquanto a ITE é um imunizador ativo, o anti-IgE reduz a resposta imune pela diminuição dos níveis de IgE livre no soro. A resposta clínica à ITE geralmente requer anos para tornar-se plenamente efetiva. No início, enquanto a resposta é incompleta, o anti-IgE poderia ser usado como um aditivo na terapia das doenças alérgicas.(39-40)

Em um estudo da casuística de seis hospitais pediátricos europeus, foram analisadas 205 crianças portadoras de rinite sazonal; 97 crianças receberam durante três anos imunoterapia com antígeno de pólen e 108 constituíram o grupo controle. Ao final do estudo, observou-se que a imunoterapia atuou na prevenção do aparecimento de asma e na redução dos sintomas de rinite alérgica.(41)

A despeito dos trabalhos citados é importante salientar que as evidências atuais preconizam o controle da asma e da rinite alérgica com corticosteróides inalatórios e nasais, ficando a imunoterapia reservada para situações específicas.

Implicações clínicas e terapêuticas
Apesar das evidências da inter-relação entre asma e rinite alérgica, a prática clínica corrente resiste em reconhecer a associação entre rinossinusite alérgica e asma e que o tratamento de uma induz a melhora da outra, e vice-versa. Estes achados enfatizam a importância da educação médica na avaliação e do tratamento concomitante de ambas.(42) A conduta na rinossinusite e na asma a partir do paradigma estabelecido na síndrome respiratória alérgica crônica é apresentada no Quadro 1.






A rinite alérgica é uma doença que afeta pessoas no período produtivo de suas vidas, podendo causar prejuízos pelo absenteísmo ao trabalho e à escola.(43) Sua presença traz desconforto significativo ao paciente e requer intervenção ativa.

Dois estudos observacionais demonstraram, recentemente, que o tratamento da rinite alérgica em pacientes asmáticos com rinite reduz a busca por serviços de emergência e as internações devidas à asma.(44-45) Em um estudo de coorte retrospectivo, durante um período de três anos, foram identificados 13.844 pacientes com mais de cinco anos de idade, com o diagnóstico de asma. A associação entre asma e rinite foi demonstrada pelo uso de corticóides intranasal e/ou anti-histamínicos orais. A taxa de busca a serviços de emergência foi menor entre os pacientes que faziam tratamento para rinite.(45) Outra coorte retrospectiva foi avaliada para se verificar a freqüência de hospitalizações e de visitas a serviços de emergência por pacientes asmáticos e com rinite. Foram observados 4.944 pacientes, de doze a 60 anos, com rinite tratada com anti-histamínicos e corticóides nasais. Verificou-se maior incidência de exacerbações de asma nos pacientes não tratados para rinite. Este estudo, porém, apresenta algumas limitações apontadas pelos próprios autores: o uso de algoritmos diagnósticos pouco consistentes, que incluíram na pesquisa pacientes com diagnósticos errados, não esclarecidos, e pacientes em uso de corticóides orais por outra razão que não asma e rinite, ou a falta de classificação da gravidade da asma, fator inequivocamente associado ao número de hospitalizações.(46)

Antagonistas de mediadores inflamatórios, como a histamina, neutralizam em parte a obstrução de vias aéreas induzida por alérgenos. Entretanto, a limitada proteção conferida pelos anti-histamínicos na prevenção ou melhora da broncoconstrição estimulou a procura por outros mediadores importantes na fisiopatologia da asma. Algumas substâncias com ações marcantes em vias aéreas, como o tromboxane A2 ou o fator ativador de plaquetas, não parecem exercer efeito nas alterações induzidas por alérgenos, pois os antagonistas destas substâncias produzem pouca ou nenhuma inibição das fases imediata e tardia da asma.(47) Por outro lado, evidências científicas têm apontado os leucotrienos como coadjuvantes da histamina no fenômeno obstrutivo da asma e que seus antagonistas atuam na inibição da reação na fase imediata, mas que, na fase tardia, seu efeito é variável.(47)

Sinusite crônica e asma são entidades nas quais existem essas reações inflamatórias similares e que, freqüentemente, coexistem. Em um estudo clássico, 48 crianças que apresentavam tosse e chiado, por no mínimo três meses, e alteração sugestiva de sinusite na radiografia de seios da face foram tratadas para a sinusite com antibioticoterapia ou antibioticoterapia e cirurgia, quando necessário. Após esta fase, foi possível suspender o esteróide tópico de todos os pacientes e o broncodilatador de 38 crianças (79% do total). Os autores concluíram que a sinusite pode ser um fator agravante para a hiperresponsividade brônquica e que o tratamento da doença sinusal melhora os sintomas da asma.(48) Um estudo conduzido no Brasil recrutou 66 crianças para avaliar a resposta clínica e a hiperresponsividade brônquica à metacolina, após o tratamento clínico da sinusite. Crianças com rinite alérgica foram comparadas com crianças com rinite e asma e com crianças normais subdivididas em grupos com e sem sinusite. Usou-se sulfametoxazol-trimetoprim, solução fisiológica nasal, prednisona, anti-histamínico e descongestionante nasal para tratamento. Os testes de broncoprovocação realizados antes e 30 dias após o tratamento mostraram que a melhora da função pulmonar ocorreu apenas nos portadores de asma e rinite tratados para sinusite. Concluiu-se que a opacificação de um ou ambos os seios maxilares justifica o tratamento da sinusite, pois há melhora dos sintomas e da hiperresponsividade brônquica.(49) Entretanto, ambos estudos são abertos, não controlados, e os pacientes usaram corticosteróides sistêmicos. Portanto, a melhora apresentada pode ser conseqüência do efeito sistêmico desta medicação, que é mais perceptível nos pacientes mais sintomáticos ou que apresentam hiperresponsividade brônquica.

O uso apropriado de corticóides nasais alivia os sintomas sazonais da asma, da broncoconstrição induzida pelo exercício e da responsividade de vias aéreas, e melhora os resultados do pico de fluxo expiratório em pacientes com rinite e asma. Anti-histamínicos orais, com ou sem descongestionantes, podem levar à melhora, ainda que transitoriamente, da função pulmonar.(50-51)

Em um estudo randomizado e duplo cego, com 21 pacientes de sete a dezessete anos, todos eles com asma leve e rinite alérgica, avaliaram-se os efeitos da beclometasona intranasal em comparação com placebo nas alterações da responsividade brônquica. Os pacientes foram tratados com beclometasona ou placebo intranasais e monitorados com medições de pico de fluxo expiratório. Os testes de broncoprovocação com metacolina, realizados antes do início e ao final do tratamento, demonstraram melhora dos sintomas de asma e rinite alérgica, além de diminuição da hiperresponsividade brônquica. Concluiu-se que deve existir uma relação entre as vias aéreas superiores e as inferiores, mas os autores salientaram que o mecanismo de interação ainda é desconhecido.(10)

Em um outro estudo, dezoito pacientes adultos com história de rinite alérgica sazonal e asma e com hiperresponsividade brônquica a metacolina foram tratados com beclometasona intranasal ou com placebo, durante toda a estação polínica, para se avaliar o efeito da terapia na responsividade brônquica e nos parâmetros clínicos da asma.
Os pacientes sob tratamento ativo apresentaram menor hiperresponsividade brônquica ao final do tratamento que os do grupo placebo. Estes resultados reforçam as evidências de que a rinite alérgica pode provocar efeitos significativos nas vias aéreas inferiores e, portanto, deve ser investigada e tratada em todos os pacientes com asma.(52)

Em um estudo randomizado conduzido no Brasil, que incorporou 78 crianças portadoras de rinite alérgica e asma na faixa etária de cinco a dezessete anos, avaliou-se a eficácia da utilização de 500 g de dipropionato de beclometasona, administrado com máscara facial, porém com inalação nasal. O grupo controle recebeu 200 g de dipropionato de beclometasona na forma aquosa intranasal e 500 g de dipropionato de beclometasona através de espaçador conectado à peça bucal. Escore clínico, medidas do pico de fluxo inspiratório nasal, pico de fluxo expiratório e volume expiratório forçado no primeiro segundo foram utilizados como parâmetros na avaliação das duas modalidades de tratamento. Como não ocorreram diferenças significativas entre os grupos, os autores sugeriram que esta forma alternativa de tratamento pode ser útil em pacientes apresentando a co-morbidade asma-rinite alérgica, especialmente em países em desenvolvimento.(53)

Torna-se então necessário tratar tanto a rinite alérgica como a asma para se controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. No entanto, a situação brasileira, como a de outros países em desenvolvimento, muitas vezes, dificulta o tratamento farmacológico adequado integral da doença da via aérea tanto para o controle da rinite quanto da asma, e reforça a priorização do tratamento da inflamação das vias aéreas inferiores.(53)

Comentários finais
O entendimento de que asma e rinite são entidades distintas vem sendo progressivamente substituído pelo conceito de que elas representam um continuum de inflamação, envolvendo o conjunto do trato respiratório que ocorre em diferentes locais e períodos de vida do paciente. Estudos epidemiológicos e ensaios clínicos têm demonstrado, inequivocamente, a relação entre asma e rinossinusite alérgica. Novos estudos são necessários para esclarecer os mecanismos de interação entre as vias aéreas superiores e inferiores. Baseando-se neste paradigma - asma e rinite como doença única(54-55) - as abordagens diagnóstica, terapêutica e profilática devem ser simultâneas e integradas (Figura 1). Desta forma, deve-se ressaltar a importância de se desenvolver agentes farmacológicos ou vias de administração de corticóides inalatórios capazes de atuar ao mesmo tempo sobre inflamações das vias aéreas superiores e inferiores, buscando, assim, reduzir os custos e proporcionar melhor qualidade de vida aos pacientes.





REFERÊNCIAS

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* Trabalho realizado na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE; e Universidade Federal da Bahia - UFBA - Brasil.
1. Especialista em Pneumologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Mestre em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Professor do Curso de Medicina da Universidade de Alfenas, Campus Belo Horizonte.
2. Doutor em Medicina. Professor Adjunto do Departamento de Pediatria, Vice-coordenador do Centro de Pesquisas de Alergia e Imunologia em Pediatria, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.
3. Doutor em Medicina. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia - UFBA; Coordenador do Programa de Controle da Asma e da Rinite Alérgica da Bahia.
4. Doutor em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Professor Titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina e Chefe da Unidade de Pneumologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG.
Endereço para correspondência: Paulo Augusto Moreira Camargos. Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Professor Alfredo Balena, 190, sala 4.061 - CEP: 30130-100, Belo Horizonte, MG, Brasil. Tel: 55 31 3248-9772. E-mail: pcamargs@medicina.ufmg.br
Recebido para publicação em 26/10/05. Aprovado, após revisão, em 27/10/05.

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