Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
7176
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Adesão ao tratamento em pacientes com fibrose cística

Adherence to treatment in patients with cystic fibrosis

Paulo de Tarso Roth Dalcin, Greice Rampon, Lílian Rech Pasin, Gretchem Mesquita Ramon, Claudine Lacerda de Oliveira Abrahão, Viviane Ziebell de Oliveira

ABSTRACT

Objectives: To evaluate the self-reported degree of adherence to treatment in patients with cystic fibrosis (CF), investigating associations with characteristics of the disease and with the degree of adherence perceived by health professionals. Methods: This was a prospective, cross-sectional study involving patients with CF monitored at a Program for Adults with CF. The degree of adherence was evaluated using a questionnaire. Patients were divided into two groups: greater degree of adherence and moderate/poor degree of adherence. Clinical data, Shwachman-Kulczycki clinical score, Brasfield radiographic score and spirometry data were obtained for all patients. Results: Out of 38 patients studied, 31 (81.6%) were classified as presenting a greater degree of adherence and 7 (18.4%) as presenting a moderate/poor degree of adherence. The self-reported patient adherence score correlated with the clinical score (r = −0.36, p = 0.028). The self-reported patient adherence score (median = 0.79) was higher than that perceived by health professionals (median = 0.71, p = 0.003). A greater degree of adherence was self-reported for respiratory therapy (by 84.2%), exercise (by 21.1%), prescribed diet (by 65.8%), pancreatic enzymes (by 96.3%), vitamins (by 79.4%), inhaled antibiotic therapy (by 76.7%) and inhaled DNase (by 79.4%). Conclusions: Self-reported adherence of patients attending a Program for Adults with CF was good. The self-reported patient adherence score correlated inversely with the clinical score. Self-reported patient adherence was greater than the adherence perceived by health professionals.

Keywords: Cystic fibrosis; Patient compliance; Therapeutics.

RESUMO

Objetivos: Avaliar a adesão auto-relatada ao tratamento na fibrose cística (FC), estabelecendo associações com características da doença e com a adesão percebida pelos profissionais de saúde. Métodos: Foi realizado estudo transversal, prospectivo, com pacientes atendidos por um programa para adultos com FC. O grau da adesão foi avaliado por questionário. Os pacientes foram divididos em grupo com elevada adesão e grupo com moderada/baixa adesão. Foram obtidos dados clínicos, medida do escore clínico de Shwachman-Kulczycki, medida do escore radiológico de Brasfield e espirometria. Resultados: De 38 acientes estudados, 31 (81,6%) foram classificados como tendo elevada adesão e 7 (18,4%) como moderada/baixa adesão. Houve correlação entre o escore de adesão auto-relatada e o escore clínico (r = −0,36, p = 0,028). O escore de adesão auto-relatada foi maior (mediana = 0,79) que o percebido pelo profissional (mediana = 0,71, p = 0,003). Adesão elevada foi auto-relatada em 84,2% para a fisioterapia respiratória, em 21,1% para a atividade física, em 65,8% para dieta, em 96,3% para enzimas pancreáticas, em 79,4% para as vitaminas, em 76,7% para o antibiótico inalatório e em 79,4% para a dornase alfa. Conclusões: A adesão auto-relatada dos pacientes atendidos por um programa de adultos com FC foi elevada. Menor adesão foi observada com a dieta e a atividade física. O escore de adesão auto-relatada se correlacionou inversamente com o escore clínico. A adesão auto-relatada foi maior que a percebida pelos profissionais.

Palavras-chave: Fibrose cística; Cooperação do paciente; Terapêutica.

Introdução

A fibrose cística (FC) é uma doença genética com padrão de hereditariedade autossômico recessivo.(1) Sua incidência varia de 1/2500 a 1/3200 nascidos vivos.(2) Trata-se de uma doença irreversível cuja evolução não permitia, até alguns anos atrás, que os pacientes sobrevivessem até a adolescência.(1)

Nas últimas duas décadas, a pesquisa nesta doença progrediu de maneira muito importante, levando à instituição de melhores regimes terapêuticos e aumentando a sobrevida média destes pacientes até 35 anos.(3,4) Entretanto, a realização desse tratamento requer a adesão do paciente a um programa complexo de auto-cuidado que preencherá uma parcela considerável do seu tempo de vida.(5,6)

Embora a questão da adesão seja um aspecto relevante na prática diária do manejo desses pacientes,(7) não há relatos em nosso meio de avaliação sistemática nos pacientes com FC acompanhados por programas de adultos. A quantificação do comportamento auto-relatado de não-adesão às principais recomendações terapêuticas seria útil para desenvolver esforços posteriores na busca de causas para essa atitude e de estratégias para melhorar a adesão ao tratamento.

O objetivo deste trabalho foi estudar a adesão auto-relatada dos pacientes atendidos por um programa de adultos com FC, estabelecendo associações com as características clínicas da doença e com a percepção da adesão do paciente pela equipe multidisciplinar.

Métodos

O presente trabalho constituiu-se em um estudo transversal, prospectivo, em um único centro. O trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Foram obtidos termos de consentimento pós-informação de todos os pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, ou de seus responsáveis no caso de pacientes com idade inferior a 18 anos.

População do estudo

A população do estudo foi constituída por pacientes que se encontravam em acompanhamento no programa de adultos com FC do Serviço de Pneumologia do HCPA.

Foram incluídos os pacientes com diagnóstico de FC estabelecido de acordo com os critérios de consenso(8-10) e com idade igual ou superior a 16 anos. Os pacientes deveriam estar com estabilidade clínica da doença há pelo menos 30 dias, definida por ausência de achados clínicos de exacerbação, ausência de modificações no esquema terapêutico e ausência de internações no referido período.

Os critérios de exclusão do estudo incluíam os pacientes que não completassem o preenchimento dos questionários utilizados no estudo ou que não aceitassem assinar o termo de consentimento pós-informação.

Medidas e instrumentos

Foram utilizados questionários específicos para o registro das variáveis clínicas. O escore de avaliação clínica utilizado foi o de Shwachman-Kulczycki.(11) Em cada caso do estudo, o escore foi pontuado pelo membro mais graduado da equipe.

A espirometria foi realizada utilizando o equipamento Jaeger -v 4.31a (Jaeger, Wuerzburg, Alemanha), de acordo com as Diretrizes para Testes de Função Pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(12) Foram registrados: capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e relação VEF1/CVF. Para expressar as variáveis funcionais pulmonares em percentagem do previsto para sexo, idade e altura foram utilizados nomogramas para tal fim.(13)

A avaliação da saturação periférica de oxigênio (SpO2) foi realizada estando o paciente em repouso, através do oxímetro de pulso modelo NPB-40 (Nellcor Puritan Bennett, Pleasanton, CA, EUA).

O exame radiológico convencional do tórax foi realizado em todos os indivíduos incluídos no estudo. A pontuação do escore radiológico foi realizada por profissional sênior da área de Pneumologia, utilizando o sistema de escore radiológico de Brasfield(14) e estando cegado às condições clínicas, avaliações do estudo e identificação dos pacientes.

A avaliação da adesão foi feita utilizando questionário adaptado de um outro trabalho.(15) Foram desenvolvidas duas formas de questionários: uma dirigida aos profissionais da equipe multidisciplinar e outra dirigida ao paciente. As duas formas de questionário abordavam as seguintes orientações terapêuticas: questão 1) fisioterapia respiratória; questão 2) atividade física; questão 3) dieta hipercalórica; questão 4) enzimas pancreáticas; questão 5) vitaminas A, D, E e K; questão 6) nebulização
de antibiótico; e questão 7) nebulização da dornase alfa. Em cada questão, deveria ser assinalada a freqüência semanal de utilização da modalidade terapêutica considerada: em todos os dias ou em quase todos os dias da semana, em aproximadamente 3 a 5 dias por semana ou em menos de 3 dias por semana ou nunca. As questões de 3 a 7 tinham a opção 'd) não tem indicação'.

O questionário destinado aos profissionais da equipe multidisciplinar foi preenchido durante o atendimento clínico ambulatorial. As questões 1 e 2 foram preenchidas pela fisioterapeuta, as questões 3 a 5 foram preenchidas pela nutricionista, e as questões 6 e 7 foram preenchidas pelo médico.

Cada questão foi pontuada da seguinte forma: se a resposta foi 'a', 2 pontos; se a resposta foi 'b', 1 ponto; e se a resposta foi 'c', 0 pontos. Um escore de adesão foi calculado a partir do quociente entre o total de pontos obtidos e o total de pontos possível. Se alternativa 'd' fosse assinalada, nas questões 3 a 7, a questão não era considerada no cálculo do escore.

Dessa forma, foram construídos dois escores: o de adesão percebida pelo profissional de saúde e o de adesão auto-relatada pelo paciente.

A aplicação dos questionários de adesão auto-relatada foi feita por membro da pesquisa não-vinculado ao atendimento do paciente, fora do ambiente de atendimento clínico. O paciente foi orientado quanto à finalidade, confidencialidade e preenchimento dos questionários pelo pesquisador.

Análise estatística

Os dados foram digitados em base de dados no programa Microsoft Excel 2000, sendo processados e analisados com auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 13.0.

Os dados quantitativos foram apresentados como média ± desvio padrão ou como mediana (intervalo interquartílico - II). Os dados qualitativos foram expressos em n (% de todos os casos).

Os pacientes foram divididos em dois grupos, de acordo com o escore de adesão auto-relatada: grupo com elevada adesão, se o escore foi >0,70; grupo de moderada/baixa adesão, se o escore foi igual ou menor que 0,70. A análise dos dados quantitativos com distribuição normal foi realizada pelo teste t para amostras independentes. A análise dos dados contínuos sem distribuição normal foi realizada pelo teste U de Mann-Whitney. Os dados qualitativos foram analisados através do teste do qui-quadrado, utilizando, se necessário, correção de Yates ou teste exato de Fisher.

As correlações do escore de adesão com as variáveis contínuas foram analisadas pelo teste de correlações lineares de Pearson ou pelo coeficiente de correlação de Spearman.

A análise kappa foi utilizada para avaliar a concordância entre a adesão avaliada pela a equipe e a adesão auto-relatada pelo paciente em cada um dos sete itens de tratamento avaliados.

Todos os testes estatísticos utilizados foram bicaudais. Foi estabelecido um nível de significância de 5%.

O tamanho da amostra foi calculado considerando proporções entre o grupo com elevada adesão e o grupo com moderada/baixa adesão.(16) Para uma proporção esperada de 0,30 de pacientes com moderada/baixa adesão e utilizando uma amplitude total de 0,30, com um nível de confiança de 95%, o tamanho da amostra adequado seria 36 pacientes.

Resultados

No período de agosto de 2005 a fevereiro de 2006, foram incluídos no estudo 38 dos 41 pacientes atendidos pelo programa de adultos com FC. Dois pacientes não aceitaram participar do estudo e um paciente não compareceu para consulta no período do estudo (afastamento do país para estudo).

Vinte pacientes eram do sexo feminino e 18 masculinos. A média de idade foi de 23,8 ± 6,5 anos. Apenas uma paciente não era de etnia caucasóide.

A Tabela 1 mostra as características gerais dos pacientes de acordo com a classificação da adesão auto-relatada. Trinta e um (81,6%) pacientes foram classificados como elevada adesão e 7 (18,5%) como moderada/baixa adesão. Nenhuma das variáveis estudadas se associou à classificação de adesão (p > 0,05).





A Tabela 2 apresenta o escore clínico, o índice de massa corporal, a função pulmonar e o escore radiológico, de acordo com a classificação da adesão auto-relatada. Não foi identificada diferença estatisticamente significante entre os grupos para as variáveis estudadas (p > 0,05).






O escore de adesão auto-relatada (mediana=0,79) foi significativamente maior que o escore de adesão percebida pela equipe (mediana = 0,71, p = 0,003).

A análise de correlações demonstrou associação inversa entre o escore de adesão auto-relatada e o escore clínico de Shwachman-Kulczycki (r = -0,36, p = 0,028). As correlações do escore de adesão com as demais variáveis não foram estatisticamente significantes: idade (r = 0,03, p = 0,88), idade do diagnóstico (r = -0,03, p = 0,847), índice de massa corporal (r = -0,15, p = 0,375), escore radiológico (r = -0,17, p = 0,333), CVF em % do previsto (r = -0,22, p = 0,187), VEF1 em % do previsto (r = -0,09, p = 0,602) e SpO2 (r = -0,11, p = 0,508). A Figura 1 apresenta as principais correlações estudadas.

A Tabela 3 demonstra a freqüência semanal de utilização das orientações terapêuticas. O item com maior adesão auto-relatada foi a utilização das enzimas pancreáticas (96,3% dos pacientes), seguido da realização da fisioterapia respiratória (84,2% dos pacientes), da utilização das vitaminas A, D, E e K (79,4% dos pacientes), da nebulização da dornase alfa (79,4% dos pacientes), da utilização do antibiótico inalatório (76,7% dos pacientes), do seguimento da orientação dietética (65,8% dos pacientes) e da realização de atividade física (21,1% dos pacientes).

A Tabela 4 mostra a análise de concordância entre a adesão avaliada pela equipe de saúde e a adesão auto-relatada pelo paciente. Foi observada concordância moderada quanto à realização de atividade física (kappa = 0,44, p < 0,001). Para as demais formas de tratamento, não houve concordância ou a concordância foi fraca (p > 0,05).





Discussão

Nesse estudo, foram avaliados pacientes acompanhados por um programa para adultos com FC quanto à adesão a sete das recomendações terapêuticas principais no manejo dessa doença. Foi evidenciada elevada adesão auto-relatada para a maioria das recomendações terapêuticas. Entretanto, duas recomendações tiveram adesão muito baixa: a atividade física e a dieta. Dentre as variáveis estudadas, a única que se correlacionou inversamente, porém de maneira fraca, com o escore de adesão auto-relatada foi o escore clínico de Shwachman-Kulczycki, sugerindo que os pacientes mais graves aderem mais ao tratamento. A concordância entre a adesão avaliada pela equipe de saúde e a adesão auto-relatada pelo paciente foi precária para a maioria das recomendações terapêuticas, exceto para a atividade física, em que foi observada uma concordância moderada. De uma forma geral, a adesão auto-relatada pelo paciente foi maior que a percebida pela equipe de saúde.

Importante salientar que as medicações incluídas como recomendações terapêuticas no estudo são fornecidas gratuitamente pela Secretaria de Saúde do Estado, excluindo, portanto, a questão do poder aquisitivo como limitante da adesão.

Um aspecto importante que pode ter contribuído para a elevada adesão encontrada em nosso estudo é o fato de a população de pacientes com FC, até então, ser relativamente pequena, e ser acompanhada regularmente em um centro de referência para a doença, com consultas agendadas, no máximo a cada 60 dias. Em cada consulta, os pacientes são atendidos seqüencialmente pelo médico pneumologista, pela nutricionista, pela fisioterapeuta e pela psicóloga. As consultas com outras especialidades são encaminhadas conforme a necessidade.

Mesmo tendo sido evidenciada uma elevada adesão à fisioterapia respiratória, é preocupante que 10,5% dos pacientes tenham relatado a sua efetiva realização em menos de 3 dias na semana e 5,3% deles em 3 a 5 dias na semana, já que essa medida terapêutica constitui ponto fundamental no manejo da doença.

Alguns estudos que abordaram o tema adesão na FC são citados a seguir para comparação com os nossos resultados.

Alguns autores(17) avaliaram a adesão ao tratamento em 58 pacientes com FC. Cada forma de tratamento foi pontuada com 0, 1 ou 2, conforme identificada, respectivamente, adesão pobre, parcial ou completa. Foi relatada adesão completa em 93% das prescrições de antibióticos, em 90% das de vitaminas, em 40% das de fisioterapia respiratória e em 20% das de dieta. Em comparação, também encontramos elevada adesão para o uso das vitaminas, porém não estudamos o uso de antibioticoterapia oral e achamos uma adesão bem mais elevada para a fisioterapia respiratória.

Outros autores(18) estudaram 65 pacientes com FC, com idade de 6 meses a 17 anos, com o objetivo de avaliar os fatores relacionados à adesão ao tratamento na FC. Foi utilizada escala de adesão preenchida pelo médico, pelo familiar e, conforme

o caso, pelo paciente. Observaram que as principais modalidades terapêuticas (medicações, drenagem postural, inalação, exercício e dieta) tiveram adesão elevada. A má adesão não se associou com nenhum padrão de psicopatologia nem com problemas de ajustamento. Em contraste, estudamos uma população acompanhada por um programa de adultos e também encontramos adesão elevada para o uso de fisioterapia respiratória, medicações orais (vitaminas) e terapia inalatória (dornase alfa e antibiótico), mas a adesão à dieta e à atividade física foi menor em nosso estudo.

Um estudo(19) analisou a adesão ao tratamento em 60 pacientes com FC, com idade de 16 a 44 anos. Cinqüenta e três por cento dos pacientes relataram boa adesão à fisioterapia respiratória, 75% dos pacientes realizavam atividade física adequada, 97% tinham boa adesão ao uso de enzimas pancreáticas nas refeições principais, 53% tinham boa adesão ao uso de enzimas pancreáticas nos lanches e 83% tinham boa adesão ao uso das vitaminas. As características demográficas e as variáveis de gravidade da doença não se associaram com a adesão. Em comparação a esse estudo, também estudamos uma população de adultos, mas encontramos uma menor adesão à atividade física.

Outro estudo(15) analisou 91 pacientes com FC com idade de 14 a 40 anos. Os pacientes foram avaliados por questionário. Um escore de adesão foi calculado. Os profissionais da equipe de saúde também avaliaram a adesão. Oitenta e cinco por cento dos pacientes relataram boa adesão ao uso de enzimas pancreáticas nas grandes refeições, 84% ao uso dos suplementos vitamínicos, 65% ao uso dos antibióticos inalatórios, 50% aos suplementos dietéticos, 41% à realização da fisioterapia respiratória e 38% ao uso de enzimas pancreáticas nos lanches. Não foi observada correlação entre a adesão e as características sócio-demográficas dos pacientes ou o seu conhecimento sobre a doença. As correlações entre o escore de adesão do paciente e o dos profissionais de saúde foram fracas. Em comparação, esse estudo avaliou pacientes com uma faixa etária semelhante à de nosso trabalho, mas encontrou uma adesão menor à fisioterapia respiratória. A relação entre o escore de adesão auto-relatada pelo paciente e avaliada pelos profissionais de saúde foi fraca, à semelhança de nosso estudo.






Alguns autores(20) compararam a adesão auto-relatada à prescrição de dornase alfa com o registro de dispensação dessa medicação pela farmácia em 42 pacientes com FC atendidos por um programa de adultos. Vinte e quatro por cento dos pacientes apresentaram boa adesão pelos critérios de dispensação da medicação, 48% apresentaram moderada adesão e 28% pobre adesão. Por outro lado, 82% dos pacientes auto-relataram boa adesão, enquanto apenas 24% deles retiraram medicação suficiente para o uso adequado. A avaliação do médico e da enfermeira da equipe mais freqüentemente superestimou (em 30% dos casos) do que subestimou (em 13%) a adesão a essa forma de tratamento. Em nosso estudo, só usamos a abordagem auto-relatada e achamos uma elevada adesão à dornase alfa. Também identificamos uma concordância precária entre a avaliação auto-relatada e a avaliada pelos profissionais de saúde.

A principal dificuldade em estudos de adesão ao tratamento está na forma de medir essa variável.(5,7,21,22) A avaliação da adesão pode ser subjetiva ou objetiva. A avaliação subjetiva inclui o auto-relato do paciente, o relato dos pais e o relato dos profissionais de saúde, utilizando entrevistas ou questionários, ou ainda a realização de um diário pelo paciente. As medidas objetivas da adesão podem ser diretas ou indiretas. As medidas diretas incluem dosagens séricas ou urinárias de medicações ou de seus metabólitos. As medidas indiretas incluem comparação de função pulmonar quando em tratamento domiciliar com quando em tratamento hospitalar, contagem de cápsulas, registros de dispensação de medicações pela farmácia responsável ou o registro de doses por dispositivos mecânicos que medem cegamente a liberação de medicação.(7,21,22) As medidas objetivas, embora mais eficientes, nem sempre são factíveis de serem empregadas para a avaliação da adesão. Por outro lado, as medidas subjetivas, baseadas no auto-relato do paciente, superestimam a adesão. Entretanto, as técnicas subjetivas de auto-relato são de fácil emprego e parecem permitir, ainda que com menor sensibilidade, a identificação de um grupo de pacientes com comportamento de não-adesão. Isso pode ser útil para a identificação de razões para essa atitude e para desenvolver estratégias na busca de melhorar a adesão ao tratamento.(5,7)

Uma outra dificuldade em estudar a adesão auto-relatada pelo paciente é o fato de não haver questionários validados para tal fim. Em nosso estudo, optamos pela estratégia de adaptar o questionário de um outro trabalho.(15) Acreditamos que o uso da freqüência semanal de utilização das orientações terapêuticas como referência objetiva para as questões tenha reduzido a possível interferência desse limitante.

Embora a estimativa inicial do tamanho da amostra para identificar o grupo de pacientes com moderada/baixa adesão tenha sido satisfeita pelo número de pacientes estudados, deve-se considerar como possível limitação o fato de o estudo não ter poder suficiente para as associações entre a adesão auto-relatada e as características clínicas estudadas, em especial devido ao pequeno número de pacientes no grupo com moderada/baixa adesão.

Ainda, os dois pacientes que se recusaram a participar do estudo podem ter contribuído para a superestimativa da adesão, na hipótese de que isso teria ocorrido justamente por serem pacientes com problemas de adesão.

Nos últimos anos, a FC tornou-se, também, uma doença de adultos.(23) Entretanto, a condição de doença crônica e a complexidade dos regimes terapêuticos exigem do paciente tempo e dedicação para a adequada realização do tratamento.(21) Esse estudo, realizado em um centro de referência para FC, quantificou a adesão dos pacientes incluídos no programa de adultos, identificando duas recomendações com baixo grau de adesão. Portanto, acrescenta conhecimento sobre o comportamento desse grupo de pacientes em nosso meio, orienta onde aplicar esforços para aumentar a adesão, e sistematiza a utilização de um instrumento simples para essa avaliação. A desproporção entre o grau de adesão auto-relatada e o grau de adesão percebida pelos profissionais da equipe sugere que medidas objetivas de adesão sejam desenvolvidas e acrescentadas à avaliação sistemática desse grupo para uma ainda melhor abordagem desse problema.

Como conclusão, o presente estudo mostrou que a adesão auto-relatada ao tratamento, em pacientes com FC atendidos em um programa de adultos, foi elevada para a maioria das recomendações terapêuticas. Entretanto, a menor adesão para a orientação dietética e, principalmente, para a recomendação de atividade física requer esforços na busca de causas para essa atitude e de estratégias que melhorem a adesão. A única característica que se correlacionou inversamente com o escore de adesão auto-relatada foi o escore clínico de Shwachman-Kulczycki. A adesão auto-relatada pelo paciente foi maior que a percebida pela equipe de saúde.

Agradecimentos

Agradecemos à Vânia Naomi Hirakata, pela análise estatística; e a todos os membros da Equipe de Adolescentes e Adultos com FC do HCPA, pela colaboração.

Referências

1. Orenstein DM, Stern RC, Rosenstein BJ. Cystic Fibrosis: Medical Care. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2000.

2. Ackerman MJ, Clapham DE. Ion channels--basic science and clinical disease. N Engl J Med. 1997;336(22):1575-86. Erratum in: N Engl J Med 1997;337(8):579.

3. Marelich GP, Cross CE. Cystic fibrosis in adults. From researcher to practitioner. West J Med. 1996;164(4):321-34.

4. Ratjen F, Doring G. Cystic fibrosis. Lancet. 2003;361(9358): 681-9.

5. Dodd ME, Webb AK. Understanding non-compliance with treatment in adults with cystic fibrosis. J R Soc Med. 2000;93(Suppl 38):S2-S8.

6. Lask B. Non-adherence to treatment in cystic fibrosis. J R Soc Med. 1994;87(Suppl 21):S25-S7.

7. Kettler LJ, Sawyer SM, Winefield HR, Greville HW. Determinants of adherence in adults with cystic fibrosis. Thorax. 2002;57(5):459-64.

8. Rosenstein BJ, Cutting GR. The diagnosis of cystic fibrosis: a consensus statement. Cystic Fibrosis Foundation Consensus Panel. J Pediatr. 1998;132(4):589-95.

9. Rosenstein BJ. What is a cystic fibrosis diagnosis? Clin Chest Med. 1998;19(3):423-41.

10. Stern RC. The diagnosis of cystic fibrosis. N Engl J Med. 1997;336(7):487-91.

11. Shwachman H, Kulczycki LL. Long-term study of one hundred five patients with cystic fibrosis; studies made over a five- to fourteen-year period. AMA J Dis Child. 1958;96(1):6-15.

12. Pereira CAC. Espirometria. J Pneumol. 2002;28(Supl 3): S2-S81.

13. Knudson RJ, Slatin RC, Lebowitz MD, Burrows B. The maximal expiratory flow-volume curve. Normal standards, variability, and effects of age. Am Rev Respir Dis. 1976;113(5):587-600.

14. Brasfield D, Hicks G, Soong S, Tiller RE. The chest roentgenogram in cystic fibrosis: a new scoring system. Pediatrics. 1979;63(1):24-9.

15. Conway SP, Pond MN, Hamnett T, Watson A. Compliance with treatment in adult patients with cystic fibrosis. Thorax. 1996;51(1):29-33.

16. Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady DG, Hearst N. Designing Clinical Research: An Epidemiologic Approach. 2nd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2001.

17. Passero MA, Remor B, Salomon J. Patient-reported compliance with cystic fibrosis therapy. Clin Pediatr (Phila). 1981;20(4):264-8.

18. Geiss SK, Hobbs SA, Hammersley-Maercklein G, Kramer JC, Henley M. Psychosocial factors related to perceived compliance with cystic fibrosis treatment. J Clin Psychol. 1992;48(1):99-103.

19. Abbott J, Dodd M, Bilton D, Webb AK. Treatment compliance in adults with cystic fibrosis. Thorax. 1994;49(2):115-20.

20. Burrows JA, Bunting JP, Masel PJ, Bell SC. Nebulised dornase alpha: adherence in adults with cystic fibrosis. J Cyst Fibros. 2002;1(4):255-9.

21. Bernard RS, Cohen LL. Increasing adherence to cystic fibrosis treatment: a systematic review of behavioral techniques. Pediatr Pulmonol. 2004;37(1):8-16.

22. Prasad SA, Cerny FJ. Factors that influence adherence to exercise and their effectiveness: application to cystic fibrosis. Pediatr Pulmonol. 2002;34(1):66-72.

23. Yankaskas JR, Marshall BC, Sufian B, Simon RH, Rodman D. Cystic fibrosis adult care: consensus conference report. Chest. 2004;125(1 Suppl):S1-S39.
___________________________________________________________________________________________
* Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Serviço de Pneumologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
1. Professor Adjunto do Departamento de Medicina Interna. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
2. Médico. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
3. Psicóloga. Serviço de Psicologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
4. Nutricionista. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
5. Chefe do Serviço de Psicologia. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo de Tarso Roth Dalcin. Rua Honório Silveira Dias, 1529/901, Bairro São João, CEP 90540-070, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 2101-8241. Fax 55 51 3330-0521. E-mail: pdalcin@terra.com.br
Recebido para publicação em 31/1/2007. Aprovado, após revisão, em 16/4/2007.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia