Ao Editor:
A formação dos profissionais da saúde deve visar a aquisição de conhecimentos, atitudes e práticas de modo a capacitar o futuro profissional a promover a saúde, prevenir doenças e lidar com as condições mais prevalentes no seu meio. As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos da área da saúde, publicadas a partir do final de 2001, recomendam como "eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de saúde mais frequentes" e sugerem que sejam utilizadas metodologias que privilegiem a integração entre o ensino, a pesquisa, a extensão e a assistência, desenvolvendo atitudes voltadas para a cidadania.(1,2) Para atingir esses objetivos, os currículos devem proporcionar diferentes cenários de ensino-aprendizagem, propiciar a interação ativa com usuários e profissionais de saúde desde o início da sua formação e vincular à formação acadêmica as necessidades sociais da saúde, com ênfase no Sistema Único de Saúde (SUS). Atividades didáticas que estimulem a criatividade, assim como a iniciativa para a autoaprendizagem e o espírito crítico, preparam o profissional para as constantes transformações e avanços do conhecimento no mundo moderno, que exigem a análise crítica para a decisão sobre a incorporação (ou não) das inovações tecnológicas, cada vez mais rapidamente multiplicadas, nas suas práticas. O modelo clássico centrado no professor já não atende às necessidades da nova sociedade.
Nesse cenário, surgem cada vez mais formas alternativas de estimular e compartilhar experiências profissionais ainda durante a formação. As ligas acadêmicas (LAs) constituem uma dessas alternativas. São organizações estudantis cujas atividades são executadas por meio da colaboração entre professores, pesquisadores e profissionais do SUS, por iniciativa dos próprios discentes, que se interessam por explorar e aprofundar os conhecimentos sobre um determinado tema.
As LAs podem ter diferentes formatos e estatutos. Entretanto, em 2006, a Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina lançou uma cartilha com diretrizes para a formação e elaboração de estatutos de LAs médicas.(3) Esse documento pode ser utilizado como norteador do processo de fundação das LAs, embora a Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina não tente uniformizá-las, entendendo que as faculdades de medicina têm diferentes realidades. As atividades das LAs são fundamentadas na tríade ensino, pesquisa e extensão. As atividades de ensino incluem aulas teóricas, discussão de casos clínicos, seminários, minicursos e atividades práticas, como o acompanhamento de ambulatórios e outros serviços. As atividades de promoção à saúde, geralmente negligenciadas nos currículos, são uma das mais importantes atividades das LAs. Podem ser realizadas campanhas de saúde em colaboração com organizações não governamentais e centros comunitários. Essa convivência e a prática do dia a dia podem contribuir na escolha da futura especialidade pelos alunos. As experiências relatadas são as mais diversas. Em algumas faculdades, observa-se o surgimento de conselhos de LAs, organizações geralmente ligadas aos centros acadêmicos com o papel de organizar e articular as diferentes atividades das LAs, além de avaliar propostas de novas ligas.(3)
Na ultima década, observou-se um aumento do número e da repercussão de LAs nas faculdades de medicina do Brasil. Em 2005, foi criada a Associação Brasileira de Ligas Acadêmicas de Medicina durante o 8º Congresso Brasileiro de Clínica Médica realizado em Gramado (RS).(4) Mais recentemente, diversas sociedades de especialidades médicas têm dado apoio para o desenvolvimento das LAs, abrindo espaço em suas homepages para sua divulgação. O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro promoveu, em abril de 2012, uma reunião de LAs do estado com o objetivo de dar visibilidade às entidades e estimular a criação de novas LAs.
Existem registros na Internet de LAs de várias especialidades médicas ou doenças. De interesse para os leitores do Jornal Brasileiro de Pneumologia, destacamos as LAs de Pneumologia, Doenças Infecciosas, Pediatria e a Liga Científica de Tuberculose do Rio de Janeiro (LCT-RJ). Essas ligas, em geral, são vinculadas a uma única instituição, enquanto outras são interinstitucionais; algumas são de um único curso, quase sempre médico, enquanto outras são multiprofissionais, como a LCT-RJ.
Nossa experiência se iniciou em março de 2001,(5) quando foi fundada a LCT-RJ por alunos e docentes do curso de medicina da Universidade Gama Filho com o objetivo de contribuir para o controle da tuberculose através de ações que permitissem dar visibilidade à doença, aprofundar os conhecimentos dos estudantes de todos os cursos da área de saúde, realizar pesquisas, sob a orientação dos docentes, com base nos problemas encontrados no estado, e sensibilizar gestores em saúde, docentes, profissionais de saúde e a sociedade civil para o grave problema da tuberculose. A LCT-RJ rapidamente ganhou alunos de outros cursos e instituições de ensino e, até hoje, cerca de 300 alunos de graduação integraram a LCT-RJ.
Para a entrada de novos alunos para a LCT-RJ, realizamos um simpósio bianual de sensibilização, durante o qual gestores, profissionais do SUS e pesquisadores falam da importância da LCT-RJ e alunos veteranos apresentam seus trabalhos e experiências. Desde 2001, seis simpósios foram realizados, com a participação crescente de discentes de diferentes instituições: o de 2010 contou com 250 participantes. Após a seleção durante os simpósios, os alunos são capacitados com aulas sobre aspectos epidemiológicos, clínicos e operacionais da doença. Em uma década, 82 alunos receberam bolsas de iniciação científica, apresentaram 98 resumos em 22 eventos nacionais e em 16 eventos internacionais e publicaram 15 artigos em revistas indexadas. Como forma de divulgação, foi criado um blog (lctrj.multiply.com/).
A multiplicação de iniciativas como essa pode contribuir para a formação cidadã dos profissionais de saúde, promover a interdisciplinaridade e estimular o interesse pela pesquisa e pela especialidade, assim como contribuir para a educação permanente, conforme recomendam as Diretrizes Curriculares Nacionais.
Mayara Lisboa Soares de Bastos
Estudante de Medicina da Universidade Gama Filho e Coordenadora Discente
da Liga Científica de Tuberculose
do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro (RJ) Brasil
Anete Trajman
Coordenadora do Mestrado Profissional em Ensino na Saúde da Universidade Gama Filho e Coordenadora Docente da Liga Científica de Tuberculose do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil
Professora Adjunta. McGill University, Montreal (QC), Canadá
Eleny Guimarães Teixeira
Professora Assistente da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques, Professora Auxiliar da Universidade Gama Filho e Docente da Liga Científica de Tuberculose do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro (RJ) Brasil
Lia Selig
Professora Titular da Faculdade de Medicina do Centro Universitário Serra dos Órgãos e Docente da Liga Científica de Tuberculose do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil
Márcia Teresa Carreira Teixeira Belo
Professora Assistente da Fundação Técnico Educacional Souza Marques e da Universidade Gama Filho e
Docente da Liga Científica de Tuberculose do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro (RJ) Brasil
Referências
1. Brasil. Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União. 09 Nov 2001;Seção 1:38.
2. Brasil. Resolução nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União. 09 Nov 2001;Seção 1:37.
3. Torres AR, Oliveira GM, Yamamoto FM, Lima MC. Ligas Acadêmicas e formação médica: contribuições e desafios. Interface (Botucatu). 2008;12(27):713-20. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832008000400003
4. Associação Brasileira de Ligas Acadêmicas de Medicina - ABLAM. São Paulo: Associação Brasileira de Ligas Acadêmicas de Medicina [cited 2012 Feb 26]. Available from: http://www.ablam.org.br/institucional.html
5. Trajman A, Selig L, Teixeira Belo MT, Teixeira EG, Brito R, Kritski A. The Tuberculosis Scientific League: enrolling medical students in the battle against the disease. Int J Tuberc Lung Dis. 2001;5(12):1165-6. PMid:11769780.