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Relato de Caso

Microepidemia de histoplasmose em Blumenau, Santa Catarina

An outbreak of histoplasmosis in the city of Blumenau, Santa Catarina

Flávio de Mattos Oliveira, Gisela Unis, Luiz Carlos Severo

ABSTRACT

Acute pulmonary histoplasmosis is rarely diagnosed and is often confused with tuberculosis. Most knowledge of the disease has been derived from descriptions of epidemics in which a number of individuals were exposed to the same source of infection. Isolation of Histoplasma capsulatum var. capsulatum from soil samples is conclusive evidence of an epidemic focus. This is the first report of an outbreak of histoplasmosis, in which two cases were reported and the fungus was isolated at the focus of the epidemic, in the state of Santa Catarina. Further epidemiological studies are needed in order to determine the prevalence of the infection statewide.

Keywords: Histoplasmosis/diagnosis; Histoplasmosis/epidemiology; Histoplasma/isolation & purification; Lung disases, fungal; Disease outbreaks; Case reports [publication type]

RESUMO

A histoplasmose pulmonar aguda é pouco diagnosticada e muitas vezes confundida com tuberculose. A maior parte do conhecimento sobre a doença veio de relatos de epidemias resultantes da exposição de certo número de indivíduos a uma mesma fonte de infecção. O isolamento do H. capsulatum var. capsulatum a partir de amostras de solo comprova o foco epidêmico. Pela primeira vez é descrita uma microepidemia, com o relato de dois casos e o isolamento do fungo do foco de infecção, em Santa Catarina. Recomendam-se novos estudos epidemiológicos para se determinar a prevalência da infecção nesse estado.

Palavras-chave: Histoplasmose/diagnóstico; Histoplasmose/epidemiologia; Histoplasma/isolamento & purificação; Pneumopatias fúngicas; Surtos de doenças; Relatos de casos [tipo de publicação]

INTRODUÇÃO

O fungo dimórfico térmico Histoplasma capsulatum var. capsulatum (H. capsulatum) causa diferentes manifestações clínicas, dependendo do estado anatômico e imunológico do hospedeiro e do tamanho do inóculo fúngico. A histoplasmose pulmonar aguda ocorre por inalação de uma grande quantidade de propágulos fúngicos em um paciente hígido.(1)

A histoplasmose pulmonar aguda apresenta-se com tosse, febre, dispnéia e astenia em paciente previamente hígido, uma (reinfecção) a três (infecção primária) semanas após exposição ao fungo. O curso da doença é autolimitado, com regressão espontânea dos sintomas. Os achados diferenciam-se dependendo de o hospedeiro já ser previamente infectado ou não e do tamanho do inóculo.(2) O fungo encontra-se nas camadas mais superficiais do solo e sua propagação dá-se pela dispersão no ar.(3) O tempo de exposição determina a gravidade da doença.(4)

A maior parte do conhecimento sobre a doença veio de relatos de epidemias resultantes da exposição de certo número de indivíduos a uma mesma fonte de infecção,(2) sendo mais facilmente reconhecidas por afetarem um grupo de pessoas ao mesmo tempo. O início simultâneo dos sintomas em mais de um paciente é determinante para a suspeição diagnóstica e descarta a possibilidade de tuberculose. A histoplasmose simula a tuberculose nos aspectos clínicos, radiológicos e histopatológicos, sendo necessária a realização de exames específicos, com cultivo para diagnóstico do agente etiológico.

No Brasil já foram relatadas 26 microepidemias em oito Estados (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraíba, Amazonas e Bahia) com isolamento no solo em cinco deles (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Distrito Federal e Paraíba).(5) Descreve-se aqui a primeira microepidemia de histoplasmose pulmonar aguda em Santa Catarina, com isolamento do H. capsulatum do foco de infecção.

RELATO DOS CASOS

Caso 1
Um paciente, do sexo masculino, branco, de 67 anos, procedente de Blumenau (SC), representante de vendas, iniciou quadro de dispnéia, astenia, dor torácica e sudorese dez dias após limpeza do forro da sua casa, onde estão localizadas caixas d'água. Esteve em contato com fezes de morcego por tempo limitado, enquanto o local era varrido. A presença de nódulos pulmonares em radiografia e tomografia de tórax (Figuras 1A e 1B) e a ausência de expectoração justificaram a realização de biópsia de nódulopulmonar.





Na avaliação microbiológica observou-se imunodifusão dupla para H. capsulatum negativa. A biópsia pulmonar corada pela hematoxilina e eosina demonstrou granuloma tuberculóide com necrose caseosa, a baciloscopia foi negativa, e cortes corados pela técnica de Gomori-Grocott com metenamina argêntica (GMS) foram negativos. Com estes resultados iniciou-se teste terapêutico para tuberculose.

Devido ao conhecimento do paciente de doença relacionada a fezes de morcego, solicitou-se reavaliação micológica do material no Laboratório de Micologia da Santa Casa - Complexo Hospitalar, em Porto Alegre (RS), que demonstrou elementos leveduriformes pequenos, unibrotantes, sugestivos de H. capsulatum em novos cortes de tecidos corados pelo GMS. O paciente iniciou o uso de itraconazol (200 mg/dia) e apresentou boa evolução.

Caso 2
Um paciente, do sexo masculino, branco, de 50 anos, procedente de Blumenau, pedreiro, iniciou quadro semelhante e simultâneo ao do caso 1, dez dias após a limpeza da área referida com presença de fezes de morcego, ficando exposto a grande quantidade de poeira em ambiente fechado. Esteve hospitalizado por sete dias. O aspecto radiológico do tórax, apresentando micronódulos difusamente distribuídos em ambos os pulmões, e o controle evolutivo são demonstrados nas Figuras 2A e 2B.





Na avaliação microbiológica observou-se imunodifusão dupla para H. capsulatum negativa. A biópsia transbrônquica corada pela hematoxilina e eosina demonstrou processo inflamatório crônico granulomatoso, a baciloscopia foi negativa, e o corte corado por GMS foi negativo. Com estes resultados iniciou-se teste terapêutico para tuberculose.

A reavaliação micológica do material foi realizada no mesmo laboratório do caso 1, e demonstrou elementos leveduriformes pequenos, unibrotantes, sugestivos de H. capsulatum em novos cortes corados por GMS. O paciente iniciou o uso de itraconazol (200 mg/dia) e apresentou melhora clínica um mês após o início dos sintomas.

DISCUSSÃO

No Brasil já foram relatadas 26 microepidemias desde 1958, envolvendo 184 pacientes(5) (Tabela 1). Os casos variaram entre dois e treze pacientes. As principais fontes de infecção foram visitas a grutas com fezes de morcego (dez microepidemias), seguidas por visitas a minas abandonadas (cinco) e contato com fezes de galinheiro (3 microepidemias). Em onze microepidemias houve isolamento do H. capsulatum do solo.





A história epidemiológica é importante para a suspeita diagnóstica. Ter
conhecimento das síndromes clínicas e a suspeição clínica podem evitar o tratamento empírico. Os achados radiológicos, os exames negativos e a alta freqüência da tuberculose em nosso meio foram os fatores para o tratamento para tuberculose nos dois pacientes. O teste de imunodifusão, embora negativo nestes dois pacientes, tem alta sensibilidade, sendo positivo em aproximadamente 75% dos casos.(6) O tempo de exposição ao inóculo determina a gravidade da doença. Isto explica o fato de o segundo paciente, que varreu o local, ter apresentado uma forma mais grave da doença, com alteração radiológica pulmonar difusa e necessidade de hospitalização. Por outro lado, uma pequena exposição determina lesões pulmonares focais, como no caso 1.

A confirmação diagnóstica é realizada pela presença do H. capsulatum em biópsia de tecido pulmonar. O corte de tecido deve ser corado com a técnica de GMS.(6) O diagnóstico da microepidemia foi realizado através de biópsia pulmonar corada por GMS com presença de elementos leveduriformes pequenos, ovalados, unibrotantes, sugestivos de H. capsulatum nos dois casos.

O tratamento geralmente não está indicado em pacientes imunocompetentes com histoplasmose pulmonar aguda, já que a doença é autolimitada e com mínima morbidade. Deve ser considerado naqueles que permanecem sintomáticos por mais de um mês ou apresentam alteração radiológica difusa ou hipoxemia.(7) Quando o único antifúngico disponível era a anfotericina B, o tratamento não estava indicado devido à toxicidade da droga.(8) Com o surgimento dos azólicos, de fácil administração oral e boa tolerabilidade, aumentaram as indicações. O tratamento de escolha é o uso de itraconazol a 200 mg/dia por seis a doze semanas.(7) Nos dois pacientes optou-se pelo tratamento, porque estavam sintomáticos havia mais de um mês, sendo que no caso 2 houve necessidade de hospitalização.

O isolamento do fungo do solo exige trabalho minucioso e várias amostras de diferentes locais, uma vez que o H. capsulatum se concentra em pequenos microfocos com condições de crescimento ideais, como temperatura entre 22 e 29ºC e umidade relativa de 67% a 87% ou mais, em certos períodos do ano.(3) A técnica de identificação do fungo é realizada por inoculação intraperitoneal em camundongo, o qual é sacrificado quatro semanas depois.(9) Neste trabalho foi possível isolar pela primeira vez o H. capsulatum em Santa Catarina, sendo esta uma evidência conclusiva de sítio epidêmico.(4) O único inquérito epidemiológico de Santa Catarina foi realizado em 1955, com 110 soldados em várias cidades com várias diluições de histoplasmina (1:10, 1:100, 1:1000) e apresentou 6,3% de positividade, não representando a realidade.(10) As microepidemias costumam ser mais freqüentes em áreas de maior endemicidade. São necessários novos estudos epidemiológicos para se determinar a prevalência da infecção neste Estado.

REFERÊNCIAS

1. Goodwin RA, Loyd JE, Des Prez RM. Histoplasmosis in normal hosts. Medicine (Baltimore). 1981;60(4):231-66.
2. Goodwin RA Jr, Des Prez RM. State of the art: histoplasmosis. Am Rev Respir Dis. 1978;117(5):929-56.
3. Wheat LJ, Conces D, Allen SD, Blue-Hnidy D, Loyd J. Pulmonary histoplasmosis syndromes: recognition, diagnosis, and management. Semin Respir Crit Care Med. 2004;25(2):129-44.
4. Larsh HW. Histoplamosis. In: Di Salvo AF. Occupational mycoses. Philadelphia: Lea & Febiger; 1983. p.29-42.
5. Unis G, Roesch EW, Severo LC. Histoplasmose pulmonar aguda no Rio Grande do Sul. J Bras Pneumol. 2004;31(1):52-9.
6. Wheat LJ. Laboratory diagnosis of histoplasmosis: update 2000. Semin Respir Infect. 2001;16(2):131-40.
7. Wheat J, Sarosi G, McKinsey D, Hamill R, Bradsher R, Johnson P, et al. Practice guidelines for the management of patients with histoplasmosis. Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2000;30(4):688-95.
8. Severo LC, Petrillo VF, Camargo JJ, Geyer GR, Porto NS. Acute pulmonary histoplasmosis and first isolation of Histoplasma capsulatum from soil of Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Inst Med Trop S Paulo. 1986;28(1):51-5.
9. Ajello L, Zeidberg LD. Isolation of Histoplasma capsulatum and Allescheria boydii from soil. Science. 1951;113(2945):662-3.
10. Fava SC, Fava Netto C. Epidemiologic surveys of histoplasmin and paracoccidioidin sensitivity in Brazil. Rev Inst Med Trop S Paulo. 1998;40(3):155-64.

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* Trabalho realizado no Laboratório de Micologia da Santa Casa Complexo Hospitalar, Porto Alegre (RS) Brasil.
1. Laboratório de Micologia da Santa Casa-Complexo Hospitalar
2. Doutora em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.
3. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.
Endereço para correspondência: Luiz Carlos Severo. Laboratório de Micologia, Hospital Santa Rita, Santa Casa-Complexo Hospitalar. R. Annes Dias, 285 - CEP: 90020 090, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel: 55 51 3214-8435. E-mail: severo@santacasa.tche.br
Recebido para publicação em 25/2/05. Aprovado, após revisão, em 14/9/05.

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